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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Justiça


O assunto tem barbas e explica, grosso modo, o estado da Justiça. Vem desde 1994/95, portanto, decorre há 26 anos. Em artigo de opinião, o meu Amigo Dr. António Loja foi insultado pelo Dr. Alberto João Jardim, apresentou queixa e, entre a imunidade política, incidentes processuais, demandas e outros expedientes, o assunto continua para ali a marinar na prateleira. Desesperante! 



Mas não é sobre o processo que conduziu à legítima queixa, que alinhavo estas linhas. Tampouco sobre o ridículo de mais de um quarto de século para julgar um crime de injúrias. Debruço-me, em abstracto, sobre um facto que não me parece ser de menor importância: o de uma Juíza ser inquilina numa habitação pertença do Dr. Alberto João e do seu filho (Fonte: Dnotícias, página 11, de 27.10.2021).

Ora, por um lado, um figura da Justiça, seja na Madeira, nos Açores, ou em qualquer parte do país, deveria ter o cuidado de, em defesa da sua imagem pública e de eventuais interpretações, jamais alugar uma habitação a uma figura preponderante no quadro político; por outro, o próprio Dr. Alberto João Jardim, obviamente, pelas mesmas razões, em circunstância alguma devia disponibilizar o espaço habitacional a figuras da Justiça, para mais conhecendo as características do exercício da política na Região.
Acresce aqui um aspecto: um político, em circunstância alguma, deve resguardar-se na imunidade política. Deve assumir as suas responsabilidades e das duas uma: ou retrata-se, pedindo desculpa, ou apresenta-se para defender o que escreveu. Ofender e fugir não constitui um processo nobre.
Finalmente, há tantas casas para alugar. E a Juíza foi logo bater à porta errada. E há tantos que querem alugar, e os proprietários foram logo disponibilizar a habitação a quem não deviam. Os leitores que tirem a conclusão. A verdade é que já passaram 26 anos. Ridículo para a Justiça. Bem faz o Dr. António Loja: não desiste.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Uns momentos de iconoclasta


Por
26 Outubro 2021

Que estratégia está por trás deste orçamento? Nem se falou. Um exemplo. Estamos numa subida galopante dos combustíveis. Um problema mundial e europeu, com impactos ainda imprevisíveis mas bem temerosos.



1. Não me faz mossa que o orçamento passe ou não passe, por uma razão simples. A sua “bondade”. O orçamento, por muitas loas que se lhe teça, não passa de um documento formal para formatar a gestão dos dinheiros públicos do país e para cativações da melhor forma, aquele instrumento por vezes usado para nos contemplar com uma réstia de sol, incluída, para dar a tónica do social e que se dilui na cativação.

Mas são este e todos, os passados e os futuros e de todos os governos. Eventualmente, os de alguns governos à direita nem essa réstia de sol contemplam.

Estou apenas a aguardar o desfecho. No momento em que escrevo anda tudo um pouco confuso, embora com detalhes diferentes e mais negros das situações de antes. No momento em que sair o escrito, na véspera da votação, tudo deverá estar transparente.

2. Admito que até veria com bons olhos a hipótese do chumbo. Um abanão e uma desmistificação da posição de Marcelo Rebelo de Sousa e de outros políticos por andarem a falar dos riscos da democracia e de atrasos na implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Até parece que Portugal é caso único. Que em outros países não há crises políticas. Que tem de haver sempre governos “certinhos”! Quantos países europeus já estiveram a funcionar sem governo, um ano ou mais, ou com governos a caírem várias vezes em prazos curtos? Basta lembrar a Bélgica, a Itália e quantas vezes em situações aparentemente adversas, a funcionar melhor do que com governo de facto ou até bem melhor do que outros formalmente “certinhos”.

Esta situação é cansativa por demais. Todos os anos este jogo do gato e do rato menos criativo que o jogo original. Pois, é só jogo. Nada de fundo se trata.

3. Que estratégia está por trás deste orçamento? De estratégia, certamente nem se falou.

Um exemplo. Estamos numa subida galopante dos combustíveis. Um problema mundial e europeu, com impactos ainda imprevisíveis mas bem temerosos. Ouvi, nestes dias, a União Europeia sacudir a água do capote. Ficou cada país a fazer o que entender e puder.

A França – segundo o discurso do ministro das Finanças a 30 de Setembro de 2021, Paris, no Conselho Nacional do Hidrogénio – colocou-se à frente na defesa da energia nuclear e exigiu “a reforma do mercado europeu da energia”, afirmando taxativamente: “este mercado é uma aberração. Não há razão nenhuma para que a França pague o custo marginal de funcionamento das produções de gás que se fazem na Alemanha e noutros países. Ora, é o caso. Nós alinhamos o preço da electricidade pelo custo marginal das centrais a gás”, e acrescenta que é necessária uma mudança em profundidade deste mercado.

Mais. Diz já ter escrito ao presidente do Eurogrupo para que o problema seja debatido, repensado e alterado. Mais, afirmou que a França traçou uma estratégia para ser número um mundial na fileira do Hidrogénio Verde, apontando as razões que tem para atingir esse objectivo: uma fileira nacional integrada em construção.

Não ouvi falar deste tema nas grandes discussões que, presumo, “profundas” sobre o orçamento, apesar de ser um tema crucial que pode pôr em causa todas as projecções simpáticas de crescimento da economia para 2022. Será que não tem interesse discutir quando está em causa a retoma da economia nacional?

Outro tema, o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Li alguns artigos de especialistas na economia da saúde. Por exemplo, um de Pedro Pita Barros, intitulado “Saúde: um orçamento generoso que tem de ser bem usado”. O autor aceita o acréscimo de cerca de 800 milhões de euros como bom em abstracto. Falta saber-se a forma de aplicação porque não vem definida. “Ler mais despesa do SNS como sinónimo de melhoria não é imediato. Se a verba for toda gasta em aumentos salariais ou pagamento de serviços a preços mais elevados, nada muda para o cidadão, mesmo que se gaste mais”.

Não dei conta que esta parte importante da aplicação dos 800 milhões da saúde tenha sido alvo de discussão nas negociações. Ouvi falar do SNS sob muitos ângulos, mas uma discussão objectiva não ouvi. Terei andado distraído.

Vi muita discussão sobre dinheiros e pouco de economia.

Enfim, os exemplos poder-se-iam ir multiplicando.

Não entendo, por outro lado, porque se chora sobre leite derramado. Toda a gente está contra uma economia de baixos salários e depois vêem-se os representantes das confederações patronais e de alguns partidos à direita a condenar o aumento do salário mínimo em 40 euros, alegando que a economia não os pode sustentar, com o velho e gasto argumento que muitas empresas vão falir. Alguém entende? E acrescentam que só com contrapartidas do Governo pode haver aumento do salário mínimo.

