Adsense

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A ministra que acirra os ânimos


por estatuadesal
Fernanda Câncio, 
in Diário de Notícias, 28/01/2019)

O episódio Jamaica revelou um país em que o discurso securitário e populista da extrema-direita, a defesa a outrance das polícias e a negação do racismo são de súbito mainstream. Que faz uma ministra negra num país assim?


"É óbvio que me preocupa [o racismo nas forças de segurança], não podia deixar de me preocupar. (...) Quando as alegações de racismo aparecem, é preciso verificá-las até ao limite. E é, sobretudo, preciso intervir, tanto na perspetiva pedagógica, como na perspetiva repressiva, sempre que for o caso."
As palavras tão claras e corajosas são da ministra da Justiça, Francisca van Dunem, em novembro. Van Dunem, que ainda na semana passada, em entrevista ao Expresso, afirmou estar muito preocupada com o aumento do discurso de ódio no país, já várias vezes denunciou a "dimensão da violência da discriminação racial" existente em Portugal. Como quando escreveu: 

"Nenhum facto da vida me deu tanto a dimensão da violência da discriminação racial como o estupor com que os meus filhos João e José, cada um a seu tempo, mas sem terem ainda completado os três anos, chegaram da escola e, entre o amargurado e o atónito, me interpelaram sobre a razão por que a diferença da sua condição racial legitima outros a amesquinhá-los e maltratá-los."

É triste que tenha sido preciso haver uma governante negra para que se denunciasse tão claramente aquilo de que todos deveríamos dar-nos conta e que antes dela todos os governos da democracia deveriam ter querido combater: a violência do racismo que perpassa a sociedade portuguesa.
Francisca van Dunem é negra. É a primeira ministra negra da história de Portugal. É triste que tenha sido preciso haver uma governante negra para que se denunciasse tão claramente aquilo de que todos deveríamos dar-nos conta e que antes dela todos os governos da democracia deveriam ter querido combater: a violência do racismo que perpassa a sociedade portuguesa. 
Porque qualquer pessoa pode e deve reparar na invisibilidade dos negros e dos ciganos nas estruturas de representação e poder, na sua ausência quase total no panorama jornalístico-mediático, na falta da sua voz pública; qualquer pessoa deveria preocupar-se com isso, estranhar isso. Qualquer pessoa, independentemente da cor da sua pele, deveria estar preocupada com o sentimento de exclusão que aflige uma parte da população portuguesa.
Qualquer pessoa deveria interessar-se por ouvir e investigar as denúncias de violência contra essa parte da população.
Qualquer pessoa deve estar preocupada com a frequência das denúncias de brutalidade policial contra ela, sem confundir isso com "estar contra" ou "a favor" das forças policiais - como se fizesse algum sentido considerar que investigar denúncias de comportamentos ilegais e ofensivos dos direitos humanos é um ataque e não apenas a sindicância normal, obrigatória, das instituições num Estado de direito.
Algo está pois muito errado num país no qual essa consciência parece tão arredada da generalidade da população; onde perante a divulgação de um vídeo no qual elementos policiais brutalizam uma série de negros os protestos e a indignação suscitados por essas imagens são tratados como "ataques às forças policiais".
Algo está extremamente errado num país no qual o facto de uma deputada ter exprimido a sua preocupação face a essas imagens e exigido uma investigação é apelidado por partidos com assento na Assembleia da República como "incitamento à violência"; algo está extremamente podre num país em que o desabafo de um dirigente de uma associação de combate ao racismo num post de Facebook - alguém que todos os dias é insultado e ameaçado por ser negro e por lutar contra o racismo - suscita muito mais fúria que as afirmações insuportavelmente racistas de um neonazi num programa de TV, os insultos e ameaças racistas proferidos por membros das forças de segurança nas redes sociais, as revelações feitas no julgamento de quase todo o efetivo de uma esquadra por sequestro, tortura e discriminação racial e a forma repugnante como esse mesmo dirigente é perseguido e caluniado por elementos de extrema-direita no meio da rua.
Há algo de terrivelmente preocupante num país no qual, malgrado repetidos alertas de instituições internacionais em relação à violência policial, um primeiro-ministro, perante imagens de vários polícias armados a brutalizar pessoas desarmadas, escolhe dizer "o nosso lado é o das forças de segurança" em vez de "o nosso lado é o da Constituição, dos direitos humanos e da lei".
Há algo de terrivelmente preocupante num país no qual, malgrado repetidos alertas de instituições internacionais em relação à violência policial, um primeiro-ministro, perante imagens de vários polícias armados a brutalizar pessoas desarmadas, escolhe dizer "o nosso lado é o das forças de segurança" em vez de "o nosso lado é o da Constituição, dos direitos humanos e da lei". 
O país no qual o presidente do partido do governo, esquecendo que ainda em junho, perante aquilo que não teve dificuldade em qualificar com um episódio racista (a agressão a uma jovem por um segurança dos transportes do Porto), exigia a sua "sobrevalorização" pelas forças de segurança, apelando a que se "aprofunde na sociedade portuguesa o debate sobre o racismo" porque "Portugal não é uma exceção ao fenómeno", vem agora certificar que "estas situações são inéditas e pouco comuns em Portugal."
Em sete meses, de um país que deveria aprofundar o debate sobre o racismo Portugal passou, para o PS, para um país onde falar de racismo "acirra os ânimos" e onde exprimir preocupação com o racismo das forças de segurança é um insulto. Portanto, das duas uma: ou o PS acha que afinal não há racismo nenhum em Portugal ou acha que o país é tão racista que melhor é nem abordar o assunto, com medo de perder votos. Qualquer das hipóteses é acabrunhante; qualquer delas envergonha o Partido Socialista. E em qualquer delas talvez se imponha mudar de ministra da Justiça. É que uma ministra negra que combate o racismo acirra com certeza muito os ânimos - dos racistas.

sábado, 26 de janeiro de 2019

O exemplo vem de cima... FALSO!


