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quinta-feira, 29 de abril de 2010

A CRISE ESTÁ A CHEGAR

Keynes continua a ser o empreiteiro inspirador e não o economista de referência, porque alguém quer ficar na História e alguém pagará as dívidas.


No período antes da ordem do dia, da sessão de hoje da Assembleia Legislativa da Madeira, produzi uma intervenção nos termos que se seguem.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Estamos a atravessar um período de extrema preocupação. Para todos, sem excepção. Um período que faz apelo à tomada de consciência da sua gravidade e, portanto, de cada um assumir as suas responsabilidades. A nós compete-nos reflectir, estudar, propor e fiscalizar os actos do governo. Ao governo compete-lhe governar bem e solucionar os gravíssimos problemas que afectam a sociedade na Região Autónoma da Madeira. Já não há mais espaço para jogar para os ombros de outros responsabilidades que são próprias. A Autonomia Política e Administrativa assim exigem. O momento já não se compadece com fugas, fantasias, máscaras, malabarismos, oportunismos, agressividades, politiquice barata, tudo no sentido de manter o poder a qualquer preço.
O tempo e a velocidade dos acontecimentos jogam contra a Região e a prova disso está na caracterização do estado económico e social em que se encontra esta parcela do território nacional. Não é e não será legítimo, nem de bom senso, a continuação de um discurso de comparação com outros, quando o significado da palavra Autonomia deve traduzir-se por uma outra: responsabilidade. Responsabilidade em todos os domínios, na vida e vivência democráticas, na clara definição das prioridades, o que implica o agendamento das preocupações do Povo e não o agendamento dos interesses de raiz meramente partidária. O Povo que sofre, o Povo que passa mal, não pode nem deve ser secundarizado e triturado pela caterpillar dos mais fortes. E tem sido, resta saber se, intencionalmente.
A crise está a chegar à Região e não vale a pena disfarçar. Tomara que a palavra-chave desta intervenção fosse CONFIANÇA. Infelizmente, não é nem pode ser quando estamos face a uma Região deprimida, frágil, inconsistente, com indicadores que não prognosticam um futuro melhor. Mais, quando se sabe que, a partir de 2012, o sufoco financeiro será ameaçador da própria Autonomia. Quando se vislumbra um horizonte de grande dificuldades, empobrecedores do tecido empresarial, gerador de mais desemprego e de mais pobreza. A palavra confiança não pode ser assumida nem pode ter um cunho de seriedade, à luz do actual discurso político da maioria.
O que hoje se sabe, face aos indicadores disponíveis, é que a Região está a chegar ao limite dos cenários optimistas e dos quadros repetidamente pintados de cores festivas. A tendência será para a inversão das tonalidades que vão gerar maiores constrangimentos económicos, sociais e culturais. É por isso que novas políticas são necessárias para que elas possam dar lugar à esperança e à confiança. Trata-se de uma tarefa de inteligência política, de assunção dos erros, de humildade política e de convergência de esforços.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A Região Autónoma da Madeira está política e socialmente doente. A cifra de 15.300 desempregados, a legião de pobres e de novos pobres que não pára de crescer, a existência de 73 instituições de solidariedade social que matam a fome a muita gente, a aflição diária dos empresários, não só com a estabilidade das suas empresas mas com os compromissos assumidos junto da banca e dos fornecedores, os suicídios, a monumental dívida pública, um sistema educativo que dá uma boa resposta para os problemas de ontem mas que não prepara para os problemas do futuro, um sistema de saúde em conflito por ausência de meios e dívidas e que não respeita os profissionais e os utentes, demonstra, só por aqui, por estes sectores, que este mar que nos rodeia, traduz-se, internamente, por um oceano de graves problemas sem solução à vista.
O estado da Região é muito complexo. E o governo sabe disso, quando a megalomania o faz abrir o cofre e o vê vazio, quando não paga a tempo e horas, mas disfarça, e quando não assume os erros de governação. Keynes continua a ser o empreiteiro inspirador e não o economista de referência, porque alguém quer ficar na História e alguém há-de pagar as dívidas.
Nós não vamos por aí. Ao contrário do que, recentemente, em artigo de opinião, destacou o Senhor Deputado do PSD Jaime Filipe Ramos, no Partido Socialista da Madeira o ódio não é superior ao discernimento. Não nutrimos nem destilamos ódio por ninguém muito menos pelas políticas. Pelo contrário, as nossas políticas, as nossas propostas baseiam-se no discernimento, na leitura factual dos acontecimentos, no estudo e na ponderação que fazemos ao quadro político. Não vimos para aqui sem estudar e debater internamente os assuntos. Não vimos para aqui fantasiar ou cumprir um horário de trabalho. Aquilo que propomos para debate tem uma origem séria e honesta, embora, assumamos sempre o pressuposto que as propostas constituem um ponto de partida e não de chegada. Não somos os iluminados mas também Vossas Excelências da maioria parlamentar não o são.