4. Depois da actuação decisiva do Estado na gestão da Covid-19, em que ficou demonstrada a sua grande eficácia e que sem essa intervenção e a dedicação da maioria dos profissionais de saúde teria havido um grande descalabro, chegou o tempo de se definir bem e a fundo qual o papel do Estado na gestão do País e agir neste contexto.

O País precisa de um plano com pés e cabeça e muito diálogo com os sectores e parceiros. Uma estratégia e um plano de longo prazo, com o qual os orçamentos se articulem.

Em conclusão. O modelo de orçamento usado não serve – há falta de bases económicas estratégicas. O que é feito pouco passa de um pró-forma. Objectivos, caminhos e aonde chegar precisam-se.

O orçamento deveria ser precedido de um documento de balanço com as falhas de execução, com as eventuais limitações da sua concepção e recomendações.

A partir desse documento e na base de uma estratégia explícita, avançar então para um orçamento encadeado nas linhas futuras da realização da estratégia de desenvolvimento.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 24 de outubro de 2021

Planos e Estratégias


Quando nos levamos muito a sério e nos temos em grande conta, perdemos capacidade crítica e, muito importante, a faculdade de ouvir o que nos dizem sem achar que uma discordância (ou 27, sei lá!) é uma ofensa.

Por 
André Barreto*
Dnotícias
24.10.2021


Podemos organizar workshops semanais ou colocar à discussão todos os assuntos e mais alguns mas tudo se transforma numa farsa porque o que verdadeiramente queremos é que nos transmitam os améns que nos achamos no direito divino de receber.

Ai de quem venha com alguma sugestão ou, crime de lesa-pátria, crítica que logo cai o Carmo e a Trindade, juntamente com a máscara de uma suposta polidez que em face do que entendem ser uma contrariedade, ainda se esboroa com maior rapidez.

Ser governante, por exemplo, é uma aspiração (boa) de muitos mas nem todos, lá chegando, compreendem bem o que isso deve significar e usam mal o poder que lhes é concedido. Trocar conselhos técnicos por assessorias de imprensa é o melhor exemplo do que acima refiro; a preocupação está na notícia, no dizer que se faz em vez de fazer.

Em certas empresas passa-se o mesmo. Conheço tantos sítios onde ainda impera a lei do chicote e onde só uma cabeça quer, pode e manda! Quem lá trabalha acaba por desmotivar-se e procurar outras soluções para a sua vida; até o cliente se está errado.

Também nestes sítios se organizam formações e se dão dicas sobre liderança, gestão de conflitos e afins mas o problema é sempre a prática. Bem pregam, estes Frei Tomás… Ainda assim, entendo melhor estas práticas no privado, uma vez que os decisores públicos devem sempre prestar contas a quem os elegeu e não, como tantas vezes parece, exigir que amochemos perante as suas tão magnânimas presenças.

Por tudo isto acho mesmo importante não perdermos a capacidade de rir de nós próprios e dos nossos defeitos mas, sobretudo de perceber que não somos os donos da verdade e dos bons costumes.

Podemos ter convicções, mais ou menos fortes, certezas várias e dúvidas ainda maiores. No meu caso, não as escondo nem receio partilhá-las, apesar de espartilhos como o número de caracteres que me dão para escrever. Sei que tenho boas intenções e que o que me move é positivo pelo que não vejo por que calar opinião ou esconder dúvidas.

Irrito-me, às vezes, quando aquilo que para mim é tão evidentemente errado não o é para outros. Estranho que verdades de La Palisse não o sejam para tanta gente e pasmo perante a capacidade de cair no mesmo logro vezes sem conta mas outros têm verdades de força igual. Na incompreensão, tenho portanto de perceber…

O que não suporto é a farsa! O fingir que se quer ouvir, que se procura entender, que se quer ajudar quando a montagem dos momentos de auscultação serve só para darmos essa notícia e dizer que estamos a fazer o que não estamos.


Se acham que sabem tudo e que não interessa o que podemos trazer para a discussão, então tratem de implementar essas enormes doses de sabedoria! E, se não for pedir muito, uma prestação de contas transparente sobre as ditas implementações era bem-vinda…

* Director Geral da Quintinha de S. João

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Desprezíveis colagens


Quem é crente não precisa de publicitar as suas atitudes de acordo com a Mensagem e/ou rituais da Igreja. Não é por mandar benzer um edifício, afirmar que vai todos os anos a Fátima ou que, a Missa dominical é momento sagrado, que dessa pessoa faz um político de referência. 



Ao longo da minha vida conheci tantos ligados a movimentos que deixavam transparecer uma auréola de "santidade", que batiam no peito pedindo perdão pelas eventuais culpas que transportavam e, no final, constatei que eram uns "estuporzinhos" em vários domínios. Outros, sem alardes, mas professando os princípios e os valores da Mensagem, tornaram-se pessoas reconhecidas e centrais como referências na sociedade. Entre um safadinho que carrega o santo no andor e outro que olha para a Igreja com o sentido do próximo voto político, venha o diabo e escolha. Prefiro a autenticidade, a Palavra que nos torna melhores, embora sendo múltipla o sentido da Verdade, a honestidade, a humildade, a cordialidade, os tons discursivos não ofensivos e os que, qual metáfora, não cedem por "30 moedas"! Tudo o resto soa-me a falso e a desprezíveis colagens.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Assembleia Legislativa foge às suas responsabilidades



FACTO

"Região oculta nomes de ex-governantes com subvenção" - Fonte 1ª pág. do Dnotícias de ontem.

COMENTÁRIO

Abobino todas as formas de "voyerismo". Não me interessa saber os nomes e os valores que auferem aqueles que, por circunstâncias da vida, ocuparam lugares e ou funções de natureza política. Se auferem foi porque a Lei assim determinou. Outra coisa é debater se é ou não socialmente legítimo que um cargo ou uma função garanta uma subvenção vitalícia. Um tema sempre possível de ser abordado.

O que para mim constitui um absurdo é a ocultação. É ter no Orçamento um valor inscrito que deixa a entender que, "sorrateiramente", se destina ao pagamento de subvenções. Não faz qualquer sentido. Por um lado, se a Lei assim define, cumpra-se; por outro, o dinheiro é público. É dos contribuintes. Saber onde é gasto constitui um direito de todos os portugueses.

Neste processo, enquanto cidadão, porque envolve muito dinheiro, o que me preocupa é uma outra coisa: é a situação dramática de três ex-administradores da Assembleia Legislativa, que têm a sua vida totalmente "hipotecada" através de uma responsabilidade solidária que já ultrapassa os quinhentos mil euros. Em 2018 equacionei esta situação neste blogue.


