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sábado, 11 de maio de 2019

Choque económico X: a táctica do salame


É possível colocar o CINM no centro do interesse da Madeira e assim torná-lo nacional e imprescindível

Deputado na Assembleia da República
11 MAI 2019 


É preciso rejeitar a noção simplista e distorcida que a Madeira não pode prescindir das receitas fiscais do CINM. Não é isso o essencial, nunca foi esse o objectivo , nem é esse o caminho.
É verdade que, sobretudo, desde 2012 a Madeira tem acesso a um contentor de receitas fiscais da Zona Franca da Madeira e essa realidade é incontornável e muito positiva. Mas era essa a essência do CINM? Sempre foi esse o ganho mais evidente ? Foi nesse pressuposto que os governos regionais e nacionais se debateram pela manutenção da praça ? Foi essa a filosofia da ideia aprovada pela União Europeia na já longínqua década de 80? Não, não, não e não!
Lembro aliás que a maior parte do período de ouro do CINM em termos de atração de empresas, mas também de criação de emprego, foi quando a receita fiscal era zero em termos de IRC. Na prática, a defesa do CINM era genuinamente a sua importância para o desenvolvimento regional com criação de emprego e diversificação da economia. Nesse tempo, as receitas mais significativas, e que até davam nas vistas, não eram as fiscais mas as taxas de instalação de empresas. Mas esse também não era o ponto. O mote era construir um projecto de desenvolvimento económico que promovesse a coesão, baseado na atração de investimento externo. Esse, do meu ponto de vista, continua a ser o mais natural e desejado desígnio.
É também verdade que pelo caminho, neste esforço de dezenas de anos, edificou-se um centro de negócios internacionais, formaram-se pessoas com excelentes capacidades para compreender e trabalhar em mercados competitivos fora das fronteiras do arquipélago, atraiu-se novas actividades. Ensaiou-se, várias vezes, um centro industrial que, infelizmente, esbarrou sempre com os condicionalismo dos transportes marítimos. Promoveu-se a cobiçada atração de serviços financeiros até ao princípio deste século, altura em que estes saíram do pacote de investimentos admitido pela Comissão Europeia. Por essa mesma altura também emergiu outra esperança: o comércio electrónico e a ideia que a diversificação da nossa economia, “oferecida” pelo CINM, poderia ser por essa via.
Na verdade, entre 2005 e 2010, com o avanço do comércio electrónico mas também com as vantagens de uma muito competitiva taxa de IVA (a segunda mais baixa da maioria das jurisdições fiscais da Europa) a Zona Franca da Madeira esteve próximo de se afirmar como espaço privilegiado de investimento tecnológico. Mas essa vantagem, baseada apenas em motivações fiscais, foi completamente anulada com as alterações europeias expressas na Diretiva 2008/8/CE, no que respeita às novas regras de localização das prestações de serviços. Assim, face às actuais regras de localização, decorrente da adaptação da citada Directiva, das operações efectuadas através do Comércio Electrónico, deixou de tornar vantajoso para os operadores de países terceiros que prestem serviços a particulares estabelecerem-se na Madeira, uma vez que à luz do regime actual de tributação, o serviço é tributado no local onde é́ consumido.
Estes exemplos demonstram a tese óbvia : o CINM não deve ser defendido como gerador de um tanque cheio de receitas fiscais. Deve ser antes um mecanismo relevante para suportar o desenho do modelo de desenvolvimento económico da Região, mergulhando a nossa economia na linha estratégica a desenhar para o futuro CINM. Na prática, o CINM não deve ser um corpo estranho à economia regional, deve se confundir com ela, puxar por ela e contribuir para que ela se diversifique, crie riqueza e possam emergir ainda mais empregos. Para isso é preciso responder aos tempos de hoje: o que temos? A trilogia “zero impostos, zero de obrigações de emprego, zero de obrigações de investimentos” já não existe! A atração de investimento tecnológico pela via do IVA competitivo desapareceu, o centro industrial nunca se afirmou, e os transportes não estão melhores, e os serviços financeiros são proibidos no quadro actual.
Tudo o que relatei faz parte da história do CINM. Podemos encontrar várias justificações para não ter sido melhor, mas cabe agora prosseguir para continuar a aproveitar as “fatias de um salame” e eis que outra fatia surge com força : o registo de navios. Portanto, aproveitar o potencial do Registo de Navios da Madeira, o terceiro maior da Europa, é crítico e surge como a nova menina dos olhos do CINM. Não é abandonar o esforço de muitos anos, é construir uma área de excelência e arrastar o resto. Só entendendo a sua evolução, os seus obstáculos e as suas potencialidades, é que é possível desenhar, de uma vez por todas, a orientação estratégica que coloque o CINM no centro do interesse da Madeira e assim torná-lo nacional e imprescindível. Vamos a isso.

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