Agora, senhoras e senhores deputados, não fomos nós que tomámos a iniciativa de revisão do Regimento desta Assembleia no sentido de cada vez mais assistirmos ao condicionamento da palavra; não somos nós que chumbamos todas as iniciativas da oposição; não somos nós que liquidamos qualquer possibilidade de diálogo com o governo quer ao nível do debate quer ao nível da audição parlamentar; não somos nós que rejeitamos pedidos de inquérito, importantes para averiguar situações que suscitam e provocam desconfiança colectiva e que reduzem a zero a importância do primeiro órgão de governo próprio; não somos nós que chumbamos a urgência dos debates, pasme-se, até o facto de 15.000 desempregados, não constituir motivo mais do que suficiente para a urgência de um debate; não somos nós que impedimos a revisão do Estatuto Político-Administrativo que, entre muitos importantes aspectos, decorrentes da revisão constitucional de 2004, regularize o estatuto remuneratório e as incompatibilidades; não somos nós os responsáveis pela Mesa da Assembleia continuar a funcionar de forma claramente irregular e, porventura, dirão melhor os juristas, susceptível de impugnação dos seus actos; e não somos nós os responsáveis pelo abusivo controlo dos meios de comunicação social, que começou pelo Jornal da Madeira, estendeu-se às rádios locais e que hoje toma de assalto o serviço público de rádio e de televisão. Se alguém tem as mãos sujas neste processo e se existe uma face oculta em tudo isto, não somos nós. Se há ódio, esse, não passa por estas bandas.
Ademais, a crise, Senhoras e Senhores Deputados, vem de longe. Não começou em 2004, nem em 2007, tampouco a 20 de Fevereiro de 2010. A crise tem uma história de 34 anos de governação absoluta de um só partido. Vinte de Fevereiro apenas colocou a nu as fragilidades da Região tantas vezes aqui referida.
E a este propósito, queremos aqui assumir e para que fique claro, que vamos acompanhar a agenda política da reconstrução. Ela não vai servir para um qualquer renascimento ou para uma eternização do poder. As nossas preocupações centrar-se-ão, a todo o momento, nas pessoas que estão a passar mal e não vamos admitir que se faça glória política a partir dos escombros. A nossa agenda política é muita clara: enquanto uns proclamam, reconstrução, reconstrução e mais reconstrução, enquanto uns, em um momento em que existem, ainda, pessoas desaparecidas, eventualmente soterradas, já falam da festa das inaugurações, nós vamos continuar atentos a uma outra agenda política que deve correr ao lado da obrigação de reconstruir o que a 20 de Fevereiro levou. E essa agenda é a do desemprego, da economia em falência, da pobreza e da exclusão social, a agenda que questiona o facto de termos os transportes marítimos mais caros que empobrece, ainda mais, quem pouco tem, a agenda do sistema educativo, a agenda do turismo, a agenda dos combustíveis, a agenda dos empresários, a agenda da corrupção de princípios e dos valores que estão a corroer os alicerces da nossa sociedade.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
20 de Fevereiro não vai servir para ocultar, para esconder tudo o resto. Queremos e desejamos uma reconstrução baseada em pressupostos técnico-científicos, uma reconstrução que não se limite às zonas afectadas mas que tenha um olhar muito mais abrangente sobre o território, no que diz respeito ao seu reordenamento, que venha a influenciar, desde logo, todos os instrumentos de planeamento, desde Planos Directores Municipais, ao Plano de Ordenamento da Orla Costeira até às cartas de risco.
20 de Fevereiro não servirá para construir um passeio político como a Lei das Finanças Regionais o foi em 2007. Nós vamos estar atentos. Folgamos com os acordos entre governos e, por isso mesmo, quase todos os dias, enquanto partido que sustenta o governo da República, mantemos relações institucionais que favorecem e potenciam a solução dos problemas da Região, quase todos os dias mantemos contactos ao mais alto nível governativo do País, mas não contem connosco para subtilezas e aproveitamentos políticos que de todo não são os interesses do Povo da Madeira e do Porto Santo.
A reconstrução não vai servir de almofada nem de justificação para esconder os erros de governação. Não vamos admitir que, politicamente, se use a bondade e a fragilidade do Povo para fins de manutenção do poder. A reconstrução é um direito das pessoas e um dever das instituições públicas. Por isso, vamos estar muito atentos, por um lado, lutando pelo cumprimento dos meios necessários e que têm uma significativa responsabilidade nacional, por outro, que a reconstrução não seja utilizada para ocultar as medidas de governação tendentes a solucionar os dramas económicos, sociais e culturais que há muito se abateram sobre o Povo da Madeira e do Porto Santo.
Ilustração: Google Imagens.

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