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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

TRANSPORTE ESCOLAR VS GOVERNO SOCIAL

Ainda hoje, senti o cerceamento do direito à palavra. Para apresentar o meu ponto de vista relativamente ao grave problema do preço dos transportes escolares, situação que está a afectar gravemente as famílias, dispus de, apenas, três minutos. O partido promotor da iniciativa (BE) teve dois minutos. Ora, não é possível, de uma forma séria e fundamentada, conceber e estruturar uma ideia em três minutos. Corre-se o risco de dizer banalidades. Paradoxalmente, assim acontece, quando o projecto em debate é considerado "urgente". Ora, se é "urgente", então, mais razão existe para um mais alargado tempo para os deputados discutirem o projecto. Mas a maioria entende que não, e se é para chumbar, ora bem, que interesse existe em esgrimir argumentos, perguntarão! Neste Regimento, as dúvidas não existem, os pedidos de esclarecimento ficam pelo caminho, cada um tem de vender o seu peixe de forma rápida, porque há que passar à votação e ao chumbo. Enfim, nos tempos mais próximos será assim e não há volta a dar.
Mas hoje esteve em discussão a questão dos transportes escolares. Na oportunidade, a correr, cortando mais de 50% do texto que tinha elaborado, "ditei" (foi isto que aconteceu) para o Diário das Sessões a seguinte intervenção:
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Não basta a Portaria 39/2008, logo nas primeiras palavras, dizer que ela visa “actualizar, na perspectiva das desigualdades sociais, os mecanismos da acção social enquanto instrumento promotor de melhor e mais justo acesso à Educação e ao Ensino”. Não basta dizer isto.
A Portaria tem de ser consequente.
A Portaria não pode ficar-se pelas palavras que ficam bem, que ornamentam o texto, não pode ficar pela retórica, dando a entender compreensão pelos problemas. A Portaria tem de ser consequente.
E não é, como compreendem, permitindo a aplicação de valores exorbitantes no passe social que ela, na prática, para muitas famílias, testemunha compreensão pelos problemas sociais. A questão aqui, no quadro da sociedade que temos, não é a de dar a todos por igual mas é, indiscutivelmente, a de colocar todos em pé de igualdade no acesso à Educação. No tiro de partida para a vida não é aceitável que se permitam falsas partidas. Já basta o facto de uns, por razões económicas e culturais, terem mais possibilidades de saírem vencedores dessa corrida. O que o governo não pode fazer, em circunstância alguma, é que os outros não oiçam o tiro de partida ou desistam à primeira volta.
Todos sabemos que a situação social é grave. Todos reconhecem que se acentuaram, nos últimos tempos, as assimetrias sociais, que o desemprego aumentou, que há instabilidade, precariedade, dificuldades no acesso ao emprego, trabalhadores mal remunerados, todos, senhores deputados sabem disso. A realidade nua e crua está aí e precisa de uma actuação séria, humanista, de grande sensibilidade social, de preocupação pelos outros, de rigor nos investimentos, de maior preocupação pelo Homem.
A grande obra está na complexa formação do Homem que o torne feliz e disponível para a conquista do Mundo.
A Portaria fala em benefícios; deveria falar de apoios. A portaria fala em aumentar a atractividade pela educação e pela qualificação mas, logo a seguir, de forma chocante, expulsa da frequência escolar quem não paga a tempo e horas a comparticipação devida. Até parece que o governo paga os seus fornecedores a tempo e horas.
E perguntamos nós, pelo contrário, que fiscalização existe para aqueles que vigarizam, que apresentam prejuízos na actividade profissional para beneficiarem de apoios da ASE, mas ao mesmo tempo evidenciam claros sinais exteriores de riqueza. A esses o que é que lhes acontece? O que acontece àqueles que embora tendo riqueza, que até convidam os colegas para uma tarde na piscina da casa, recebem apoios da acção social?
É esta Portaria, reveladora de insensibilidade para com os que menos têm, que deve, rapidamente, ser revista.
Nós vamos votar favoravelmente esta proposta, não por que ela nos satisfaça no que se refere ao seu articulado, mas porque ela denuncia uma injustiça que deve ser analisada à luz do que temos vindo a dizer.
Escusado será de dizer... este projecto, cujo assunto aflige centenas de famílias, foi chumbado.
Estava em causa a gratuitidade dos transportes para os alunos da escolaridade obrigatória.

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