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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

ESCOLA A TEMPO INTEIRO E PAIS A MEIO TEMPO. ESTÁ NA HORA DE DIZER NÃO. CHEGA! ANTES (RE)ORGANIZEM A SOCIEDADE.


Em Outubro de 2010, apresentei, na Assembleia Legislativa da Madeira, um Projecto de Decreto Legislativo Regional sobre a Escola a Tempo Inteiro na Região Autónoma da Madeira. O diploma visava o estudo das causas e consequências de tal opção. Foi literalmente chumbado pela maioria política. Desde que foi criada que sou um público opositor às escolas a tempo inteiro. Hoje, o assunto está, novamente, na ordem do dia, com o governo da República a querer estendê-la até ao 9º ano (08:30/19:30). Um perfeito disparate sejam quais forem as circunstâncias. É caso para dizer, pensem, já agora, na possibilidade dos alunos e professores levarem a cama para a escola, porque a FAMÍLIA é dispensável. Deixo aqui a proposta que foi chumbada e que nem mereceu a possibilidade de  um estudo sério e profundo. 


"A Escola a Tempo Inteiro constitui uma boa solução para um problema errado. Muitos têm sido os investigadores que sobre este tema se têm debruçado. O Professor Doutor Santana Castilho, da Escola Superior de Educação de Santarém, investigador, sublinhou, recentemente, que as Escolas a Tempo Inteiro são uma “aberração pedagógica e social que nacionalizou crianças e legitimou a escravização dos pais”. Por seu turno, o Dr. Eduardo Sá, Psicólogo Clínico, salientou em uma entrevista publicada na Revista Focus: "As crianças estão em vias de extinção (...) cada vez mais as crianças estão a passar por um conjunto de situações que não são muito razoáveis (...) Cada vez mais as crianças não são crianças. As crianças têm hoje uma relação com o brincar que é cada vez mais uma relação de fim-de-semana e brincar é uma actividade muito séria para que seja feita apenas ao fim de semana. Passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado... aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) os pais estão muito enganados ao pensarem que mais escola significa mais educação (...) neste momento a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".
O Dr. Daniel Sampaio, psiquiatra e estudioso das questões educativas, sublinhou em um dos artigos: “(…) não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora de almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais? (…) Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família".
O Doutor Paulo Guinote, clarifica: "(...) Por isso, a Escola a Tempo Inteiro é apenas algo que se destina a apaziguar as “famílias” que, cada vez mais, são obrigadas a trabalhar em condições mais precárias e vulneráveis. Que não podem faltar, sob pena de perda do posto de trabalho no final do contrato. Que são obrigadas a cumprir horários incompatíveis com uma vida familiar harmoniosas. Numa altura em que, cada vez mais, as famílias são menos do que nucleares. A Escola a Tempo Inteiro é um óptimo contributo para todos os empresários e empregadores que defendem a desregulação - pelo abuso - do horário de trabalho dos seus empregados. Se é isso que vai desenvolver o país? Abrindo mais umas dezenas de centros comerciais para as “famílias” tentarem desaguar as frustrações ao fim de semana? Quem defende as “famílias” deveria defender, em coerência com os seus princípios, que o Estado protegesse a vida das ditas “famílias” a partir da melhoria das suas condições de vida. A defesa da Escola a Tempo Inteiro é a admissão de um fracasso, de uma derrota e não o seu contrário (...)".
Finalmente, o Frei Fernando Ventura, numa entrevista à SIC, sobre a sociedade hoje, assumiu: “(…) estamos a pagar facturas altíssimas (…) estamos a criar gerações de “monstros”. Estamos a criar gerações de jovens sem memória. Estamos a criar gerações de pessoas sem história. E quando a memória e a história não se encontram, nós temos os cataclismos sociais. As nossas crianças desde os três meses estão nos berçários, nos infantários, porque têm de estar porque os pais precisam, desesperadamente, de ter dois e três empregos para sobreviverem (…) a história dos novos e dos velhos não se encontra, as crianças não têm voz, as crianças não têm sequer pais, porque têm de trabalhar “25 horas por dia” se for preciso. (…) É esta estrutura por dentro que precisa de mudar (…)”.