Em síntese, mandaram pagar de acordo com a LEI e, por segurança, munidos de pareceres de constitucionalistas e hoje têm a vida suspensa. Eles e as famílias... Uma situação muito grave, com um silêncio perturbador de quem devia mexer-se junto do Tribunal de Contas, do Tribunal Constitucional e de outras instituições capazes de colocarem um ponto final nesta situação absolutamente condenável que não prestigia, sequer, a JUSTIÇA.

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 17 de outubro de 2021

Esquerda cativada


Por estatuadesal
Daniel Oliveira, 
in Expresso, 
15/10/2021

Para falarmos de Orçamento temos de perceber em que ponto estamos. Durante a pandemia, entre o início de 2020 e junho de 2021, o Estado português teve uma despesa adicional discricionária de 5,6% do seu PIB. Nas economias avançadas, em que nos integramos, foram 17%. No mundo, quase 10%, nos EUA 25%. Ficámos próximos dos países emergentes e seremos dos últimos a recuperar. Segundo a OCDE, 30 meses depois do pico da queda, o PIB mundial estará 7% mais alto, o dos EUA 6%, o da zona euro uns medíocres 2% e o de Portugal 1%. É neste cenário, num momento decisivo e no último ano em que não temos o garrote dos limites ao défice, que o Governo propõe um Orçamento que tem como prioridade melhorar o saldo estrutural e em que os estímulos à economia correspondem a uns miseráveis 0,5% do PIB. Porque se fia no PRR, onde compensará mínimos históricos de investimento público. Em vez de um estímulo adicional, como se pretendia, Costa dá com o PRR o que Leão tira no OE.



É verdade que há alterações fiscais que tornam o sistema ligeiramente mais progressivo e há um reforço de apoios sociais. Mas veremos se haverá alterações na legislação laboral, sobretudo na caducidade da contratação coletiva. É verdade que Costa se prepara para atirar dinheiro para a saúde, mas veremos se mexe nas carreiras médicas e de enfermagem para estancar a sangria para o privado que matará o SNS. A pressão faz-se também fora do OE, porque BE e PCP sabem que nem este Orçamento de contenção é real. Há coisas acordadas com os partidos que se repetem há três Orçamentos sem nunca serem cumpridas. Voltaremos a ter um ano de promessas cativadas, que tiveram como última vítima visível a ferrovia e como vítimas silenciosas muitos serviços em rutura. O oposto de “contas certas”. O grito de Pedro Nuno Santos foi de quase todo o governo: os Orçamentos são anúncios que ficam na gaveta de João Leão. Perdeu-se a confiança.

Se os próximos dois anos dependerem de propaganda da ‘bazuca’, falta de alternativa e chantagem para ter maioria, a mudança virá da direita.

Saltar da apresentação deste dececionante OE para crise política, ignorando o seu conteúdo, é esvaziar a negociação. Desde o fim da ‘geringonça’, o Governo tem usado a mesma tática: apresenta um Orçamento que ignora as propostas dos “parceiros”, cede com medidas que já tinha de reserva e acaba a fazer chantagem. Desta vez, o Presidente quis retirar força negocial ao PCP e ao BE e saltou logo para a última fase. Mas eles não devem negociar apenas este ou aquele apoio. Pôr a economia em lume brando é um crime pelo qual acabarão por ser responsabilizados. Os Orçamentos devem ser aprovados porque são minimamente satisfatórios, não por medo de eleições. Depois de Costa ter sido fundamental para forjar a ‘geringonça’, faz falta alguém que arrisque e aproveite as pontes criadas para reformas progressistas. O PS tem de perceber o que aconteceu nas autárquicas. Os próximos dois anos não se podem arrastar na dependência da propaganda da ‘bazuca’, da falta de alternativa e da chantagem para ter maioria. Ou a esquerda se descativa e o espírito da ‘geringonça’ se renova ou a mudança virá com uma direita aditivada pelo fanatismo da IL e o ódio do Chega, com quem o PSD se entenderá. O pântano agiganta crises políticas, não as evita. Está nas mãos do PS negociar a sério. Coisa que não perdeu um minuto a fazer, neste OE.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A indústria da calúnia depende da cultura da calúnia


Por estatuadesal
Valupi, in Blog Aspirina B, 
13/10/2021


Como não existe imprensa em Portugal, nenhum jornalista irá perguntar a Cavaco a que órgão se referia com estas palavras: “subserviência de parte da comunicação social à lógica do Governo“. Estará a pensar em rádios locais, blogues ou nalgum jornal de escola secundária? Mistério. Onde não há mistério é na reacção que o seu artigo causou. Louçã fez um exacto resumo do fenómeno:



"Ei-lo agora regressado à liça para exigir nada menos do que uma nova liderança para o seu partido (e para o país, pois só a direita merece conduzir Portugal, como nos recorda), cansado de uma “oposição política débil e sem rumo”. O problema é que ninguém gostou disto: os riistas preferem ignorar a bofetada, os rangelistas querem tudo menos evocar esse passado cavaquista que já não dá votos, no Largo do Caldas não há vagar para estas coisas, a extrema-direita tem mais que fazer com a re-re-re-reentronização do chefe, no centro ouve-se o insulto, na esquerda não é prosa popular."



Resumo exacto mas incompleto. O que lhe está a faltar de essencial é o que igualmente não se vislumbra em nenhuma outra opinião que tenha encontrado a respeito, um módico sentimento de nojo ou de alarme. Refiro-me à passagem em que Cavaco lança aquilo que só pode ser lido como calúnia tal como o Código Penal a define: “São muitos os portugueses que têm medo de criticar o Governo. Receiam ser prejudicados na sua vida pessoal, profissional ou empresarial, incluindo de familiares, medo de perderem o emprego ou de serem injustamente excluídos de oportunidades de realização pessoal ou de negócios.“

Na minha ingenuidade, fico banzo com a ausência de qualquer resposta a este ataque, seja por parte dos visados ou de qualquer outra entidade ou cidadão com acesso aos meios de comunicação social que igualmente se sintam patrioticamente atingidos, dado o estatuto do acusador e a gravidade da acusação. É, literalmente, o vale tudo como norma de intervenção política. Eis-nos perante um exercício de diabolização não só do Governo mas igualmente de todos os restantes órgãos de soberania. Crimes escabrosos, próprios de uma tirania, são cometidos amiúde, às claras, e só Cavaco teve coragem para os denunciar numa folha de jornal. E ficamos calados após se lançar, com foguetes, a barbaridade na “imprensa de referência”?

