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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

POLÍTICA EDUCATIVA

Alguns excertos de uma entrevista publicada, hoje, no TRIBUNA DA MADEIRA. As declarações produzidas são da responsabilidade do autor deste blogue.

O sistema educativo, do ponto de vista organizacional, curricular e programático está velho e agoniza e não é persistindo na rotina e em discursos pintados de fresco que os resultados serão melhores.
O futuro depende de uma boa escola pública, desde o pré-escolar ao superior, aberta aos sinais do mundo. E este complexo caminho não se resolve contando ou escrevendo histórias aos meninos. Resolve-se com trabalho, organização e eficiência, com currículos e programas articulados no tempo e impondo a toda a comunidade educativa um permanente e saudável desassossego. Resolve-se com uma verdadeira autonomia dos estabelecimentos de ensino e atribuindo à Escola capacidade orçamental de acordo com o seu projecto educativo; dignificando e respeitando a função docente, colocando-se ao lado e não contra os docentes; rejeitando a velha escola do passado mas sem embarcar no desvario do presente onde emerge a perda de autoridade dos professores; quebrando os muros das escolas deixando-as interagir com a sociedade, com a cultura e com todos os sistemas sociais; com melhor formação contínua de todos os que pertencem à comunidade educativa; com mais democracia ouvindo os educadores, professores, a instituição universitária local e os parceiros sociais de uma forma aberta e não condicionada ou apenas quando interessa; resolve-se através do estabelecimento de prioridades: mais estádios de futebol ou mais escola; mais marinas ou mais escola; mais festas ou mais escola; mais um túnel ou mais escola. É uma questão de opção.
O direito à educação é muito mais do que um direito à escolarização. O que há muitos anos acontece é a concretização do direito a frequentar a escola. Mas o que lá se faz e como se faz, se o sistema está configurado ou não para um futuro desejável, isso não tem constituído preocupação dominante. Na prática, as políticas têm, sucessivamente, reduzido a docência à funcionarização e o aluno a um mero número.
Depois, a economia deve estar ao serviço do Homem e não ao contrário. E o que se verifica hoje é a ausência de políticas centradas no Homem, neste caso nos jovens. E isso acontece pelo neoliberalismo que, perversamente, por aí anda à solta, que torna as pessoas num mero instrumento ao serviço do lucro. Muitos têm de ficar irremediavelmente para trás para que outros possam ter caminho aberto. Isto é perverso mas é a realidade mais profunda da escola de hoje. Embora escolarizadas há uma subjacente intenção de criar também túneis na cabeça das pessoas. Esta política interessa a alguns. Por isso mostram-se cegos, por vezes míopes e até estrábicos. No entanto, sabem o que querem.
O sistema de avaliação nacional, reproduzido no estatuto regional, parte de uma concepção errada. Eu rejeito uma escola obcecada pela avaliação. Porque o aluno deixa de estar em causa e o objectivo desloca-se para a progressão do professor na carreira. Aliás, o governo não pretende, sequer, uma avaliação de desempenho mas sim uma classificação de desempenho. Porque a classificação rotula e pune. Eu defendo, por tudo isto, a assunção de uma Cultura de Desempenho onde a meta seja os jovens em formação para a vida. Aliás, num tempo que tanto se fala do sector privado, o Governo ainda não se apercebeu que no sistema empresarial de topo, o que existe é uma cultura de desempenho que tem muito mais a ver com o êxito global da instituição do que propriamente com objectivos menores de fiscalização e medição do trabalho feito. As empresas de sucesso já não vão por aí.
Esta sociedade é violenta. É a sociedade do ter antes do ser, do consumo e das aparências, da competição feroz, que não valoriza o saber, o papel da escola e dos professores, é a sociedade de muitas famílias atoladas na miséria, no alcoolismo, na toxicodependência, nos ambientes de maus tratos e abusos sexuais. Uma parcela da sociedade obviamente que escapa, uma outra é empurrada para os comportamentos indesejáveis. Daí que se possa dizer que a indisciplina e a violência na escola e da escola sejam uma emanação da sociedade. Parafraseando a sabedoria popular, eu diria: diz-me quais as características da sociedade onde vives e dir-te-ei que escola tens. Portanto, a indisciplina e a violência, pequena ou grande, tem implicações muito profundas e essas implicações residem nos princípios e valores da organização social e nas políticas globais e sectoriais promovidas pelos governos.