Tudo ou quase tudo sobre como educar tem a família como elemento indispensável. É ali, desde o nascimento, que se inicia o processo de aculturação, isto é, de acordo com todos os estímulos, o novo membro acultura-se na cultura dos pais. Ele é recebido em uma determinada cultura, paulatinamente, entra em contacto com ela e vai interiorizando essa cultura. Pierre Bourdieu fala do conceito de "habitus" que não é muito diferente do conceito "código" apresentado por Bernstein. Uma criança nasce e, desde logo, fica inserida em um processo de sociabilização, isto é, à medida que  se vai apercebendo do mundo, vai também captando o que é que as outras pessoas esperam dela. Sociabiliza-se. Existe, aqui, uma inculturação, que possibilita conhecer as normas. De início, não entra, obviamente, nesse jogo, mas aos poucos interioriza os comportamentos que os outros esperam dela. 


Interiorizam as tais normas, os princípios, os valores, entre muitas, as maneiras de falar e de sentir. Já Bernstein partiu para este estudo no quadro de um conceito sócio-linguístico. Daí o "código" como elemento de decifração. Fico por aqui, porque, o que aqui me traz, não são os estudos nesta área, mas a família como elemento fundamental de um ser com uma educação assente, no mínimo, em princípios e valores.
Quem entra em uma escola reconhece que há um longo caminho a percorrer de sociabilização a montante da própria escola. E não é o factor pobreza, de per si, que influencia, negativa e determinantemente, tantos e sensíveis comportamentos inadequados. Conhecemos pessoas que, sendo pobres, evidenciam uma postura irrepreensível. Mas há uma sociabilização que tem sido descurada, um "habitus" que não existe, daí, na esteira de Bourdieu, a sua inexistência provoca que as disposições não sejam duráveis, porque não foram, até inconscientemente, interiorizadas as experiências vividas. Dir-se-á que não existe uma matriz de suporte que venha a integrar todas as experiências futuras. E isto acaba por ser determinante a todos os níveis. Quando esta interiorização falha, no seio da família, nem a escola pode suprir tais carências. Pode atenuar, é certo, mas não resolve. Mas vamos ao que interessa.
No DN-Madeira de ontem li duas frases que deixam qualquer pessoa inquieta:

"Marcelo está preocupado em andar a passear de camião 
   e a fazer jogos de bastidores para ser reeleito" 

"É tempo de tomar uma posição sobre esta pouca-vergonha. Nós votámos 
para o Presidente da República, não para tirar selfies"  

Não vou aqui referenciar os respectivos autores, mas são da mais alta hierarquia política do governo e da Assembleia. Frases que formam nódoas que só saem com benzina, parafraseando Eça. Ininteligível. Nem o Senhor Presidente da República escapa a esta desonra, vexame, eu diria, insulto público. É que não se trata do amigo do lado e de gabinete, de um desabafo feito dentro de paredes, mas um ultraje público ao mais alto Magistrado da Nação. Mesmo considerando razões de queixa (!), convenhamos que não é assim que, democraticamente, se exprime a discordância. O Sociólogo Pierre Bourdieu (1930/2002) tinha razão e, pena minha, nem a família, nem a escola, nem os políticos eleitos ajudam a resolver o problema das normas segundo as quais a nossa matriz comportamental se estrutura. O que fazer?
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O MEDO DE ASSUMIR AS FRAGILIDADES


FACTO

"(...) não precisamos que venham de fora apregoar o que é preciso fazer cá dentro" - Deputado José Prada, PSD, Assembleia Legislativa da Madeira. Fonte: DN-Madeira.

COMENTÁRIO

Paleio político de entretenimento. "Paroles". Em um Mundo globalizado, seja qual for o contexto, político, económico, financeiro, social e cultural, o isolamento, para mais em uma região insulana, é causa de atraso e de distanciamento relativamente ao conhecimento. Todos precisamos de ouvir os outros, os que mais sabem, não com a ideia de ditarem ordens, mas na lógica de uma percepção das várias hipóteses que se colocam aos problemas. Apregoar a globalização e, simultaneamente, fechar-se na sua concha ou em uma "torre de marfim", é absolutamente disparatado. Na escola e na vida aprendemos na relação com os outros, no diálogo com os demais, no cruzamento das experiências vividas.
O mal tem sido esse, o de levar o povo a pensar que é "superior", que não existe mais mundo para além da Ponta de S. Lourenço. O erro tem sido o de, com humildade, não chamar ou, então,  visitar países e sistemas importantes para rasgar horizontes. Por aí se ganha mundo. Uma coisa é ser autónomo, outra a bacoca auto-suficiência no conhecimento. Por isso se fazem "brainstormings", qual "chuva de ideias", com pessoas de várias formações e origens para aprender como fazer. Por isso, cada vez mais, trabalha-se em rede, utilizando o "benchmarking", técnica de imitar ou mesmo copiar processos que conduzem à excelência. É por aí que se pode ser criativo e inovador. 
No processo gestionário li muito de Peter Drucker (1909/2005). Fui à estante e peguei alguns dos seus livros. A páginas tantas, porque está marcado, dei com esta: "Se você quer algo novo, você precisa parar de fazer algo velho"; em um outro, "gerir é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação". Duas mensagens: parar de fazer algo velho e o desígnio da cooperação. E, para isso, repito, seja em que contexto for, porque aprendemos uns com os outros, constitui um complexo de inferioridade assumir que os outros nada têm a dizer sobre o nosso futuro colectivo, o que significa ter medo de assumir as próprias fragilidades.
Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

URGE CONTAR A VERDADEIRA HISTÓRIA


Vivemos um tempo de desconfiança e de alguma desesperança. Existe, tenho para mim, uma aparente paz social, talvez, melhor dizendo, onde tudo parece funcionar, apesar dos gritos políticos audíveis por aqui e por ali. O povo anda desconfiado da azáfama que se adivinha por becos e travessas, de promessas que o vento leva, uns que não querem deixar os peitos que alimentaram tantos interesses e bocas, outros que, dizem, para lá se dirigem. Mas não é esse rodopio que aqui me traz. É a História que me fascina.


