Adsense

sábado, 30 de março de 2024

Acarinhá-los? Não: enfrentá-los e derrotá-los


Por
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
29/03/2024
estatuadesal

Não, eu não tenho a menor vontade de acarinhar os votantes do Chega, sejam eles quantos forem. Quem deve ser acarinhado são os outros.



Despachado como pára-quedista para chefiar a lista da AD no Algarve, o vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, teve uma derrota tão previsível quanto humilhante, atrás do PS e do Chega. Talvez a pensar já na desforra a curto prazo, não perdeu tempo a namorar os eleitores do Chega, afirmando que eles têm de ser “acarinhados”. Mas, verdade seja dita, o instinto de compreensão e tolerância para com o milhão e cem mil eleitores do partido de André Ventura contagiou todos ou quase todos os que foram chamados a enfrentá-lo nas eleições de 10 de Março, começando logo por Pedro Nuno Santos. Era preciso, explicaram-nos, entender as razões da sua “revolta”, do seu justo desencanto com a política e o estado do país, de igual forma que a mesma compreensão, e até rendição, era necessária para com a revolta do braço armado do Chega — os polícias de camisas negras, a cantar o hino como patriotas de excepção e a ameaçar um motim público, todavia juntando à solidariedade óbvia de Ventura também a do Bloco de Esquerda ou de comentadores como Daniel Oliveira. Até parece que não perceberam o que têm pela frente: não se trata só de combater ideias “racistas e xenófobas”, como repetem preguiçosamente (e, como se viu, sem sucesso), mas de tentar deter uma onda galopante de demagogia desenfreada e populismo de taberna que tornará o país ingovernável e, por arrasto, a democracia indefesa.

Quando oiço os dirigentes políticos da democracia falarem do Chega, percebo até que ponto é restrita a liberdade de pensamento de quem faz da política a sua profissão e da necessidade de ganhar votos a sua sobrevivência. De quem, como Pinto Luz, precisa de namorar todos os eleitores, incluindo aqueles que os desprezam. Eles não podem dizer, nem sequer murmurando, aquilo que salta à vista, que é o inimigo a enfrentar: não André Ventura, que lançou a semente à terra e a rega e aduba inteligentemente, mas sim os que o seguem como a um Messias. Quem já viu desfilar na TV brasileira os inúmeros canais das Igrejas Evangélicas (que já têm também representantes na bancada parlamentar do Chega) não ignora as semelhanças: o problema não são os “sacerdotes” e “bispos” daquelas confrarias de bandidos da fé, mas sim o “rebanho” de descamisados sem causa, de alienados à mercê de aldrabões de feira.


O problema, meus caros senhores, não é André Ventura, o único verdadeiro dirigente da confraria: o problema é mesmo o povo, o povo do Chega.

Divido esse povo em duas categorias: os mal informados e os mal formados. Os mal formados são os tais racistas por doença mental, xenófobos por nacionalismo pacóvio e saudosistas do Estado Novo por conforto pessoal — são a minoria, os “intelectuais” do partido. Os mal informados, a grande maioria, são uma amálgama entre aqueles que, ignorando tudo sobre o estado do mundo, que confundem com as “verdades” que lhes debita o algoritmo das redes sociais a eles destinado, acham que Portugal só não é um país triunfante entre todos porque “eles”, os que nos governam, são corruptos e inimigos do povo; e, por outro lado, aqueles que sempre existiram e que representam o Portugal no seu pior: os maledicentes profissionais de café, os intriguistas, os invejosos, os frustrados, os falhados, os que nunca reconhecem o mérito alheio nem aceitam o mérito como critério na sua actividade — a grande coligação dos medíocres. Esses confundem democracia com prosperidade e preferem sempre o seu bem-estar pessoal à liberdade colectiva e individual. Esses — não todos, mas a maior parte — precisam que apareça alguém a dizer-lhes que o seu mal-estar nunca é culpa própria, mas “deles”, e que lhes explique que a frase de Kennedy deve ser lida ao contrário: “Pergunta o que o teu país pode fazer por ti.” Porque não se informam, ignoram tudo sobre a conjuntura internacional e pensam que só por mau governo e má vontade é que Portugal não é um oásis de prosperidade. Porque não pagam impostos nem se preocupam com a despesa ou a dívida do Estado, acreditam nos milagres económicos, tão evidentes e tão simples, que Ventura lhes propõe como alternativa. Porque não são livres, não se importam de viver na dependência e, porque não são sérios na sua forma de estar, não gostam de ver os imigrantes estrangeiros na “sua” terra, mesmo a fazer os trabalhos que eles não querem fazer e que o tal “sistema” que tanto odeiam os subsidia para não terem de fazer — ao contrário do que os seus pais e avós fizeram outrora, sem desfalecimento, durante a “prosperidade” do salazarismo, naquelas comunidades de emigrantes cujos descendentes agora, vá-se lá saber porquê, também deliram com o Chega, porque estão “revoltados”.

Revoltados? Revolta é uma coisa séria, isto não o é. Sim, há sobejas razões de revolta: uma globalização que ajudou os miseráveis mas desprotegeu os simplesmente fracos ou pobres; um capitalismo que desregulou o mercado, capitulando perante os grandes interesses e corporações; uma cultura woke levada ao extremo da idiotice que agride e afasta multidões de gente simples; uma geração de líderes sem rasgo nem coragem, com medo de dizer as verdades e de fazer opções claras — aliás, muito aterrorizados por um populismo que não sabem ou não querem enfrentar em campo aberto. Mas essa revolta, para ser séria, não pode alimentar-se da ignorância, da demagogia e do triunfo da mediocridade.


Não, eu não tenho a menor vontade de acarinhar os votantes do Chega, sejam eles quantos forem. Quem deve ser acarinhado são os outros: os que votam na democracia, os que acreditam na liberdade como primeiro valor da vida colectiva, os que não querem depender nem esperar por milagres ou embustes prometidos mas abrir caminho por si, pelo seu esforço, o seu trabalho, a sua criatividade, a sua contribuição para a sociedade. Os 80% que não votaram no Chega. Esses é que têm de ser acarinhados, apoiados, empurrados para cima, para que não fiquem apea­dos por falta de oportunidades, enquanto se gastam atenções e recursos com os inúteis sentados nos cafés a dizer mal do “sistema”, só porque desta vez descobriram as virtudes do sufrágio universal e lá se dignaram levantar o cu da cadeira e ir votar na alternativa do Dr. Ventura.