Estas cinco posições devem ser assumidas como reflexões importantes, oportunas e de necessidade absoluta de estudo e debate aberto. É absolutamente inacreditável que uma creche, recentemente inaugurada na Madeira, disponibilize serviços até às 23 horas e temos presente a reivindicação da Confederação Nacional das Associações de Pais que sugeriu que as escolas estivessem abertas 12 horas por dia. Trata-se de uma resposta social à desorganização da sociedade, mas que reflecte a mais completa desumanização do processo educativo e responsabilidade dos pais e encarregados de educação. Não deixa de ser curioso que uma Dissertação de Mestrado concluiu, recentemente, “que a escola a tempo inteiro é a grande culpada do aumento de casos disciplinares. Impor oito horas de permanência no mesmo espaço escolar, em actividades de ensino formal, é um abuso”, concluiu a mestranda no seu estudo.
É evidente que reverter todos os sistemas implicados e a mentalidade que lhe está subjacente não constitui tarefa simples. Pelo contrário, é muito complexo e, por isso mesmo, exige uma profunda reflexão, até porque são múltiplas as variáveis que estão em jogo: da organização familiar, à organização do trabalho, passando pela co-responsabilização de toda a sociedade no processo educativo.
Dir-se-á que a Escola não conseguiu se assumir como o motor da sociedade, não puxou por ela, não soube colocar-se na dianteira estruturante, pelo que hoje é a sociedade que lhe exige e impõe o comportamento de resposta às dinâmicas que ela, por contágio, gerou. As causas são, obviamente múltiplas: permitiu-se que o sistema social e de valores resvalasse; aceitou-se a desregulamentação do mundo do trabalho, a pressão no local de trabalho directamente relacionado com o aumento do suicídio; seguiu-se a lógica atraente mas falaciosa de "nada mais certo no futuro que o emprego incerto"; espremeu-se o trabalhador; o Homem esqueceu as lutas de Chicago, desorganizou e aplaudiu as regras laborais de base; não foi considerada a entrada e consolidação da mulher no mundo do trabalho e a respectiva alteração do rendimento familiar que altera a própria organização familiar e, agora, baseado no facto consumado, o capitalismo selvagem, à boleia dessa desregulação e da fraqueza das pessoas, incapazes de lutarem pelos seus direitos, na Região, transformaram a escola, na palavra do Dr. Daniel Sampaio, em um “armazém de crianças”, enquanto lá fora os pais labutam por uns euros.
Desta forma estão a crescer as famílias a meio tempo, em contraponto à Escola a Tempo Inteiro! E os mesmos que a implementaram enquanto resposta possível, são os mesmos capazes de dizer que as famílias são as células da sociedade, que elas constituem a base da aprendizagem, o alicerce dos princípios e dos valores sociais, da Educação geral e específica. Pergunta-se, mas como? Com pais a recolherem os filhos tardiamente que mal dá, em muitos casos, para o banho, os "deveres da escola" (outra coisa a rever), o jantar e cama? Como é que se pode educar neste completo divórcio entre filhos e pais ou vice-versa? Pais que o são, muitas vezes, apenas ao fim de semana! Que construção familiar é possível? Safam-se, neste processo, aqueles que dispõem de Avós a Tempo Inteiro, que ajudam, mas, atenção, não substituem.
Deduz-se que os políticos apresentam um défice de conhecimento sobre estas matérias. Deveriam visitar outros espaços, ler um pouco mais a profundidade destas questões que, sublinhamos, são muito mais complexas que publicar histórias para crianças. Há uma absoluta necessidade de tomar consciência da necessidade de uma nova (re)organização social capaz de uma maior produção e distribuição da riqueza, mas que salvaguarde os aspectos determinantes na construção equilibrada do edifício humano. Países há que não embarcam na “benesse social” das ETI e nesses "regimes cruzados" que constituem um ataque aos direitos das crianças e das famílias.