A verdadeira, aquela que está por se fazer. Não a História dos 600 anos, investigada por quem, de forma séria, a essa área do conhecimento se dedica. Não a História dos 600 anos de alegadas dívidas da Monarquia e da República que, sublinham, constituiu um roubo à Madeira, tratando este espaço por "colónia" e ilha adjacente. Interessa-me muito pouco esses estudos, alguns de oportunidade política convergente com a ideia do "inimigo", de todas as cores, que tem habitado o Terreiro do Paço. Estou mais inclinado em conhecer a História recente, aquela que eu vivi, a História oculta que resulta de um gigantesco labirinto, construído, paulatinamente, por gente de smoking vestido, bem falante em cima dos múltiplos palcos. A História onde todos se conhecem e que vivem de acordo com um código oculto, onde todos sabem e dominam o comportamento esperado. A História dos bastidores concursais, ao jeito de pataca a mim, pataca a ti, dividindo o queijo como querem e entendem. A História das obras que, em percentagem, alimentaram os fundos partidários, através de quem as adjudicou. A História da formação de grupos de interesse pressionante, dos que estando, não estão. A História dos "bons telefones" que cruzam gabinetes distintos, decidem e tentam colocar em sentido desde jornalistas livres a cidadãos de coluna erecta. A História de como passar de falido a rico ou riquíssimo em meia-dúzia de anos, sem rasgos de criatividade e risco. A História de como manter 30% de pobres. A História das razões substantivas (adivinho-as) de 65% da população apenas possuir o 3º ciclo do ensino básico. A História dos actos corruptos de natureza tentacular. A História das facturas escondidas e não condenadas. A História sobre os porquês das obras não prioritárias. A História das perseguições subtis, atirando para a margem quem pie de forma "inconveniente". A História dos bastidores da Justiça. A História da compra das consciências e do medo que coarcta o pensamento livre e fere a democracia. A História das cedências e das contrapartidas. A História da Igreja Católica submissa e que jurou fidelidade aos senhores tidos por benfeitores. A História das atitudes monopolistas que agravam a vida da comunidade insulana. A História, enfim, aquela História que leve a perceber a estrutura que conduziu a doze governos de maioria absolutíssima.
Deixo aqui, ao correr do pensamento, alguns itens de um extenso índice para uma obra de investigação que conduzirá, estou certo, a várias edições e tradução para outras línguas. Uma História narrada, sei lá, em romance, que ligue pessoas a factos e da qual resulte os contornos mais evidentes da política alapada. Devorarei esse livro sem necessitar de uma insónia! Se essa obra já estivesse disponível e fosse eu, ainda, docente, com responsabilidades de direcção de um estabelecimento de aprendizagem, torná-la-ia de leitura obrigatória, enquanto instrumento de capacitação de uma cidadania activa, livre, esclarecedora, actuante e formativa de uma nova e saudável vida, vivência e convivência democráticas. O problema é que essa obra jamais será dada à estampa, porque as pontas soltas seriam muitas e, talvez, entupissem os Tribunais! Penso que devo esperar sentado.  
Ilustração: Google Imagens.

Texto publicado no blogue 
www.gnose.eu

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

COMO É POSSÍVEL?


Ainda estou em choque com as imagens que a televisão apresentou. Protagonista: o Professor Doutor, o Filósofo e Catedrático Manuel Maria Carrilho. Com a filha ao colo, sobe umas escadas, bate à porta e o resto dispenso de narrar em pormenor. Certamente que os leitores acompanharam a tristeza dos comportamentos traduzidos em imagens. Como é possível? Como é possível, um homem com 68 anos, Professor, ex-Ministro da Cultura, autor de variadíssimas obras, "Medalha Picasso-Miró, da UNESCO (1998), o European Archaeological Heritage Prize, da Associação Europeia de Arqueólogos (1999), a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Civil de Espanha, pelo Rei Juan Carlos de Espanha (1996), a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, pelo Presidente da República Federativa do Brasil Fernando Henriques Cardoso (21 de Maio de 1999) e a Légion d’Honneur, pelo Presidente francês Jacques Chirac, que lhe atribui o mais elevado grau que se pode conceder a estrangeiros que não sejam chefes de Estado: o grau de “Grand Officier", como é possível, repito, mostrar ao Mundo o lado oculto da sua personalidade! 

Os livros, "o amor à sabedoria" - Filosofia, nada lhe deram 

Como é  possível um homem com este passado e com aquele reconhecimento público internacional ser condenado com vários anos de prisão (pena suspensa) acusado de uma miserável violência doméstica. Como é possível, entre outras, que tenha agredido um pedopsiquiatra, no intervalo de um julgamento, e que, por isso, tenha sido condenado a oito meses de prisão, substituída por multa. Se o Tribunal condena é que este é um sujeito "doente" de acordo com o conceito da OMS. Trate-se!
Não conheço o(s) processo(s), apenas guio-me pelas condenações e pelas imagens. Porém, mesmo considerando que lhe possam assistir algumas razões (!), nada justifica a violência entre dois seres e as cruas imagens que foram apresentadas em Tribunal. O casamento é um contrato. E os contratos, por vezes não correspondem ao interesse inicial. Ao amor inicial. Chegados aí, ao desencontro, de forma amadurecida, o casal têm o dever de se comportar com respeito, na defesa dos interesses que são comuns (os filhos, por exemplo), manter a amizade, naturalmente dividindo o adquirido sem mágoa de maior e a vida, essa, deve seguir, com absoluta sensatez! 


A vida não é uma linha recta, por vezes surgem situações de alguma tensão, obviamente, mas é aí que a adultez e o bom senso devem predominar. Questiono, complicar, para quê?