Não é um combate fácil, mas, sobretudo, tem de ser travado e tem de ser ganho — não dando tréguas na luta das ideias, no desmascaramento das mentiras e na exposição do embuste. E governando bem, governando a pensar no país e não no partido, privilegiando não quem mais exige mas quem mais retribui, não quem mais grita e tem mais palco mas quem mais produz, mais inova e mais arrisca. Acordando no que é essen­cial em cada momento e discordando no que é diferente, mas, acima de tudo, não tendo medo de contrapor sempre a verdade e os factos contra a demagogia e o facilitismo de dizer ao povo o que o povo quer ouvir e não o que o povo precisa de ouvir.

Cito e subscrevo aquilo que Francisco Mendes da Silva escreveu no “Público” há 15 dias: “O tal povo ‘esquecido’ que vota em Ventura é muito mais ouvido do que se pensa. Determina muito mais do que se julga as prioridades mediáticas do país.” Isto é um facto, e a imprensa também tem muitas responsabilidades no assunto. Esta nossa doentia tendência para dar sempre mais voz e mais importância a quem mais berra ou desfila pelas ruas a cantar o hino tem como contrapartida o esquecimento de todos os outros. E os outros são os 80% que não votaram no Chega ou os 50% que pagam IRS. Só num país desnorteado é que a prioridade são aqueles e não estes. Olhemos para cima e para a frente, não para trás ou para baixo. Deixem que o diga com todas as letras: aquela senhora que eu vi na televisão a dizer que ela, a filha e a neta desta vez tinham decidido ir votar e todas tinham votado no Chega, para “ver se as coisas melhoram”, não me inspira compreensão alguma — apenas desprezo. Vai fazer 50 anos que a senhora só podia votar em eleições de fantochada e aposto que não estava melhor na vida.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quinta-feira, 28 de março de 2024

As direitas e as esquerdas


Por
João Abel de Freitas
Economista

A Europa não tem sido hábil no encontro com os seus cidadãos. Numas eleições em clima de guerra e de corrida armamentista, menos esperança resta ainda aos europeus, desejosos de uma saída de paz e bem-estar.



Portugal e União Europeia

As eleições de 10 de Março trazem um novo figurino à Assembleia da República, com uma esmagadora maioria de deputados em São Bento da direita e direitas radicais e populistas.

As eleições europeias de Junho próximo são de alto risco para a União Europeia (UE). Os estudos de opinião dão as direitas radicais e populistas na liderança em vários países, o que aponta para o seu reforço no Parlamento Europeu (PE). Assim, a distribuição dos 720 eurodeputados deverá sofrer alterações significativas e os temas a debater mudarão de foco.

A imigração, a transição energética e o modelo agrícola passarão a constar com frequência na ordem do dia, no sentido, porém, de serem introduzidas alterações profundas de rumo. O PE, a Comissão e o Conselho vão sofrer ajustamentos, em virtude dos resultados das eleições e de mudanças políticas que ocorrerão ao longo do novo ciclo europeu, em países como a França, Alemanha e outros.

Há a assinalar uma diferença significativa entre o PE e o Parlamento português. Os partidos das direitas radicais e populistas no PE estão organizados em dois grupos distintos: ID (Identidade e democracia) que agrega fundamentalmente deputados dos partidos de Marine Le Pen, Matteo Salvini (vice-presidente do governo italiano), AfD alemã e agora os eurodeputados que o Chega eleger e ECR (Conservadores e reformistas europeus) deputados dos partidos de Georgia Meloni (primeira-ministra do governo de Itália), PiS da Polónia, Vox de Espanha e, eventualmente, a entrada do Fidesz de Orban da Hungria.

A grande questão ao nível do PE reside na perda ou não da segunda posição do grupo dos socialistas e democratas (S&D), sabendo-se, porém, pelos estudos de opinião que irá baixar o número de representantes do PPE e S&D, os grupos políticos dominantes até à data, prevendo-se que a ID e ECR, em conjunto, ultrapassem o grupo S&D e, segundo alguns estudos, o próprio PPE.

A queda da esquerda portuguesa no PE parece ser uma realidade. Alguns dos partidos com representação hoje poderão deixar de a ter ou reduzir o número de deputados.

Consequências das eleições portuguesas

As esquerdas e centro-esquerda portuguesas tiveram uma derrota gigante, no seu conjunto. A direita tradicional, com primeiro-ministro já indigitado, também não a teve menos, mas goza de condições para fazer governo e até poder cumprir a legislatura, apesar das minúsculas décimas que a separam do PS. O PS, com o resultado destas eleições, com este Parlamento, nunca poderia pensar em governo, a não ser que se quisesse trucidar, levando atrás o País. Assumiu desde logo ser Oposição e bem. Daí não se entenderem certas cabeças pensantes!

Admito que, apesar dum ambiente de incerteza, o Governo da AD, que o Presidente tudo fez para lá pôr e agora segurar, poderá durar até ao final do seu mandato.

E o Chega pode ter aqui o papel fundamental. Os Açores já serviram de ensaio.

Diz Bolieiro que não negociou nada com ninguém. Citando José Pacheco Pereira (Público, 16 de março 2024): [É como o “não é não” de Montenegro ao Chega que começa hoje a ter formas, digamos assim, “flexíveis”, como dizer-se “Bem, na Assembleia da República falamos (negociamos é menos “novilíngua” orwelliana) com todos os deputados”, o que, como é óbvio, não é para a AD falar com o Bloco, mas com o Chega. Aliás, foi também este o pretexto para negociar o apoio do Chega nos Açores que, como os cínicos previam, esperou pelas eleições nacionais para se saber que tinha havido “conversas”].

Avançando um pouco. AD e Chega têm todo o interesse em se sustentarem um ao outro. Um para montar as estruturas de ocupação do aparelho de Estado, distribuir benesses (com o mealheiro cheio) por diversas camadas sociais e assim conquistar apoio crescente na sociedade para ir governando o mais longe possível. O Chega, atendendo aos resultados eleitorais a que chegou no país, necessita de os consolidar no terreno e, pelo menos, uma legislatura calma, sem eleições, é necessária.