Há método no delírio, contudo. A diabolização dos socialistas por Cavaco, como lembra Ascenso Simões (que espantosamente foge de afrontar a calúnia), começou no Verão de 2008 a respeito dos Açores, no que ficou como uma das mais bizarras comunicações presidenciais de que há memória; e, acrescento eu, tal estratégia de terra queimada foi sempre em crescendo, passando pelo Face Oculta (espionagem a um primeiro-ministro em funções, sem autorização legal para as escutas), pela Inventona de Belém, pelo afundanço do País na Troika, e culminando na Operação Marquês pela mão de Joana Marques Vidal. Desde há 13 anos, sem interrupção, que Cavaco e a direita, salvo raras e individuais excepções, decidiram fazer o que pudessem para criminalizar socialistas e o PS. Em Outubro de 2021, o plano cavaquista continua o mesmo, vindo de um rancor fétido que já não irá desaparecer enquanto viver, só irá piorar.

Não se poder encontrar uma singular voz com relevância política, social, cívica ou meramente mediática que afronte em nome da Cidade quem tanto lhe quer mal é uma, mais uma, siderante prova de sermos cúmplices da pulharia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Os preços da electricidade na Europa

 

Por
12 Outubro 2021


Para quê um mercado europeu da electricidade em construção há bem mais de 20 anos se nem uma política de preços conseguiu formatar? Os preços da electricidade na Europa estão a subir em flecha. Péssima notícia para a transição climática, uma vez que a resposta aos aumentos de consumo de energia eléctrica é satisfeita e com dificuldade por centrais alimentadas a matéria-prima de origem fóssil (carvão, petróleo, gás).



Mas também não deixa de o ser para o bolso das famílias e das empresas como se referiu aqui no último artigo – os preços da electricidade em Portugal.

As populações de vários países europeus têm reagido contra estes aumentos, como há dias na manifestação pública nas ruas de Madrid (19 SET). E, em França, teme-se o regresso de um movimento de protesto a lembrar “os coletes amarelos”.

Muitos governos da União Europeia, na tentativa de conter o desagrado das populações e das empresas que, de diversas formas, se têm manifestado contra a sua perda de competitividade relativa, têm vindo a tomar medidas “desencontradas e desarticuladas” como o cheque ao consumidor ou a “mexida” nos impostos. Não são medidas de fundo.

A União Europeia e os preços da electricidade

A questão da subida de preços é tão generalizada e tão central nos países membros da União Europeia (e não só) pelos seus vastos efeitos económicos e sociais.

Um tema desta dimensão não deveria ter merecido há muito a atenção da Comissão Europeia e do Conselho, no sentido de se delinear uma estratégia conducente à formulação de medidas adequadas à solução ou pelo menos minimizar a situação? A medo, começaram as estruturas da UE a falar do assunto!

Medidas idênticas para todos os países, penso que não poderiam ser, de imediato, dada a variedade de estruturas de produção. Mas poderia avançar-se para um tronco comum. Se se anda a construir o “mercado europeu da electricidade” desde os anos de 1990 que a pouco tem conduzido a não ser a um método e modelo de “liberalização” de mercados de efeitos duvidosos, não seria mais construtivo para uma Europa de futuro “pegar” em temas como este, estruturantes, e tentar encontrar e concertar caminhos?!

Mas, quando a Europa e o Mundo parecem empenhados num processo de transição climática e a resposta ao aumento do consumo nas condições actuais só pode ser dada pela produção de electricidade, recorrendo a fontes de energias fosseis é, de facto, desanimador e um retrocesso ou, no mínimo, um congelamento temporário de percurso, quando se deveria acelerar a operacionalidade dessa transição, face a todos os fenómenos que têm vindo a suceder por toda a parte sobretudo muito acentuados em anos recentes (cheias, incêndios, temperaturas elevadíssimas, etc.).

Espero que este tema seja debatido e profundamente no COP26, Glasgow 2021, a realizar sob a égide da ONU, em princípios de Novembro, onde estarão presentes os políticos mundiais, esperando-se uma participação activa da Europa através de propostas fiáveis.

A subida de preços

Em termos reais, segundo vários peritos europeus, as tarifas do gás no mercado grossista têm vindo a atingir “níveis históricos”. Desde meados de 2020, as tarifas foram “várias multiplicadas, no mínimo, por 3” e as da electricidade por arrastamento acompanharam sensivelmente o mesmo nível.

A Ásia, por seu lado, tem uma importância vital no preço do gás. Devido ao elevado peso da sua população no Mundo e à estrutura produtiva da sua economia altamente consumidora de energia, quando sucede um forte aumento de procura, a Ásia “puxa” pelo preço da electricidade que se repercute em todo o mundo. É o que tem acontecido nestes últimos meses de 2021, ao contrário dos primeiros meses de 2020 em que o consumo baixou por efeitos da Covid-19, levando muitos produtores de electricidade então a desactivar parte da actividade de produção.

Agora, com a retoma económica, a procura disparou e a dificuldade de resposta agrava-se, sendo necessário algum tempo para operacionalizar o arranque. Por outro lado, é necessário recorrer a centrais menos eficientes, o que leva estas a entrar com preços mais elevados. E, neste processo, como se disse em artigo anterior, são geradas rendas elevadas, pois os preços são estendidos a todos os produtores, distorcendo desta forma os preços que recaem sempre sobre os consumidores domésticos e as empresas.

Este processo de formação de preços no mercado grossista provoca um grande entorse.

Mas há os grandes defensores, aqueles que dizem: este mercado funciona bem. Imitam aquela máxima desportiva “em mercado que funciona bem” não se mexe. São vozes que não enganam, nem disfarçam e colhem receptividade. São bem claros os interesses que defendem. De certeza, não os dos consumidores domésticos nem os das empresas.

Eis uma área crucial em que a União Europeia deveria debruçar-se.

Por outro lado, há os navios metaneiros (navios-tanque que transportam o gás natural liquefeito (GNL) para entrega em terra nos pontos de alimentação dos gasodutos, Sines por exemplo) que, pela sua escassez, de momento, contribuem para aumentar o preço.

Aliás, o problema da entrega de matérias-primas e de componentes tem sido transversal a vários sectores levando em muitos casos a suspensões temporárias da actividade e a aumentos de preços. Têm sido muitos os sectores afectados quer na indústria quer na distribuição. Em parte, estas cadeias de abastecimento paralisaram ou reduziram a sua actividade durante a Covid-19 e estão a acusar dificuldades na retoma da normalidade ou do nível necessário de produção para satisfazer a procura, aspectos negativos para o funcionamento da economia global e na retoma.