É difícil, é.  Existem múltiplas circunstâncias, algumas dramáticas, eu sei, porém, deve a cabecinha funcionar. E mor das vezes, não funciona, também por múltiplas razões. De resto, este é um tema vastíssimo que não pode nem deve ser equacionado em meia dúzia de linhas. Regresso, pois, ao princípio, a Manuel Maria Carrilho.
O problema é que pode um sujeito(a) ser até Catedrático, Ministro, repare o leitor, neste caso, da CULTURA, só que isso não basta(ou) para resolver um problema de formação de base. De carácter. Essa cultura aprende-se e interioriza-se, o que evita quadros litigiosos. Comportar-se de forma ofensiva e provocadora, colocar os filhos no meio das disputas, ao invés de os educar para a liberdade e para responsabilidade, utilizando, até, as situações para que elas sejam pedagógicas relativamente ao futuro (os filhos, mais tarde, poderão passar por um qualquer desencontro), é que é absolutamente lamentável.
Como é possível?
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

40 ANOS DE EXPERIÊNCIA OU UMA EXPERIÊNCIA REPETIDA 40 VEZES?


Dou sempre as devidas reservas quando leio qualquer coisa que coloca em causa, de forma muito contundente, este ou aquele político. Normalmente releio porque, nas entrelinhas, descubro, mor das vezes, algumas pontas que me levam a retirar conclusões, mesmo que apriorísticas. Porém, quando assisto, publicamente, a expressivas manifestações de desagrado na sequência de atitudes políticas, quando, subtraindo alguns casos que, de imediato, não atribuo qualquer relevância, então aí o quadro muda de figura. 


Diz a sabedoria popular que "onde há fumo, existe fogo", daí que, por mais que tentem disfarçar, parece-me óbvio que a conclusão só pode tender, primeiro, para a dúvida, depois, no cruzamento dos dados, para a certeza que o fogo está lá.
Não escrevo sobre sectores que não domino. Para escrever sobre um tema, qualquer pessoa deve fazer "ab initio" um sério esforço de estudo de compreensão das múltiplas faces que o tema pode apresentar. Se assim não for corre-se o risco da superficialidade, de tomar "tomar a nuvem por Juno". E deveria ser assim no exercício da política, porém, o que vejo, não são todos os casos, claro, são pessoas a interpretar papéis para os quais demonstram muitas fragilidades. Há declarações tão infantis, tão desajeitadas, com tanta ausência de seriedade e coerência técnica e até científica que, a quem as assiste com atenção, acaba por ficar incrédulo. Como é possível? Não chegam a ser generalidades, mas banalidades ditas com olhos de cima para baixo.
Um dia, já tem muitos e muitos anos, no decorrer de uma aula, a propósito da necessidade de estudar os problemas, um professor olhou-nos e disse: "a frase não é minha, mas é verdade que há pessoas que dizem boca-cheia que têm 40 anos de experiência, porém, se analisarmos, acabam por ter uma experiência repetida 40 vezes".
O problema é que há jovens que se fazem ao caminho repetindo os erros daqueles que, convencidos estão, de uma "larga experiência". Em linguagem informática: vai dar erro.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

"ASNEIRAS" PRIMEIRO, DEVE-SE OLHAR PARA OS TELHADOS DE VIDRO!


FACTO

"A Secretária Regional do Ambiente e Recursos Naturais, Susana Prada, entregou, hoje, (ontem) ao Procurador do Ministério Público uma nova queixa-crime contra o Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Filipe Sousa. Através de um comunicado de imprensa referiu que em causa está a afirmação do edil, no dia 10 deste mês: “A Secretária do Ambiente sempre que abre a boca só diz asneiras”, em resposta ao facto de a Secretária Regional, como é sua obrigação, face à escassez deste recurso essencial (água) à nossa população e à manutenção de actividade agrícola e industrial, ter uma vez mais alertado para a perda de água em baixa, nomeadamente, no concelho de Santa Cruz, que atinge os 70% daquela que é distribuída em alta pela ARM, quando o razoável seria apenas 40% (...). Fonte: DN-Madeira

COMENTÁRIO

A secretária disse, ainda, que como “na política não pode valer tudo”, como esta é uma “afirmação infundada, descabida, maldosa e proferida de forma inteiramente gratuita, que ultrapassa, largamente, os limites que uma intervenção pública pode conter” (...) pelo que, viu o seu “bom-nome, dignidade e honorabilidade atingidos". Interessante!
Tinha a Senhora secretária 10 aninhos quando se deu o 25 de Abril. Tinha 12 quando o PSD-M começou a liderar, de forma absoluta até aos dias hoje, o governo da Madeira. Portanto, é uma figura que, conhece o passado de ofensas, essas sim, GROTESCAS, aos eleitos da oposição, desde presidentes de Junta de Freguesia, Câmaras, Assembleia Regional, aos investigadores, aos professores universitários, membros das várias associações ambientais, instituições militares e até, primeiros-ministros e Presidentes da República. No actual grupo parlamentar do partido do governo, basta ter em atenção a extensão das ofensas ditas cara-a-cara durante este mandato. Todos levam pela medida grande como soe dizer-se. Pacientemente, a esmagadora maioria dos ofendidos foi tolerante e deixou passar em claro. Não foi a correr ao Ministério Público. Mas outros (governantes) foram visados na Justiça porque, no entender de alguns, foram ofendidos.
Dizer "asneiras" pode ter como significado "desprovido de sentido, gafe ou dizer algo sem refletir". Mesmo assim a secretária sentiu o seu bom-nome colocado em causa!
É verdade que “na política não pode valer tudo”. A Senhora secretária deveria, por isso, ter um felino olhar para dentro e não apenas para fora. Contabilize todas as grosserias ditas, por exemplo, no areal do Porto Santo, aquando da designada "universidade de verão" tendo ao comando um "reitor" implacável. As tais "asneiras", entre tremoços, cerveja e petiscos, arrepiavam os mais insensíveis.
Quer um conselho, senhora secretária, eu que já tinha passado a adolescência quando nasceu, faça o seu trabalho conforme pode ou sabe até ao final do mandato, e deixe as "asneiras" de lado. Quem as não comete? Eu já cometi muitas e a Senhora, pelo que tenho lido, tem cometido várias. Só não as comento porque a sua "não é a minha praia". Cada um no seu galho! Mas sempre adianto uma coisita que me causa espanto: existindo perdas de água significativas em toda a Região, ao longo de 40 anos, não houve capacidade para o governo, interligado com os municípios (durante anos o PSD teve maioria absoluta nas autarquias) investir, resolver ou atenuar este drama da água? Será que o problema das perdas de água só agora são notadas, sobretudo nos concelhos ganhos por outras forças partidárias? Esquisito? Não, apenas politiquice. 
Ilustração: DN-Madeira

