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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

UMA BOA RESPOSTA PARA UM PROBLEMA ERRADO (I)

Sinceramente, não consigo entender o Senhor Secretário Regional da Educação. Acabo de ler as suas declarações sobre o final das retenções na escolaridade obrigatória, referindo que o fim dos chumbos "é mascarar a realidade", salientando que "fazer progredir um aluno que não sabe, não é ajudá-lo, é prejudicá-lo em termos futuros". De forma simplista, fugindo à questão de fundo, o Secretário dispara duas frases que, eu sei, para a maioria das pessoas são pacíficas e aplaudidas. Só que a questão não é assim tão simplista que se possa arrumar em duas frases. Da mesma forma que não se pode arrumar este assunto com a justificação, também ela simplista, que quem não consegue no currículo normal tem como opção os cursos de Educação e Formação. Segrega-se, carimba-se o jovem como incapaz e o problema fica resolvido. Do meu ponto de vista, do que há muito leio e do que se passa em muitos países de sucesso, obviamente que não aceito.
Ora, chumbar não é a solução. Repetir um ano escolar significa uma condenação e eu não vou por aí. A Educação não pode assemelhar-se a um produto que, em fim de prazo, fica numa banca de produtos mais baratos. Se não consegues aqui (currículo normal) vê lá se te desenrascas acolá (currículo alternativo). Em nome da qualidade, do rigor e do sucesso escolar, o que inequivocamente precisamos é de um novo sistema educativo que tenha em consideração os três vértices de um triângulo: organização escolar, organização curricular e organização programática. Estes três pontos naturalmente articulados, a montante da escola, com políticas de família (co-responsabilização no processo educativo), políticas de emprego e laborais. Se a actuação não for integrada, isto é, que contemple a sociedade em geral e a escola em particular, os resultados não serão proporcionais ao investimento. A escola, obviamente, não pode ser remediadora social. Nem tem capacidade nem vocação para isso. Mas passemos à questão Escola.
Organização Escolar
A Escola tem de estar na dianteira da sociedade. Não está. Ela está a reboque da sociedade e incapaz, por isso, de responder em tempo real. A sua matriz é a da Sociedade Industrial e tendencialmente para pior. O sistema escolariza mas não educa. Há um efectivo desajustamento entre o mundo fora da escola e aquele que se vive na escola. Dizia-me um velho professor (1970): "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente. O desencontro é inevitável". Portanto, a organização escolar está em causa. A Escola está cheia de coisas (projectos) mas vazia de significado e de conteúdo. Os estabelecimentos de ensino não podem ter 1000, 1500 e 2000 alunos. Mais de 400/500 é um erro, simplesmente porque o grande torna-se ingerível e os alunos passam a ser números. É aqui que temos de mudar no quadro da Autonomia.
Organização Curricular
O sistema tem de ser desenhado para dar resposta às diferentes capacidades que os jovens denunciam. Não como alternativa segregadora mas como opção importante na construção do futuro. Só por aí se pode caminhar no sentido do conhecimento e da qualidade dos desempenhos. E a Madeira podia e pode ir longe nesta área. A Constituição da República nunca foi nem constitui hoje um entrave. A matriz curricular pode ser nacional. O Português, a Matemática, a Física, etc. são disciplinas comuns. Mas podemos e devemos introduzir, num desenho curricular regional, do 1º ao 3º ciclo do Ensino Básico, outras preocupações, no respeito que o Ensino Básico constitui o alicerce, o lastro, os pilares de um conhecimento que se edificará no Secundário e Universitário. Impõe-se saber ler e escrever bem, ter um bom vocabulário, raciocinar, saber cruzar o conhecimento básico e aplicá-lo em novas situações de aprendizagem. É curioso que se fala tanto no sistema finlandês mas poucos dizem, por exemplo, que lá o problema não está na introdução de mais computadores. Naquilo que corresponde ao nosso Ensino Básico, os alunos têm Educação para a Saúde (integrada em outras disciplinas do primeiro ao sexto ano); História e Direitos Cívicos (do terceiro ao nono ano); Religião e Ética; Música, Artes e até Economia Doméstica (do sétimo ao nono ano). Tudo isto com implicações muito mais vastas do que aquelas que constituem a arquitectura curricular e do conhecimento vividas em Portugal.
Organização Programática
Como é evidente, com uma alteração curricular impõe-se, naturalmente, novas orientações programáticas que tornem a Escola num espaço agradável e vocacionada para o conhecimento e não apenas para debitar a matéria constante dos manuais e imposta pelo Ministério.
Ora, isto implica mudar o pensamento estratégico acerca do Ensino Básico. Neste contexto aqui aflorado, o que o Senhor Secretário Regional defende, em minha opinião, tem um desfasamento de quase 40 anos e, por isso mesmo, constitui uma boa resposta para um problema errado. E mais, o problema da retenção (chumbo) custa, só no Continente, anualmente, 743 milhões de Euros por ano. Na Madeira deve custar alguns. Então, torna-se menos oneroso rever o sistema e atacar, logo ao primeiro sinal de insucesso, com pedagogias diferenciadas, os alunos que evidenciam maiores dificuldades. É mais barato e é o que os outros fazem com sucesso. E isto não se chama facilitar mas sim responsabilizar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ohhhh Senhor Professor, como eu discordo deste seu escrito!!

André Escórcio disse...

Caríssimo,
Durante nove anos fui docente na Universidade da Madeira. Aos meus alunos sempre lhes disse: aqui, todos têm o direito de discordar, só que têm de justificar, cientificamente, os motivos da discordância.
Eu aceito que esta matéria não é pacífica. Aliás, é muito complexa. Sei também o que se passa nas escolas e nas turmas. Conheço o drama dos professores que querem ir mais longe e não conseguem. Mas também conheço as causas. E é nas causas que devemos actuar. Mas sobre esta matéria, ainda hoje escreverei mais qualquer coisa.
É o meu posicionamento com o respeito que tenho pelos outros.
De qualquer forma, a sua frase, embora simples, permitiu-me que eu reflectisse. E isso é bom. Obrigado.