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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

APARTHEID SOCIAL

A sociedade madeirense está doente. Há pretos e brancos, ou, melhor dizendo, há brancos, mas uns mais brancos do que outros. O apartheid social é indisfarçável. É "raffiné". Há os que vivem nas margens e os outros da obscena ostentação; há os obedientes e assertivos para o poder e os considerados "pata rapadas" da oposição; há os que se vendem, bajulam, põem-se em sentido e curvam-se por um poderzito e uns cobres e os outros que não vendem a alma; há os que enriquecem sem tocar no produto e os outros que trabalham no arame, sem rede, e devolvem casa ao banco; há os que conseguem jogar monopólio com a Câmara e os outros à rasca para alojarem os filhos; há os que conseguem emprego para toda a família e os da longa lista que desesperam por uma oportunidade; há os que compram todos os medicamentos e os outros que pedem para aviar os menos caros; há quem saiba onde está a árvore das patacas e os outros que cada mês sobra mais mês; há os que aparecem em todas as manifestações culturais e não só e os outros, olhados de esguelha, como se lhes perguntassem: o que está este aqui a fazer?; há os aparentemente cultos e os outros que metem dó pelas limitações que apresentam; há os oportunistas levados ao colo e os outros que esticam por todo o lado para manterem a empresa viável; há os que, a coberto da imunidade, insultam, denigrem e aviltam a imagem e dignidade de uma pessoa, e os outros que, num ápice, vão pelas canas adentro. Enfim, vivemos numa sociedade claramente dividida entre bons e maus, entre o poder e seus protegidos e os outros. É uma constatação não é uma ficção.
Aliás, o caminho foi traçado há muitos anos e só podia dar naquilo que, genericamente, caracteriza o desequilíbrio da sociedade madeirense. A forma tem os contornos de sempre. O conteúdo foi variando de acordo com as circunstâncias. Quem, por aí, neste inferno político regional, tenta deitar a cabeça de fora, dizendo o que lhe vai na alma, sem medo e contando apenas com o activo das convicções, ao primeiro movimento fazem-lhe, meticulosamente, a folha e assustam-no, nos movimentos seguintes, investem, atiram-lhe lama, conspurcam a vida e derramam ondas de suspeição. Para a casta que lidera não há gente academicamente qualificada, gente que pensa, gente capaz de produzir uma melhor sociedade fora das suas muralhas e do seu espartilho político. Antes, havia quem fizesse telefonemas, pela madrugada, de forma anónima e cobarde, ofendendo e deixando mensagens, algumas aterradoras; hoje, o descaramento e a soberba, com a permissão do povo anestesiado, o estado de abandalhamento dos valores a que se chegou, valores que deveriam nortear a vida, vivência e convivência democráticas, levam-nos à mais baixa e revoltante frontalidade, porque sabem que lançada a suspeição é uma carga de trabalhos a recuperação da imagem. Só nos Tribunais e, ainda assim, se a Justiça funcionar. Individualmente, ferem a dignidade e o direito ao bom nome dos outros, ao mesmo tempo que se juntam para defender e proteger o clã, mantendo seguras as cadeiras dos vários poderes. É o círculo vicioso da aberrante política regional, baptizada, segundo os próprios, de "máfia boazinha". Era caso para Al Capone interrogar-se: como é possível fazer tanto sangue sem um único tiro!
Este apartheid social tem um tempo. Ninguém o suporta mesmo aqueles que, por conveniência, tantas vezes se violam e se estendem para que o poder passe incólume. Certo é que a natureza do Homem impede-o de viver na gaiola. Por todo o lado partiu as amarras e libertou-se. Voou. Aqui não fugirá a essa regra da História e da espécie.
Nota:
Artigo de opinião, da minha autoria, publicado na edição de hoje do DN-Madeira.

3 comentários:

amsf disse...

Óptimo ponto de vista!

Anónimo disse...

Parabéns por este seu artigo no DN local.
A caracterização do tempo político em que vivemos e os efeitos nefandos sobre o povo madeirense que dele sobejam, está sublime!
As palavras estão lá todas e no sítio certo!
Antigamente éramos explorados e subjugados; hoje somos governados. Para o povo tem sido a mesma servidão, agora requintada.
Mais uma vez os meus parabéns!
Nr. Em relação ao meu último comentário aqui colocado, abordei a dicotomia das convicções de "esquerda" e de "direita" porque elas, inevitavelmente condicionam todo o pensar humano, por conseguinte, também os temas da educação. Normalmente as atitudes mais "duras", mais "enérgicas", mais "ousadas", mais "vanguardistas" pertencem ao pensamento "direito" do mundo. O "esquerdo" perde imenso tempo nas "abordagens", nas "aproximações", no "diálogo" eterno, o que conduz ao adiamento das decisões e, também, ao receio de as assumir.
No curto prazo, conto não monopolizar mais este seu espaço. Obrigado pela atenção.

André Escórcio disse...

Obrigado pelas amáveis considerações.
Não monopoliza nada. É um prazer (Democrático) dialogar com pessoas que evidenciam qualidade. As posições distintas sobre um mesmo problema a todos enriquece. Tenho pena que o governo, por exemplo, não pense assim. Provavelmente estaríamos melhores.
Um abraço e uma vez mais obrigado.