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

As atrocidades de Bolsonaro aí estão


Por Estátua de Sal, 
11/01/2019

Recebi o pequeno vídeo abaixo, enviado por alguém do Brasil que é “amigo” deste blog no Facebook, pedindo que o divulgasse.
Pois é, a violência já está a propagar-se pelo Brasil e os mais desprotegidos são os que vão pagar com sangue e lágrimas a perversão mental de Bolsonaro e companhia (Ver aqui).
Os indígenas, os que ainda restam, serão exterminados, em nome da prosperidade do agro-negócio e dos interesses dos grandes fazendeiros que ajudaram a eleger a besta. Minorias, mulheres, gentes LGBT, socialistas e comunistas, para o psicopata eleito não são gente, são apenas escumalha para abater.
É este o “irmão” do nosso Presidente e é esta a sua política que, como se vê, já está em marcha. E não digo mais nada, vejam o vídeo. A voz e o rosto que ele mostra falam melhor que eu.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Deus deve estar zangado


por estatuadesal
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 05/01/2019


1 Custa-me muito, como cidadão do país de que Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente, olhar para a fotografia em que ele está em “fraternal confraternização” com o novo Presidente brasileiro, o Messias Bolsonaro. Sim, eu sei... já lá vou, adiante e em baixo. Mas não era preciso exagerar, não era preciso que o nosso Presidente viesse com a lengalenga do “tom fraternal” e do “encontro de irmãos”. Bolsonaro não é meu irmão, o Brasil é que é.

E se bem que ele represente legitimamente o Brasil, visto que foi eleito para tal, não é nesse Brasil que eu encontro o país irmão que me habituei a amar. Assim como o Brasil não reconheceria como país irmão um Portugal presidido por um Mário Machado. Este Presidente brasileiro é o homem que se tornou conhecido porque ao votar o impeachment da sua antecessora, Dilma Rousseff (por uma suposta irregularidade na execução orçamental, transformada pela oposição em crime constitucional), o fez em homenagem ao coronel da polícia política que na ditadura militar a havia torturado. Uma coisa é representar um país, outra coisa é merecer representá-lo. Não foi por acaso que, tirando o fascista húngaro Viktor Orbán, Marcelo foi o único chefe de Estado ou de Governo europeu presente em Brasília, na posse do Presidente do 7º país do mundo.
Não passou assim tanto tempo para que os portugueses não reconheçam um fascista quando o ouvem falar e quando observam os sinais e os rituais de que se rodeia. Honra lhe seja feita, Bolsonaro não disfarçou coisa alguma: no seu discurso de posse disse exactamente ao que vinha, as suas ameaças foram claras, o seu instinto de ódio e perseguição, em nome de Deus e da “cultura judaico-cristã”, foi tão óbvio que não há disfarce possível. Antes assim: mais tarde, num futuro que só por sorte não será tenebroso, ninguém poderá dizer que foi ao engano. 

Não é por ser evangélico, por repetir à exaustão o mantra de “Deus acima de todos”, que o fascismo se torna cristão. Pinochet, Franco, Salazar eram todos devotos católicos e também eles gostavam de invocar o nome de Deus em vão — que, como se sabe, é pecado que brada aos céus. Não é por esgrimir a fé contra as “ideologias” — isto é, contra as ideias, contra a liberdade de pensamento — que o programa político de Bolsonaro deixa de ter a sua própria e sinistra ideologia. E é por isso que o ministro da Educação, indicado directamente pelos evangélicos, tem como tarefa limpar “o lixo ideológico” das escolas e servir às criancinhas a fé evangélica — esse embuste religioso inventado à medida de um país com largas camadas da população semianalfabeta. 