2 comentários:

Ilidio Sousa disse...

Tenho de concordar que o sistema educativo, reforma após reforma, permanece inexplicavelmente ineficaz em muitos aspectos, mas também é certo que muito mais pode ser feito pelas nossas escolas, basta que não se deixem enclausurar nas tais velhas rotinas.

a) Directores e professores devem estar cada vez mais preparados para inovar e para aceitar, analisar e testar novas ideias, que visem solucionar os problemas da escola, identificando claramente os problemas e procurando solucionámos, mas também evitando o imobilismo e a repetição de experiências comprovadamente pouco eficazes. Em suma, aceitar novas soluções para os velhos ou novos problemas.

b) Outro factor fundamental da aprendizagem é a motivação (de alunos e professores). Desconhecer os objectivos por que se trabalha leva à desmotivação generalizada e desmotivado, ninguém cria coisas novas e muitas vezes nem sequer cumpre devidamente as suas obrigações. Pergunto, quantos professores e alunos conhecem o projecto educativo da sua escola? Dar a conhecer o projecto educativo, os objectivos, as metas e a importância de cada um dos actores escolares nesse projecto afigura-se essencial, bem como, dar condições para que todos desenvolvam o seu papel na escola e simultaneamente, atribuir a cada um a devida responsabilidade no desenvolvimento do projecto educativo.
Cada um dos intervenientes deve ter autonomia para fazer a sua parte, solucionar problemas e criar novas soluções para pequenas questões sem solicitar, sistematicamente, autorização aos superiores hierárquicos que devem potenciar sinergias, estimular a troca de experiências entre os vários actores, dando a conhecer o que os outros fazem e as soluções encontradas.
Um bom ponto de partida talvez seja cada um ajudar a motivar a instituição escolar fazendo o que deseja que os alunos ou colegas façam. Assim, podemos dar o primeiro passo contra a visão de “só ir para a escola para trabalhar”, podemos ir para a escola para participar num projecto.

c) Para que a motivação exista nas escolas é necessário que os programas sejam próximos da realidade vivenciada pelos alunos e com temas agradáveis. Porém, apesar da Lei de Bases do Sistema Educativo indicar uma política de descentralização e de autonomia das escolas (artigo 3º Alínea g), continua a exigir-se um excessivo apego ao cumprimento dos programas e currículos oficiais, dando pouco espaço à autonomia e flexibilidade das escolas, que são confrontadas com exames de carácter nacional e ranking’s baseados em exames de formato único para todo o país. Hoje as nossas escolas quase não ensinam as pessoas a encontrar os seus talentos ou a compreender o meio onde se inserem, ensinam fundamentalmente a decorar um currículo. Como refere Antunes (2001, p.89), "a escola constitui-se como uma “torre de marfim, distante, isolada, obcecada pelo cumprimento dos programas e pelo ensino dos conteúdos científicos, e desatenta relativamente à aquisição de competências para os compreender e aplicar, porque está totalmente alheada e praticamente incomunicável com a comunidade em que se insere".
Embora considere os conteúdos curriculares essenciais, vejo que a escola pode ir mais além, ajudando o aluno a conhecer-se e a conhecer o mundo onde se insere, procurando adequar o currículo ao meio envolvente e as suas especificidades naturais, sociais e económicas, dado assim passos mais significativos no sentido de aproximar o Ensino a uma efectiva Educação enquanto “processo que visa o desenvolvimento harmónico do ser humano nos seus aspectos intelectual, moral e físico e a sua inserção na sociedade”).

André Escórcio disse...

Concordo, totalmente, com a sua análise.Pena me fica que existindo pessoas com capacidade para desenvolver projectos sérios e portadores de futuro, continuemos subordinados a quem não quer ouvir e aproveitar o que de relevante alguns vão dizendo.