Um e outro precisam de criar raízes, para consolidar a sua influência. A IL nem será para aqui chamada. Nem a AD nem o Chega precisam da IL para nada. Os interesses estão centrados nos dois. Se forem inteligentes, como os interesses comuns são enormes, nenhum precisa de esticar a corda. Uns pequenos arrufos aqui e ali para “abrilhantar” o palco. E, se isso resultar, uma segunda legislatura, eventualmente em novos moldes, poderá então ser uma hipótese de governação.

Pedro Nuno Santos vai ter vida bem difícil na oposição. Vai ser apertado a três níveis, no PS para cedências à direita e pelas diferentes esquerdas e direitas. O seu grande problema consistirá em como atrair sobretudo as camadas mais jovens, uma vez que as eleições demonstraram que o PS não anda nada atractivo para a gente jovem.

A nível internacional, a situação também não está de feição. A tendência, de há anos a esta parte, é de fragmentação dos partidos tradicionais, correspondendo a uma evolução política da própria sociedade com a clivagem cada maior entre as camadas jovens a alinhar com os novos partidos, enquanto os estratos mais velhos, embora em fuga parcial, continuam a ser o seu sustentáculo.

Dificilmente, os partidos tradicionais recuperarão o fulgor que já tiveram. Países como a França, Alemanha, Itália … estão em linha neste ponto. Os partidos socialistas em franco ocaso, os partidos comunistas há muito que marcam posição simbólica ou desapareceram e a própria direita clássica em perda continuada ou a fragmentar-se.

A Península Ibérica tem escapado um pouco a este figurino, mas chegam os indícios de que a mudança bate à porta.

Tendências futuras

Por todo o mundo, as direitas radicais estão em crescendo e a agir com alguma articulação, o que só lhes dá força. Na Europa, nas próximas eleições, onde poderão surgir surpresas inesperadas em alguns países, ficaremos com uma foto dessa realidade.

Se Trump vencer, em Novembro, abre-se uma via rápida a nível global. O Mundo está a atravessar contornos geopolíticos complexos, onde se torna difícil vislumbrar apoios para caminhos de alternativa.

Perante estas antecipações pouco animadoras [quando temos uma União Europeia inoperante, sem estratégia e dividida, acerca de temas tão básicos como a Energia, o Mundo Agrícola, a Transição Energética e grandes desafios em indústrias várias como o automóvel e a química] surge um futuro cheio de nuvens densas e negras.

A Europa não tem sido hábil no encontro com os seus cidadãos, porque pouco tem a oferecer-lhes. Numas eleições em clima de guerra e de corrida armamentista, menos esperança resta ainda aos cidadãos europeus, desejosos de uma saída de paz e bem-estar.

Muitos são os problemas que estão a enfrentar e começa a haver consciência de que a Europa entrou numa rampa descendente que, a prazo, lhes retirará qualidade de vida e poder aquisitivo. Imagine-se a prazo uma UE sem indústria automóvel, sem indústria química, em perda na IA, em tecnologias de ponta… com as contas em descontrolo.

Este ambiente assusta os cidadãos europeus, tanto mais porque não sentem uma liderança política firme, conducente a uma mudança de caminho de mudança. Portugal e a UE numa encruzilhada deveras desgastante.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 19 de março de 2024

A sofreguidão pelo dinheiro

 

Desconhecia esta "interpretação" sobre a fidelidade canina. O homem olhou-me e perguntou: sabe a razão pela qual o cão é o melhor amigo do homem? Tentei arengar uma resposta e ele atalhou não me dando margem para outras conclusões: "porque não sabe contar dinheiro".



Interessante argumento, contextualizado na conversa que desenvolvíamos. Apenas acrescentei: tomara, amigo, que, nesse aspecto, todos nós tivéssemos um sentimento de alguma "irracionalidade-racional". Há uma geração, os designados "millennials", que valorizam mais a vida social e o bem-estar no emprego. São poucos, presumo eu. A mancha maior, por múltiplas razões, até de subsistência, corre no faro do dinheiro. E a outros já não lhes bastam as receitas proporcionais a uma vida com dignidade, desalmadamente, correm na busca dos milhões, sempre que possível conquistados de uma forma aparentemente fácil. Até ao dia que a investigação lhes bate à porta.

Hoje, tomámos conhecimento de mais um alegado caso que envolve financiamentos europeus. A notícia dá-nos conta de uma putativa fraude de 40 milhões. Um comentador falava que este montante talvez peque por defeito, podendo, eventualmente, cifrar-se na ordem dos 100 milhões. É sua excelência o vil metal, o dinheiro do mal, que povoa e tolda a cabeça de muitos, na lógica que o crime compensa. Como me dizia um Amigo de longa data: para quê, quando, apenas, temos um estômago!

Gente que aparece nos écrans, em debates, tantas vezes apregoando uma falsa moral, aureolados de senhores sem mancha, mas lá vem o dia que uma ponta deixada solta faz esboroar a imagem imaculada que tentam passar. A montra é uma coisa; o armazém é o da mentira, onde jogam sem um mínimo de pudor. Até há sítios na internet que explicam "como conseguir dinheiro fácil". 

A propósito, deixo aqui um texto que publiquei há oito anos. 


DESABAFOS... A SOFREGUIDÃO PELO DINHEIRO

Tem já alguns anos, andava eu em visita a um país, não me recordo qual, metendo o corpo e todos os meus interesses e sentidos em tudo o que de mais importante havia para ver, saltando da zona histórica para os museus, catedrais, cantos e recantos citadinos, daqui para o pulsar do povo nas zonas mais concorridas e, no regresso, já em uma autoestrada, o amigo que me acompanhava disparou: "para ser feliz não é preciso ter muito dinheiro". Fomos até casa, ao longo de largos quilómetros, os dois casais conversando sobre o dinheiro e a felicidade. De facto, não é condição fundamental. Depois do que tínhamos visto, intensamente vivido e interiorizado, durante aquela jornada, sempre diferente todos os dias, de mochila às costas com um farnel de duas sandes, uns líquidos e fruta, máquina fotográfica e de vídeo, almoçando em um banco de jardim, aquele desabafo do meu Amigo fez todo o sentido. São tantas as vezes que a ele regresso.