Se isto não é todo um programa político e ideológico, em tudo semelhante ao das madraças islâmicas, é só porque há quem o não queira ver.
2 Quando, na manhã seguinte à posse do Presidente brasileiro, Marcelo se sentou com ele, já Bolsonaro dera andamento, na própria noite da posse, a um dos mais controversos projectos do seu Governo: começar aos poucos a roubar as terras indígenas na Amazónia para as entregar aos fazendeiros de gado e cereais. É parte da política dos três B, que é a essência do seu programa e a raiz da composição do seu Governo. O B da bíblia já acima falei; o B da bala virá já de seguida com a legalização da posse de armas, um grande negócio para os respectivos fabricantes e vendedores; e o B do boi é o projecto de ocupação da Amazónia, liderado pela ministra da Agricultura, saída da bancada dos “ruralistas”. Neste campo, a primeira medida foi a extinção na práctica da FUNAI, a Fundação Nacional do Índio, um organismo governamental que geria há 50 anos todas as terras que a Constituição brasileira reserva para ocupação exclusiva dos povos indígenas e todos os assuntos relativos a eles, passando a integrar as terras e as competências na alçada do Ministério da Agricultura; ou seja, entregando-os na boca do lobo. A justificação do Presidente é que a FUNAI e as ONG presentes no terreno não faziam mais do que roubar. Pois agora, que é de temer que os índios e o próprio ar que respiramos venham a ser roubados a sério, sinto o dever de testemunhar que foi graças à FUNAI que, 30 anos atrás, pude passar uma semana com uma equipa de filmagem da RTP entre uma tribo dos Caiapós, inclusive disponibilizando-nos uma avioneta, que nos depositou e foi buscar no meio da selva. E o tipo da FUNAI que lá estava a roubá-los era um jovem advogado de boas famílias do Rio de Janeiro, que ali vivia, longe de tudo o que era o seu mundo de origem e em condições terríveis, porque se tinha apaixonado pela causa dos índios da Amazónia. Suponho que doravante seja muito difícil, senão impossível, a qualquer jornalista estrangeiro viver a experiência incrível que eu vivi. E isso, temo também, é apenas parte de muitas outras coisas que se podem perder daqui para a frente e sem as quais o Brasil pode ser um país elogiado por Trump, por Orbán ou por Netanyahu. Mas não será o mesmo Brasil.
3 Pois, foi o povo que escolheu. E o povo é soberano — para o bem e para o mal, para meu gosto ou para meu desgosto. Porque a democracia é o único sistema político em que o cavalo de Tróia pode concorrer nas urnas e, eventualmente, destruí-la por dentro e com as suas armas. Mas, por favor, não me venham dizer que de um lado estão os intelectuais, os artistas e a imprensa e do outro lado está o povo. E, então, onde é que isso é motivo para celebrar? Onde é que isso deu bons resultados?
4 É discutível se Marcelo deveria ou não ter ido a Brasília. Consigo perceber e aceitar relutantemente os argumentos a favor da viagem. Relutantemente, mas enfim. O problema está no enfim: porque Marcelo, sem nunca o fazer ostensivamente, conduz uma agenda de visitas externas e convites internos que, mesmo se em concertação ou tacitamente aceite pelo Governo, é demasiado “à Marcelo”, demasiado frenética e às vezes talvez pouco ponderada. Não descansou enquanto não pendurou no cinto os ten big — do Papa a Trump, da Rainha de Inglaterra ao Presidente de França, muitas vezes dando a sensação de que, mais do que esperar por um convite, se fazia convidado. Mas, não contente com isso, ele vai e logo convida, pondo toda a gente — os portugueses, pelo menos — perante o facto consumado. Por isso, quando o vi avançar para Brasília, temi que mais uma vez ele não se contivesse sem convidar Bolsonaro para nos visitar oficialmente. Dito e feito: não resistiu. E, ao fazê-lo, é bem possível que o seu voluntarismo nos tenha arranjado um sarilho diplomático. De facto, há fundadas razões para prever que Bolsonaro seja mal recebido em Portugal, ao nível da rua e ao nível das instituições. Ao nível da rua porque, como disse, passou ainda pouco tempo para que uma parte substancial dos portugueses aceite tranquilamente ver um fascista desfilar com honras de Estado pelas ruas do país. Ao nível institucional porque basta pensar no que poderá suceder na Assembleia da República: se se achar mais prudente não o levar à Assembleia, será um insulto para ele; se for e sair maltratado, insulto será; se for ele a cancelar, vem a dar no mesmo, é o reconhecimento de que não é bem-vindo. Seja qual for o desfecho, não me parece que, como dizem os brasileiros, Bolsonaro seja homem de levar desaforo para casa. E o que acontecerá então às “fraternas” relações luso-brasileiras? Será que Marcelo pensou nisso ou achou que a sua popularidade tudo consegue ultrapassar?

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

domingo, 6 de janeiro de 2019

Como branquear um nazi na TV(I)


Fernanda Câncio, 
in Diário de Notícias, 
05/01/2019

Quinta-feira foi um grande dia para Mário Machado. Esteve em dois programas da TVI, um de entretenimento - o de Manuel Luís Goucha - e outro de alegada informação (SOS24), e correu-lhe muito bem. Na página de Facebook do seu movimento, escrevia-se: "Objectivo n.º 1 - Atingido! "Chegar às pessoas!".

Porque, como deveria ser óbvio, o simples facto de convidar um nazi condenado a uma infinidade de anos de prisão - em 2012, as penas consecutivas somavam mais de 19, que resultaram num cúmulo jurídico de dez -, na sua maioria por crimes violentos, para o sofá de um programa de entretenimento, entre uma rubrica que ensina a fazer pastéis e outra em que se impinge vendas aos idosos, é uma forma de o embalar como pessoa "normal", aceitável, até "simpática". Machado sabe isso, claro. Dá para acreditar que Goucha e a TVI não saibam?
Aliás, como ninguém convida um nazi criminoso para um programa destes para dizer: "Caros telespectadores, aqui temos este grandessíssimo nazi criminoso para ficarem cheios de nojo dele e de nós por o termos trazido", Machado foi apresentado, no programa como no Facebook de Goucha - que depois apagou o post, supõe-se que pela enxurrada de críticas (a liberdade de expressão é muito boa, mas) -, como um mero "autor de declarações polémicas." Transformando um criminoso que professa uma ideologia violenta numa pessoa "controversa", que pode e deve, como aliás defende Goucha, ser "contraditada com argumentos": "Ele tem os dele e nós temos os nossos."
Por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, Goucha caiu na armadilha de achar que poderia fazer um brilharete "desmontando" Machado sem sequer saber quem tinha na frente.
Essa é a armadilha em que o apresentador, por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, caiu: a de achar que poderia fazer um brilharete "desmontando" Machado sem sequer saber quem tem na frente, e portanto induzindo os seus espectadores no mesmo erro. É certo que o convidado foi questionado sobre os seus crimes. Mas quem o fez, apresentando-se como "repórter", limitou-se a ouvi-lo afirmar que tinha sido preso preventivamente - e injustamente - em 1995 por suspeitas de envolvimento na morte do português negro Alcindo Monteiro, assassinado à pancada por um grupo de skinheads no 10 de Junho desse ano, e que fora solto em 1997 por ser "absolvido". Deixou-o queixar-se: "É um fardo que carrego, pesadíssimo para mim e a minha família."
Pobre Mário Machado. De facto não foi condenado por essa morte; foi condenado em 1997, pelo Supremo - no mesmo processo em que outros membros do grupo foram condenados pelo homicídio qualificado de Alcindo -, a dois anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, por fazer parte desse gangue que foi ao centro de Lisboa com o objetivo de agredir negros e pela autoria material de cinco dessas agressões, duas delas resultando em traumatismos cranianos. Estaria a espancar outros negros quando os amigos mataram Alcindo.
"Denota completa ausência de arrependimento", escreveu o tribunal em 1997. 23 anos depois, Machado apresenta-se como vítima da justiça e repete as mentiras de 1995: que se tratou de "um confronto entre nacionalistas e africanos", quando se provou que foram, armados de soqueiras, tacos e botas de ponta de aço, à caça de negros para agredir.
"Denota completa ausência de arrependimento", lê-se no acórdão. Ausência de arrependimento evidente 23 anos depois ao apresentar-se como vítima do "falhanço da nossa justiça" e repetir a mentira que o grupo apresentou desde o primeiro momento: que se tratou de "um confronto entre nacionalistas e africanos no Bairro Alto", quando, deu-se como provado, Machado e amigos iam armados com soqueiras, tacos e botas de ponta de aço à caça de negros para agredir, querendo "com essa atuação, integrada nos objetivos do grupo de skins, contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial."

