Adsense

quarta-feira, 30 de março de 2011

BASES DO DESPORTO E REGIME JURÍDICO DAS COMPARTICIPAÇÕES FINANCEIRAS AO ASSOCIATIVISMO DESPORTIVO


Essa política irrealista, de um desporto ao serviço da política e não do desenvolvimento, acabou por gerar um monstro que só a teimosia, a falta de clarividência política, nós diríamos, até, a falta de bom senso, conduziu à situação absolutamente dramática hoje vivida.


Esta manhã, a Assembleia Legislativa da Madeira debateu uma proposta de Decreto Legislativo Regional, da autoria do Grupo Parlamentar do PS, subordinado ao título: "Estabelece as bases da actividade física, do desporto educativo escolar, do desporto federado e aprova o regime jurídico de comparticipações financeiras ao associativismo desportivo na Região Autónoma da Madeira". Um projecto que foi chumbado pelo PSD. Na oportunidade produzi as seguintes intervenções:

1ª INTERVENÇÃO
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores deputados,
Em 2007 apresentámos este projecto de Decreto Legislativo Regional, na altura, quando se vislumbrava no horizonte uma situação muito complicada para continuar a lógica política em que se desenvolveu, nos anos oitenta, o sistema desportivo regional.
Não que antes os alertas não tivessem sido feitos. Recordo, para além das posições das várias bancadas aqui representadas, já em meados dos anos 90, pusemos em destaque tudo sobre a irrealista política que estava a ser seguida.
Recordam-se, senhores deputados, que foi também o tempo, inclusive, de uma vaia ao presidente do governo, no Estádio dos Barreiros, quando, apertado pelas dificuldades financeiras que se adivinhavam, quis fundir, no futebol profissional, dois clubes históricos.
Essa política irrealista, de um desporto ao serviço da política e não do desenvolvimento, acabou por gerar um monstro que só a teimosia, a falta de clarividência política, nós diríamos, até, a falta de bom senso, conduziu à situação absolutamente dramática hoje vivida.
Uma Região como a nossa, pobre, dependente, profundamente assimétrica, confrontada com graves carências em quase todos os sectores da governação, uma Região como a nossa, a braços com a necessidade de investimento no sector empresarial para gerar postos de trabalho e riqueza, uma Região que regista mais de 1000 dias para pagar aos fornecedores de bens e serviços no sistema regional de saúde, uma Região onde são gravíssimas e inegáveis as necessidades no sistema educativo com gravíssimas dificuldades de financiamento, uma região confrontada com uma assustadora diminuição dos fluxos turísticos, que deixa os hoteleiros e os similares numa situação de angústia, numa Região que deve milhões à Banca e que está cheia de compromissos que comprometerá, ilegitimamente, as gerações futuras, numa Região que assiste a milhares de pessoas a saírem da sua terra porque aqui não encontram o direito a serem felizes, o governo, contrariando a pirâmide de Maslow, prefere gastar no topo da pirâmide do que investir nas necessidades básicas.É tudo isto que nos leva a trazer, de novo, passados três anos, à vossa reflexão, este projecto, modificado, actualizado e, quanto a nós cada vez mais actual.
Não se trata de um documento acabado, de um projecto sem eventuais lacunas, mas trata-se de um diploma que pode e deve constituir um ponto de partida, para uma alargada discussão em sede de Comissão Especializada e com todos os agentes políticos.
Temos, como é óbvio, as nossas convicções. Temos, como é óbvio, uma ideia do caminho, mas não transportamos qualquer certeza absoluta.
O que sabemos é que o actual processo deve ser revisto e quanto antes. Os atrasos nos compromissos assumidos e não pagos, as sucessivas entrevistas publicadas que denunciam aflição por parte dos dirigentes desportivos, a legião de estrangeiros que servem a representação da bandeira da Região, a falência ou insolvência de muitos clubes e associações, a excessiva dependência a que chegaram, o abandono do desporto educativo escolar por clara ausência de adequado financiamento, a questão da Educação Física cada vez mais em perda de identidade e de reconhecimento social, a promiscuidade público-privada ao nível do controlo médico-desportivo, a satisfação de interesses de clubes que não são propriamente os da Região, estes aspectos, entre muitos outros, exigem que o sistema seja totalmente repensado.
2ª INTERVENÇÃO

