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terça-feira, 28 de maio de 2019

Europa: e tudo acaba no jogo das cadeiras


Por estatuadesal
Daniel Oliveira,
in Expresso Diário 
28/05/2019

Apesar do estranho alívio, a extrema-direita ganhou mesmo mais espaço. Apesar da alegria desmedida, os “Verdes” subiram muitíssimo menos do que a extrema-direita e sobretudo por causa do resultado na Alemanha, à custa do SPD. Os liberais crescem, mais por causa da chegada de Macron do que por subida de partidos existentes. E os grupos que têm mandado a União Europeia vêm por aí abaixo.


O fantasma da extrema-direita serviu para caçar votos mas, chegada a hora de os contar, lança-se um suspiro de alívio porque afinal não foi assim tão mau. E chega-se a esta conclusão comparando com resultados de legislativas, com sondagens, com previsões. As notícias que foram saindo iam variando nestas comparações sempre com o mesmo propósito: esconder o óbvio. Mais uma vez, a extrema-direita cresceu.
Ficando apenas pelo Grupo Europa da Liberdade da Democracia Direita (que além de várias forças de extrema-direita tem o Movimento 5 estrelas) e o Grupo da Europa das Nações e da Liberdade, passam de 103 para 112. Isto não impressiona muito. Mas, para fazermos as contas rigorosas, teríamos de ir pescar vários partidos de extrema-direita que estão inscritos nos Reformistas e Conservadores Europeus (os antigos Verdadeiros Finlandeses, o Partido Popular Dinamarquês ou o PiS polaco, por exemplo), que conquistou mais 13 deputados, aos não inscritos, onde estão vários dos estreantes, e até ao PPE, de onde pode sair o partido de Órban, que tem 13 deputados.
Em França, o Rassemblement National (antiga FN, de Le Pen), passa de 24,9% para 23,3%. Desce mas continua em primeiro. E a ela temos de juntar o Debout la France, que tem 3,5%. Se pensarmos que a FN tinha, há 10 anos, apenas 6,4% nas europeias, ficamos com uma ideia mais precisa da caminhada que estamos a fazer. Em Itália, a Liga de Salvini passa, nas europeias, de 6,5% para 34,3%. Mesmo em relação às legislativas do ano passado, duplica a sua votação. Acrescentem-lhe os Irmãos de Itália, com 6,5% (tinham 3,5% nas europeias anteriores). Na Suécia, os Democratas Suecos (a ironia) passam de 9,7% para 15,4%. Na Bélgica, o Bloco Flamengo sobe de 6,8% para 11,5%. E no Reino Unido, o Partido do Brexit ficou em primeiro, com 31,7%, a que devemos juntar os 3,6% do UKIP.
Depois há as falsas derrotas da extrema-direita. Diz-se que perderam na Alemanha e Espanha porque caíram em relação às últimas legislativas. Mas, no que toca às europeias, que é o que interessa para o Parlamento Europeu, a AfD passa de 7% para 11% (teve apenas mais seis décimas nas últimas legislativas) e o Vox passa de uns insignificantes 1,5% para 6,2% (teve 10% nas últimas legislativas).
Por fim, os dois grandes do Leste. Na Hungria, o Fidesz (que ainda está no PPE) sobe de 51,3% para 53%. Mas aí a notícia até é boa, já que cresce à custa do partido ainda mais à direita (o sinistro Jobbik), que desce de 14,7% para 6,4%. Na Polónia, o PiS, no Governo, tem 45,4% (mais 14 pontos percentuais do que há cinco anos), a que devemos acrescentar as listas Kukiz'15 (extrema-direita populista), com cerca de 3,7% e a aliança de partidos extremistas Konfederacja, com 4,5%. Ou seja, maioria absoluta de populistas e extrema-direita.
Quando a extrema-direita fica em primeiro em França, em Itália e no Reino Unido, cresce em quase todo o lado e os populistas de direita têm maioria absoluta na Polónia e na Hungria, alguém me explica de onde vem o alívio?
Os grande vitoriosos são os “Verdes”, com uma subida extraordinária na Alemanha e ganhos interessantes em França, na Suécia, na Finlândia e na Irlanda. Mas se olharmos para os resultados gerais, passam de 50 para 69 deputados. Não chega para falar de “onda verde”. É a subida de 10,7% para 20,5% na Alemanha que criou essa ilusão. Ela deu mais dez deputados dos 19 novos deputados dos verdes. E nada disto inclui os aliados de Varoufakis, num movimento pan-europeu que, de Portugal à Grécia, teve resultados modestos, não conseguindo sequer eleger o seu líder, que concorrendo na Alemanha não chegou sequer aos 0,2%. Sim, em todo o lado, as eleições continuam a ser mesmo nacionais.
Quem não pode cantar vitória é a Esquerda Unitária/Verdes Nórdicos, onde estão o Bloco de Esquerda e o PCP. Passam de 52 para 39 deputados, sendo claramente ultrapassados pelos verdes. E neste grupo estão seis deputados do Siryza que, derrotados pela Nova Democracia na Grécia, marcaram eleições legislativas antecipadas e podem bem vir a debandar para o grupo dos socialistas. Depois de França, Alemanha, Grécia (com seis deputados cada uma) e Espanha (com cinco), Portugal é o país com mais representantes neste grupo (dois do BE e dois do PCP).
Os socialistas e social-democratas tiveram, como se esperava, pesadíssimas derrotas. Sobretudo nos países mais relevantes. Na Alemanha, o SPD passa de 27,3% para 15,8%, sendo ultrapassado pelos “Verdes”. É o preço que paga por uma longa aliança com a CDU e pela incapacidade de ser alternativa. Uma pesada herança da terceira via que, depois de cumprida, atirou os sociais-democratas para uma lenta de deprimente decadência. Em França, passam de 14%, que já tinha sido um resultado miserável, para 6,2% (coligados com vários partidos). E as coisas estão de tal forma que, em Itália, festeja-se a passagem do Partido Democrático de 40,8% para 22,7%, porque nas últimas legislativas o partido que federa toda a quase toda a esquerda, centro e parte do centro-direita teve 19%. Os socialistas passam de 191 deputados para 146 deputados – 45 perdas. As exceções são mesmo a Holanda, em que o PvdA passa de 9,4% para 18,9%, e Espanha, onde os socialistas sobem de 23% para 33%. Em Portugal, a subida foi, como sabemos, ligeira.

