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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

TODOS IGUAIS PERANTE A LEI, MAS...


Pelo meu posicionamento político-partidário obviamente que não me é fácil aceitar os acontecimentos dos últimos dias. Sinto, como já aqui referi, um misto de desilusão e de frustração. Porém, no plano político, não deixo de colocar em um dos pratos da balança o que de bom foi realizado pelo Engº José Sócrates durante os seus seis anos de Primeiro-Ministro e, no outro, o que me deixou reticências, embora, só quem tenha responsabilidades de governação do País esteja em condições de dominar todas as complexidades. Tenho como plenamente assumido que o saldo desse tempo de governação foi positivo. Penso não ser honesto apenas agarrar-se ao que de menos bom foi realizado, ignorando o lado positivo da governação. Mais, não me parece sério atribuir-lhe exclusivas culpas pela situação a que o país chegou quando tudo se deveu ao colapso ecónomico e financeiro externo que acabou por varrer uma grande parte dos países europeus. Tenhamos presente que Espanha, por exemplo, tinha tido um superávit nas contas do Estado e com o início e a marcha da crise foi o que todos sabem. E José Sócrates não era primeiro-ministro desses países que, ainda hoje, tentam ultrapassar a agonia fabricada externamente. Não é sério passar ao lado de um facto: quando José Sócrates chegou a Primeiro-Ministro, o défice das contas públicas situava-se em 6,83% e sob a sua responsabilidade conseguiu passá-lo para 2,6% em 2007 e 2008, sem colocar em causa as constitucionais preocupações sociais. 

JORNADAS PARLAMENTARES
nas quais participei.