De salientar ainda que o fornecimento de gás da Rússia à Europa também tem encontrado dificuldades e mesmo o da Noruega, embora com menor impacto, passa por problemas semelhantes.

Diferenciação de preços entre os países europeus

Há uma enorme diferenciação nos preços praticados na Europa, mesmo antes desta subida vertiginosa. A título de exemplo, a diferença de tarifas da mais alta para mais baixa é de 3 para 1 [exemplo, Bulgária (menos) 0,10€ TTC, Alemanha (mais) 0,30€ TTC].

A tarifa final inclui todas as taxas e impostos que cada país adiciona. São muito variáveis pois nos custos de produção as diferenças são muito reduzidas.

Portugal ocupa, em média, a terceira posição com maior peso de taxas e impostos na tarifa final da electricidade para o consumo doméstico. No entanto, em termos de tarifa comparada ocupa o oitavo lugar.

Duas perguntas finais a registar

Para quê um mercado europeu da electricidade em construção há bem mais de 20 anos se nem uma política de preços conseguiu formatar? O sistema de formação de preços no mercado grossista não merece ser, direi, no mínimo “retocado”? Certamente para alguns, esta questão é uma “blasfémia”, pois cumpre tão bem a missão de distribuir rendas.

Concluindo, é de exigir da União Europeia um mercado europeu da electricidade que sirva as pessoas e a economia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 10 de outubro de 2021

Um texto de trivialidades partidárias. De Economia zero!

 

Faço minhas as palavras de Carlos César, quando questionado sobre o artigo do ex-Presidente da República Professor Cavaco Silva. Disse que não tinha lido o artigo publicado no Expresso desta semana e confessou-se "sempre muito desactualizado em relação à produção literária do professor Cavaco Silva". Desta vez senti a necessidade de o ler. Cheguei ao final e voltei atrás a certas passagens e à síntese da jornalista Ângela Silva. O sentimento com que fiquei é que aquela figura, que fez um longo percurso político de mais de 30 anos, apesar da idade (82 anos), não percebeu, ainda, que, bem ou mal, tudo tem o seu tempo e que ele já teve o seu. 



Passo ao lado do seu posicionamento político-partidário, respeitável como qualquer outro, e situo-me na forma como articula as ideias do texto. Para um Doutorado em Economia, seria expectável ler um conjunto de propostas consistentes no quadro da economia europeia e mundial. Espremido, restaram vulgaridades, melhor dizendo, banalidades, que qualquer cidadão, à mesa do café, é capaz de pronunciar, quando faltam os conhecimentos técnico-científicos transversais que um debate económico necessariamente exige. Foi mais linguagem de "campanha eleitoral", fora de tempo, do que pedagogicamente seria exigível. Como sempre, há ali no que o ex-Presidente da República resolveu escrever, um crónico azedume, uma acidez discursiva, um permanente mau humor na articulação das ideias despidas de originalidade e relevância. A espaços regressou à sua habitual viagem pelo passado, ao jeito de "eles" espatifaram tudo quanto deixei! Com uma ressalva, "eles", sempre os outros, nem souberam aproveitar o que Passos Coelho fez. 

O Professor de Economia (!), talvez porque "não lia jornais e raramente tinha dúvidas", passados tantos anos, ainda não percebeu as razões mais substantivas da crise de 2008, considerada por muitos economistas como a pior crise económica desde a Grande Depressão (1929) que abalou todo o Mundo ao longo da década de 30; nem percebeu o resultado da nova crise, agora de natureza pandémica, também à escala mundial. Não percebeu, sequer, as consequências destes factos num país perférico, pobre e muito dependente. O Catedrático (!) escreveu a um nível que, pelo menos para mim, já não é admissível para um estudante de Economia. Caíu no pântano das divagações partidárias, prenhes de um subtil auto-elogio, com a arte da intencional (por exclusão de partes) exaltação de si próprio.

Pela formação académica e porque foi Primeiro-Ministro (10 anos) e Presidente da República (10 anos) o texto publicado no Expresso não deveria descer à trivialidade, ao lugar-comum, antes, como leio em outros economistas de referência, subir, com rigor científico, aos posicionamentos de análise que permitem a reflexão e o estudo. Ao lê-lo fiquei com a imagem de um rufar de tambores de uma qualquer associação ou do "cantar" de uma metralhadora HK21 disparando os cartuchos da cinta. Tão grave quanto isso, o Professor Cavaco Silva não tem noção do que, genericamente, o povo português pensa dele, quando comparado com a lufada de ar fresco trazida pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Ao invés de resguardar-se, o Professor Cavaco Silva expõe-se de uma forma desconjuntada, passando a imagem de uma caterpillar em fim de vida, com muitos parafusos soltos. Pouco mais faz do que barulho! Li o artigo e certas passagens trouxeram-me à memória o carinho do povo pelo também ex-Presidente da República Dr. Jorge Sampaio. Ou mesmo o General Ramalho Eanes. Que diferença!

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

O Recurso, em três lances – a narrativa, o acórdão e o “erro”


José Sócrates, 
in Expresso, 06/10/2021

Logo de entrada, no primeiro lance, o Ministério Público queixa-se do inaceitável “desprezo sobre o narrativo acusatório”. Ao longo de várias páginas os senhores procuradores criticam asperamente o senhor juiz de instrução por se ter concentrado nos factos, nos indícios e nas provas, ignorando o que chamam de “narrativo”, isto é, a formidável campanha de difamação que eles próprios promoveram nos jornais ao longo destes sete anos. Quem acompanhou este processo percebe exatamente o que eles querem dizer - o “narrativo” a que se referem é o “Correio da Manhã”



Temos, portanto, a narrativa como proposta de novo paradigma penal. Ela não deve continuar confinada aos domínios da literatura ou da política, devendo agora ocupar um lugar na ação penal. É altura do direito democrático se desembaraçar da entediante e maçadora tarefa relativa aos factos e às provas, para se concentrar nas “estórias.” Na nova lógica penal não são os factos que precedem a construção de narrativas, mas as narrativas que criam os factos. A narrativa é em si própria um facto.

Antes, a ação penal democrática constituía-se como um conjunto de atos solenes e formais de construção de factos e de provas - o que a distinguia do insulto, da calúnia e da infâmia. Não mais. Iniciada a era da pós-verdade, a nova linha de fuga do direito criminal está encontrada – se nada houver contra o alvo, construímos “narrativas”. Esta nova prioridade deita uma nova luz sobre a verdadeira motivação do processo marquês. Não foi a conduta do visado, mas o seu estatuto; não foi o suspeito, mas o alvo; não foi a justiça, mas a política. A política e o inimigo político. Eis o verdadeiro terreno da “narrativa”.

