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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

VIOLÊNCIA E INTOLERÂNCIA

Esta manhã foi debatida na Assembleia Legislativa da Madeira, a adaptação à Região da Lei 39/2009 de 30 de Julho, que "Estabelece o Regime Jurídico do Combate à Violência, ao Racismo, à Xenofobia e à Intolerância nos Espectáculos Desportivos, de Forma a Possibilitar a Realização dos Mesmos em Segurança". Na oportunidade, produzi a seguinte intervenção:
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
O Artigo 44º da Lei 39/2009 de 30 de Junho já prevê que, no caso da Região Autónoma da Madeira, no produto das coimas, 60 % reverta para a Região Autónoma; 20 % para a força de segurança que levanta o auto e 20 % para o serviço regional da área do desporto. Sendo assim, parece-nos pouco relevante esta adaptação. Organicamente justifica-se. De outra maneira entenderíamos se a oportunidade tivesse sido aproveitada para ajustar e aditar um qualquer outro enquadramento que consubstancia o diploma nacional.
Não sendo para nós relevante esta adaptação e porque preferíamos que a Assembleia fosse mais legislativa do que adaptativa, queremos aproveitar esta oportunidade para ir um pouco além da simples aplicação de coimas. Simplesmente porque o regime jurídico em causa reporta-se, para além do racismo e da xenofobia, ao combate à violência e à intolerância desportiva. E neste caso, esta oportunidade não deve passar em claro.
E não deve passar em claro porque, lá está, não basta produzir legislação, não basta adaptá-la por razões de arrecadação de receitas, interessa sobretudo olhar para as razões que justificam a existência dessa legislação e o que é que as instituições estão a fazer no sentido de garantir crianças, jovens e adultos bem formados que entendam a prática do desporto, a qualquer nível, como um bem cultural. E dizemos isto porque o que se constata é que o governo mostra-se mais preocupado com as receitas provenientes das coimas, do que com os fenómenos sociais geradores de violência e de intolerância no desporto.
Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, vamos por partes.
Entenderá alguém, que instituições que são financiadas através dos nossos impostos, quer queiram ou não, vivem à custa do erário público, os seus representantes se digladiem publicamente, subtil ou ostensivamente, através de manifestações que são de claríssima violência verbal que acabam por se reflectir na intolerância desportiva, já não digo entre os profissionais do jogo mas entre um público muitas vezes levado por um exacerbado clubismo? Alguém entende isto? Quando, face à lei, enquanto promotores do espectáculo, estão obrigados a incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos e até de aplicar medidas sancionatórias aos seus associados?
O que se passa e que é notícia não faz sentido algum à luz dos princípios que emanam do desporto, muito menos quando é o próprio dinheiro público que sustenta essa violência e essa intolerância. E estamos aqui, senhores deputados, a falar de aplicação de coimas. Que coimas? E quem se atreve a aplicá-las? E quem se atreverá a dizer basta através de um corte nos subsídios que tanta falta fazem em outros sectores e áreas da governação?
Este aspecto é preocupante, mas tão ou mais preocupante é a ausência de formação consistente ao nível escolar. Sei do que falo porque assisti a relatos muito pouco agradáveis em sede de reunião de grupo de disciplina na minha escola. E sei quanta luta é desencadeada, embora de forma inglória, no sentido de pôr termo à indisciplina e à ausência de tolerância em determinados encontros desportivos de âmbito escolar.
Aliás, não só aí, mas também, no sector federado, entre jovens praticantes e entre claques, cujos testemunhos têm sido publicados nas páginas da comunicação social. E isto acontece porque a Região teima, ao contrário do que constitui tendência universal, acabar com a Educação Física e no seu lugar fazer emergir uma disciplina denominada por Educação Desportiva, subordinada, obviamente, a preocupações distintas, de natureza formativa, educativa, humanista, de cultura em que a prática do desporto não constitua apenas um fim mas um meio de educação, de união entre os povos e de irmandade entre as nações. A própria União Europeia dedicou o ano de 2004 como “Ano Europeu da Educação pelo Desporto”, não da educação pela Educação Física.
É hipocrisia extrema falar do desporto enquanto, dizem alguns, “escola de virtudes” e, por outro lado, ter uma prática política que vai no sentido contrário, no sentido da violência e da intolerância. Haja coerência e cumpra-se o Artigo 9º da Lei que desenvolve o conceito de prevenção sócio-educativa através da aprovação e execução de planos e medidas, em particular junto da população em idade escolar e, ainda, o desenvolvimento de campanhas publicitárias que promovam o desportivismo, o ideal de jogo limpo e a integração, especialmente entre a população em idade escolar.
Neste aspecto há um longo caminho a percorrer. A este propósito, lembro aos senhores deputados, o que durante meses, foi repetidamente mostrado nos painéis publicitários espalhados pelo Funchal. Refiro-me a um bloco de imagens, absolutamente vergonhoso, de cenas chocantes de violência na prática dita desportiva. Ora, assim não se educa. E quanto, pergunto, não deveriam ter pago de coima os responsáveis por promoverem a violência e a intolerância?
Mas todos sabemos porque motivo isto acontece. Falta-nos uma cultura e uma mentalidade. Nós vivemos na sociedade da competição feroz, na sociedade da medida e do recorde. E este tipo de sociedade só pode conduzir à violência. À violência do desempregado, à violência do pobre e excluído, à violência da pobreza, à violência familiar, entre outras. E o desporto que deveria ser a tal escola de aprendizagem anti-violência e da tolerância, não o é, pelo contrário, de alto a baixo o sinal que nos é trazido pelos políticos é que estão mais preocupados com as coimas do que propriamente em resolver as questões de fundo que potenciam os comportamentos inapropriados.
Infelizmente, a arrecadação de receitas é mais importante porque há obras físicas a fazer ou a pagar. A obra do ser humano está a ficar, lamentavelmente, para depois. É pena, Senhor presidente, senhoras e senhores deputados.

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