O Senhor Deputado, permita-me, parece sentado, neste parlamento, em três cadeiras ao mesmo tempo: na primeira aplaude a política do governo; senta-se na segunda e defende o seu clube; senta-se na terceira e chumba o projecto.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
No quadro legal, repito, legal, daquilo que está estatutária e regimentalmente definido, o Senhor Deputado Jaime Lucas tem toda a legitimidade para vir aqui, em nome do PSD, debater este assunto.
Mas no quadro da ética e da moral seria preferível que se abstivesse de falar sobre esta matéria. Sobretudo porque é uma parte claramente interessada. Não por ter sido presidente do IDRAM, pois essa função até lhe garantia legitimidade acrescida para falar de assuntos que conhece, mas porque é parte interessada no que aqui se está a discutir, uma vez que é presidente de uma instituição desportiva com substanciais interesses no financiamento público.
O Senhor Deputado, permita-me, parece sentado, neste parlamento, em três cadeiras ao mesmo tempo: na primeira aplaude a política do governo; senta-se na segunda e defende o seu clube; senta-se na terceira e chumba o projecto.
Mas essa dança de cadeiras constitui um problema seu, que só a sua consciência poderá ditar o certo e o errado. É a sua imagem pública que está em causa, não a minha. Eu negava-me a interpretar um papel desses.
Mas, senhor presidente, senhoras e senhores deputados, o que está aqui em causa é muito mais do que escutei. O que está aqui em causa é a desmontagem de um sistema e a construção de um outro paradigma que enquadre o desporto como bem cultural. Tão simples e tão complexo quanto isto, face ao monstro que foi construído.
Nós partimos de um pressuposto diferente do PSD.
Partimos da ideia base que a prática física e o desporto, numa terra de enormes carências, onde para o apoio social nem um cêntimo, onde tudo é empurrado para Lisboa, possa haver dinheiro para um desporto que apenas cumpre os interesses políticos da maioria.
Não são os acertos meramente marginais que resolverão o problema. Não são menos 20% nas transferências, um valor próximo dos sete milhões que vão resolver este imbróglio.
Este é, sobretudo, um problema de mentalidade, de cultura e de estabelecimento de prioridades. É um problema de pensamento estratégico e não apenas de palavras.
Já não vou tão longe, à década de oitenta, onde proliferam muitos documentos de análise. Reporto-me à última década.
Reparem, senhores deputados: a 28 de Julho de 2005 foi apresentado com pompa e circunstância o projecto “Madeira Sabor a Desporto”. Uma iniciativa ténue, mas que constituía uma tentativa de alguma mudança. Morreu ao sabor dos interesses.
Leio aqui que um clube da primeira Liga, em 2009, com os oito milhões transferidos, divididos pelos 656 atletas, gastou 12.195,00 euros por cada um, um valor quase quatro vezes mais do que a Região gasta com cada aluno nas nossas escolas.
Leio aqui declarações da Senhora Deputada Rafaela Fernandes, da vossa bancada, que diz ser necessário “aproveitar o que existe e deixar os sonhos megalómanos”. E vai mais longe, coisa que eu não me atreveria, que “devem ser implementadas sinergias para a partilha de sedes”.
Leio aqui o Presidente da Associação de Futebol da Madeira e um outro dirigente do ténis de mesa dizerem que se deve regressar à competição regional, pois sem essa não há competição nacional e internacional. Assume o Presidente da Associação de Futebol que isso significaria encargos menores.
Leio outro dirigente a dizer que, em primeiro lugar, o governo deveria regularizar os quatro ou cinco anos de atraso nas transferências acordadas.
Leio aqui a alusão ao Tribunal de Contas, quando, em 2001, foi detectada transferências directas do IDRAM para as contas pessoais de dirigentes.
Leio aqui um profissional da Educação e treinador dizer que os apoios públicos devem ser canalizados para a actividade física destinada à saúde das pessoas.
Leio aqui vários empresários e gestores a pedirem a revisão da política desportiva.
Leio, para além de todos os constrangimentos financeiros, que a SAD onde se enquadra o hóquei porto-santense deve um milhão de euros, não paga desde Novembro e tem já quatro penhoras.
Leio que a Associação de Futebol da Madeira tem um passivo de 4,78 milhões de Euros de dívidas a instituições de crédito.
Leio que um clube da primeira liga de futebol, há poucas semanas, não conseguiu apresentar um único madeirense na sua equipa.
Leio um trabalho em que os pais defendem cortes no betão e no futebol para defesa do apoio à Escola.
Leio aqui propostas de vários especialistas a pedirem uma abordagem sectorial, maior consciencialização e divulgação pública e até um diz que já não seria mau se o governo cumprisse o seu programa de governo 2000/2004.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, não são pessoas afectas ao PS e deputados que dizem tudo isto. Não é o grupo parlamentar do PS que insiste na mudança de paradigma. É a sociedade, é o associativismo desportivo, são os políticos de diversos quadrantes, inclusive do PSD, que dizem que este processo está errado.
São factos, não são teorias, Senhores Deputados.