Isto a propósito de quê? Ah, do dinheiro e da louca correria para ser rico, muito rico, muitos sem tempo de vida para o gastar. Na véspera tínhamos falado dessa obsessão, pela banca, bolsas, offshore, investidores, lavagem de dinheiro, droga, armas, multinacionais, fuga aos impostos, negócios destinados a esmagar todos os outros, "desvios" e engenharias financeiras, Justiça, enfim, de toda essa engrenagem que, parecendo que não, estrangula a vida que deveria ser construída com um formato de sensatez. Nem por um momento sentimos inveja por quem o tem aos molhos, tampouco falámos de pessoas em concreto. Tudo de forma abstracta, na essência do que é ou deveria ser a vida, que é tão curta, face aos direitos, os fundamentais, os da saúde, educação, trabalho e protecção social.

O dinheiro, obviamente que é necessário, rigorosamente nada se faz sem ele, mas, convenhamos, há limites. A sofreguidão de uns compagina-se com a infelicidade da maioria. A desmedida ambição que sustenta o crescimento rápido acaba, genericamente, com danos colaterais. Dirão, uns: "é a vida"; digo eu: é a selva. Ainda ontem vivi, em discurso directo, uma situação que considero de emprego escravo, mal remunerado e que impede o acesso da maioria a essa felicidade sem muito dinheiro. Sublinho a palavra muito. O dinheiro está, cada vez mais, concentrado em alguns. Não é preciso dar exemplos de países de mão-de-obra baratíssima, de total exploração do ser humano, quando ao nosso lado os temos. É a história daquela jovem que encontrei em uma determinada empresa, muito conhecida. Talvez porque sou habitual cliente, essa proximidade conduziu-a a desabar, já não sei a que propósito: "tenho quase um ano de trabalho, mas sei que vou embora. Aqui ninguém para ao final de x contratos. Já comecei a procurar emprego. Até para ir à casa de banho é preciso pedir ao encarregado. Temos hora de entrada, mas de saída nem por isso. Um salário mínimo e para ter mais algum é preciso vender, é preciso superar os objectivos. Mas como superar se as pessoas não têm dinheiro para comprar?" Pois, respondi-lhe, a exploração de milhares permite o desafogo desmedido de outros. Questiono, agora, para quê esta sofreguidão, precariedade e à custa de baixos salários?

As empresas, obviamente, não são instituições de solidariedade social. Existem para gerar emprego e possibilitar lucros. O problema não é esse. É sobretudo de equilíbrio, de rigor no trabalho, mas também de respeito por todos os que colaboram no êxito. O problema é como se cresce e se cria riqueza, se pela luta honesta diária, se pela desonestidade geradora de infelicidade. Regressando ao início, quando não é preciso MUITO dinheiro para ser feliz, repito, nesta curtíssima passagem pela vida.

Ilustração: Google Imagens

sábado, 16 de março de 2024

E agora, Sr. Presidente?


Por
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
15/03/2024



(É por estas e por outras que tenho que trazer à ribalta muitos dos textos do Miguel Sousa Tavares. É dos poucos, com acesso à comunicação social de larga difusão, que tem a coragem de "chamar os bois pelos nomes", como neste texto em que escalpeliza brilhantemente o papel de Marcelo Rebelo de Sousa, no derrube do Governo de António Costa e na consequente ascensão meteórica da extrema-direita. Por isso mesmo, a ilustração acima - da nossa escolha, e não constante na publicação original -, é uma alegoria à sua junção às vazias acusações do MP contra o Primeiro-ministro cessante.
Estátua de Sal, 15/03/2024)

E agora, Sr. Presidente, como é que nos tira desta embrulhada onde nos meteu? Como aqui escrevi há duas semanas, o rol de promessas eleitorais, associado à conjuntura internacional, torna Portugal ingovernável: ou porque não serão cumpridas e serão então cobradas nas ruas e nos serviços públicos, ou porque serão cumpridas e nos levarão à falência.


Como era mais do que previsível, acordámos segunda-feira com um país ingovernável. Era previsível para qualquer um, mas especialmente para alguém como Marcelo Rebelo de Sousa, que passou uma vida inteira a acumular fama e proveito como imbatível leitor e construtor de cenários políticos, capaz de ler nos astros o que o comum dos mortais ainda não tinha descortinado na parede em frente. Deixemo-nos, pois, de meias-palavras: Marcelo não tem desculpa. Estamos como estamos porque ele assim o quis.

No “Público”, e na esteira de vários outros, Manuel Carvalho escreveu que “o prenúncio desta degradante democracia liberal estava à vista quando uma maioria se extinguiu à luz dos indícios de corrupção”, pelo que “Marcelo fez o que a sua consciência lhe ditava e que o grosso da opinião publicada lhe exigia”. Pois, o problema é que o grosso da opi­nião publicada tomou por indícios de corrupção o que não leu com atenção ou não percebeu, e, no mais, um Presidente deve guiar-se por aquilo que, em cada momento, quer a opinião pública, e não a opinião publicada. Até porque, em contrário, há quem diga mesmo que foi Marcelo quem sugeriu a Lucília Gago que introduzisse no comunicado da Procuradoria-Geral da República o tal parágrafo que ambos sabiam que levaria à imediata demissão de António Costa. Eu não acompanho essa teoria da conspiração ou do maquiavelismo, mas continuo a perguntar-me o que se terá passado na conversa entre o Presidente e a procuradora-geral que antecedeu a demissão do primeiro-ministro: terá Marcelo exigido saber, como lhe competia, o que havia de sólido nas suspeitas em relação a António Costa? E, em face disso — que era nada, como concluiu o juiz de instrução —, conformou-se com a execução pública do PM às mãos da PGR e com a sua demissão? Isto feito, e mal feito, com que legitimidade constitucional optou por recusar o nome indicado por António Costa para lhe suceder na chefia do Governo ou, em alternativa, pedir ao PS que indicasse um nome, como se faz em todas as democracias normais? Quem disse a Marcelo que em 2022 os portugueses tinham votado apenas em António Costa, e não também no PS, e que, se por qualquer razão ele não terminasse o seu mandato, preferiam eleições antecipadas e desembocar na situação que temos agora? A que deve ele obediência: às suas inclinações partidárias, às suas interpretações políticas ou às regras da Constituição da República? E, já agora, para que lhe serviu a opinião de um Conselho de Estado rigorosamente dividido a meio sobre o caminho a seguir? Apenas para o desprestígio acrescido de ver dois dos conselheiros, por si nomeados e ligados à AD, votarem pela convocação de eleições e depois aparecerem a fazer campanha eleitoral pela mesma AD...

