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terça-feira, 12 de novembro de 2013

A MOÇÃO DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EXIGE QUE O GOVERNO ABRA OS OLHOS, PORQUE SE TRATA DE UM PROBLEMA GERAL E NÃO APENAS DOS MAGISTRADOS


A Proposta de Lei é descarada afronta ao Tribunal Constitucional, no que é acompanhada de inúmeras declarações de responsáveis políticos que desde já querem responsabilizar esse tribunal pelas consequências de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, assim tentando condicionar a liberdade de julgamento de cada um dos seus juízes. O Governo continua, pois, a desrespeitar a Constituição e o Tribunal Constitucional, pilares de qualquer Estado que se queira afirmar de Direito. Sendo tantas e tão fundadas as dúvidas sobre a conformidade constitucional da Proposta de Lei do Orçamento do Estado, impõe-se à Assembleia da República a sua alteração ou, caso assim não suceda, a sua fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. Somente com base nesta lógica governamental de desmembramento dos serviços públicos e de menorização das funções essenciais do Estado se compreende, no âmbito da reforma da organização judiciária em curso, a ostensiva intenção de reduzir significativamente os quadros legais de magistrados do Ministério Público e de agravar os já muito deficitários quadros dos oficiais de justiça que lhes estão afectos. 

MOÇÃO


Os magistrados do Ministério Público associados do SMMP, reunidos em Assembleia-Geral, perante a Proposta de Lei de Orçamento do Estado de 2014, o projecto de Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e o Guião para a Reforma do Estado:
Consideram que: 
Sob o pretexto do combate à crise, continua a destruição do Estado Social e da economia real, e a violação de princípios basilares do próprio Estado de Direito democrático e de garantias constitucionais fundamentais, nomeadamente os princípios da intangibilidade dos salários, da igualdade, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da progressividade e suportabilidade do imposto sobre o rendimento pessoal. 
Como cedo se previu e repetidamente se alertou, os longos e duríssimos sacrifícios exigidos aos portugueses desde 2011, particularmente aos servidores públicos, não trouxeram qualquer benefício ao país e à população em geral, continuando por resolver os problemas estruturais do Estado e da economia, sendo incompreensível que o Governo insista numa receita que, segundo reputados economistas, nunca, em tempo ou parte alguns, foi eficaz. 
Continua sem haver qualquer verdadeira reforma do Estado, nem se perspectiva que venha a haver ainda nesta legislatura. Sucedem-se medidas pontuais, desconexas, não estudadas plenamente quer quanto aos efeitos sobre a economia, quer sobre as pessoas e as empresas, sacrificando despreocupadamente algumas classes de cidadãos. 
Argumenta-se que o país não aguentaria outro aumento de impostos. Porém, é precisamente isso que se faz, mas não de forma assumida e equitativa: em vez de se tratarem todos os rendimentos iguais de forma igual, penalizam-se alguns com um verdadeiro imposto especial permanente. 
A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2014, apesar de repetidamente anunciar a pretensão de ser mais equitativa, procurará e conseguirá precisamente o contrário – maior desigualdade e injustiça, pois que tanto o diferente tratamento de pessoas com rendimentos iguais, como o sacrifício de certos rendimentos para benefício dos demais, são medidas que, para além de injustas, manterão, no essencial, os critérios e iniquidades que levaram à declaração de inconstitucionalidade de algumas normas das Leis do Orçamento de 2012 e de 2013, acrescentando até novas formas de violação da Constituição. 
Como o Tribunal Constitucional vem afirmando de forma inequívoca, a imposição de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções públicas não pode ser justificada por fatores macroeconómicos relacionados com a recessão económica e o aumento do desemprego, que terão de ser solucionados por medidas de política económica e financeira de caráter geral, e não por via de uma maior penalização daqueles que servem o Estado. 