Não é muito diferente do que aconteceu à direita, com o PPE. Passa de 221 para 180 deputados, menos 41. Se o Fidesz de Viktor Órban vier a sair do PPE, serão menos 52. Os maiores rombos foram em Espanha, onde, com a queda do PP, passam de 17 deputados eleitos (correspondente a 26%) para 12 (correspondente a 20%); França, onde os republicanos passam de 21% para 8,5%; e Itália, onde o partido de Berlusconi passa de 16,8% para 8,8%. E mesmo na Alemanha, a CDU passa de 35,3% para 28,9%, perdendo cinco deputados. Em resumo, quem governa a Europa foi punido.

Depois há, como sabemos, a hecatombe britânica. Aí, os Conservadores (que não fazem parte do PPE), foram dizimados. Estão no Governo – se é que podemos chamar aquilo de Governo – e ficaram, nestas europeias, como quinta força política, atrás do Partido do Brexit, dos Liberais Democratas, dos Trabalhistas e, pasme-se, dos Verdes. Se o UKIP já tinha conseguido, há cinco anos, ficar em primeiro com 26,8%, o Partido do Brexit consegue 31,7% e, se lhe juntarmos o UKIP, mais de 35%. Do sistema, só os LibDem e os Verdes ganham: uns passam de 6,7% para 18,5%, ficando em segundo, outros passam de 7,7% para 11,1%. Os trabalhistas caem de 24,7% para 14% e os conservadores despenham-se de 23,3% para uns extraordinários 8,7%. Mas quem julgue que a revolta é exclusivamente remainer, saiba que as dissidências pró-europeia de trabalhistas e tories, o Change UK, não chegou aos 3%. A revolta parece ser mesmo contra a incapacidade dos dois partidos conseguirem gerir este processo com mínimo de tino, seja para que lado for.
Outros vencedores de domingo são os liberais. Sobretudo por causa do partido de Macron que, ficando em segundo através da sucção de socialistas e republicanos, consegue 22,4%. No Parlamento Europeu, os liberais passam de 67 eleitos para 109. Uma subida de 42. Se lhes tirarmos o ganho no Reino Unido, porque nem sabemos se chegarão a tomar posse, perdem-se 15 deputados conquistados (o LibDeb passou de um para 16 deputados), sobram 26 ganhos. Catorze deles foram vêm de França (onde, às custas de Macron, os liberais passam de sete para 21). Mesmo a subida dos Ciudadanos, de 3% para 12%, não traz ganhos em deputados, porque outros partidos espanhóis deste grupo perderam representação.
A Frente Progressista que vai de Tsipras a Macron resume-se à cooptação do Syriza para os socialistas e a um acordo com os liberais na distribuição de lugares. E enquanto se entretêm com o jogo das cadeiras, a extrema-direita continua a crescer, a esquerda a definhar e a Europa a afundar-se
Com esta constituição do no novo Parlamento Europeu, os liberais passarão a ter um papel de charneira sem o qual os socialistas não conseguem negociar lugares com os populares. Se acreditou na ideia de que se tentava construir uma “frente progressista” entre socialistas e liberais para combater a extrema-direita é um ingénuo incorrigível. O que está sempre em causa na Europa é a distribuição de lugares. Sem uma maioria absoluta entre o populares e socialistas (tinham 412 eurodeputados, agora têm 326), os socialistas terão de negociar com o centro-direita para dividirem com eles a parte do bolo que costumam ter só para si. E a divisão terá de ser bastante simpática para os liberais, que só têm menos 37 deputados do que eles. É só mesmo de jogos de cadeiras que estamos a falar. A “frente progressista” que vai Tsipras a Macron resume-se à cooptação do Syriza para os socialistas e a um acordo com os liberais na distribuição de lugares. E enquanto se entretêm com o jogo das cadeiras a extrema-direita continua a crescer, a esquerda a definhar e a Europa a afundar-se.

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