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domingo, 3 de maio de 2020

AS NOVAS CATEDRAIS E OS MONSTROS SAGRADOS


Por
Padre José Martins Júnior
29.04.2020

Ao título em epígrafe falta juntar o elemento essencial: o verbo ou predicado. Então ficaria assim: “Também caem as novas catedrais e da mesma forma se abatem os monstros sagrados”. Na leitura que lhes faço, os verbos assumem uma nítida conotação reflexa, ou seja, são as catedrais que tombam por si mesmas e os monstros, ainda que sagrados, são eles que a si próprios se desmancham, à luz do dia.


Ao título em epígrafe falta juntar o elemento essencial: o verbo ou predicado. Então ficaria assim: “Também caem as novas catedrais e da mesma forma se abatem os monstros sagrados”. Na leitura que lhes faço, os verbos assumem uma nítida conotação reflexa, ou seja, são as catedrais que tombam por si mesmas e os monstros, ainda que sagrados, são eles que a si próprios se desmancham, à luz do dia.
Da encosta onde me posiciono, declaro que tomo, desde já, torres ou monstros como ícones e metáforas de tantos outros monumentos sócio-económico-culturais que têm balizado os nossos usos e costumes - numa palavra, a nossa civilização – e que, a partir de agora, ficam em hasta pública, à mercê de novos ventos e fortes abalos trazidos pela “insustentável leveza” do coronavírus.
Hoje, porém, compartilho da mesma paisagem que, no dia de ontem, milhares e milhões de portugueses desfrutaram ao ver subir lentamente (ao peso de uma herança quase perdida!) certos corifeus do nosso desporto-rei na escadaria de São Bento, em Lisboa. Houve quem a comparasse a uma segunda edição de nova “brigada do reumático” a caminho de um improvisado hospital de campanha. Ordem de trabalhos: epílogo de campeonatos inacabados.
Não me ocupo do elenco da dita embaixada nem da sua hipotética legitimidade representativa. Nem sequer da dita Ordem de Trabalhos. Preocupa-me tão só o mesmo que preocupa o cidadão comum quando se debruça sobre o estado actual do mundo do futebol – essa floresta tão densa e tão sombria que tanto custa a desbravar e decifrar. A questão que a todos se coloca é esta: o que é hoje o futebol?... Desporto, acção, arte atlética, fraca competição, desenvolvimento integral da personalidade?... Não há muito tempo, um conhecido e abalizado cronista desportivo, no aceso de um debate televisivo sobre a matéria, explodiu (é mesmo o termo, explodiu!) agastado, peremptório: “Isto é só negócio. O futebol nada tem além do negócio”! No decurso do debate, atiraram-se como pedras de chumbo para cima do tampo da mesa acusações e denúncias de transacções, trapaças e jogadas, subornos, traições, todo um enxurro torpe de dinheiro sujo e atentados à dignidade humana…
Pergunta-se: Onde está um lampejo que seja daquele ideal olímpico de que falava o poeta latino Iuvenalis: “Mens sana in copore sano”?
Nos comentários de bancada, do povo que até gosta de futebol, saíram tacadas ácidas, como “Se calhar, estes tipos também vão pedir dinheiro ao governo para pagar aos jogadores”… E logo vêm ao de cima as cifras ciclópicas aos donos das chuteiras, como aquele ilustre Professor da Faculdade de Medicina que, ao saber da transacção feita com Neymar ao PSG, não se conteve: “O quê? Isso é o Orçamento Anual de todo o Hospital de Santa Maria”!!!

A alinhar com esta inflação verdadeiramente obscena, acresce a superinflação da palavra, dos “catedráticos da bola”, com cujas avalanches verbais os nossos canais rebentam pelas costuras… Por outro lado, não deixa de ser notória a “caça” precoce aos jovens, desde tenra idade, criando neles parcas apetências e falsas expectativas num futuro que não ultrapassa a mediania, senão mesmo o vazio cultural. Permitam-me um desabafo: ainda não percebi qual o cabimento pedagógico de transportar menores pela mão para dentro de um “caldeirão”, de todo desaconselhável, onde os esgares descontrolados são a mais vergonhosa cartilha para uma criança!

Não pretendo moralizar nem muito menos dogmatizar sobre o gigantesco fenómeno do desporto-rei. Acompanho apenas o olhar atento dos autênticos observadores dos futuros estádios, isto é, dos novos caminhos que o futebol abrirá no mundo de amanhã. Algo será diferente. O batente que o ‘Covid-19’ estourou na barra dos nossos rectângulos desportivos e em quase todos os quadrantes sociais servirá para queimar a gordorosa e rançosa imundície de que andam vestidos certos figurinos e certas estruturas do nosso futebol. As próprias novas catedrais – os estádios são as novas catedrais da cidade – e os seus monstros sagrados cairão de velhos e gastos se não tentarem rejuvenescer numa outra mundividência do desporto. 
Faço minhas ( e outro objectivo não tenho senão transmiti-las) as judiciosas palavras do Prof. Francisco Sobral: “Toda a actividade desportiva deverá ser equilibrante, estruturante e socializante”. E completo-as com a veemente denúncia de um outro Mestre do Desporto, Manuel Sérgio, acerca dos desvios do mundo em que se movimentava: “Este nosso mundo tecnocrático que rejeita áreas fundamentais e que, ao lado dos “Spitz” e dos “Pelés”, mantém milhões de subalimentados”!
Será desta - pergunto eu - ou teremos nós de esperar por mais uma enorme penalidade do ‘Covid” para darmos outra volta ao mundo do desporto, o futebol inclusive?

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