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domingo, 12 de junho de 2011

O PRATO DE LENTILHAS


A questão agora é saber se o povo é causa ou consequência? Já aqui o disse e tenho vindo a defender o pressuposto que ele é mais consequência do que causa. É muito velho o princípio de que "ninguém pode dar aquilo que não tem". E o nosso povo, infelizmente, uma grande parte, não tem, por isso não pode dar. Quando o meu interlocutor sublinha que ele "se vende por um prato de lentilhas", eu diria que é obrigado a comer tudo o que lhe apresentam, inclusive, as lentilhas. Ao longo de anos fizeram-no à imagem do que o "chefe" quer. Daí que se encontre condicionado e a resposta, sempre igual, corresponde ao que o "chefe da tribo" deseja. Depois, embrulha-o em papel de celofane com a treta do "povo superior".


Ontem, a propósito de um texto aqui publicado, recebi um interessante comentário de um "anónimo": "Um povo sem educação moral, ética, cívica e sem tradição de intervenção pública terá direitos de reclamar justiça? Um povo que se demite de votar sobre o seu futuro merece ser ajudado? Um povo que se vende por prato de lentilhas! Será que o povo Madeirense está preparado para uma verdadeira democracia? Haverá um político com coragem para fazer uma dura crítica ao Zé Povinho Ilhéu? Quem são os politicos com coragem para criticar o povo?".
Considero interessante este comentário porque ele, na sucessão de interrogações, conduz-nos a outras tantas reflexões, eu diria, a um rosário de reflexões, sobre o que aqui se passa. De resto, que não são novas. Há quanto tempo, uma longa listagem de pessoas analistas do processo político regional, têm vindo a debruçar-se sobre as mais variadas situações que colocam em causa quem, há 35 anos, governa, de forma ininterrupta, a Região? E quantos, através de significativas "cartas do leitor", escrevem, denunciam e criticam actuações que não abonam no sentido de uma boa governação? E o próprio DIÁRIO e vários jornalistas da comunicação social madeirense, quantas e quantas vezes tocam na ferida através de peças, muitas, politicamente arrepiantes?
A questão agora é saber se o povo é causa ou consequência? Já aqui o disse e tenho vindo a defender o pressuposto que ele é mais consequência do que causa. É muito velho o princípio óbvio de que "ninguém pode dar aquilo que não tem". E o nosso povo, infelizmente, uma grande parte, não tem, por isso não pode dar. Quando o meu interlocutor sublinha que ele "se vende por um prato de lentilhas", eu diria que é obrigado a comer tudo o que lhe apresentam, inclusive, as lentilhas. Ao longo de anos fizeram-no à imagem do que o "chefe" quer. Daí que se encontre condicionado e a resposta, sempre igual, corresponde ao que o "chefe da tribo" deseja. Depois, embrulha-o em papel de celofane com a treta do "povo superior".
Ora bem, um velho professor, um dia, numa aula de Pedagogia, dizia-nos, colocando, no quadro preto, dois pontos bem separados. Começou a desenvolver a teoria de uma aspiral para dentro e, depois, para fora. Situou-se pelo primeiro ponto, o que se encontrava à sua direita e disse: imaginem que o professor se encontra distante do aluno e começa a conduzir uma aspiral para dentro. Cada volta que dê as quase circunferências serão menores em redor do aluno e este tenderá para o condicionamento; depois, passou ao ponto que se encontrava no quadro, à sua esquerda, pediu que partíssemos do pressuposto que o giz se encontrava junto desse ponto (simbolicamente representativo de um aluno) e aí começou a desenhar uma aspiral para fora, que em cada volta dada tornava, a quase circunferência, cada vez maior, e, em teoria, a tornaria interminável. A terminar acrescentou: prefiram sempre esta aspiral para fora, porque, por aí, estarão a descondicionar os alunos, a libertá-los e a despertá-los para um mundo que está para além do horizonte visual. Se ao contrário fizerem, concluia o Mestre, estarão a colaborar na situação inversa, condicionarão, bloquerão e apenas terão como retorno a resposta que pretendem que ele dê.
Ora, as lentilhas que o nosso povo é obrigado a comer ajusta-se a uma política educativa, entre outras políticas sociais, determinada nessa tal aspiral para dentro. Não se pode pedir outra resposta quando o condicionamento está lá, quando a matriz está formatada e quando não está, conjuga-se com o interminável leque de pequenos e grandes interesses bloqueadores da liberdade.
O Sistema Educativo que este governo regional implementou foi, por tudo isto, intencional. A Escola não libertou, apenas condicionou. Eu diria que confundiram acesso com sucesso, escolarização com educação. Este quadro foi intencional, repito, e é por isso que remetem para Lisboa o caos do sistema, quando aqui o poderiam ter desenvolvido, no quadro da Autonomia e da regionalização, o desenho de uma Educação libertadora. Eu defendo, por isso, que o que nós temos na nossa terra é passível de ser considerado um crime social pelo esmagamento que foi feito dos direitos das pessoas. Não estou a falar daqueles que tiveram oportunidades e dos que foram mais empreendedores, mas da generalidade da população que demonstra significativos condicionamentos, entre outros, cognitivos.
Dirá o meu interlocutor "anónimo", então, não há nada a fazer! Não, há que fazer e muito até porque o diagnóstico está feito. Quem estuda estas questões sabe por onde começar embora se trate de um complexo jogo de variáveis, todas importantes. Para já interessa conquistar o poder e esse consegue-se com credibilidade política, técnica e muita notoriedade social. E se o diagnóstico está feito a preocupação agora terá de ser a da promessa sensata e compreensível que gere desassossego, o abanão das consciências adormecidas por anos a fio de rotinas, esperança e confiança no futuro. A rutura terá de começar por aí. Eu espero que tal aconteça em Outubro.
Ilustração: Google Imagens.