Nada disso Goucha ou o seu "repórter" souberam ou quiseram evidenciar. Como os escritos racistas e nazis muito mais recentes de Machado, as fotos a fazer a saudação nazi, as tatuagens nazis, a informação sobre as suas condenações, a última das quais, a sete anos e dois meses por roubo, sequestro, coação e posse ilegal de arma, é de 2010 - esteve preso até 2017, quando saiu em condicional. É de resto tal a profusão e a gravidade das condenações que talvez nem o próprio se lembre de todas, quanto mais Goucha. Daí que tenha podido dar-se ao desplante de se dizer "a primeira pessoa em Portugal a ser presa dois anos e nove meses por um texto escrito na internet", coisa que, comentou, "no tempo de Salazar não aconteceu a ninguém" - referindo-se à condenação, em 2016, por uma carta escrita em 2014 a partir da prisão, na qual afiançava a uma mulher, que acusava de o ter "tramado", que se não lhe pagasse 30 mil euros iria ser morta "à frente dos teus filhos", e "encomendava" agressões a outras pessoas.

Após tal performance no programa de Goucha, Machado seguiu para o inominável SOS24, onde debitou a sua cartilha racista e odienta, falando de "africanos", "portugueses brancos" e "da nossa cultura" (para quem precise de um desenho: portugueses são brancos, os não brancos não são portugueses) e afirmando que "hoje em dia o racismo vem sobretudo dos negros contra os próprios brancos, (...) desses grupos de marginais que espalham o terror nas nossas cidades, que perseguem os nossos miúdos nas escolas, que violam as raparigas sempre que têm uma oportunidade, porque o fazem movidos por ódio racial". Também aí, ninguém lhe pediu que apresentasse provas do que disse, ninguém o contraditou com o mínimo de eficácia.
A TVI quis dar "respeitabilidade" e "seriedade" a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de "liberdade de expressão". Parabéns a todos.
Não sei se Machado e a TVI violaram alguma lei; não sei se faz sentido "resolver" isto com queixas à ERC, alimentando a sua estratégia de vitimização. Não se trata, para mim, de o impedir de ser o nazi e o racista repelente que é e de defender essas "ideias" - direito que lhe reconheço, desde que sem apelar à violência (se bem que ser nazi sem apelar à violência seja difícil); sequer de querer impedir alguém de o entrevistar. Trata-se de tornar claro o que a TVI fez: branqueou uma carreira de duas décadas de crime (no programa de Goucha) para a seguir dar tempo de antena, no SOS24, ao discurso de ódio que enforma essas duas décadas de crimes. Quis dar "respeitabilidade" e "seriedade" a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de "liberdade de expressão". Parabéns a todos.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Ano novo problemas velhos


Um artigo do Padre José Luis Rodrigues
Publicado no blogue "O Banquete da Palavra"

2018-2019

A canga é grande de ano para ano. 2017, carregou 2018, este vai enfiar o barrete a 2019 e este também não vai fugir à regra e não terá também tempo suficiente para não sobrecarregar 2020. É assim ano após ano. Estupidamente interminável. Porque nunca será mais foguete ou menos foguete de artifício que vir a pôr cobro a esta fatalidade.




Se eu fosse o ano novo não aceitava senão coisas novas. Porém, felizmente, eu não sou o ano novo e não tenho o poder da solução para todos os problemas. Mas garanto que se eu fosse o ano novo, o ano velho piava baixinho e não me entregaria a carga de problemas velhos, que ele não encontrou tempo e vontade para solucionar.
Para muita boa gente o ainda saudoso Santo Papa João Paulo II, dizia o seguinte, provavelmente, num daqueles momentos de boa disposição, que também o caraterizava: «a estupidez também é um presente de Deus, mas não se pode abusar». Este prisma, que nos inspira sobremaneira, podemos aferir que muitos dos problemas derivam precisamente do abuso na prática da estupidez. Vejamos então…

- A guerra e todo o género de violências físicas e psicológicas que comandam o nosso quotidiano são estupidez (falo das guerras grandes feitas entre os estados, que derivam do negócio das armas que deliciam os capitalistas e os governantes do mundo inteiro, mas também falo daquela violência quotidiana das nossas casas, por exemplo, a disparatada e muito estúpida violência doméstica).
- As desigualdades ou a falta de equidade neste mundo é uma crua estupidez que alimenta o egoísmo e a maldade humana.
- A destruição do nosso serviço de saúde é o máximo da estupidez quando sabemos à partida que todos mais tarde ou mais cedo necessitarão de cuidados de saúde. A politiquice que o norteia também nos envergonha e o muito malabarismo para justifica o injustificável não nos ludibria.
- A irresponsabilidade dos governos que nós temos são a face visível da estupidez quando abusada, porque governam em função de interesses mesquinhos de alguns grupos económicos ou amigos do partido a que pertencem, mesmo que isso hipoteque a vida de toda a sociedade e das gerações vindouras. E a estupidez é tanta que não olha à destruição da «nossa casa comum», a nossa «mãe terra». Mais ainda quando tudo isso implica altos custos para o erário público, sobrecarregando todos os cidadãos com impostos que levam ao sofrimento à morte.


