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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

"A Igreja perdeu o inferno, o céu vai pelo mesmo caminho" - JLR


Nunca simpatizei com as atitudes de subserviência, porque sempre destrincei o respeito, mesmo o que se prende com a hierarquia, com a atitude de submissão, por bajulação, medo, calculismo e, pior ainda, por demissão relativamente ao mister que desempenhamos. Aquela atitude que configura "o não vale a pena", os braços caídos, a incapacidade de dar voz aos que não a têm, mexe comigo, porque mexe com o meu entendimento do que é a liberdade de pensamento. Não tenho qualquer afinidade pela rotina, pelo marasmo e pelo deixa andar. Serve-se de corpo inteiro, com as convicções que nos alimentam, com os princípios e os valores que nos animam, jamais através dos múltiplos e estratégicos silêncios que conduzem à ausência do poder da reflexão. 



Há momentos que o silêncio se impõe, porque ele próprio pode ser decisivo, em outros, é o Grito de Munch que abana, desconstrói e ajuda a recentrar ou juntar as peças do caos.

Sobre o que aqui me traz, diz-se que "o silêncio ajuda a ouvir a palavra de Deus", mas quando o contexto em que se vive é, deliberadamente ou por omissão, ofensiva da Palavra, daquela Mensagem que emana de Cristo, só há um caminho a seguir, a da reflexão libertadora em alta voz.

É claro que o poder político adora a humilhação da Igreja, trazendo-a pela trela. E a Igreja, ao invés de o colocar em sentido, amocha, faz-lhe vénia, autocensura-se ou assobia para o lado. É, por isso, que do púlpito, muitas vezes vejo braços a se abrirem ao jeito de quem assume: "em verdade vos digo que não acredito no que digo". O que significa negar-se, passando ao lado da desumanidade e dos direitos do Homem. Porque não existe nem interessa debater ou alertar para uma outra dimensão no quadro de um projecto colectivo que aglutine o conjunto do corpo social.

Perguntar-me-ão, mas onde quero chegar com estas palavras? A resposta é simples: aos padres e aos leigos que, batendo no peito, gerem o silêncio cúmplice que ajuda a afundar os princípios e os valores pelos quais Cristo se bateu. Felizmente, não é o caso do Padre José Luís Rodrigues. Eu li a sua "Carta Aberta aos padres e leigos da Diocese do Funchal" . Não é a primeira nem será, certamente, neste contexto e em outros que o meu Amigo Padre levantará a sua voz, contundente, assertiva, provocadora ou melhor, despertadora de almas adormecidas no seio "da casta dos privilegiados".

Eis as suas palavras, qual grito que vem das entranhas ao serviço da sua missão: que saltem os "(...) metidos por aí na betonagem do social da religião e da região (porque) tornamo-nos massa da mesma massa e encaixamo-nos na engrenagem das dependências do poder político e religioso dominantes. Não esclarecemos ninguém, não dizemos não quando a dignidade humana também se faz com a proclamação do dizer não diante do que não serve a justiça e o bem comum. E diante das coisas deitamo-nos à preguiça do pensamento para deixar a obediência cega comandar os nossos passos. (...) Este cancro é um veneno que alimenta o clericalismo. A assunção das diferenças são combatidas e levam ao isolamento, ao descarte e à falta de fraternidade. E são poucos os que resistem a este estatuto. Não devemos aceitar esta lógica. Porque se pregamos que as qualidades do ver, do ouvir e do falar, são dons maravilhosos concedidos por Deus, na realidade, a larga maior se demite de os usar com alegria e entusiasmo corajoso. (...) Que cristãos e que sacerdotes tem Jesus diante de Si neste tempo histórico que vivemos? – Se lhes falta coragem e a ousia, que Reino pode ser vivido e anunciado... A meu ver andamos fora do essencial. E se almejando ser um corpo como se prega, deve implicar sermos todos iguais nas circunstâncias, sem deixar de valorizar a personalidade própria, assumindo sem medo a liberdade de pensar pela sua própria cabeça. (...)"

Pois é, Padre. Vivemos um tempo difícil, de grandes assimetrias, de corrupção, de múltiplas pobrezas, de suicídio, de jovens à nora e de continuadas iliteracias. Um tempo onde olhamos em redor e vemos tanta canga e baile pesado com os narizes quase colados ao joelho. Não basta a tese do "Cristo comunicador perfeito", mas a consequência de uma ruptura com esta vidinha acomodada, porque silenciada, onde as homilias não agregam, antes são geradoras de pena e desalento.

Parabéns meu querido Amigo Padre José Luís Rodrigues. São pessoas como o Senhor que ainda nos fazem acreditar que é possível um mundo melhor nesta nossa curta passagem pela vida. Lembro-me ter escrito que "A Igreja perdeu o inferno e que o céu vai pelo mesmo caminho". A hierarquia certamente que percebeu a sua mensagem, porém, preferiu refugiar-se nos penosos labirintos de um Paço sem pensamento!

Ilustração: Google Imagens.

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