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sábado, 2 de março de 2019

Neto de Moura processa todos os que o criticaram


Carolina Reis, 
in Expresso, 02/03/2019

O juiz Joaquim Neto de Moura, conhecido por ter proferido dois acórdãos polémicos em que desvalorizou casos de violência doméstica, vai processar todos os que fizeram comentários nos jornais, televisões e redes sociais apelidando-o de machista, misógino e incapaz de continuar a exercer. O levantamento dos nomes ainda está a ser feito pela equipa jurídica do desembargador do Tribunal da Relação do Porto, mas já foram identificadas várias personalidades públicas, que vão responder em tribunal por ofensa à honra.

A deputada Mariana Mortágua, os humoristas Ricardo Araújo Pereira e Bruno Nogueira, os comentadores Joana Amaral Dias e Manuel Rodrigues, e a Media Capital, dona da TVI, onde passou um dos programas com críticas ao juiz, serão os primeiros a ser processados, com pedidos de indemnização que ainda não estão definidos.
“Estamos a analisar posts nas redes sociais, artigos de opinião em jornais, nas rádios e nas televisões. O objetivo é processar todos os que extravasaram os limites da liberdade de expressão. Esqueceram-se que estão a falar de uma pessoa que tem um passado profissional irrepreensível. Aceitamos que discordem dos acórdãos, mas estas pessoas ultrapassaram o que é aceitável no Estado de direito”, diz ao Expresso Ricardo Serrano Vieira, advogado do juiz.

Em causa estão comentários que o desembargador considera serem uma ofensa à sua honra pessoal e profissional. Como o post no Twitter em que a deputada do Bloco de Esquerda disse que o juiz era “uma ameaça” ou o programa “Gente que Não Sabe Estar”, da TVI, no qual Ricardo Araújo Pereira ironizou que a advertência que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) aplicou a Neto Moura devia ser “enfiada no rabo” do juiz (ver caixa).

ACONSELHADO A NÃO FALAR

“Há tradição de os juízes que se sentem ofendidos abrirem processos cíveis. Porém, não costumam fazê-lo contra órgãos de comunicação nem contra o que saiu em notícias”, diz o advogado Paulo Sá e Cunha. O penalista explica que a fronteira entre a difamação e a liberdade de expressão é difícil de definir, mas que “a jurisprudência do Tribunal Europeu é muito favorável” à segunda.
Ao Expresso, Neto de Moura não quis fazer comentários apesar de, segundo o seu advogado, “querer muito falar”. Ricardo Serrano Vieira alega que o juiz sabe de antemão que o CSM, o órgão que regula e fiscaliza os juízes, não vê com bons olhos que o magistrado fale publicamente.
Em outubro de 2017, o juiz censurou uma vítima de violência doméstica por ter sido infiel, num acórdão em que cita a Bíblia e o Código Penal de 1886. Manteve as penas suspensas para dois homens, ex-marido e ex-amante da vítima, que a agrediram com uma moca de pregos, e escreveu que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”. “Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”, escreveu na sentença, adiantando ainda que “na Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”.
Estas considerações valeram-lhe uma sanção do CSM. Numa decisão inédita e renhida — de oito contra sete — tanto o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que por inerência lidera o CSM, como o vice-presidente deste órgão votaram a favor da sanção. Não esteve em causa a decisão, de manter as penas suspensas aos dois agressores, mas a fundamentação usada na sentença.
Neto de Moura, que tinha avaliação de Muito Bom, foi sancionado com uma advertência registada, a sanção mais leve, mas que, ao ficar no currículo, impede a progressão na carreira. O magistrado vai recorrer da decisão para o STJ, alegando que se trata de uma violação da independência dos juízes.
Neste recurso, serão citados posts no Facebook de jornalistas, como Fernanda Câncio, do “Diário de Notícias”, e Rita Marrafa de Carvalho, da RTP. Ricardo Serrano Vieira diz que o juiz está a ser perseguido pelas associações que organizaram as marchas contra a violência doméstica. E ataca o coletivo feminista Capazes por fazer campanha nas redes sociais contra o juiz. “O que se está a querer fazer é discutir uma decisão judicial e a falsa questão da desigualdade de género. O problema com a violência doméstica é a lei”, frisa o advogado.
Na altura em que o polémico acórdão foi tornado público, Neto de Moura foi alvo de várias críticas vindas de associações feministas, mas também de Marcelo Rebelo de Sousa, do Parlamento, do Governo e até da Conferência Episcopal Portuguesa.
Em defesa do magistrado, saiu um grupo de juízes, na maioria jubilados, com um manifesto a atacar a condenação generalizada ao acórdão. Estes juízes defendem que as sentenças não podem ser criticadas sob pena de violação do princípio da independência dos juízes.
Perante a divulgação, esta semana, de novo acórdão polémico, no qual o magistrado retirou a pulseira eletrónica a um agressor que furou o tímpano da ex-mulher (ver entrevista), por considerar que a decisão não foi fundamentada pela primeira instância, reacendeu-se a polémica. Desta vez, o CSM entende que não há espaço para procedimento disciplinar por se tratar de “matéria de âmbito jurisdicional — em que está em causa a decisão de um juiz”.

O QUE DISSERAM DELE

“Uma advertência destas faria sentido se for enrolada, enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz se calhar discorda, mas há um precedente bíblico. Em Levítico 3: 17, o Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz”
Ricardo Araújo Pereira, “Gente que Não Sabe Estar”, 10 de fevereiro

“A presença de Neto de Moura nos tribunais é uma ameaça à segurança das mulheres”
Mariana Mortágua, Twitter, 25 de fevereiro

“Este magistrado do Tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segurança pública”
Joana Amaral Dias, Facebook, 25 de fevereiro

“Como é que um animal irracional de um juiz destes anda à solta num tribunal? Precisa é de uma coleira e de uma trela e açaime”
Bruno Nogueira, “Tubo de Ensaio”, 27 de fevereiro

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