Esta súbita febre igualitária do Governo faz por ignorar que não há apenas um sector público e um sector privado, mas uma multiplicidade deles, só podendo comparar-se o que é efectivamente similar. Se esta vontade fosse genuína e se, com seriedade, comparasse salários entre sectores similares, teria o Governo de aumentar significativamente os salários dos profissionais mais qualificados no sector público, nomeadamente dos magistrados. Não o faz porque só invoca a igualdade quando lhe é conveniente. 
Devido ao seu regime legal de exclusividade, sem paralelo em qualquer outra carreira dos servidores públicos, os magistrados, desde há quase 10 anos sem aumentos e com progressões remuneratórias congeladas, continuarão particularmente afectados por estas medidas, que significarão uma redução global de cerca de 30% face aos seus salários de 2010, ou seja, um abusivo e inconstitucional confisco, agravando significativamente, muito além do tolerável, a sua situação financeira. 
Resulta claro do Relatório da Proposta de Lei de Orçamento do Estado e do “Guião para a reforma do Estado” que as reduções remuneratórias e de pensões serão definitivas, não havendo, assim, quaisquer perspectivas de recuperação dos valores salariais e de pensões que são legalmente devidos. 
O agravamento desta drástica redução dos rendimentos dos magistrados atinge significativamente o seu estatuto socioprofissional, fomentando um estado de insegurança e de falta de confiança nas instituições, de fragilização dos fundamentos do Estado de Direito democrático e, reflexamente, afectando de forma grave os direitos dos cidadãos destinatários da justiça, como é reconhecido pelo Conselho da Europa e pela Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial. 
Simultaneamente, e não obstante a crise, foi aprovado um regime para as entidades reguladoras que dá aos seus administradores um regime de independência que é recusado aos tribunais e aos magistrados, nomeadamente a fixação dos salários por uma comissão onde aqueles estão representados (em lugar de fixação unilateral pelo Governo ou parlamento), de acordo com critérios previstos na lei, para vários anos, com garantia de não redução, para além de aspectos escandalosos, como a inexistência de limites aos salários (por referência ao do Presidente da República ou do Primeiro-ministro), a previsão de despesas de representação mensais no valor de 40% do salário e, para além destas, a utilização de cartão de crédito para pagamento de despesas ao serviço da entidade. 
Não obstante a necessidade de reforço da solidariedade entre todos os cidadãos e sectores da sociedade, assente em medidas equitativas e proporcionais, o Governo, frequentemente com argumentos falsos, continua a estigmatizar ostensivamente os trabalhadores do Estado e os pensionistas, alegados beneficiários de privilégios há muito inexistentes, assim irresponsavelmente promovendo a divisão entre diversos sectores da sociedade: trabalhadores contra empresas, jovens contra pensionistas, trabalhadores em funções públicas e trabalhadores do sector privado. 
O Governo e os partidos que o sustentam invocam a situação de emergência nacional como justificação para a violação ou compressão de direitos constitucionais de milhões de cidadãos, quebrando os contratos com os mais fracos, como os trabalhadores ou os pensionistas, mas, inexplicavelmente ou não, sem qualquer problema ou remorso, mantêm intocáveis os ruinosos contratos com os mais fortes (alguns grupos económicos e bancários), nomeadamente nas PPP’s ou nas rendas abusivas do sector energético, onde efectivamente o esbanjamento dos dinheiros públicos é mais notório. 
A Proposta de Lei é descarada afronta ao Tribunal Constitucional, no que é acompanhada de inúmeras declarações de responsáveis políticos que desde já querem responsabilizar esse tribunal pelas consequências de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, assim tentando condicionar a liberdade de julgamento de cada um dos seus juízes. 
O Governo continua, pois, a desrespeitar a Constituição e o Tribunal Constitucional, pilares de qualquer Estado que se queira afirmar de Direito. 
Sendo tantas e tão fundadas as dúvidas sobre a conformidade constitucional da Proposta de Lei do Orçamento do Estado, impõe-se à Assembleia da República a sua alteração ou, caso assim não suceda, a sua fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. 
Somente com base nesta lógica governamental de desmembramento dos serviços públicos e de menorização das funções essenciais do Estado se compreende, no âmbito da reforma da organização judiciária em curso, a ostensiva intenção de reduzir significativamente os quadros legais de magistrados do Ministério Público e de agravar os já muito deficitários quadros dos oficiais de justiça que lhes estão afectos. 
