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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

UM CONVITE À MUDANÇA DE CANAL


Se o Presidente do Governo fizesse um discurso daqueles na Assembleia da República (para já não podia fazer), no dia seguinte, toda a comunicação social apeava-o do poder. Como vulgarmente se diz, ia pelas canas adentro! Isto não pode quedar-se a uma mesa, uma cadeira e um microfone. Tem de haver preparação e nessa gasta-se muitas horas. Depois de estudado, aí sim, venha a crítica, a análise sustentada e nobre, a crítica que ajuda a reflectir e que enobrece, identifica e distingue pela qualidade profissional quem a faz.

Vejo e sigo situações sobre as quais, interrogo-me, como são possíveis. Talvez esteja a ser um pouco ingénuo, pois também sei o que "a casa gasta", no fundo, como é que tudo isto funciona. Conheço a engrenagem, o meio que é muito pequeno, as sensíveis interdependências, a História construída desde 1976, as necessidades de uns e de outros e as sobrevivências perante um mundo de pressões. Conheço tudo isso e muito mais, portanto, concedo um grande desconto aos outros(as), compreendendo-o(a)s. Não tenho o direito de ver os outros pelo meu comportamento político. Cada um segue o seu e desde que respeite os demais, por mim, tudo bem. Amo a liberdade e essa não será um qualquer ente que ocupe, circunstancialmente, uma cadeira do poder que ma retirará. O que me choca não é isso. O que me choca é a ausência de profissionalismo, de conhecimento e que, por essa via, se manifesta em análises absolutamente erradas. Nem conta se dão do descarado frete que estão a fazer ao poder e a ajuda que estão a facultar a que esta terra se afunde cada vez mais. A independência, o distanciamento e a análise que deveria ser profunda e sustentada fica-se quase por meras conversas de café. E isso custa-me aceitar, pela responsabilidade que advém do acto profissional e por essas posições serem emitidas em órgãos de enorme impacto.
Ontem, por exemplo, no meu habitual "zapping", escutei uma crítica ao que se passou na Assembleia no decorrer do debate do Plano e Orçamento. De uma enfiada ouvi que as propostas da Oposição eram "demagógicas" e que o Presidente do PS-Madeira não tinha aproveitado a presença do Presidente do Governo para questioná-lo. Ouvi esta parte e mudei de canal. Tornou-se insuportável pelo evidente desconhecimento da matéria. O que foi dito antes e depois, sinceramente, não sei, nem me interessa saber. Fico por aquelas duas posições. Demagógicas, pergunto. Mas, alguém as leu e compreendeu o alcance das mesmas? Alguém vasculhou as 90 propostas do PS e mais umas 40 dos restantes partidos e compaginou-as com os interesses da Madeira e com a necessária mudança de paradigma político, económico, social e cultural? Alguém tentou reunir-se com economistas e com agentes sociais para entender o que tudo aquilo representava no plano da economia geradora de emprego e de uma melhor distribuição da riqueza? Demagógicas, em quê?
Mais, alguém tentou ler o Regimento do "debate" para compreender a estratégia de cada partido em função dos tempos atribuídos? Ou pensarão que aquele Regimento é semelhante ao da Assembleia da República ou da Assembleia dos Açores? Deram-se à "maçada" de ler a proposta de regimento apresentada pelo PS e que foi chumbada? Se a tivessem lido, certamente, que teriam entendido as diferenças entre um debate e um não debate! Mas se tivessem lido o regimento aprovado pelo PSD perceberiam que, no primeiro dia, que contou com a presença do Presidente do Governo, após a intervenção do Secretário das Finanças, cada Deputado dispunha, apenas, de dois minutos para fazer uma pergunta ao Secretário. E depois dessa primeira ronda, respondida em BLOCO, sem possibilidades de reformulação das questões, seguiam-se as intervenções dos partidos, findas as quais, o governo dispunha de 120 minutos para esclarecimentos às citadas intervenções. 
Ora, no caso do PS (31'), tratando-se de matéria orçamental (era isso que ali se discutia e não fait-divers), obviamente, que só um economista, melhor do que ninguém, o poderia fazer. Nunca o Presidente do Partido. O Dr. Jacinto Serrão ficou para a interpretação política do Orçamento no final do "debate" na generalidade. E mais, se tivessem escutado bem a intervenção do Presidente do PS tinham, certamente, chegado à conclusão que aquela foi uma excelente intervenção política, pela acutilância, pela profundidade e pela frontalidade relativamente aos problemas com os quais a Madeira está confrontada. Em 17 minutos traçou o quadro desta Madeira em ruptura completa. Por isso mesmo enfureceu o Presidente do Governo. Não foi por acaso que o Presidente do Governo, esbracejou, levantou-se e, deselegantemente, mais tarde, não o tratou por Senhor Deputado, mas por aquele indivíduo que ali está.
São estas leviandades nas análises que me custam aceitar. Há uns anos atrás, o discurso sobre o Orçamento não ia muito além da palavra "empolamento". O Orçamento está empolado, dizia-se. Mas porque dizem isso? Porque está empolado e o discurso ficava por aí. Hoje, surgem as análises profundas, sistémicas, comparadas ao longo de doze anos, num trabalho verdadeiramente notável, e em dois minutos, oiço que as propostas são demagógicas. Não há pachorra... mas compreendo!
Eu sei que é muito mais fácil trucidar a Oposição. Está mais à mão. Todavia, todos sabemos que se o Presidente do Governo fizesse um discurso daqueles na Assembleia da República (para já não podia fazer), no dia seguinte, toda a comunicação social apeava-o do poder. Como vulgarmente se diz, ia pelas canas adentro! É por isso que me custa, repito, aceitar a ausência de preparação. Isto não pode quedar-se a uma mesa, uma cadeira e um microfone. Tem de haver preparação e nessa gasta-se muitas horas. Depois de estudado, aí sim, venha a crítica, a análise sustentada e nobre, a crítica que ajuda a reflectir e que enobrece, identifica e distingue, pela qualidade profissional, quem a faz. Da forma como é feita, constitui um convite à mudança de canal.
Ilustração: Google imagens.  

4 comentários:

Atento disse...

O que mais ficou salientado na intervenção (politica, diz você) de Serrão foi chamar ROUBO à decisão do 1º Ministro e do PS em reduzir os ordenados dos funcionários públicos.
Um tiro no pé.

André Escórcio disse...

O Dr. Jacinto Serrão não disse nada disso. Reivindicou, isso sim, que essas medidas de austeridade deveriam começar pelo governo regional esbanjador e que a Autonomia possibilitava medidas estabilizadoras que não atenuassem a situação dos funcionários públicos. Tal como nos Açores.

Atento disse...

Disse sim. Eu vi e ouvi.
"Diga o que vai fazer ao dinheiro roubado aos funcionários públicos" foi o que ele questionou a AJJ.
Ora, quem decidiu esse "roubo" foi Sócrates. Eu bem vi (na TV) o seu incómodo ao ouvir estas palavras do seu chefe local...
Tiros no pé.

André Escórcio disse...

Oh, meu caro "Atento", se estivesse com um pouco mais de atenção, mesmo que fosse essa a interpretação correcta, perceberia que o contexto é LOCAL e não Nacional. No quadro da Autonomia, tal como nos Açores, é possível criar condições para que os funcionários não sejam penalizados. A Autonomia é isso mesmo, a possibilidade de marcar a diferença.
E se não marca a diferença, o dinheiro aqui fica, e aqui ficando há que saber o que dele fará o governo. Obras e mais obras? A grande OBRA É A DO SER HUMANO.