5 comentários:

Fernando Vouga disse...

Caro amigo

A questão da "Causa ou conseqência", que aqui refere com muita oportunidade, faz-me lembrar os tempos em que, por razões profissionais, eu montava a cavalo. Na equitação, sempre que as coisas correm mal com o cavalo, a culpa é do cavaleiro. Por uma razão muito simples: o cavaleiro é (ou deveria ser...) mais inteligente do que o cavalo.
Sem querer comparar o povo ao cavalo, não podemos perder de vista que os governantes deverão ser em média mais aptos do que os governados. E é aos primeiros que deve ser cometida a maior fatia de responsabilidade na formação cívica dos segundos.
Voltando ao tema equestre, se as coisas ccorrem mal, deve-se trocar de cavaleiro e não de cavalo.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Muito bem observado.

António Trancoso disse...

Meus Caros Amigos,André Escórcio e Coronel Monteiro Vouga
Socorrendo-me da imagem equestre citada pelo Cavaleiro,e meu Caro e Bom Amigo,veio-me à mente um dichote,que os Camaradas Militares,usavam para arreliar os da Arma de Cavalaria. Começava pela seguinte pergunta:
"O que distingue o cavaleiro do cavalo?" A inevitável, e jocosa resposta, era:
"O olhar inteligente do animal." No caso vertente, a distinção,é bem outra e real:
Quem "monta" é portador de esperteza manhosa e saloia;quem "convida" e se deixa montar, alimenta,reconhece-se e compraz-se na sua própria saloiice!
Um abraço para vós dois.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Continuando esta abordagem, muito interessante e bem humorada, espero que o cavalo acabe por mandar um par de coices em função da tortura de vida que o "montador" prossegue.
Um abraço.

Fernando Vouga disse...

Caro António Trancoso

Não se esqueça que El Rei D. Duarte escreveu o livro "Arte de bem cavalgar em toda a sela". No contexto da obra, a expressão "em toda a sela" quer dizer "qualquer cavalo". Ou seja, é o bom cavaleiro que faz o bom cavalo. Isto a despeito do tal "olhar inteligente" do animal que, de inteligente, tem muito pouco, como se veio a descobrir. A ponto de se deixar montar, algo a que o burro, a despeito do nome, opõe grandes reservas...
Enfim, coisas da vida!
Um abraço