Uma tal redução, a concretizar-se, conduzirá à paralisação do sistema de justiça: o que hoje funciona bem, passará a funcionar mal; o que já funciona mal, ficará ainda pior. Os magistrados ver-se-ão rapidamente incapazes de desempenhar com qualidade e celeridade as suas funções, comprometendo o serviço fundamental prestado aos cidadãos e empresas, que aí terão mais um fundamento para perderem a confiança na justiça, reduzindo a legitimidade desta. 
Tal projectada redução vê-se agora com outra clareza à luz da vontade manifestada pelo Governo no Guião para a Reforma do Estado de proceder à revisão dos estatutos das magistraturas no plano da mobilidade profissional e de “reformar a arquitetura institucional do sistema judicial”. 
Mobilidade opõe-se a estabilidade e esta está consagrada na Constituição para os magistrados, sendo um dos pilares da sua independência. Querer eliminá-la é querer eliminar o estatuto de independência dos magistrados. 
Os magistrados do Ministério Público não estão disponíveis para assistir, resignados, ao desagregação do Estado de Direito, à violação da Constituição e ao confisco de parte substancial dos seus rendimentos, antes estão empenhados em cumprir plenamente os deveres de cidadania que recaem sobre todos os portugueses. 
Pelo exposto, os magistrados do Ministério Público associados do SMMP, reunidos em Assembleia-Geral, deliberam: 
Manifestar solidariedade com todos os cidadãos, que, em Portugal e no resto da Europa, de forma responsável e no respeito das normas constitucionais e legais, se têm manifestado e continuarão a manifestar-se civicamente na defesa do Estado Social de Direito contra políticas lesivas da democracia, comprometedoras do progresso económico e social. 
Reafirmar o seu compromisso com o propósito de, nas suas diferentes áreas de intervenção, em especial nas sociais, manterem todo o empenho para que a Justiça funcione com maior qualidade e celeridade, assim dando efectividade prática aos direitos consagrados na Constituição e na Lei. 
Mandatar a Direcção para: 
Reagir judicialmente contra todas as medidas orçamentais que se afigurem desconformes à Constituição, afirmando a sua confiança no funcionamento isento dos tribunais, nomeadamente no Tribunal Constitucional; 
Denunciar ao Conselho da Europa e à Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial o agravamento da situação dos magistrados portugueses; 
Juntamente com outras associações europeias de magistrados e a Medel, continuar o trabalho de sensibilização da União Europeia para a necessidade de definir regras mínimas comuns que salvaguardem a separação de poderes e a independência do poder judicial, de modo a que exista um nível igual de proteção de todos os cidadãos europeus no que diz respeito ao direito fundamental de ter acesso a um sistema de justiça independente; 
Apelar aos deputados que procedam à alteração da Proposta de Lei do Orçamento do Estado ou, caso assim não suceda, ao Presidente da República que suscite a sua fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional; 
Expor aos partidos políticos, grupos parlamentares e quaisquer outras entidades relevantes a situação de degradação intolerável do estatuto socioprofissional dos magistrados; 
Exigir ao Governo que esclareça rapidamente por que motivos e em que sentido quer “reformar a arquitetura institucional do sistema judicial”; 
Exigir ao Governo que garanta ao Ministério Público o número de magistrados e de oficiais de justiça adequados ao cabal desempenho das suas funções; 
Exigir ao Governo a abertura de um processo negocial tendente à revisão do sistema de fixação da remuneração dos magistrados que garanta a sua independência face aos poderes legislativo e executivo; 
Por si só ou, preferencialmente, em coordenação com outras estruturas representativas do sector que nisso manifestem disponibilidade e interesse, promover, antes da votação final global do orçamento, uma jornada de protesto com greve pela dignificação do Sistema de Justiça, do estatuto socioprofissional dos magistrados, da independência do poder judicial e do Estado Social de Direito. 
Coimbra, 2 de Novembro de 2013
Ilustração: Google Imagens.

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