- A estupidez é ainda desmedida perante a bênção dos poderes que se acasalam pornograficamente para conseguirem os seus intentos mesquinhos. Para isso não falta água benta para lavar as vergonhosas «uniões de fato», que a este nível os poderes justificam na troca de favores mútuos. Resta a caridade que alimenta os pobres ainda a serem mais pobres ou então dependentes do beija mão senhorial desta sociedade obcecada por mordomias exclusivamente para alguns, aqueles que tiveram mais certo.
- A fome pelos tachos agudiza-se ano novo adentro. Um problema velho, mas que o famigerado ano de 2019, sobrecarregará devido à abundância de eleições. Já vemos a estupidez a marcar passo em função desse eldorado do emprego para os incompetentes, os lambe botas do costume que até venderão a alma se para tal for necessário, mesmo até antes de terem vendido a sua progenitora.
- A beatice patética perdurará ano novo adentro, qual problema velho, que se alimenta estupidamente do fundamentalismo, do anacronismo, da hipocrisia para combater quem eventualmente lembre que precisamos de respostas novas para os problemas sempre novos que todos os dias a diversificada humanidade coloca diante dos olhos. O Papa Francisco deve saber bem do que falo!
- A estupidez não terá limites na aplicação das leis e dos critérios para ajuizar e agir perante cada uma das pessoas. Porque, problema sobejamente velho, é que uns são filhos de Deus e outros, mesmo que esperneiem serão sempre filhos da outra... Enfim, as discrepâncias continuarão a existir, uns a acreditar que Maria de Nazaré é Virgem espiritualmente e fisicamente. Mas pode haver que alguns, mesmo assim, duvidem, mas logo serão metidos na ordem, porque o santo dogma do discurso não pode ser violado, a santa tradição não tolera inteligência e a ousada da criatividade. A abusada estupidez não tolera que os contextos tragam também sinais de Deus nos tempos que correm, Deus é estático, a acção de Deus não muda… Ah, perversa estupidez!
Enfim, a lista poderia ainda ser mais preenchida. Mas fiquemos com estes elementos, só para vermos como a passagem de um ano para o outro vem carregada de sofrimento para quem vem. Lutemos, para que o ano de 2019 seja bom.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A extrema-direita ressuscitou e floresce


Carlos Esperança, 
01/01/2019)



A posse de Bolsonaro, um primata abrutalhado que, após a expulsão do exército, correu como deputado, por numerosos partidos brasileiros, sem atividade legislativa, a recolher benefícios do cargo, é a cereja no bolo da demência que grassa no continente americano.

As democracias são aí exóticas, residuais ou em vias de extinção, a sul do Canadá. Basta um segundo mandato de Trump para acabar com veleidades de eleições livres em países da América Central e do Sul.
É evidente que Jair Bolsonaro não quer, não pode e não sabe governar em democracia. O Senado e o Congresso dos deputados, onde muitos estão habituados a trocar o voto por benefícios pessoais, sem ideologia e sem entusiasmo na defesa do interesse público, não lhe vão facilitar a vida.
Quem conhece a cultura de caserna do cavernícola que as redes sociais, as televisões e a influente lepra evangélica levaram ao poder, facilmente adivinha que as botas cardadas serão o seu modelo e as espingardas o apoio que solicitará. Resta saber se a tropa, com que conta, estará disposta a aventuras e terá por ele a afeição do bispo Edir Macedo.
Deixar 200 milhões de brasileiros nas mãos de um boçal sem experiência governativa, sensatez ou projeto é um perigo para a sobrevivência dos mais pobres e um incentivo à violência que a liberalização do uso de armas não deixará de estimular.
Jair Bolsonaro considera-se um enviado de Deus e tem o apoio de Trump, as orações de Duterte, o assassino das Filipinas, e ainda a ajuda de toda a extrema-direita mundial e de Israel, para além dos que pretendem a Amazónia e deter os recursos do subsolo, o que garante o aumento do PIB que o ajudará a endurecer o poder.

Francis Fukuyama enganou-se rotundamente quando previu o fim da História. Está em marcha um retrocesso que não brota apenas no continente americano, é uma mancha de óleo que alastra a todo o Planeta e já contaminou a Europa. Os inimigos da democracia e dos direitos humanos, paradoxalmente, alcançam o poder pela via democrática. Hoje, são eleitos indivíduos que eram casos de polícia e agora se tornam líderes políticos.

A tomada de posse de Bolsonaro, com coreografia pífia e desajeitada, parecia mais uma parada militar do que a substituição de um PR em democracia. A faixa presidencial lá passou do corrupto golpista, Michel Temer, para Messias Bolsonaro, que hesitou em entrar de cabeça ou com o braço à frente.
“O Brasil acima de tudo [Deutschland über alles] e Deus acima de todos”. Bolsonaro dixit.
Depois, foi o sombrio desfilar de figuras menores onde o abraço sionista de Netanyahu foi o mais demorado, e o de Marcelo, o único PR da Europa, parecia uma ida mais a um velório onde, despachados os pêsames, fugiu a ver os netos ou a esconder a vergonha.
O juiz que prendeu, investigou e condenou Lula da Silva lá fará companhia a Bolsonaro e a vários generais, indiferente à humilhação que infligiu à Justiça com a sede de poder que o devorou.
Não é um governo que o ex-capitão comanda, é uma companhia de tropa sem vergonha.