Não, Marcelo não tem desculpa. Trata-se de alguém que passou anos a defender o valor da estabilidade e da previsibilidade dos mandatos levados até ao fim. Que, nos últimos dois anos, disse e repetiu que nada poderia pôr em causa o ritmo de execução do PRR — a última grande oportunidade de financiar o desenvolvimento do país com dinheiros europeus —, chegando a dizer a uma ministra que não lhe perdoaria um só dia de atraso. E, afinal, manda tudo ao charco em duas penadas e cavalgando uma insustentável ficção processual do Ministério Público relativamente ao PM — que, isso sim, devia preocupá-lo, e muito. Interrompe uma governação antes ainda do meio do seu termo, paralisa o país durante meses, lançando o alerta em Bruxelas, e dá-se ao luxo de deitar borda fora aquilo que qualquer país europeu hoje mais preza: uma maioria absoluta de um partido dentro do sistema democrático. Hoje podíamos ter à frente do Governo alguém como Mário Centeno, o nome que António Costa levou a Marcelo e que este recusou: alguém que nem sequer era filiado no PS, que conhecia o Governo e as finanças, que tinha provas dadas aqui, conhecimento e prestígio lá fora. O país não teria parado, o PRR e os principais dossiês não estariam paralisados e, sobretudo, aqueles que ainda se esforçam por acreditar num futuro para Portugal não experimentariam mais uma vez a decepção de ver a vida a andar para trás, a sua e a de Portugal, porque lá em cima se anda a brincar com coisas sérias para satisfação de protagonismos ou de impulsos infantis.


Mas não é apenas a instabilidade governativa que eu não perdoo a Marcelo. Mais ainda do que isso, o que não lhe perdoo é ter soltado a besta presa na cave, a besta da demagogia: o Chega. Por mais análises que me forneçam sobre as razões sociológicas e políticas do milhão e cem mil votos do Chega, algumas certamente pertinentes, há uma que desde logo o justifica: a compra de votos. O Chega comprou votos, comprou muitos votos, e comprou-os com uma campanha de demagogia despudorada e irresponsável. Contem-nos: nas forças policiais e respectivas famílias são 100 mil; nos reformados, a quem prometeu, pelo menos, uma pensão equivalente ao salário mínimo, mesmo para quem não contribuiu, serão uns 300 mil; nos professores, a quem prometeu tudo o que reclamam, dos 120 mil terão cativado uns 30 mil; nos agricultores outro tanto, e por aí fora, tudo junto somando metade do milhão e cem mil votos de André Ventura. Num país onde tantos se habituaram a exigir tudo do Estado e tão poucos se perguntam quem e como pagará, o discurso de Ventura está condenado ao sucesso, muito mais do que o racismo, a xenofobia, o autoritarismo e tudo o resto a que, por preguiça, gostam de o reduzir. O sucesso eleitoral de André Ventura chama-se demagogia à solta, e o pior de tudo é que, por competição e por sobrevivência, ele contagiou em larga medida todos os outros. Como aqui escrevi há duas semanas, o rol de promessas eleitorais, associado à conjuntura internacional, torna Portugal ingovernável: ou porque não serão cumpridas e serão então cobradas nas ruas e nos serviços públicos, ou porque serão cumpridas e nos levarão à falência.

Quando recusou a solução de estabilidade governativa que o país esperava e que ele próprio tinha apregoado durante tanto tempo, preferindo antes lançar o país numa aventura eleitoral desnecessária e de efeito previsível, Marcelo sabia ao que ia. Mas não se conteve, porque há muito que ele ia dando sinais de incontinência, aliás com ameaças explícitas. E não venham cá com o desgaste dos “casos e casinhos”, porque no mais grave deles — o caso Galamba, onde Marcelo entrou em choque frontal com o PM, exigindo publicamente a demissão do ministro — ainda estou para perceber qual é a responsabilidade de um ministro que demite um assessor que se recusou a entregar uns documentos exigidos por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e depois, sem mais qualquer intervenção da sua parte, vê o assessor invadir à força o gabinete, roubar o computador de serviço e levá-lo para casa, só o devolvendo a um agente do SIS e por intervenção de outro membro do Governo. Mas, ainda que a razão fosse os “casos e casinhos”, a renovação do Governo com a indigitação de outro PM, e exterior ao PS, esvaziava o argumento.

Não, a verdade é outra: o cargo deve ser profundamente aborrecido para quem gosta de viver a vida. O primeiro mandato presidencial acredito até que possa ser estimulante e apelativo: andar por aí a conhecer o país e as pessoas, dar beijos e abraços, ser recebido com a despreocupação de quem só pode prometer o bem e não fazer o mal, viajar lá fora e conhecer os grandes do mundo, escutar o hino com a herança de quase nove séculos às costas. Mas, isto passado, o segundo mandato é mais do mesmo e, sendo o tédio mau conselheiro, a tendência para a asneira torna-se inevitável. Mas nenhum resiste à tentação do segundo mandato, nem mesmo alguém como Mário Soares, que tinha tão mais vida do que aquela que cabia nas paredes de Belém. No primeiro mandato vimos o melhor de Marcelo, um contagian­te suspiro de alívio depois dos anos de chumbo da majestade cavaquista; no segundo, estamos a assistir ao seu pior, à facilidade com que os grandes princípios degeneram numa absoluta vacuidade. Prejudicial ao país. Mas, enquanto o tempo não passa e isto não tem fim, fica a pergunta a que só ele tem obrigação de responder: e agora, Sr. Presidente, como é que nos tira desta embrulhada onde nos meteu? Dia 15 de Março, sexta-feira, cinco dias depois do acto eleitoral, ainda nem sequer sabemos quem ganhou as eleições e se quem ganhou quer mesmo governar.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

sexta-feira, 15 de março de 2024

As eleições europeias 2024 estão aí


Por
João Abel de Freitas, 
Economista

Tememos, face ao que se passou nas recentes eleições nacionais, em que se falou de tudo menos dos problemas reais do País, que o mesmo venha a acontecer nas eleições para a UE.



