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terça-feira, 30 de setembro de 2008

O DOM DA INFALIBILIDADE

É, de facto, difícil conviver com a política que por aqui acontece. Quem tem opinião diferente, há muitos anos que é assim, é visado, socialmente olhado pelo canto do olho e até subtilmente perseguido. Debater ideias, obviamente que sim, mas apenas no círculo fechado dos mesmos. Aos que se intrometem, a confraria junta-se, espezinha e rotula, sobretudo se ultrapassarem o limite imposto pela casta. Como se uns tivessem sido tocados pelo "dom" da infalibilidade e aos outros, coitados, tais pata rapadas, resta-lhes cumprir. É a política e, talvez, a Democracia no seu pior. Fala-se de alhos e respondem com bugalhos. Fala-se do analfabetismo na Região e a resposta é o insulto. Fala-se de assuntos que merecem uma profunda reflexão e respondem com banalidades. Sempre foi assim esta mania dos intocáveis. E quando perdem no campo da fundamentação técnica e política, vasculham a vida das pessoas, fazem-lhe a folha, como soe dizer-se, para atacá-las na parte pessoal, privada e até familiar. E inventam e caracterizam os opositores como se os conhecessem no que eles realmente são. A história recente da Madeira está cheia de situações destas. Abomino esse campo de jogo com regras viciadas e até periodicamente adaptadas à forma que melhor jeito dá. Até porque ninguém é portador de qualquer verdade absoluta e eu que o diga quantas vezes reconsidero posições a partir de outros ângulos de análise. Mas, enfim…
Lamentável, também, é o apagão que se dá na consciência quando, por uma circunstância da vida, se sentam numa frágil cadeira do poder. Rapidamente se esquecem do que defendiam e a verdade passa a ser apenas uma. E os amigos juntam-se ao coro pedindo cadafalso e morte política. Até aqueles que, pela sua irrepreensível conduta social e reconhecida competência profissional era expectável um distanciamento, alinham porque as cumplicidades assim exigem. Perdem o norte e espumam, embebedados pelas vivências sociais e, num ápice, toca a bater, a abater e a abafar a realidade.
Achei interessante, há dias, o contraponto que encontrei num texto do notável Professor José Pacheco, após ter lido uma carta de grotesco insulto: "(...) Há cerca de vinte anos fiz uma afirmação que deixou muitos professores indignados. A indignação não me surpreendeu, pois há sempre quem reaja, quando o texto não é "politicamente correcto". Ainda hoje, há muitos professores indignados com o que eu digo, ou escrevo. Haverá sempre quem recuse ver que o rei vai nu. Mas o futuro tem mostrado que aquilo que é verdadeiro acaba sendo provado. Mesmo que os "indignados" tentem tapar o céu com a peneira…". Na "mouche". Respirei fundo e lá no meu mais profundo sentir uma brisa de alívio passou.
Agora, de uma coisa estou certo: este caminho feito de intolerância, de maldade, ódio, auto-suficiência, de madeirenses contra madeirenses, a prazo, pagar-se-á caro porque ele é susceptível de ser gerador de novas intolerâncias, de olhares enviesados e de ódios. Há muitas tensões por aí consequência da acção política. Tal como no processo de um vulcão estamos na fase de expulsão dos gases, politicamente muito tóxicos, e chegará o dia da lava, das convulsões sociais geradoras de pânico. É preciso frenar, enquanto é tempo, esta crescente onda de intolerância, de poder a qualquer preço, tempo de vivificar a Democracia, enquanto regime e a vivência democrática daí resultante, no pressuposto que o poder é sempre efémero e que os contributos dos outros são importantes na construção de uma sociedade melhor preparada. Reconheço, todavia, não ser tarefa fácil na decorrência de raízes com 32 anos de poder absoluto.
Artigo de opinião, da minha autoria, publicado na edição de hoje do DN.

2 comentários:

João Carvalho Fernandes disse...

Excelente!

Um perfeito diagnóstico da situaão política madeirense.

Os meus parabéns!

André Escórcio disse...

Muito obrigado.