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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Economias emergentes acusam UE do aumento de preço do gás natural


Por
João Abel de Freitas, Economista 
28 Novembro 2022
 

A anarquia de preços e quantidades nos mercados internacionais do gás natural decorre do desnorte europeu das sanções económicas contra a Rússia, muito mal concebidas porque contra os interesses dos países-membros, mas afetando de sobremaneira os países emergentes de menor poder de compra.



O ano de 2021 constitui um marco disruptivo na estruturação dos mercados de gás natural com um duplo efeito: elevado aumento da procura e uma vertiginosa subida de preços. Nesse ano, o preço do gás natural bate recordes na Europa, atingindo taxas imprevisíveis da ordem dos 1000% (atenção, acentuo 1000%!) face a 2020.

Em Agosto de 2021, a agência noticiosa Bloomberg anuncia “a era do gás natural barato acabou, dando lugar a um período de energia muito mais cara que deverá criar um efeito de cascata na economia global”. E tudo isto porquê? A Covid-19 provocou uma quebra do consumo energético, devido fundamentalmente à paralisação, ou quase, da economia em vários sectores, energético, industrial e serviços como a hotelaria, a restauração, os transportes…

Nos finais do primeiro semestre de 2021, a retoma económica gera um profundo caos. As cadeias de reabastecimento, com os seus vários estrangulamentos (dificuldades de produção, carência de meios de transporte, rarefacção de mão-de-obra…) não reúnem as condições devidas a uma resposta atempada, provocando escassez de bens nos mercados e atrasos de meses na satisfação das encomendas, tudo isto agravado por uma subida de preços que se estende a sectores como os bens alimentares e as componentes electrónicas (semicondutores), nomeadamente de origem asiática.

2. Este caos já de si complexo é apanhado no turbilhão da guerra da Ucrânia (24 de Fevereiro de 2022), a que a União Europeia (UE), sem estratégia própria clara, decide responder com sanções económicas sobretudo de cariz político, ou seja, sem uma análise de medida dos impactos na sociedade, dando dimensão ainda maior à anarquia reinante em termos dos desequilíbrios procura/oferta e, por conseguinte, provocando a especulação de preços.

A UE deixa-se arrastar na onda das sanções veiculadas pelos EUA, quando a sua situação de dependência energética real nada tem de comum com a realidade americana. O mesmo tipo de sanções em duas realidades tão distintas (falha de recursos energéticos próprios na UE) dificilmente poderia ter os mesmos efeitos.

3. A Comissão Europeia para “sustentar” estas sanções inventa um simulacro de plano logo em Março, designado de RePowerEU, com umas frases “sugestivas” do género: “eliminar a nossa dependência de combustíveis fósseis da Rússia até 2027“; o “REPowerEU procurará diversificar o abastecimento de gás, acelerar a implantação de gases renováveis e substituir o gás no aquecimento e na geração de energia”.

Em termos práticos, este plano (pouco pacífico entre os países-membros) resumia-se no concreto ao corte de 2/3 das compras de gás russo até finais de 2022.

Até António Guterres se manifesta contra “a pressa de substituir petróleo e gás russos” por outros combustíveis fósseis, alegando que pode precipitar o aquecimento global (Lusa, 21 Março 2022). Pelo contrário, a porta-voz dos EUA, Jen Psaki, exorta a mais produção de gás de xisto para lançar nos mercados internacionais.

De forma simpática, o que se pode dizer é que a UE entrou num raciocínio pouco elaborado, esquecendo que neste contexto de escassez de oferta era fácil à Rússia encontrar países compradores alternativos. Por outro, o plano apresentado colocava a descoberto as intenções europeias, nem faltando a quantificação expressa no corte de compras de gás à Rússia. A uma “simplicidade” tão primária era de esperar que a Rússia respondesse. E fê-lo, nomeadamente, através da redução do fornecimento de gás via gasodutos.

Esta situação (mais que previsível) gerou pânico nos países europeus, nas empresas e na população em geral, sem produzir, contudo, os efeitos desejados na economia russa como admite o FMI: “mesmo com sanções, a economia da Rússia está melhor que o esperado” (imprensa internacional 26/07/2022).

O “Le Monde Diplomatique”, por sua vez, olha este plano apontando-lhe dois erros grosseiros: a redução de forma precipitada da dependência do gás e do petróleo da Rússia sem plano alternativo de fiabilidade e custo equivalente e, segundo erro, à luz dos interesses europeus o alinhamento da Alemanha e da Comissão Europeia pela bitola americana era muito prejudicial. Washington podia decretar o embargo que entendesse sem consequências de maior, enquanto para os países europeus, admite o FMI. “os efeitos nas principais economias europeias foram mais negativos que o esperado”.

A traição europeia às economias emergentes

4. Os países europeus avançam para as sanções, como se referiu, sem um plano pré-definido de substituição do gás e petróleo russos.

Perante a pressão social e das empresas, nomeadamente através das organizações patronais alemãs e temendo a reacção das populações que começa a levantar-se em quase toda a parte, os países europeus, acossados ainda pela proximidade do próximo inverno, desatam a comprar gás a todo o vapor e a qualquer preço, a outros fornecedores (EUA, Qatar e outros) para recompor os stocks.

Os países emergentes, devido a este apetite voraz dos países europeus, vêem-se envolvidos numa guerra de preços com a Europa e em posição difícil de obter energia nos seus mercados tradicionais e a preços convenientes. Neste contexto, têm de recorrer a energias fósseis mais poluentes, mas mais baratas, como o carvão, porque, admitamos, o inverno não é um fenómeno apenas europeu. As economias emergentes também precisam de energia para enfrentar o inverno.

E como afirma S. Kavonic, analista de energia do Crédit Suisse Group, “a Europa suga o gás de outros países, a qualquer preço”, para suprir a falha de gás russo.

Mesmo assim, as compras não bastaram e alguns países europeus com realce para a Alemanha tiveram que accionar as suas centrais a carvão, aumentando a emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Por quanto tempo? – pergunta-se. E, deste modo, as economias emergentes tiveram de se confrontar com problemas de abastecimento em quantidade e aumento imparável de preços.

Quem não se recorda de barcos metaneiros, ancorados aqui e ali, à espera de ordens para se dirigirem para o comprador que oferecesse o melhor preço!.

Toda esta anarquia de preços e quantidades nos mercados internacionais do gás natural (GNL) decorre do desnorte europeu das sanções económicas contra a Rússia, muito mal concebidas porque contra os interesses dos países-membros, mas afectando de sobremaneira os países emergentes de menor poder de compra. Não incluo aqui a China e a Índia que negociaram condições bem favoráveis com a Rússia.

5. A finalizar este artigo de opinião uma nota telegráfica sobre o COP27. Uma paragem no tempo enquanto concretização de objectivos. Mesmo a criação do fundo para apoio aos países mais vulneráveis não passa de uma intenção.

O que realço como bem marcante e promissor na COP27 é a realização, pela primeira vez na história, de uma reunião sobre a energia nuclear num dos seus pavilhões. Alguma comunicação social deu a notícia desta reunião sob a designação de “uma discreta revolução nuclear na COP27”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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