A Europa em ciclo de empobrecimento

Em eleições passadas, os partidos portugueses, candidatos ao Parlamento Europeu, pouco de concreto nos informaram do seu pensamento sobre o que a União Europeia (UE) deve fazer como Instituição, no plano mundial e na relação com cada Estado-membro e, sobre o trabalho a desenvolver por cada partido no sentido de pressionar a UE a avançar no caminho que defende.

Não foram capazes de ultrapassar as meras tricas internas e nada nos elucidaram sobre os múltiplos problemas que a UE atravessava e menos ainda se iriam com a nova representação ir além de uma mera presença no Parlamento.

Tememos, face ao que se passou nas recentes eleições nacionais, em que se falou de tudo menos dos problemas reais do País, que o mesmo venha a acontecer nas eleições de Junho próximo para a União Europeia.

Centrar as discussões no cerne dos problemas da Europa é determinante para Portugal e restantes Estados-membros, pois a Europa está numa encruzilhada muito perigosa, uma das mais complexas porque tem passado, um início de ciclo de empobrecimento e de potencial desaparecimento de empresas e indústrias estruturantes da sua economia, como o automóvel.

A União Europeia atravessa uma crise de desespero profunda, em vários domínios e vários países, graças a decisões e políticas profundamente desajustadas ao longo dos tempos ou por ausência de políticas e medidas nos devidos momentos.

A União Europeia a perder o pé

1. O mundo agrícola

No mundo agrícola, a contestação é enorme. Os tractores nas ruas são a imagem perfeita, assistindo aos agricultores europeus múltiplas razões de raiva e protesto. A cedência que alguns governos têm feito vão no sentido de tentar baixar a chama e não de a apagar com a solução dos problemas.

O presidente Macron, ainda recentemente, prometeu acabar com a suspensão dos direitos aduaneiros sobre o frango ucraniano que a UE decidiu, logo após a invasão da Rússia. Uma exigência do mundo agrícola francês, decisão essa que, aliás, só enche os bolsos do grande exportador de Kiev, Yuriy Kosink e dos grandes importadores franceses, prejudicando os médios e pequenos agricultores e o consumidor em geral, pelo aumento de preços.

Analistas referem que a principal razão desta tomada de posição é política, estancar a progressão de Marine Le Pen no “roubo” do voto do agricultor francês.

Já na Polónia o problema maior para os agricultores tem sido os cereais a preços muito inferiores, tanto assim que bloquearam na fronteira a entrada de mais de dois mil e quinhentos camiões.

E se saltarmos para outros países, estes e outros problemas estão na origem da contestação global dos agricultores europeus aos seus governos e à União Europeia. Para vários analistas, isto traduz um cansaço das pessoas face aos efeitos da guerra da Ucrânia e, pior, uma rejeição generalizada à sua entrada futura na UE, pelo temor da maior produtividade da agricultura de Kiev.

E o problema de fundo é esse mesmo. As sucessivas reformas da PAC poucas melhorias têm trazido a acréscimos de rendimento dos agricultores europeus. Daí que a PAC mereça uma profunda refundação.

2. A desindustrialização

Num outro domínio, o da industrialização, a Europa atravessa uma fase muito crítica, com vários setores em afundamento, já em curso ou a curto/médio prazo, como o automóvel.

O símbolo desse afundamento, como bem refere o jornal britânico, “The Times”, é o de um navio cargueiro a aportar em Vlissingen, na Holanda, em 21 de fevereiro de 2024: “A chegada de sua carga deve marcar a abertura de um novo capítulo na supremacia industrial da China ou o início de uma guerra comercial”.

O cargueiro transportava “7.000 carros elétricos destinados aos mercados europeu e britânico”, diz o jornal. O navio pertence à BYD, a empresa chinesa que destronou a Tesla, ao se tornar o maior fabricante mundial de carros elétricos. A BYD ainda sofre de alguma falta de notoriedade na Europa, mas o grupo chinês tem vindo a trabalhar o mercado europeu, nos últimos meses, no sentido de o conquistar. E como está tecnologicamente à frente e o preço é imbatível, a remodelação da “paisagem europeia do automóvel” está à vista, reduzindo fortemente a sua produção.

De novo com o “The Times”, como competir com os fabricantes chineses e, em particular a BYD, que “encontraram a receita para produzir mais e a um custo mais baixo do que todos os [seus] concorrentes?” (…) “Os modelos de entrada [da BYD] são vendidos na China por pouco mais de £ 8.000, enquanto os britânicos têm de pagar cerca de 40.000 libras pelo Tesla mais barato”.

Não vai ser fácil segurar uma indústria que representa na Europa cerca de 7% da economia e emprega 13 milhões de pessoas, quando a própria Europa decretou o fim das vendas dos veículos a combustão para 2035, sem antes ter colocado no terreno uma política sustentada de mudança.

Não é com as denúncias de Bruxelas de subsídios ocultos pela China, em que tanto se empenhou a Comissão Europeia, em finais de 2023, que o automóvel europeu vai sair da crise em que está a mergulhar. Diferentes passos são necessários: acordos entre empresas europeias do automóvel e parcerias sólidas com países terceiros, sobretudo nos minerais críticos e baterias.

Ouçamos o que nos disse Carlos Tavares, gestor português, CEO da Stellantis, grupo criado entre a italiana Fiat e a francesa PSA, à Bloomberg Television, em Fevereiro último: “Estou perfeitamente ciente de que, no futuro, as empresas que não forem capazes de resistir à concorrência chinesa se colocarão em dificuldade” e já antes avisara: a indústria automóvel europeia caminha para um “banho de sangue”, se não reagir a tempo.

E aqui estamos de forma tardia e cada vez com menos meios para reagir, perante uma indústria essencial à Europa que, se falhar na sua reestruturação e entrar em recessão profunda, é um duro golpe na economia.

Mas a desindustrialização não pára aqui. Temos a química em que sobretudo a Alemanha não está bem. Os seus grandes grupos estão em franca perda e a deslocalizar para fora da Europa. E aqui o grande problema é o custo da energia que subiu proveniente das sanções aplicadas à Rússia, tendo os empresários alertado os políticos para o embate de certas tomadas de decisão que estavam no horizonte próximo por pressão dos EUA. Como avançaram, sem alternativas, é o afundamento.