Depois entramos noutra dimensão. Os procuradores queixam-se também de que o senhor juiz “aceitou acriticamente o acórdão do tribunal constitucional”. Vejamos com atenção o que querem exatamente dizer e o que isto significa. Primeiro, todos sabemos que o Presidente da República aceita as decisões do Tribunal Constitucional. Também sabemos que o Governo e o Parlamento aceitam as suas sentenças. Poucos sabem, é verdade, mas de acordo com a nossa Constituição, mais concretamente com o artigo 280, nº 5, o Ministério Público é obrigado a apresentar recurso das “decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional”. Tudo isto são factos. E, no entanto, os senhores procuradores do processo marquês acham que podem defender expressamente a interpretação de uma norma julgada inconstitucional pelo Tribunal; acham que têm o direito de criticar o juiz por seguir um acórdão do Tribunal Constitucional; e acham, finalmente, que o acórdão do TC não deve ser seguido, mas sim o voto de vencido. O voto de vencido. Esta última é de antologia – afinal, o que eles chamam de “aceitação crítica “, significaria, na prática, seguir a declaração de voto derrotado, voltando as costas à decisão que fez maioria. De um só lance, entramos em território desconhecido - o Ministério Público convoca abertamente os tribunais para que se juntem a eles na rebelião contra a ordem estabelecida pelo Tribunal Constitucional. O desespero conduz por vezes a estranhos lugares de perdição e loucura.

Finalmente, os procuradores reconhecem um erro na acusação (ver aqui). Afinal, sempre havia um erro, é verdade, mas esse erro era tão óbvio – dizem eles - que deveria ter sido imediatamente corrigido pelo juiz. Acontece que esta nova versão tem três problemas sérios. O primeiro é este: em três anos de instrução, este “erro” nunca foi mencionado. Nunca. O segundo problema é que os procuradores, durante a instrução, fizeram um requerimento ao juiz pedindo várias correções ao texto da acusação e esse “erro” nunca foi mencionado. Tenho esse requerimento à minha frente, que tem dezasseis páginas, e nele não se encontra qualquer referência a tal “erro”. Finalmente, terceiro problema, a acusação é assinada por uma equipa de sete procuradores que pretende agora fazer-nos crer que nenhum deles se apercebeu do “erro” que dizia respeito à qualificação jurídica dos principais crimes imputados. Não, não foi erro nenhum, foi reserva mental. Não há outra forma de o dizer - os procuradores estão a mentir.

Todavia, o mais grave nesta questão é a consequência que daqui pretendem extrair. Os procuradores dizem que o juiz deveria ter corrigido o erro, quando sabem perfeitamente que tal não seria possível. As autoridades judiciárias estão proibidas de fazer alterações unilaterais na acusação que tenham “por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. O código, logo no primeiro artigo e na alínea f, chama a isso “alteração substancial de factos”, considerando tal procedimento ilegal. Portanto, e em conclusão, a alteração era ilegal antes, tal como é ilegal agora. Dizem os procuradores, no último parágrafo das suas conclusões: “considerando as alterações de qualificação jurídica que devem ser operadas”. O artifício do vocábulo “operar” significa, neste contexto, promover uma grosseira violação da lei, disfarçando-a de minudência jurídica. Não, não é uma simples “operação”; é uma ilegalidade expressamente proibida no código de processo penal.

Na economia do artigo, resta fazer o resumo da ópera. Um - os procuradores atacam o juiz por este se ter concentrado nos factos e ter esquecido a narrativa. Dois - os procuradores atacam o juiz por este ter seguido o acórdão do Tribunal Constitucional e não o voto de vencido. Três - os procuradores pedem aos juízes da Relação que alterem ilegalmente a acusação.

Que mais há a dizer? Talvez isto: o processo marquês transformou a acusação penal numa obscena máquina de arbítrio e ilegalidades que já não distingue o que pode e não pode fazer. Em que já não há diferença entre decência e abuso. Em que fez substituir a justiça pelo inimigo político e o alvo a abater.

Depois de entregarem o recurso fora de todos os prazos excecionais que haviam sido concedidos, os procuradores parece terem esquecido que a sua principal tarefa constitucional é “defender a legalidade democrática”. É isto que há a dizer.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Isto não é ficção


Por
Violante Matos
Dnotícias
04.10.2021


Nota
1. Não discuto resultados eleitorais.
2. Mas se isto continua assim, razão tenho em deixar no subtítulo deste bolgue: "Região Autónoma da Madeira - Um longo caminho para a Democracia". Para ler, reflectir e despertar consciências, no sentido de uma população que, globalmente, conheça o que se passa. 


Passou uma semana sobre as eleições autárquicas quando me sento a escrever. Tenho muitos cabelos brancos e já me aconteceram muitas coisas – ilegais, arriscadas, todas de luta contra a ditadura de Salazar e o discurso ‘em família’ de Caetano.



Já fui atirada ao chão por um cavalo da GNR durante uma acção de repressão estudantil; já desmaiei junto ao Teatro D. Maria II na sequência de uma bastonada de um pide na parte de trás da cabeça; já lutei na rua contra a guerra colonial; já me partiram o nariz com um pontapé no antigo Instituto de Economia em Lisboa; já ajudei a preparar manifestações clandestinas, já pintei slogans de luta em paredes, já fugi da polícia de choque; já fui presa e estive com a minha filha bebé na prisão política de Caxias; já lutei na Academia de Lisboa e já experimentei um Dia do Estudante na Universidade de Coimbra; já senti a clandestinidade quando o meu marido teve que se esconder em casa de amigos porque fora denunciado por um estudante preso. Já tive uma pistola nas mãos porque, nas primeiras horas de 25 de Abril de 74, ninguém sabia o que podia acontecer. Já ouvi o assobio de balas em manifestações em Pinheiro da Cruz e Caxias, pela libertação de camaradas presos a 28 de Maio de 75, pelo COPCON. Já andei em Lisboa com um salvo-conduto, por alturas da tentativa de golpe de 25 de Novembro de 75. Já passaram por mim muitos anos de vida activa de intervenção como dirigente estudantil, como militante partidária, como mulher comprometida com causas.

Já vi eleições aldrabadas a que ninguém recusava chamar de farsas eleitorais. Mas nunca vi o que se passou este ano nas eleições de 26 de Setembro no Funchal.

