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domingo, 30 de novembro de 2008

DROGA KEYNESIANA

Este governo da Madeira nunca foi social e, portanto, julgo que não é de estranhar o facto de o Orçamento de 2009 não demonstrar essa matriz. O modelo económico subjacente impede-o. Dir-se-á que o governo sofre da síndrome do toxicodependente, isto é, na ressaca precisa de mais droga. Ora, neste pressuposto, o governo, todos os dias, precisa também de uma dose de obras, de mais cimento, para acalmar os sinais de desconforto. Há muito que assim é, simplesmente porque não tem coragem nem para sair do convívio toxicodependente tampouco para tratar-se. Há vendedores em redor e carteiras a encher. É pois um governo sempre em êxtase, numa boa, com os dedos em v e sempre atento a deitar a mão onde há indícios de haver dinheiro... para a dose diária!
Ora, se outras fossem as preocupações, numa terra tão pequena e com tão poucos habitantes, um governo com um corpo limpinho não permitiria o assustador número de pobres que se eleva a mais de 50.000; não teria hospitais com tantas "altas problemáticas"; não teria um milhar de idosos à espera de cama em um lar; não teria enfermeiros a trabalhar em supermercados; não teria hospitais a necessitar de roupas de cama; não teria um milhar de crianças em risco, marcadas no seu projecto de vida, institucionalizadas, acompanhadas ou em famílias de acolhimento; não teria uma classe média aflita; não permitiria tanta diferença entre ricos e pobres; não teria um comércio a soçobrar; não teria uma escola sem meios para os seus projectos educativos; não teria o batalhão de alcoólicos e de toxicodependentes que por aí andam a semear um futuro negro; não teria a pouca-vergonha dos reembolsos na saúde aos níveis que estão; não teria a cultura a reclamar mais dinheiro; não teria um desporto de milhões de euros para satisfazer uns poucos e não teria obras semeadas sem retorno económico e social. Teria, certamente, os idosos a aviar, na farmácia, toda a receita médica e tê-los-ia abrangido com um complemento de pensão; teria uma escola com uma eficaz acção social; teria infra-estruturas proporcionais à dimensão da Região; teria um governo com menos direcções regionais, directores de serviço, chefes de divisão e assessores aposentados; teria autarquias a separar o essencial do acessório sem necessidade de comprometedores endividamentos, teria, certamente, gente mais feliz, com emprego e sem lágrimas.
Mas a droga não permite. A droga keynesiana, estúpida, maquiavélica, alucinogénia, destruidora de pessoas, de espaços e paisagens, não concede qualquer hipótese de fuga. Quem tem o poder tem a droga e vice-versa. Ela envolve, contagia, move-se de forma labiríntica e mata perante a indiferença da maioria que nem conta da corrosão social dá. É uma droga dura que não permite pensar em outras soluções, até porque ainda há mercado, porque as quadrilhas andam por aí e manifestam um claro desejo de poder e mais dinheiro. E a dose tem de ser servida e consumida, porque o negócio rende a todos os níveis, nas contas bancárias e nas contas eleitorais.
A droga, parafraseando Ernst Jünger, "é a irrupção triunfal da planta em nós". E o negócio da droga, sublinha Ricardo Kelmer, "é para profissionais e não para românticos Robin Hood". Porque os chefes não estão interessados em melhorar a vida de ninguém, mas em obter mais poder para se defenderem das outras quadrilhas que cobiçam seu território.
E o cidadão, pergunto eu?
Esse, coitado, recorre, levanta a voz, condena a droga de vida que leva, mas com chumbo certo em todas as propostas parlamentares! Governo social? Bom, primeiro, uma desintoxicação e, depois, logo se verá.
Artigo de opinião, da minha autoria, publicado na edição de hoje do DN-Madeira.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro André Escórcio
Mais que o Político, é o Cidadão angustiado que escreve, e sente, tão severa e acertada crítica.
Digo isto porquanto, sendo esta região um péssimo exemplo, começa a encontrar paralelismos noutra latitude...
Não é fácil ser-se Democrata onde a Democracia não existe ou onde tende para a caricatura...
Parabéns por manter a verticalidade da serviz.
Bom feriado.

André Escórcio disse...

Obrigado por tão amáveis e sentidas palavras. Os verdadeiros Democratas são assim. Acredito que, apesar de tudo, sopram por aí ventos de mudança. Parece-me pouco provável que a próxima onda imponha mais caos no caótico sistema social e de valores.
A Democracia vingará e é por isso que vale a pena, apesar de todos os constrangimentos, manter a palavra que conduza as pessoas a reflectirem e descobrirem quão erradas andam. Mas é difícil, muito difícil. A engrenagem é sofisticada, oleada e tem meios poderosíssimos ao seu dispor.
Um bom feriado também para si.