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quarta-feira, 13 de maio de 2020

A pena de morte foi abolida há 153 anos


A propósito do horrendo assassinato da pequenina Valentina, sobretudo no facebook, constatei alguns comentários no sentido da existência da prisão perpétua e até da introdução da pena de morte. Tais comentários, embora legítimos, conduzem-me, hoje, a uma breve reflexão sobre tais posições. 


Portugal foi pioneiro na abolição da pena de morte para crimes civis. "O decreto foi aprovado a 1 de Julho de 1867, durante o reinado de D. Luís. A proposta para aboli-la foi avançada pelo Ministro da Justiça, Manuel Baptista, em Julho de 1867 (há 153 anos) e aprovada na Câmara dos Pares do Reino. O Código de Justiça militar, em Portugal, manteve a pena de morte e só a aboliu completamente em 1876". Há uma Carta de Victor Hugo a Brito Aranha, de 15 de Julho de 1867: "Desde hoje, Portugal está à frente da Europa. Vós, os portugueses, não haveis cessado de ser navegadores intrépidos. Ides sempre para a frente, outrora no Oceano, hoje na Verdade. Proclamar princípios é ainda mais belo do que descobrir mundos." 
A Lei que extinguiu a pena de morte, para além de outras considerações, revelava, também, que a pena a trabalhos públicos era suprimida, tendo por base a constatação da "esterilidade do trabalho forçado, que abatendo a dignidade do homem extingue nele a espontaneidade das faculdades individuais e nivela com o do escravo o seu trabalho".

Obviamente que os crimes, de acordo com a sua gravidade, têm de ser punidos. É assim em um Estado de Direito Democrático. Por isso existe, no Código Penal, uma extensa gradação das penas que podem chegar aos 25 anos de prisão, mesmo em cúmulo jurídico. Este é, para mim, um princípio que se me afigura correcto. Já foram 20 anos (1982) e, em 1995, passou para os 25. Aceito, porém, que, em certos casos, pela gravidade dos actos, não seja considerada a liberdade condicional quando atingidos os cinco sextos da pena, resultando daí a liberdade, sensivelmente, aos 20 anos e dez meses de pena. Esse aspecto julgo que possa merecer alguma reflexão. Porque têm de ser dados sinais à sociedade que o crime não compensa.

Portanto, pena de morte ou perpétua, jamais. No caso da Valentina e de todos quantos foram, barbaramente, assassinados, todos eles não regressarão ao mundo dos vivos e julgo, por isso, que não fazem sentido outras mortes como justificação dos actos primeiros. Basta 25 anos anos a olhar para as paredes de uma cela, esperando que exista reflexão e novos enquadramentos no regresso à vida em sociedade.
Mas há quem, politicamente, se aproveite de algumas fragilidades culturais ou de espontaneidades verbalizadas (não consciencializadas) e seja capaz de dizer, na mesma Assembleia que, em 1867, pôs fim à pena de morte, que a perpétua e a pena de morte devem ser reintroduzidas. Quem assim procede, na Assembleia ou por outros canais, é pessoa vazia de ideologia, que apresenta um discurso simplificado e vago, onde é sensível uma clara ausência de valores. Fala de acordo com aquilo que algumas pessoas querem escutar e, por aí, ganhar a sua simpatia. É pessoa que não se submete ao debate, apenas repete e de tanto repetir é capaz de levar alguma água ao seu moinho. Outro traço central é que, ilusoriamente, pretende(!) uma putativa resposta "em situações extremas de crise". Daí que "o populista surja para ordenar a nação e expurgá-la de grupos que diz que fazem mal à nação”, explica a investigadora Paula do Espírito Santo, que acrescenta uma última característica: esses “tendem a ser altamente camaleónicos (...) são líderes que se adaptam às circunstâncias. As suas ideias podem até mudar em função das circunstâncias”. Portanto, do meu ponto de vista, cuidado com esse tipo de gente que sabe muito bem o que diz e para onde deseja caminhar. 
Ilustração: Google Imagens.

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