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sexta-feira, 7 de abril de 2017

DEIXEM ABRIL EM PAZ…


Ontem, “autoridades civis, militares e religiosas”, obedecendo sem sangue nem alma a um ritual anémico, ali para os lados do cemitério de São Martinho, acompanharam um ofício de altos dignitários regionais, em rigorosa fatiota de cangalheiros oficiosos, que, à maneira dos seus progenitores políticos, fizeram o que se faz a um morto: depositaram coroas de flores. E os rapazes audazes só souberam perorar e bradar: “Mais Autonomia, mais Autonomia” eles que, nos alvores da Autonomia, ainda estavam a sair da incubadora da adolescência, depressa aprenderam a cartilha dos velhos!




Um artigo do Padre José Martins Júnior, publicado no seu blogue Senso&Consenso

Ninguém como Mestre Tempo para valorar pessoas e factos!
À luz deste guião percorro os 86 anos daquela que foi a maior afirmação de Portugal contra a ditadura nascente de Salazar: o “4 de Abril de 1931”. E à luz do mesmo critério escrevo na primeira oitava das comemorações ontem celebradas na Madeira.
O contraste entre o registo fotográfico de ambos os acontecimentos não podia ser mais eloquente: Em 31, foram as massas populares que abriram as hostilidades contra o monopólio da farinha (o “decreto da fome” emanado do governo central) e a falência do banco madeirense “Henrique Figueira”. Depois, os oficiais de Lisboa deportados na ilha integraram-se no caudal revolucionário que inundava o Funchal e deram-lhe uma expansão mais incisiva, organizando-se contra a ditadura que começava a crescer no governo de Salazar. Foi uma avalanche gritante que jorrava do coração das gentes da ilha, com maior visibilidade no Funchal. Tal como, mais tarde, em 1936, na “Revolução do Leite”, outra vez contra os monopólios decretados por Salazar. Os ditadores chegaram a tremer perante a resistência do povo.
Ontem, “autoridades civis, militares e religiosas”, obedecendo sem sangue nem alma a um ritual anémico, ali para os lados do cemitério de São Martinho, acompanharam um ofício de altos dignitários regionais, em rigorosa fatiota de cangalheiros oficiosos, que, à maneira dos seus progenitores políticos, fizeram o que se faz a um morto: depositaram coroas de flores. E os rapazes audazes só souberam perorar e bradar: “Mais Autonomia, mais Autonomia” eles que, nos alvores da Autonomia, ainda estavam a sair da incubadora da adolescência, depressa aprenderam a cartilha dos velhos!
E aqui começa a mais atrevida desvirtuação do 4 de Abril de 31, o equívoco insuportável que se foi propalando aos megafones da Quinta Vigia: “O 4 de Abril foi o princípio da luta pelo separatismo contra Lisboa, pela nossa independência, pela nossa autonomia”. Tudo baralhado para destroncar o cérebro do povo! Nada mais errado e desonesto, sob o ponto de vista estritamente histórico. O “4 de Abril” não foi contra Lisboa, pois os militares que o lideraram eram cidadãos vindos de Lisboa e aqui deportados, entre eles, o general Sosa Dias, o capitão Freiria, o tenente Camões. A Revolta foi contra a ditadura salazarista.
Vejamos agora o truque de prestidigitação levado a cabo pelos corifeus do regime salazarista que, logo na manhã de “25 de Abril de 74” mudara de pele. Sigamos as semelhanças e as diferenças:
1) Salazar mandou de Lisboa furibundos efectivos militares que sufocaram a Revolta. Na Madeira, o primeiro governador civil e militar pós-25 de Abril e, logo depois, o presidente “vitalício” da Região não fizeram outra coisa: atiraram as tropas madeirenses contra o seu próprio povo, nas justas lutas da hotelaria, nas justas reivindicações dos produtores de cana sacarina. Os sucessivos ataques ao povo de Machico são a mancha mais ignóbil dos autoproclamados donos açambarcadores da Autonomia.
2) Salazar vingou-se dos madeirenses cortando-lhes as verbas durante décadas. O autoproclamado chefe da Autonomia fez exactamente o mesmo: “Para Machico nem um tostão. Machico é do terceiro mundo” - “quarto mundo”, acrescentava-lhe um decrépito secretário de todos os departamentos do governo de então). O actual titular não faz por menos: “As populações dos concelhos da oposição vivem pior que as dos concelhos do PSD” – como se não fossem os concelhos todos da responsabilidade do governo regional!... E quanto a Machico, só agora o mesmo titular saiu da hibernação sonolenta, agora (vésperas de eleições) é que promete ressarcir as vítimas das intempéries, três anos depois !
3) Se mais dúvidas subsistissem sobre as semelhanças dos insaciáveis esfomeados da autonomia ( só para eles!) e o regime ditatorial que esmagou a Revolta da Madeira, basta este blasfemo, antidemocrático e despudorado arroto do protótipo tentacular dessa Autonomia: “Eu bati o recorde do dr. Salazar no governo”.
Servem estes apontamentos (mais que desabafos, são constatações indesmentíveis) para ‘justificar’ os resíduos mortuários que ostentam nas mãos os autómatos depositantes de flores no dia “4 de Abril” aos pés de uma Autonomia que parece cair em cima deles. É que eles não são dignos dos militares de outrora, lídimos exemplares do verdadeiro patriotismo contra o abuso dos ditadores. Nem dignos são do Povo Madeirense que, em 1931, abriu caminho aos valorosos militares, combatendo a exploração dos moageiros, os monopólios acobertados e protegidos por governos populistas e seus comparsas, entre os quais. as hierarquias eclesiásticas. Hoje como ontem. Lá estão todos, de braço dado.
Apraz-me retomar aqui o que, muitas vezes e sob diversas formas, denunciei na minha passagem pelo parlamento regional, numa altura em que a bela estátua, da autoria do nosso talentoso escultor Francisco Franco, estava colocada à sua entrada: “A Autonomia , até agora, resume-se nesta breve e evidente axioma: O Terreiro do Paço mudou-se para o Terreiro do Semeador. O resto é ilusão e ‘vã cobiça’ com que se engana o Povo”.
Deixem Abril em paz! 
05.Abr.17
Martins Júnior

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