A Europa foi a mais atingida. O alvo, a Rússia, até melhorou, pois, diversificou os mercados de exportação e indiretamente continua a exportar para a Europa, agora em melhores condições de preços. A sua economia, segundo o FMI, até cresce no mundo, acima da europeia (3% em 2023, 2.6% em 2024 e 1.1% em 2025).

São factos perturbadores a merecer um empenho de reflexão e o tempo até às eleições europeias de Junho parece-nos uma altura oportuna. A crise avança de forma lenta, mas persistente e precisa de ser estancada, sob pena de um afundamento a prazo da Europa.

P.S. 10 de Março. Com resultados parciais, a situação é bem complexa. AD ganha com margem estreita. Esquerda acusa uma profunda derrota, o que Marcelo sempre desejou, intervindo na campanha até ao fim nesse sentido. Finalmente, a extrema-direita instala-se no regime folgadamente. Instabilidade é o que nos espera.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 12 de março de 2024

Quase 50 anos de 25 de abril versus quase 50 deputados do Chega!


Por 
José Luis Santos, 
in Facebook, 
11/03/2024
estatuadesal


Os partidos democráticos e fundadores da democracia só podem combater o populismo de André Ventura e reverter o crescimento exponencial do seu partido se fizerem uma introspeção e deixarem de apontar o dedo a André Ventura, ao Chega e aos seus eleitores.




Não foi o 25 de Abril que falhou, quem falhou foi uma série de políticos que sobrepuseram os seus interesses pessoais aos interesses do país e não olharam a meios para atingir os fins.

Desde logo, o 25 de Abril deu-nos a liberdade e não a libertinagem e a própria liberdade tem limites porque, como se costuma dizer, a nossa liberdade termina onde começa a dos outros. E uma das principais conquistas de Abril foi a liberdade de pensamento e de expressão.

Essa liberdade, que nos foi concedida pelo 25 de Abril e que demorou imenso a conquistar com o sacrifício de muitos, alguns dos quais pagaram com a própria vida a sua defesa, no que aos direitos políticos diz respeito, teve como objetivo principal permitir aos responsáveis políticos defenderem livremente as suas ideias e as suas propostas, sem qualquer censura e/ou perseguição.

Nos primeiros anos pós 25 de Abril, assim sucedeu e tivemos políticos, independentemente das suas convicções, que foram verdadeiros estadistas, tais como, Mário Soares, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, e a ordem é arbitrária.

Esses políticos sempre agiram, de acordo com as suas convicções, em prol do bem comum, ou seja, em prol do bem-estar e da qualidade de vida da população.

No entanto, a partir de determinada altura, a política passou a ser apelativa para muitos que viram nela uma forma fácil de ganhar dinheiro, sem grande esforço e trabalho.

Assim, a política deixou de ser a nobre arte de governar o país e as autarquias e passou a ser a nobre arte de alguns se governarem. Daí o crescimento da corrupção e do nepotismo.

Na verdade, pessoas sem escrúpulos, sem vergonha, sem carácter, sem princípios e sem valores começaram a espalhar-se, qual gangrena, por vários órgãos do poder.

Por isso, o descrédito na política e na generalidade dos políticos passou a ser uma realidade para grande parte da população, que se afastou, por completo, o que levou a grandes índices de abstenção nos diversos actos eleitorais.

Todos sabemos que o descontentamento crescente da população propicia o caldo fértil para alguns navegarem a onda do populismo.

André Ventura, é um desses populistas, que fez parte do PSD por largos anos e que foi candidato desse partido em atos eleitorais, mas que fala como se nunca tivesse feito parte do sistema e diz aquilo que a generalidade da população quer ouvir. André Ventura promete tudo e mais alguma coisa, porque sabe que nunca será confrontado com a inexequibilidade das suas propostas. É possível prometer tudo a todos, mas não é possível cumprir essas promessas porque as receitas do Orçamento do Estado são limitadas.


André Ventura tem consciência disso mesmo, mas como sabe que o seu eleitorado só se aperceberia da inexequibilidade das suas propostas se um dia o Chega fosse Governo e tivesse que passar das palavras à ação, vai prometendo tudo e mais alguma coisa a todos e vai prometendo aumentar a despesa pública e, simultaneamente, diminuir as receitas públicas, visto que promete descer os impostos.

A generalidade do eleitorado do Chega não se apercebe da incongruência e da impossibilidade prática de aumentar substancialmente a despesa pública e, em simultâneo, descer significativamente os impostos.

Seria o mesmo que achar possível uma família gastar muito mais, ou seja, fazer muito mais despesas, mas diminuindo consideravelmente o seu rendimento. Se isso sucedesse, essa família, gastando muito mais com um muito menor rendimento, ficaria, obviamente, endividada.

Mas André Ventura, para além de prometer tudo a todos, também é aquele que defende uma coisa e o seu contrário. Por exemplo, numa primeira fase, defendeu o fim do SNS e da escola pública, mas, numa segunda fase, já se arvora no grande defensor do SNS e da escola pública.

Portanto, André Ventura tem um discurso que vai adaptando, sem qualquer pingo de vergonha, às circunstâncias e aos destinatários, em função do que estes querem ouvir, surfando a onda do descontentamento e do populismo.

É isto que tem de ser denunciado pelos partidos democráticos, nomeadamente, aqueles que estiveram na génese da democracia, e não o apontar o dedo ao eleitorado do Chega, porque, como afirmou, e muito bem, Pedro Nuno Santos, não há um milhão de portugueses xenófobos e racistas.

Na minha opinião, a generalidade dos eleitores do Chega são pessoas descontentes com as práticas inaceitáveis acima enunciadas, que são transversais a todos os partidos. Daí a necessidade de esses partidos fazerem uma introspeção para analisar o que está errado e corrigirem-no, em vez de optarem por apontar o dedo ao eleitorado do Chega, acusando-o de tudo e mais alguma coisa.Na verdade, essa atuação só irá fazer crescer, ainda mais, o descontentamento e, consequentemente, a base eleitoral do Chega. Como diz o provérbio: "Apanham-se mais moscas com mel do que com fel".

