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segunda-feira, 31 de março de 2008

A RESISTÊNCIA DO ELÁSTICO

É uma tendência natural dos poderes absolutos: à medida que os sintomas de desconforto e tensão social aumentam e quando pairam sinais de incapacidade política face à conjuntura económica, tendencial e obsessivamente, fecham o cerco, apertam o controlo sobre os adversários, inclusive, na sede do debate político, emitem frases assassinas castradoras do pensamento e da liberdade, censuram, consolidam os tiques autoritários, arrogantes e intimidatórios, vasculham a vida das pessoas e cresce, temporariamente, a vassalagem dos arregimentados. Quando aqui chegam é porque o sistema, o caudilhismo e o caudilho, estão feridos de morte pois não só não conseguem manter a aura de seriedade e de credibilidade política que os levou ao poder, como emerge um fosso de progressiva desconfiança entre a aparência e a realidade. Da conjuntura resulta que esta liderança autocrática e carismática perde fôlego pelo desgaste do tempo e soçobra, lenta mas seguramente. Daqui à implosão, presumo, é um passo até pela conflitualidade entre apetites de poder que a situação desperta. Ela ficará a depender, apenas, do grau das carências sentidas. O povo pode não compreender as causas, decifrar os contornos da longa história que viveu, pode não ter maturidade cultural e política, porém, sentindo o peso da cruz, normalmente não perdoa. Revolta-se.
Os sinais andam por aí. Basta cruzá-los, observando os desabafos e os silêncios, as entrelinhas do discurso político, a angústia dos empresários, dos agricultores e pescadores, o sufoco dos industriais de hotelaria, a pobreza que corrói a sociedade, o desemprego geral e o qualificado, o regresso à emigração, a ausência de políticas de família, a toxicodependência galopante e a consequente insegurança, a mediocridade da política educativa e os respectivos indicadores de insucesso, a capitulação do poder autárquico, o crónico desordenamento territorial, o património que se esvai nas mãos de privados que mandam em séculos de história, o colapso das sociedades de desenvolvimento e a ausência de rendibilidade dos investimentos, a política de transportes e as teias da operação portuária, a insustentável dívida pública de três mil milhões de euros e a incapacidade para mudar de paradigma económico, as fortunas mal explicadas e a voz do povo sobre a corrupção, a governamentalização da rádio e da televisão públicas, a excessiva e malbaratada política subsidiodependente e os preocupantes relatórios do Tribunal de Contas, a péssima qualidade da democracia, tudo isto e muito mais está a gerar um odor nauseabundo consequência da decomposição política, porque tudo tem o seu tempo e este poder já teve o seu.
O elástico está no limite da resistência. Se considerarmos, ainda, que a violência verbal, a estridente gritaria na argumentação política e o tom autoritário já não são tidos em consideração, passam pela sociedade como a água nas penas de um pato, que os subtis ou descarados apelos ao separatismo há muito entraram no domínio histriónico e das manobras estratégicas sem credibilidade e que é evidente, por isso, o progressivo isolamento político da Região, pode-se então deduzir que não é grande o espaço de manobra para o actual poder. Aproximam-se tempos de clarificação política, por isso, espero voltar a ouvir “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, em serena versão regional, como senha de um tempo novo que urge iniciar e construir. Porque há muito que, embora em regime democrático, as decisões políticas se afastaram dos verdadeiros interesses deste povo insulano, do futuro e dos índices de desenvolvimento humano.
Opinião publicada no Diário de Notícias - Madeira
31.03.08

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