Distribuição de frangos; entrega de raticida; centenas de contratações para a administração pública que acabam, indirectamente, por ‘comprar’ milhares de pessoas; ameaças e ‘conselhos’; passeios de casas do povo com almoço onde aparece ‘por mero acaso’ o candidato ‘certo e adequado’ que distribui, como se fosse amigo do peito de todos os passeantes beijos e abraços aos molhos; oferta de mochilas escolares – recheadas com propaganda adequada ao candidato ‘certo’; cabazes preparados com dinheiros públicos à custa de programas dirigidos para as casas do povo, a coberto da pandemia, foram agora distribuídos pelos ‘adequados’ candidatos às juntas, devidamente equipados. E passeios de automóvel de corrida para a boa mobilização da malta dos ralies. Não, não invento. Isto é só parte do que marcou o período pré-eleitoral.


No dia 26, em terreno de assembleias de voto, o despejar continuado durante horas de eleitores sem qualquer dificuldade de mobilidade (e muitos com um papel na mão) vindos em carros e carrinhas particulares, não requisitadas para o acto eleitoral; candidatos que ostensivamente se passeiam pelas salas de votação, metem a cabeça pela janela dos carros onde está gente que não conhecem em tentativa de induzir o voto; grupos que se dirigem a quem vem votar de forma quase intimidatória; mesmo quando a polícia é chamada e os identifica, rapidamente regressam à actividade proibida por lei. Provocadores que gritam alto e bom som, em plena assembleia de voto, Votem no Calado! e que rapidamente desaparecem em direcção a outra secção de voto; ex-dirigentes regionais a fazer campanha e a caluniar o adversário na entrada das secções de votos; gente que se passeia de lista na mão para confirmar que vota quem foi instruído para votar; presidentes de junta que descumprem a lei e ostensivamente se exibem. A pressão foi tamanha que por todo o lado se viam bandos de gente vestida com camisolas e máscara cor de laranja!!

Nunca vi ‘actos eleitorais’ assim. Nem no tempo em que mortos votavam, o número de votos expressos era maior que o número de eleitores descarregados, e uma urna passou a noite em casa do presidente da Junta, para impedir a queda da Câmara do Funchal. Nunca vi nada assim!

E nada disto é ficção. E nada disto tem a ver com democracia – aquela ‘coisa’ pela qual lutei toda a minha vida. Estas eleições não foram democráticas, não cumpriram as regras da democracia. E quem pensa que isto ‘é a democracia a funcionar’!, vai ter um desgosto. Isto é a lama sobre a qual se solidifica a prepotência.

É bom que tenhamos todos consciência que, mais do que de mau e prejudicial possa vir a acontecer à cidade do Funchal, o que aconteceu foi uma machada na democracia. E se achamos que esta é coisa de pouca importância, não choremos no futuro.

Por mero acaso, há pouco encontrei uma citação do meu pai que aqui reproduzo, de uma entrevista em 2007 «É tempo de uivar, porque se nos deixamos levar pelos poderes que nos governam, e não fazemos nada para contrariá-los, bem se pode dizer que temos o que merecemos».

Volante Saramago Matos

domingo, 3 de outubro de 2021

Coisas certas, outras incertas e outras erradas sobre os resultados eleitorais


Por estatuadesal
Pacheco Pereira, 
in Público, 
02/10/2021


Os resultados eleitorais de uma grande cidade, Lisboa em primeiro lugar, Porto e Coimbra a seguir, têm sempre uma interpretação nacional. Seja porque o voto mudou (não é o caso), seja porque o voto de uns diminuiu (PS) e de outros cresceu alguma coisa (pouco, Novos Tempos), seja porque a mobilização de uns (CDU) tirou espaço de manobra a outros (PS), seja porque não houve mobilização suficiente e isso traduziu-se em abstenção (caso do PS), seja por que razão for, muitas das atitudes dos votantes ou dos abstencionistas têm que ver com o partido no poder e o Governo da nação. Pode não ter sido decisivo, mas certamente que contou.



2. Duas razões para a desmobilização que afectou o PS: a convicção da vitória, alimentada pelas sondagens, e o cansaço (nacional, em particular) com uma governação exausta e cada vez pior.

3. O que se passa hoje é que durante uma campanha eleitoral é muito difícil saber como as coisas estão a correr. A rua é ficcional, é para as televisões. Resta a comunicação social, em particular as sondagens. Não custa perceber que jornais e televisões cobriram as campanhas na base das amizades e antipatias que tinham à cabeça com os candidatos e partidos. Neste caso, as sondagens ajudaram. Enganaram-se e enganaram.

4. Não houve nenhuma alteração qualitativa, nenhum “novo ciclo”. Se as eleições para Lisboa se repetissem hoje, sabendo os eleitores o que sabem, os dois lados aumentariam a mobilização, uns para segurar o resultado, outros para o inverterem. Dado que não houve transferências de voto, a coligação Novos Tempos iria buscar votos ao ex-desânimo e o PS ao ex-“já ganhámos”. Ambos cresceriam, mas duvido que o resultado se mantivesse, porque aí entrariam na ponderação dos eleitores factores nacionais, em particular a correlação de forças PS-PSD. É especulativo, mas não é irrealista.

5. Há uma contradição de fundo entre o programa da coligação Novos Tempos e o programa “real” das forças motoras internas ao grupo à volta de Moedas e à miríade de pequenos partidos que o apoiaram. O programa dos Novos Tempos é o tipo de programa que um partido como o BE ou o PS assinaria por baixo em muitos pontos, exactamente o contrário do “conservadorismo fiscal”. Transportes gratuitos, seguros de saúde gratuitos, descontos de 50% no estacionamento para os residentes, e “um teatro em cada freguesia”, ou seja, 24 teatros, etc. Dou de barato a “fábrica de unicórnios”.

6. Registe-se, no entanto, que os programas eleitorais têm um papel irrelevante nesta escolha, pelo que os Novos Tempos podiam lá pôr o que quisessem que a “direita” não deixaria de ir lá votar como votou. O programa, em teoria, só seria inaceitável, por razões ideológicas, para a Iniciativa Liberal, que tem um dilema – ou faz parte da actual “direita radical”, ou mantém-se na posição de que “não há almoços grátis”. O programa dos Novos Tempos estava cheio de “almoços grátis”.

7. Rio ganhou tempo e alguma folga comunicacional. O tempo é relevante em política, a folga comunicacional é hipócrita e com o apoio da memória comunicacional, que é de passarinho, rapidamente tudo vai voltar ao normal, o ataque a Rio e a promoção dos seus adversários.

8. Estes, por sua vez, continuarão amanhã a fazer o mesmo que faziam antes, até o PSD ser capturado pela direita mais radical. Podem inclusive promover lideranças de transição, como será o caso de Rangel, mas no fim o objectivo é colocar o PSD como cabeça de uma frente de direita, sem centro, contra aquilo que acham que é a “ditadura” de Costa e do PS.

