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domingo, 30 de agosto de 2009

O INSULTO

Uma relação decente com a verdade sabe que o insulto não é, por princípio, verdadeiro; sabe que a natureza do insulto é rastejante.

O insulto é milenar. Há compêndios desde o humor insultuoso àquele mais frontal, corrosivo, prenhe de maldade e de idiota imbecilidade. Até há autores que fazem o elogio do insulto. Não vou por aí. Identifico-me com Jorge Forbes, do Instituto Freudiano, que "há um certo prazer, uma cumplicidade do obsessivo com o insulto. Freud pensava que tal prazer o defende da paranóia. Ao escutar alguém dizer que ele é filho da mãe, o obsessivo imagina que podia ter sido pior. O insulto defende-o do superego terrível".
Independentemente de um melhor enquadramento sobretudo na teoria psiquiátrica, no plano político, o insultante demonstra uma desmedida ambição, eu diria, uma neurose obsessiva pela vitória e pelo poder a qualquer preço mesmo que isso corresponda ao espezinhamento dos demais. O insultante não olha para si, não tem bom senso, razoabilidade discursiva, pouco ralado está com o direito ao bom nome e à credibilidade social dos outros, por isso não tem contemplações, ofende, subtil ou directamente, através de um nariz empinado, altivo e de uns olhos que tudo vê de cima para baixo. E o Povo, coitado, pelas múltiplas e variadas grilhetas impostas, invadido, bloqueado e arrolhado nos seus direitos, manietado e despersonalizado pelos tentáculos do poder, aplaude e ri das palhaçadas por ausência de conhecimento da marosca e do negócio que o enreda. Por isso, acha piada ao disparate e a quem, consigo, salta, canta e toma um "seco" com um "dente" de gaiado. Como se o exercício da política fosse um espectáculo de ilusionismo ou comparável a uma rodada de cerveja com tremoços e anedotas de permeio. Aquilo que é importante, a capacidade de análise às partes do todo, as propostas para atenuar o drama do desemprego, a asfixia dos comerciantes, a pobreza, uma melhor educação ou um melhor sistema de saúde, isso, fica para depois, já que a importância dada a esse Povo esgota-se no dia das eleições.
Quem assim se comporta sabe que, nesta sociedade, de plateias amorfas e de colunas de plasticina, o insulto é mais credível que o elogio. Talvez, por isso, seja incorrigível. A atestar, as décadas de violência verbal, de condicionamento da palavra, os inquietantes silêncios, os discursos encrespados, grotescos, autistas, asnáticos, azedos e cheios de palavras assassinas. Porque a culpa é sempre dos outros.
Eu sei, muitos sabem, o que é ser insultado por ter opinião diferente. Agustina Bessa-Luís sintetiza bem o que se sente: "pode-se não recordar os insultos; mas guarda-se deles um amargo de experiência, feia como uma cicatriz". É por isso que me revolto contra esta forma de fazer política, de tudo valer na utilização da palavra como pretexto para o enxovalho. Não se contextualizam os assuntos, não se discorda através de uma argumentação persuasiva e de um contraponto eficaz, antes encena-se e convida-se ao ódio e à intolerância.
Estou com André Barata da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social: "(…) não reajas ao insulto, mas nunca deixes de reagir contra quem dele faça a apologia. Uma relação decente com a verdade sabe que o insulto não é, por princípio, verdadeiro; sabe que a natureza do insulto é rastejante".
O problema é que há uma viciosa cadeia de interesses instalada e uma cultura que conduz a que "as pilhérias variem consoante a sofisticação de quem as profere. O roto gosta de troçar do nu, o pobre zomba do remediado, o zé-povinho faz da política uma galhofa", como li em Maria T. Mónica. Para mal de todos, uns dominam e ampliam bem esta característica, no pressuposto que a liberdade de expressão é sinónima de liberdade para insultar.
Nota:
Opinião da minha autoria publicada na edição de hoje o DN-Madeira.

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