De memória relembro algumas medidas: a baixa no preço de 4.000 medicamentos que significou uma poupança para os portugueses de 726 milhões de euros. Neste aspecto, em quatro anos, aumentou de 8% para 19% o crescimento na prescrição dos genéricos; o Complemento Solidário para Idosos, instrumento poderoso para atenuar a pobreza de 200.000 portugueses (na altura); o apoio pré-natal; o Salário Mínimo que cresceu 20% nesses 4 anos; o Abono de Família, uma das prestações mais importantes que cresceu 25% conjugado com o 13º mês dessa prestação social; a Acção Social Escolar, baseada nos escalões do abono de família, e que veio a beneficiar milhares de alunos e suas famílias; o investimento em equipamentos sociais, com cerca de 500 novos equipamentos; a rede de cuidados continuados, com o aumento de 8.000 camas; o apoio à parentalidade, onde a licença passou de cinco para dez dias, acrescido de mais um mês caso o pai ficasse com a criança; a reforma da segurança social permitindo safar o País que se encontrava no abismo para uma situação de garantia de futuro; a política de energias renováveis; a obrigatoriedade do 12º ano; a renovação do parque escolar; o substancial apoio à ciência e tecnologia como nunca tinha acontecido; a política de aproveitamento da energia hídrica, enfim, não é sério esconder esta realidade. Nos apoios à Região da Madeira que o diga o presidente do governo regional. Criticou a Lei das Finanças Regionais, mas nunca dispôs de tanto dinheiro quanto nesse período. E não foi apenas por via da Lei de Meios! Portanto, foi, do meu ponto de vista, com todos os erros que possam ser-lhe apontados, um bom Primeiro-Ministro. 
Perseguiram-no desde o primeiro momento envolvendo-o em tantas maroscas que em nada deram. O ex-Procurador Geral da República, Dr. Pinto Monteiro, ainda no passado Domingo, foi muito claro. Pediu para consultarem os processos que são públicos. José Sócrates, hoje, é indiciado por outros alegados crimes. Não me pronuncio porque desconheço o processo e só quando dirimidos em sede de audiências de julgamento poderão ficar ou não provadas as acusações. Até lá, a contenção deve ser palavra de ordem. O que me permito criticar são as condições da sua prisão preventiva. Ainda ontem, na TSF, criticando a decisão, o Dr. Daniel Proença de Carvalho, cito de cor: (...) mal vai o Ministério Público, depois de um ano de investigação, não possua elementos suficientemente consistentes dos crimes alegadamente praticados (...). Discurso que vale para todos os "arguidos". É a opinião de um advogado de referência. Mas vou mais longe. É evidente que todos nós somos iguais perante a lei, mas José Sócrates foi Primeiro-Ministro. Não me parece digno, face à presunção de inocência, que seja "enjaulado", como ainda ontem li, numa cela com duche frio (se quiser água quente tem de deslocar-se ao balneário colectivo), lado a lado com um serial-killer que cumpre 25 anos de cadeia. Não é digno que se coloque, segundo a comunicação social, um ex-primeiro-ministro numa cela de 12 metros quadrados, com uma cama, um armário e uma divisória para a casa de banho onde há um lavatório, uma sanita e um duche. Sócrates, nesta fase do processo, está apenas indiciado, repito. E na qualidade de ex-primeiro-ministro, a dignidade do homem político que desempenhou altas responsabilidades no Estado, deveria obrigar a um cuidado redobrado na forma de defender a sua imagem até ao julgamento. Não aceito e razão tem o ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, quando sublinhou: "Em Portugal quem está a contas com a justiça não fica sob a alçada da lei", acrescentando que, na verdade, um arguido fica nas mãos dos magistrados. E "se o magistrado tiver a cultura do Dr. Carlos Alexandre tem 99% de probabilidade de ir parar à cadeia". Digo eu, mesmo considerando a presunção de inocência. Até porque, repito, apesar dos indícios, definitivas serão as audiências de julgamento que provarão ou não os crimes de que está acusado. 
Daqui resulta que José Sócrates mesmo que venha a ser absolvido, não nos esqueçamos que é uma das hipóteses, já está julgado. Foi preso e a dúvida permanecerá. A sua carreira política acabou, mesmo sem julgamento. Ora, um país, mesmo considerando a separação de poderes, que permite este enxovalho a uma sua destacada figura política, evidencia total ausência de respeito pelos cidadãos e mais do que isso, ausência de princípios por aqueles que o serviram ao mais alto nível político. À Justiça o que é da Justiça, mas a Justiça, no seu dever de imparcialidade e de defesa dos cidadãos, não pode estar discricionariamente nas mãos dos Magistrados. Alto e parem o baile. A Justiça também é POLÍTICA, porque dela deriva dos poderes Legislativo e Executivo. Daí a necessidade de uma supervisão. Por quem e através de que instrumentos, não me compete dizê-lo. Simplesmente porque não sei.
NOTAS:
1. Este texto, repito, para que não subsistam dúvidas, não constitui uma defesa cega do Engº José Sócrates. Não conheço o processo, não sou jurista e apenas sou um cidadão com opinião. Se for considerado corrupto, que pague pelos erros. Até lá exijo respeito e dignidade. Assim me posiciono por dois motivos: primeiro, porque não gostaria de ver um Presidente da República ou um presidente do Governo Regional numa situação tão aviltante; segundo, porque revolta-me um julgamento popular antes do julgamento. No caso de Sócrates não se trata de um confessado crime de sangue, mas de um indício de crime de alegada corrupção e de branqueamento de capitais. E neste caso, pergunto, quantos deles andam por aí a aguardar julgamento em liberdade! Quantos?
2. Para o Presidente da República, nada se passa. As instituições estão a funcionar com normalidade - disse. Chego a pensar que este homem ainda não tomou posse!
3. Declaração do Engº José Sócrates: "Há cinco dias "fora do mundo", tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações e as "circunstâncias" devidamente selecionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e as televisões. Essas "fugas" de informação são crime. Contra a Justiça, é certo; mas também contra mim.
Não espero que os jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo. Por isso, será em legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.
A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espetáculo montado em torno dela uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita.
Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder - de prender e de libertar. Mas, em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.
Defender-me-ei com as armas do Estado de Direito - são as únicas em que acredito. Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.
Não tenho dúvidas que este caso tem também contornos políticos e sensibilizam-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos. Mas quero o que for político à margem deste debate. Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.
Este processo só agora começou.
Évora, 26 de Novembro de 2014
José Sócrates»
Ilustração: Arquivo próprio.

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