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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

UMA PONTE PARA A VIDA

Imagine o leitor uma escola com as seguintes características:
220 alunos, classes do 1º ao 9º ano, 38 professores (média de 5,7 professores por aluno), todos os alunos são considerados especiais, todos os professores são professores de todos os alunos, que não há toques de entrada e de saída, os grupos de aprendizagem são organizados de forma heterogénea, não há lugares fixos na sala, todos os anos os alunos decidem, democraticamente, na Assembleia de Escola, os direitos e deveres que consideram fundamentais, onde o órgão máximo da escola é o conselho de pais, onde se desliga o telemóvel ao entrar na escola, onde os visitantes fazem o máximo silêncio em cada espaço, têm o direito de assistir à Assembleia de escola (todas as semanas) e de permanecer nos espaços onde os alunos se encontram em aprendizagem.
Com estas características, dirão alguns leitores menos familiarizados com os processos educativos, os que tomam por referência a escola que vivenciaram, que aquele é o caminho para o insucesso. Enganados, estão. Há uma escola em Portugal que funciona assim, que não há ministro que não a visite, que colecciona prémios, falada Mundo fora, cujos alunos, quando de lá saem para o “ensino tradicional” (10º ano e seguintes) não experimentam dificuldades de adaptação, mas as escolas, essas sim, têm sérias dificuldades para acompanhar tais alunos. Trata-se da Escola da Ponte, na Vila das Aves. Uma escola pública que eu acompanho, há muitos anos, através de textos, livros e do inesgotável saber do notável professor José Pacheco.
Herbert Read (1893/1968) disse que “(...) o primeiro requisito de qualquer civilização que tenha pretensões a possuir valores culturais é a criação de um sistema de educação e ensino que seja capaz, não apenas de preservar a sensibilidade natural da criança, mas de fazer dela a base do desenvolvimento mental.” Ora, sem deixar de "dar o programa", sublinham os professores da Ponte, nós vamos além do aprender a ler, escrever e contar, porque educar é mais do que preparar alunos para fazer exames, é ajudar as crianças a entenderem e criarem mundo, a realizarem-se como pessoas, muito para além do tempo de escolarização. Quando uma professora, em plena assembleia, perguntou à Catarina, de sete anos de idade, "quando acontece cidadania?", a pequena respondeu prontamente: "acontece sempre". E, quando a professora insistiu, pedindo que a aluna explicitasse a resposta, esta acrescentou: "É quando eu levanto o braço para pedir a palavra ou pedir ajuda, quando me levanto e arrumo a cadeira sem fazer barulho, quando ajudo os meus colegas no grupo, quando apanho lixo do chão e o deito no caixote do lixo, quando ouço o meu colega com atenção, quando estou na Assembleia...".
Não são teorias, são realidades, só possíveis com um novo ordenamento da rede escolar, com estabelecimentos de ensino com poucos alunos, com um alto rácio professor/aluno, uma organização interna autónoma e diferente, dinâmicas educativas que desenvolvam o sentido de liberdade, de responsabilidade e de interesse pelo conhecimento, onde os professores e alunos, cada um à sua maneira, não formem um arquipélago de solidões e onde exista mais interrogações que certezas.
Significa isto, agora numa aproximação à Região, onde há mais certezas que interrogações, que a Educação precisa de uma revolução. Numa Região tão pequena e com tão poucos alunos, tão fácil teria sido, com menos gente sentada atrás de secretárias a azucrinar a cabeça dos educadores e professores, romper com a escola do Séc. XIX que persiste e implementar um sistema para este tempo de vida e de irrepreensível qualidade pedagógica. Definitivamente, não sabem nem procuram saber como se operacionaliza. Tenho pena.

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