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quarta-feira, 29 de julho de 2015

OS TRÊS DA VIDA AIRADA


A realidade de que nos falam Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas, nas suas pregações e "conversas em família", não cola com a vida concreta da esmagadora maioria dos portugueses. Sustenta-se em ardilosos argumentos, em meias- verdades ou mentiras exaustivamente repetidas, na exploração de medos decorrentes dos complicados problemas que nos afligem no plano nacional e europeu, na tortura de números para que digam o que eles pretendem. Esta "realidade" vai pairando sobre a sociedade e pode impregnar-se e atrofiar-nos o futuro. Algumas almas rendidas às "novidades" do neoliberalismo e os paladinos da ordem das velhas sociedades clamam que a "realidade é de direita", concluindo que não há alternativas porque é moderno sujeitarmo-nos a humilhações, ao acentuar das desigualdades, ao estilhaçar da democracia.


Aquelas três personagens, que nos últimos quatro anos articuladamente nos desgovernaram, tudo fazem para que os portugueses se submetam às instituições, aos tratados, às práticas políticas da União Europeia, quando está hoje sobejamente demonstrado que os dogmas e valores por que se regem estão à margem da vontade dos povos europeus, povos livres e iguais entre si, empenhados em construir sociedades solidárias com desenvolvimento humano e paz. A realidade que nos conduz ao futuro - sempre uma construção humana - é a que emana dos anseios das pessoas, da sua ação individual e coletiva, não aquilo que nos querem impor a partir do que cabe naqueles espartilhos.
A vida dos portugueses nestes últimos anos foi marcada por muito sofrimento injusto, por perda de esperança e de confiança, por sentimentos de impotência face à avalancha de "políticas inevitáveis". O país está a perder população e a desestruturar-se, a destruir capacidades para o seu desenvolvimento.
O caminho para dar a volta a este estado de coisas passa por não nos submetermos "à realidade" inventada por estes governantes, por tomarmos o desafio de exigir verdade e agir com dignidade. O que aquele trio da vida airada gerou, como ainda esta semana a CGTP-IN denunciou, em consonância com outros estudos sérios, foi o agravamento das desigualdades na repartição do rendimento - tendo a riqueza relativa a ordenados e salários passado de 36,1% em 2011 para 34,5% em 2014, enquanto os lucros, que já tinham um peso maior no PIB, passaram de 41,6% para 43,3% -; muitas mais horas trabalhadas por ano pelos mesmos salários; um sistema tributário ainda mais injusto; mais pobreza e menos recursos para quem é pobre; depauperação das funções sociais do Estado, com profundas implicações para a coesão social e o desenvolvimento do país.
A "estabilidade política" reclamada pelo presidente da República (PR) e pelos partidos do Governo não é mais do que um convite aos portugueses para aceitarem a inevitabilidade daquelas políticas desastrosas e se distanciarem do acompanhamento crítico da vida política, da intervenção pública que põe a nu as destruições causadas e obriga a mudanças de rumo.
Com a crise, veio ao de cima a frágil formação democrática do PR, a sua perspetiva económica que nega a economia política e expressões de compromisso com gente que vive de promiscuidades. Isso articulou-se em pleno com os objetivos do grande poder económico e financeiro internacional e nacional, de que Passos é o governante de serviço, e com a agenda social retrógrada dos setores mais conservadores e reacionários, de que Portas e outros ministros são eficazes executantes.
A Cavaco Silva só preocupa que o poder seja exercido por forças que garantam a subjugação. Perante tantos desafios com que nos deparamos é incapaz de apelar aos portugueses para fazerem do próximo ato eleitoral um tempo de debate sobre os seus problemas, as suas causas e as formas de os resolver; nem um apelo para que se mobilizem e participem ativamente nas eleições. Ele pré-define políticas e governantes e convida os portugueses a sancionar as suas escolhas.
Para travar a exploração, para recuperarmos soberania e democracia, é preciso desconstruir este trio e derrotar as políticas que se propõe prosseguir.
*Artigo Professor Universitário Manuel Carvalho da Silva, publicado no Jornal de Notícias.

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