A confirmar, a Portaria nº 110/2002, de 14 de Agosto, que enquadra as ETI, na Madeira, prevê no seu Artigo 3º: “A Escola deverá organizar o seu funcionamento de forma a assegurar as actividades das crianças/alunos, em dois períodos diários, não sobrepostos, cada um com duração nunca inferior a 5 horas, durante todos os dias úteis”. Um total de 10 horas (cinquenta horas semanais) que conduz a investigadora Maria José Araújo, que lançou o livro "Crianças Ocupadas… Como algumas opções erradas estão a prejudicar os nossos filhos", a questionar: "(…) Fará sentido que, na sociedade contemporânea, as crianças trabalhem mais do que as 40 horas que achamos razoáveis para os adultos? Fará sentido prolongar de tal modo as suas ocupações que não lhes deixamos tempo para brincar e descansar? Será que temos o direito de ocupar e condicionar o tempo livre das crianças depois de um dia de Escola?" (…) "A angústia dos pais para que as crianças trabalhem muito para ser alguém, como se as crianças não fossem já hoje alguém, pode comprometer tanto o seu presente como o seu futuro", sublinha.
Ora, em todo este processo existem engenharias que nem sociais são, como se as crianças fossem números ou meros materiais de construção. Daí a necessidade de um estudo que clarifique as causas e consequências da Escola a Tempo Inteiro.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decreta, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, e alínea c) do Artigo 37º, conjugados com a alínea o) do artigo 40º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto e 12/2000 de 21 de Junho, o seguinte:
Artigo 1º
Âmbito e Definição
O presente Decreto Legislativo Regional tem por âmbito o sistema educativo regional da Região Autónoma da Madeira e visa gerar as condições no sentido de estudar as causas e consequências da Escola a Tempo Inteiro na Região Autónoma da Madeira.
Artigo 2º
Princípio orientador
1. No prazo de 45 dias a partir da publicação deste diploma, competirá ao Secretário Regional de Educação e Cultura convidar e nomear uma Comissão que promova o estudo e debate da temática Escola a Tempo Inteiro.
2. A Comissão terá autonomia total sobre a metodologia a implementar no estudo, mas beneficiará de todos os elementos necessários ao mesmo, através de solicitação directa às correspondentes entidades públicas privadas.
Artigo 3º
Organização
1. Da Comissão referida no Artigo 2º, obrigatoriamente, farão parte:
a) Um representante da Secretaria Regional da Educação e Cultura;
b) Um representante de cada grupo parlamentar da ALRAM;
c) Um professor do Departamento das Ciências da Educação da Universidade da Madeira;
d) Um professor do Departamento de Educação Física e Desporto da Universidade da Madeira, especialista em Desenvolvimento Motor e Cineantropometria;
e) Um professor do Departamento de Psicologia da Universidade da Madeira;
f) Um representante da Federação das Associações de Pais da Região Autónoma da Madeira;
g) Um representante na Madeira da União Geral dos Trabalhadores;
h) Um representante na Madeira da Confederação Geral Trabalhadores (CGTP);
i) Um representante do Sindicato de Professores da Madeira;
j) Um representante do Sindicato Democrático dos Professores;
k) Um Sociólogo;
l) Um representante da Ordem dos Médicos;
m) Um representante da Ordem dos Economistas;
n) Um representante da Associação de Comércio e Indústria do Funchal;
o) Um representante da Associação de Comércio e Serviços da Madeira.
2. Os representantes dos grupos parlamentares não poderão ser Deputados pertencentes ao actual quadro parlamentar.
3. Na primeira reunião, entre os presentes, será eleito o Presidente da Comissão e dois vogais que o coadjuvarão.
4. A Comissão beneficiará de um apoio de secretariado, composto por um educador, um professor do 1º Ciclo e um administrativo, pelo período correspondente ao estudo, facultado pela Secretaria Regional de Educação e Cultura, segundo a figura de destacamento.
