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terça-feira, 15 de abril de 2014

"O POVO AGUENTA, AGUENTA, ATÉ REBENTAR"


Salário mínimo mais baixo que em 1974; descarado e continuado roubo nas pensões de aposentação a que o Estado se obrigou a pagar; substancial corte na responsabilidade constitucional nos direitos à saúde, educação e protecção social, em benefício do sector privado; trabalho, não como um direito libertador, mas como uma possibilidade sem vínculo; despedimento extremamente facilitado e com compensações miseráveis; privatizações em série, sem questionar se é bom para o privado, por que não será para o sector público; economia subterrânea em crescimento por razões de oportunidade e sobrevivência; carga fiscal insuportável situando-se no quadro do confisco; milionários em crescimento, penalizações que prescrevem e milhares de pobres em desespero; emigração a nível de há cinquenta anos; substancial défice entre a natalidade e a mortalidade; desertificação do interior, enfim, vivemos, subjugados, aterrorizados, em constante dúvida, num país retalhado, assimétrico e de coutadas financeiras onde proliferam os grandes especuladores à custa dos indefesos. É este, em síntese, o País que nos oferecem. Um país mais interessado em curvar-se às imposições externas do que em defender os interesses do povo que o enquadra. Uma vergonha pensada, fabricada e organizada fora do país e à qual os cordões umbilicais de interesses seguem no escrupuloso respeito pelo deus mercado. Tudo com a benção do Presidente da República. 

A qual deles mais cresce o nariz!
Só falta aqui o de Belém... o padrinho.

Depois, cada vez mais, é notória a impreparação dos membros do governo, onde faltam muitas referências e muitos de cabelo branco, metáfora que pode significar experiência, capacidade, visão, pessoas que inspirem respeito. O que se assiste é à persistente mentira e a uma conjugada aldrabice. Por lá e por aqui. Há uma crescente degradação do exercício da política. Atente-se, por exemplo, nestas declarações tão próximas de nós, insulanos: "(...) Governar é ter coragem, rigor absoluto, respeito pelos que pagam os sacrifícios, os contribuintes. Aqueles que pagam os impostos, e que pagarão menos se forem bem governados. Pagar impostos não é uma fatalidade. (...) É preciso acabar com a aprovação de orçamentos só de despesa. Passar a ter de justificar e também aprovar a receita. Coisa para verdadeiros governantes. Que se precisam". (opinião do Dr. Miguel de Sousa, candidato do PSD-M às eleições partidárias internas - edição de ontem do DN-Madeira). Estou, totalmente de acordo. Quem não estará? O problema é saber por que não fizeram ou por que não clarificou a sua posição desde o tempo que teve funções governativas? Que razões levaram a alinhar naquilo que hoje considera errado? 
Ora bem, é esta política que descredibiliza, que ofende e não pode ser levada a sério, porque as circunstâncias e os interesses pontuais e de grupo conduzem a dizer coisas não sentidas, na lógica do aforisma "com a verdade me enganas". Miguel de Sousa falou daquela maneira, mas, por lá, não é melhor. Atente-se na síntese do que Passos Coelho dizia antes das eleições e o que fez e faz aos portugueses (declarações que podem ser escutadas na coluna ao lado). Declarações que, lamentavelmente, conduzem os portugueses a assumirem que os políticos da ditadura eram mais honestos que os actuais (título do Jornal I de 14 de Abril).
Repito, há uma ausência de referências, de gente sã, de políticos com pensamento estruturado e visionário, de políticos face aos quais sintamos que cada palavra tem um peso histórico e é portadora de futuro. Miguel Relvas e outros não são fruto de erros  de "casting". Encanta-me ouvir Adriano Moreira, Mário Soares, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, regressar a Álvaro Cunhal, entre alguns outros do nosso tempo, e absorver o que de sinceridade e profundidade neles existe. Não se trata de saudosismo, mas de referências sérias, embora possa não estar de acordo com tudo o que dizem ou disseram. Vi, por mais de uma vez, Jorge Sampaio comover-se perante as situações de gritante injustiça, enquanto hoje vejo Passos Coelho descartar-se e exprimir-se com um leve sorriso hipócrita nos lábios. A questão, em contraponto, entre a necessidade de referências sérias e esta cambada que nos governa, resume-se a algumas perguntas: quem pode levar a sério um Passos Coelho, um Paulo Portas e todos os outros que, no fundo, são o espelho de quem os convidou para a governação? Como respeitar, no plano pessoal e institucional estes políticos de aviário, sujeitos obedientes a vários patrões, a quem lhes falta a base, a cultura, não apenas a política, a honestidade e o sentido de serviço público à comunidade? Como respeitar um governante a quem um colega de faculdade, em texto publicado, disse que ele era o pior da turma? Estamos entregues a medíocres graduados em funções que deveriam pertencer à excelência. Os medíocres nunca se importam de fazer o trabalho sujo, porque sabem que esse é o caminho certo da promoção. Razão tem um dos capitães de Abril, Vasco Lourenço: "Estou convicto que vai haver fortes convulsões. O Povo aguenta, aguenta, até rebentar".  
Ilustração: Google Imagens.

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