9. É uma estratégia mobilizadora para a direita, pode ser eficaz contra o PS isolado, mas é perdedora contra uma aliança de esquerda pós-eleitoral. Não há nenhuma indicação de que não seja assim, nem as eleições de Lisboa o revelam. Em Lisboa, há sete vereadores dos Novos Tempos, sete do PS, dois do PCP e um do Bloco. Se fosse no país e nas legislativas, tudo continuaria na mesma.

10. Para a oposição interna a Rio os resultados de Lisboa foram simultaneamente bons e maus. Bons, porque a candidatura de Moedas é “deles”, maus, porque o PSD ficou mais de Rio. Vão separar a vitória de Lisboa de Rio e acusá-lo de estar a “apropriar-se” do mérito alheio, e continuar na mesma.

11. A ideia de que uma oposição eficaz é subir os decibéis da fala contra o Governo é um erro. É isto a que chamam “fazer oposição”. Decibéis e “casos” não chegam. Decibéis dão uma imagem de radicalização e colocam o PS e o Governo como moderados. Os “casos” são mais relevantes neste ambiente de “nós” e “eles”, mas não vejo que não haja um só deles que não tenha sido explorado, umas vezes bem e outras mal, com excessos e exageros. Desgastam, mas não chegam para inverter qualitativamente o ambiente político. Para já.

12. Os problemas políticos mais graves que o Governo defrontou foram a pandemia e as suas repercussões económicas. Em ambos os casos a oposição não conseguiu ir mais longe do que críticas pontuais, seja de Rio, seja dos partidários dos decibéis. A vacinação correu bem, e a situação económica está a melhorar, coisa que ninguém discute ofuscada pela casuística, mas que as pessoas comuns e as empresas “comuns” sabem e sentem. A “bazuca”, com todo o seu cortejo de contradições, vai começar a funcionar e terá resultados.

13. Significa isso que uma vitória do PS ou de uma união de esquerda pós-eleitoral são imbatíveis? Não. Há um aspecto fundamental em que o Governo e o PS falham completamente, que seria uma oportunidade única para a oposição, se não fosse a estratégia dos decibéis. Esse aspecto é a impotência do Governo em fazer reformas de fundo manietado pelo veto do PCP e da esquerda bloquista, e pela sua própria fragilidade. Costa conseguiu muita coisa, mas nunca conseguiu contrariar a fragilidade de um governo minoritário do PS que precisa de aliados orçamentais. Estes não estão em condições para fazer uma política positiva, mas têm o poder de fazer uma política negativa, vetar.

14. Este aspecto de fragilidade do PS no Governo implica exactamente a política que os opositores a Rio não são capazes de fazer, nem Rio tem feito no meio dos ziguezagues à direita. E, quando o tenta fazer, promovendo documentos sectoriais sérios e alternativos, fica a falar sozinho, perante o ruído dos adversários e a hostilidade da imprensa, que acha que isso não é oposição e favorece os decibéis. O que propõem os opositores de Rio não é nenhuma alternativa consistente a não ser o regresso ao passado, e não pode ser nomeado devido à memória viva da troika.

15. Que reformas? Na Justiça, no sistema fiscal, na Educação, na segurança interna, no sistema político, na luta contra a corrupção, no sistema eleitoral, em que muitos problemas estão identificados, mas também estão bloqueados. Será matéria para outro artigo.

16. O problema complementar é que todas estas reformas têm de ser feitas para Portugal tal como ele é, com muita gente pobre, com grande desigualdade, com exclusão e marginalidade, com falta de mérito nas escolhas, com baixa qualificação da mão-de-obra, desindustrializado, com excesso de slogans e ausência de vontade de mudança. E que é tutelado por uma burocracia europeia dependente de alguns países como a Alemanha.

A perda de soberania em matérias fundamentais como o Orçamento é mais grave do que se pensa, mas é substituída por um europeísmo serventuário, agravado pela dependência externa.

Não é fácil, mas é possível.

Historiador

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Um casamento por "amor" ou por interesse?


Em circunstâncias normais são defensáveis os acordos políticos que viabilizem uma governação. Acordos à direita do leque político são tão legítimos quantos os conseguidos à esquerda. Desde que a seriedade e a transparência dos programas políticos estejam assegurados, olho para as coligações ou acordos de governação de forma absolutamente pacífica. O julgamento vem depois, no decorrer dos actos eleitorais.



O que me parece, eu não diria ridículo mas muito pouco sensato, são todos aqueles comportamentos difíceis de entender. No concelho de Santana (Madeira) vive-se uma situação que permite perceber o descarado jogo de bastidores que extravasa o espaço concelhio. Recuemos no tempo.

Em 2019, nas Legislativas Regionais, o CDS, com três deputados eleitos, poderia ter viabilizado um governo PS/CDS. Essa não foi a opção. A maioria parlamentar foi conseguida, legitimamente, com o PSD. Nada a opor! Tratou-se uma opção, claramente à direita.

Em 2021, nas eleições autárquicas, o PSD e o CDS juntaram os trapinhos, em alguns concelhos, e tentaram a vitória. Em Santana, pese embora as negociações, o CDS, líder no concelho, preferiu apresentar-se só. Uma opção também legítima. Ganhou a Câmara, mas, para a Assembleia Municipal, o povo entregou 10 mandatos ao CDS, 9 ao PSD e 2 ao PS. Isto é, o CDS, para ter maioria absoluta no órgão principal, garantir a eleição do presidente (e da mesa) e inviabilizar uma eventual lista do PSD, precisa agora dos votos ao PS. E lá foram bater à porta dos socialistas, sublinha o Dnotícias, negociaram e até conseguiram.

O curioso desta situação que, em condições normais, poderia ser considerada legítima, é o facto de, nesse encontro, ter participado o secretário regional do governo de coligação PSD/CDS, indicado pelo CDS. É aqui que surgem algumas perguntas: como é possível ser parceiro e, obviamente, apoiante do governo e, no concelho de Santana, ser um inflexível adversário político? Do ponto de vista partidário como é que estas duas faces da mesma moeda podem ser conjugadas e toleradas? Neste quadro, pergunto, poderão ser pacíficas as relações políticas no seio do governo ou, doravante, uns já estarão a olhar para os outros com desconfiança? A prazo, quais os resultados na tal estabilidade da governação regional?

É evidente que tudo é possível. "Engolir sapos" é o que mais se verifica no exercício da política. Este é um claro comportamento que evidencia um desacordo com a matriz dos valores de cada partido. Talvez seja de trazer à colação a historieta de um casamento por amor ou por interesse. E diz o sujeito: casei por "amor" porque não tenho nenhum interesse nela (Coligação).

Ilustração: Google Imagens.