TERCEIRA INTERVENÇÃO

As grandes limitações espaciais e orçamentais da Madeira implicam, por isso, um outro tipo de orientação, isto é, um grande investimento nas políticas educativas, na competição regional, no desporto informal, na actividade física em geral, em uma prática que, a prazo, conduza a Madeira a dispor de uma taxa de participação desportiva superior à média nacional e europeia. É esse o caminho, por mais que custe a alguns aceitar.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Nós não colocamos em causa o direito ao desporto de alto rendimento, à excelência e à representação nacional e internacional no quadro da auto-estima do povo madeirense. É um direito que temos enquanto povo.
O que nós entendemos é que o caminho deve ser outro para que, dentro de alguns anos, a Madeira possa constituir um exemplo nacional e europeu, no que concerne à elevada organização e participação desportivas, no quadro da construção contínua de um desporto entendido como bem cultural, criado à medida de cada um e que não se esgote no labirinto da representatividade externa.
As grandes limitações espaciais e orçamentais da Madeira implicam, por isso, um outro tipo de orientação, isto é, um grande investimento nas políticas educativas, na competição regional, no desporto informal, na actividade física em geral, em uma prática que, a prazo, conduza a Madeira a dispor de uma taxa de participação desportiva superior à média nacional e europeia. É esse o caminho, por mais que custe a alguns aceitar.
Estes pressupostos encontram justificação na análise das taxas de participação desportiva globais (77% não tem qualquer tipo de prática regular); verificam-se substanciais desequilíbrios na relação desporto educativo escolar relativamente ao desporto federado. Senhores Deputados, 16.000 no sector federado e, apenas, 4000 no desporto escolar, alguém duvida que a pirâmide está invertida?
Mais. E o que dizer da relação entre géneros (na época de 2008/09 a demografia federada registou 16.593 participantes, dos quais 72,9% masculinos e 27,1% femininos).
Segundo dados de 2008/09, o OR directa ou indirectamente, apoiou 55 modalidades enquadradas por 180 clubes aos quais se juntam 25 associações desportivas. Não é possível manter esta situação, embora o associativismo seja constitucionalmente livre.
Para além destes dados, não é aceitável em função das limitações orçamentais e das prioridades da Região, que a representação da Região Autónoma da Madeira necessite de 215 atletas (2008/2009) continentais e estrangeiros, distribuídos por 20 clubes, para representá-la lá fora. Tampouco é viável manter, anualmente, mais de 1500 representações individuais e colectivas, a multiplicar pelo número de atletas, técnicos e dirigentes de cada representação.
É por isso que há encargos assumidos e não pagos que afogam o Orçamento Regional, demonstrando o governo que não tem capacidade para regularizar as transferências dos contratos-programa assumidos com o associativismo.
Em dez anos voaram do orçamento da região 320 milhões de euros. É muito dinheiro para tão pouco desporto e para tanta falência.
Sendo assim, apesar das preocupações manifestadas e dos investimentos realizados, os resultados estatísticos da actividade física e do desporto na Região, demonstram que há uma absoluta necessidade de uma profunda revisão para que se cumpra o desígnio Constitucional: “Todos têm direito à prática do desporto”.
Os dados são estes e não outros. Tudo o resto é conversa fiada, sem fundamento e que apenas acrescentará despesa e vícios subsidiodependentes a uma situação perfeitamente incontrolável.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, este projecto constitui mais um sinal de alarme. Se a maioria votar contra, obviamente, que será também responsável pelas consequências. Não poderão dizer que ninguém alertou.
Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários: