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domingo, 19 de outubro de 2008

COMPARTICIPAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS

Há muito que se adivinhava que esta situação iria descambar. Muitos analistas sociais escreveram (e continuam a escrever) sobre a organização das sociedades face os desafios e consequências de uma globalização num formato capitalista selvagem. A mudança, sempre necessária, porque geradora de criatividade e inovação, ao contrário de ir ao encontro do bem-estar, do óptimo social da liberdade, lenta mas seguramente, foi empurrando o Homem para o labirinto dos interesses dos poderosos, da ganância e do lucro relativamente fácil. Pelo caminho, de forma paciente e inteligente, foi roubando direitos penosamente conquistados, roubando horas extraordinárias, multiplicando a precariedade, aumentando o número de horas de trabalho diárias, medindo os resultados por objectivos sufocantes, espezinhando na contratação colectiva, despedindo por inadaptação, gerando doenças por instabilidade emocional. Para dar resposta à desregulação e ao previsível caos, multiplicaram-se as creches, infantários, escolas a tempo inteiro, numa lógica de tendencial "armazém de crianças", enquanto os pais labutam. E tornaram-se impiedosos quando os utentes, não por desleixo, certamente na maioria dos casos, mas por necessidades impostas pelo mundo laboral, têm de pagar "comparticipações extraordinárias", vulgo multas, por atrasos na hora do reencontro com os filhos. Porque o "armazém" tem horas de abertura e de encerramento. Ponto final. Curioso é o facto dos que impõem esta lógica de funcionamento da sociedade disporem de carro e de empregados para lhes resolver os problemas. Quantos políticos utilizam os meios oficiais nesse sentido! Não pagam as ditas "comparticipações extraordinárias". Os outros, coitados, que se amanhem.
Isto significa que a classe política que deveria assumir uma preocupação centrada no equilíbrio da construção da sociedade e do desenvolvimento, pelo contrário, tem andado a reboque da imposição do deus mercado, como se mais horas de trabalho significasse maior qualidade na produção e como se um maior número de horas passadas na escola resolvesse o problema da educação. O êxito não passa por aí. Passa, sustento eu, pela irrepreensível qualidade do pré-escolar, da formação básica, secundária, superior e profissional especializada (muitas disciplinas e desarticuladas no tempo não é sinónimo de melhor conhecimento), pela estabilidade no emprego (a lógica de "nada mais certo no futuro que o emprego incerto" tem já uma pesada factura social a pagar por todos), pelo rigor, qualidade e disciplina que devem nortear as funções profissionais nas horas de trabalho, pelas justas remunerações, pelas políticas de família e respectiva co-responsabilização no processo educativo, pelo combate aos vícios e desvios comportamentais, por investimentos públicos que respeitem os princípios do desenvolvimento, particularmente, o da prioridade estrutural.
Desregularam completamente a sociedade e, agora, o "zé dos anzóis e a maria cachucha" que paguem os cinco minutos de atraso!

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