Artigo 4º
Funções
1. Competirá à Comissão nomeada, que tomará posse formal, no prazo de 60 dias após a publicação deste diploma, as seguintes funções:
a) Estudar o percurso de 15 anos desde que a Escola a Tempo Inteiro foi implementada na Região Autónoma da Madeira, o seu enquadramento geral e específico, a ligação à família e respectivos encargos.
b) Estudar a correlação entre o investimento nas ETI e os resultados da aprendizagem, concretamente, o insucesso escolar, no 2º, 3º Ciclo e Secundário.
c) Proceder à recolha e sistematização da documentação existente sobre as Escolas a Tempo Inteiro e/ou configurações semelhantes;
d) Proceder à recolha e sistematização de sistemas de organização do trabalho e respectivos horários laborais;
e) Proceder a audições, por sectores, áreas e domínios da actividade económica, educativa e social, sobre o tema em causa;
f) Endereçar convites a personalidades de reconhecida produção literária nos campos da Educação, Psicologia, Sociologia, da Economia e do Trabalho, entre outros, visando a realização de fóruns de debate;
g) Visitar sistemas educativos e de organização social de referência;
h) Enquadrar e quantificar, do ponto de vista da gratuitidade da educação, os efeitos futuros de tal medida;
i) Estudar o enquadramento dos educadores e professores hoje colocados no âmbito da Escola a Tempo Inteiro.
2. A equipa nomeada poderá organizar-se, de acordo com a metodologia que venha a definir, em grupos especiais de estudo.
3. A Comissão de Estudo terá autonomia para proceder à recolha de meios logísticos, no sentido do esbatimento dos encargos de funcionamento, mormente, no que concerne à organização de debates.
Artigo 5º
Periodicidade das reuniões
1. A Comissão reunirá, obrigatoriamente, três vezes por mês.
2. Competirá à Secretaria Regional da Educação e Cultura definir o espaço habitual de reunião bem como todo o apoio logístico à concretização do estudo.
Artigo 6º
Prazos
1. Nomeada a Comissão, esta disporá de doze meses a contar da data de publicação deste diploma, para apresentar um relatório e uma proposta, de forma circunstanciada, sobre todas as variáveis que se colocam relativamente às designadas Escolas a Tempo Inteiro.
2. O relatório final será entregue pelo Presidente da Comissão ao Secretário Regional da Educação e Cultura, no decorrer de uma apresentação pública do documento.
3. Do relatório será dado imediato conhecimento a todos os partidos com representação parlamentar.
Artigo 7º
Senha de presença
1. Será atribuída uma senha de presença a cada elemento da equipa, por reunião efectuada, no valor de € 30,00.
2. Os encargos de organização dos debates, deslocação de convidados e visitas da Comissão que se tornem necessárias, são da responsabilidade da Secretaria Regional da Educação e Cultura.
Funchal, 14 de Outubro de 2010
O Grupo Parlamentar do PS-Madeira"
Ilustração: Google Imagens.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do que li.
No entanto,penso ser ainda de enquadrar a questão do emprego. A ETI permitiu a colocação de muitos docentes.Se por hipótese, se acabasse a ETI, quantos docentes passariam a ser necessários? Não haveria mais desemprego? Ter alunos o dia todo na escola é diferente de os ter só nas horas curriculares ou pouco mais.Os recursos humanos não diminuiriam?

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Li há muitos anos que "não existem professores a mais, o que existe é sistema educativo a menos". Não creio que fosse necessário diminuir as necessidades docentes se a organização escolar for outra, tal como o respectivo processo pedagógico. O que acontece é que, mesmo sem escolas a tempo inteiro generalizadas, têm despedido professores a eito.
Uma vez mais obrigado.