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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A CRESCENTE DESUMANIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE


Sugeriu o Tribunal de Contas que as consultas médicas não deveriam ultrapassar os quinze minutos. Desta forma, uma redução de seis minutos equivaleria à realização de mais 10.731.215 consultas (referência a 2012). Para já, não entendo sequer como sugestão que o Tribunal de Contas se arrogue o direito de fazer propostas que, claramente, a ele não lhe compete, até por incompetência técnica. Depois, o que fica desta proposta é, por um lado, a tendencial desumanização dos cuidados de saúde, por outro, aqui sim, um doentio economicismo de quem as propõe, a precisar de avaliação clínica. Trata-se de uma proposta ininteligível. É evidente que os senhores Juízes Conselheiros do TdC, numa situação de necessidade, têm por onde escolher no sector privado, marcando a hora e à sua volta sentindo o conforto de vários meios sem relógio! Não é o caso de milhões de portugueses, que esperam pelo dia da consulta, muitos com sérias dificuldades em exprimir os sinais das suas maleitas, por analfabetismo, iliteracia e até pelo peso dos anos nos seus corpos. Eu que de medicina nada percebo, parece-me, no entanto, óbvio que uma dada sintomatologia pode indiciar complexidades várias no organismo, as quais necessitam de uma redobrada atenção que não se operacionaliza em escassos 15'! Ocorre perguntar, aos Juízes do TdC, entre muitas outras questões: e quem se responsabiliza por eventuais erros de diagnóstico? E se o utente morre? E quem se responsabiliza pelas consequências em sede de Justiça? Mas tão grave quanto isso, aos Juízes Conselheiros do TdC, pergunta-se, onde fica a relação médico-utente aos níveis da confiança, do calor humano e da proximidade relativamente a quem se encontra debilitado?


Ora, nós estamos a viver um tempo de completa desumanização. Tudo se subordina a uma simples folha de cálculo. Roubam nos salários, nos apoios sociais, no preço dos medicamentos e no leque dos que são abrangidos pelo sistema, roubam nos meios complementares de diagnóstico, roubam nos salários e complementos dos médicos e enfermeiros, explorando-os até ao tutano, impõem medidas que conduzem à falta de meios nos hospitais, e agora, há umas alminhas a sugerir um novo ataque ao jeito de: faça o favor de entrar, diga lá depressa o que sente, pegue a receita e saia rapidamente.
É certo que o governo já veio dizer que não concorda com a sugestão do TdC e que melhor foi ter passado de 1500 para 1900 o número de utentes por médico de família. Independentemente desta medida parecer-me inadequada, pergunto, como acreditar que tarde ou cedo não irão impor os tais 15 minutos? Como acreditar se todo o historial dos últimos anos traduz, em todos os domínios, um crescente aumento dos factores penalizadores do sistema? Como, se está nos olhos de qualquer pessoa, minimamente informada, que os direitos à saúde, constitucionalmente previstos, estão a ser paulatinamente cerceados, que existe uma tendência para empurrar os cidadãos para sistemas alternativos de protecção na doença (seguradoras) e que correspondem à crescente desresponsabilização do Estado? Como, se não estivesse aos olhos de todos que, primeiro, negam e, depois, aplicam. Exemplos? Tantos e em tantos sectores e áreas.
Ainda hoje tive de passar por uma instituição. Sem conversas marginais e por um assunto de somenos importância, o gestor esteve comigo quase uma hora. No final, disse-lhe: esta minha "consulta", no sistema de saúde, daria para atender quatro doentes! Está tudo dito!
Ilustração: Google Imagens.

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