Os partidos democráticos, nomeadamente, aqueles que estiveram na génese da democracia não podem ter assuntos tabus e não podem deixar de abordar certas temáticas, por mais inconvenientes que elas possam ser. Por exemplo: defender o controlo da imigração, não é ser xenófobo. Conceder mais direitos aos nacionais do que aos imigrantes não é ser xenófobo. Não pactuar com a ideologia de género, não é ser homofóbico. Defender os interesses nacionais e não ser totalmente subserviente a Bruxelas não é ser extremista e radical. Defender uma Europa forte e unida e não subserviente aos interesses políticos, económicos e militares dos EUA, não é ser pró-russo e antieuropeísta.

Há um longo trabalho que deve ser feito para reconquistar os insatisfeitos, os indignados e os revoltados, em defesa da democracia e do sistema democrático, e isso faz-se no plano das ideias e não no plano dos ataques pessoais. Faz-se demonstrando que, a nível das propostas e da sua exequibilidade, André Ventura tem uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma; não se faz apelidando-o de fascista, xenófobo e racista.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Hoje, sim, devia ser "dia de reflexão"

 

Nos 50 anos de Abril, o Povo soberano, disse SIM aos extremismos de direita e àqueles que, com pezinhos de lã, defendem valores contrários ao desenvolvimento e bem-estar do Povo. Disse SIM à Procuradora Geral da República e ao Presidente da República. Disse SIM, fora de tempo, à mudança e à instabilidade governativa, quando os principais indicadores do país são favoráveis. Por aqui, continuou a dizer SIM a um partido publicamente em frangalhos e envolto em processo judicial. Nem um sinal de desagrado relativamente a muitos aspectos da governação. E, finalmente, disse SIM aos comentadores de serviço. Portanto, está na altura dos comentadores "darem as suas notas" a esse mesmo Povo e de pedirem ao Presidente da República que descalce a bota.

Não foi para isto que o 25 de Abril aconteceu.

quinta-feira, 7 de março de 2024

"Comentarão" - o novo depósito de resíduos!

 

Todos reconhecemos a influência dos meios de comunicação social no comportamento das pessoas. Acrescentam-se as redes sociais onde são despejados centenas de textos, uma grande parte sem rigor e fundamento. Até proliferam os perfis falsos. Se não existir uma segura apreciação do mundo que nos rodeia, cruzando a informação com a qual somos bombardeados, facilmente um sujeito sucumbe às meias-verdades e aos interesses que se escondem por detrás das palavras. Tudo depende da formação global e de cidadania de cada um, que está muito para além da mera qualificação académica.



Em tempo de eleições legislativas nacionais, o panorama, do meu ponto de vista, tem sido pavoroso. Não me refiro aos debates e visitas de campanha, mas aos comentários posteriores que são feitos, ao posicionamento das figuras que comentam e às sondagens que raramente acertam. Aquela designada por "tracking poll" (sondagem de acompanhamento) da TVI torna evidente o sentido que desejam dar à coisa.

 Fico com a ideia que, segundo as linhas de orientação das estações, há um manifesto desejo de levar este ou aquele candidato ao colo.

Assisto ao desfile de figuras que parece terem perdido a memória de quando estiveram em lugares de destaque na governação; vejo na passerelle televisiva, com total despudor, figuras que são membros do Conselho de Estado, comentadores residentes, de hora nobre, discursando ao lado de candidatos; jornalistas a se posicionarem, mesmo sem a necessidade de dizerem em quem vão votar, mas onde facilmente se percebe onde querem chegar e, até, apresentadores de programas, em discurso directo, como se fossem candidatos, a aconselhar com todas as letras o voto. Parece-me, até, que falou com teleponto, tal o pensamento que divulgou. Ainda esta manhã uma jovem repórter perguntava a um cidadão em quem iria votar! Acrescentou: não diga o partido, mas acha que tem de haver uma mudança? Enfim, perdeu-se a vergonha, o equilíbrio, o respeito e o bom-senso.

Preferível seria que, com rigor profissional, cumprissem as suas tarefas, porém, mantendo o distanciamento necessário. Alguns, pressuponho, não sendo filiados em um qualquer partido, manifestam-se como se fossem. São "mais papistas que o papa". São aguerridos e moldam a cabeça de um cidadão menos bem informado. Até já dão notas à prestação dos candidatos. Bastas vezes dou comigo a reflectir se assisti ao mesmo debate ou declarações que um dado comentador. 

Deixem isso para os eleitores. Eles é que são soberanos na decisão. Não devem jogar, intencionalmente, com a ignorância de muitos eleitores e com a ausência de formação política. Já bastam as redes sociais! Nem de propósito, há pouco, na Antena 1, escutei o noticiário satírico Portugalex. No final ouvi, cito de cor: não jogue o comentador em qualquer sítio. Deposite-o no "comentarão".

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 3 de março de 2024

E agora?


Durante muitos anos, muitos mesmo, escutei os maiores ataques à oposição política regional: saco de gatos, impreparados, ausência de quadros para governar, obscuros interesses pessoais e de grupo, um rol extensíssimo de dislates, ofensas até pessoais extravasando o campo do debate político, amesquinhamento de figuras públicas na sede do parlamento regional, subtis ou descaradas perseguições, enfim, assisti a um pouco de tudo. De um lado estavam os senhores e, do outro, a "ralé" como foi dito em discurso directo.



Entretanto, como tudo na vida, porque tudo tem o seu tempo, a "criatura está a voltar-se contra o criador". Primeiro, foi a perda de uma maioria absolutíssima; depois, a necessidade de um acordo de incidência parlamentar; mais tarde, uma coligação; nos últimos tempos, alegadas suspeitas e constituição de arguidos políticos e de empresários; uma coligação que não terá continuidade; um líder que veio dizer que foram, politicamente, "despedidos sem justa causa"; um outro que se demite mas, afinal, quer continuar; uma eleição interna envolta em conflitos, onde parece não haver cola para tantos cacos face às posições públicas assumidas por diversos actores. Ora bem, lá diz a sabedoria popular que se "zangam as comadres, descobrem-se as verdades". A sensação que tenho é que a procissão ainda não saiu do adro, porque todos os dias há interessantes novidades!

E agora(?) é a pergunta. De facto, vive-se um tempo político que corresponde a "engolir o sapo". Já é muito difícil esconder a realidade.

Ilustração: Google Imagens