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sexta-feira, 24 de março de 2023

A transição energética, um grande imbróglio no seio da UE


Por
20 Março 2023


Foram as hesitações sobre o papel da energia nuclear, nos últimos dois decénios, que levaram a Europa a perder a dianteira em termos tecnológicos e de competências nesta indústria, para EUA, China e Coreia do Sul.




O Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas (2015) constitui a base enquadradora do trabalho a desenvolver, no âmbito da comunidade internacional, tendo em vista a descarbonização das economias, para travar, a longo prazo, o aumento da temperatura média global abaixo dos 2º C, em relação aos níveis pré-industriais.

A transição energética é um dos processos fundamentais de garantir esses objectivos. Transitoriamente, em tempo de grande premência, como parece ser o tempo presente, poder-se-á recorrer às tecnologias de captura de CO2 da atmosfera, para anular em parte a emissão de gases com efeito de estufa (GEE), embora não constitua uma solução de fundo.

O caminho seguro de, a prazo, responder à contenção do aquecimento global, num contexto em que o planeta necessita de continuar a produzir e consumir mais energia por duas ordens de razão – o aumento populacional diferenciado por zonas geográficas, pelo menos até um determinado momento, variável segundo as fontes das previsões demográficas e o desenvolvimento socioeconómico, em todas as zonas, mas em especial nas economias emergentes ou em desenvolvimento, pois como sabemos as desigualdades sociais no Mundo são gritantes – consistirá numa aposta firme e decidida de mudança de matriz energética, porque a existente é demasiado poluente.

Esta transição energética, a operacionalizar num prazo longo, durante o qual a matriz existente continuará a ter presença, embora com abrandamento acentuado de peso no conjunto, significa a evolução da sociedade actual baseada em energias fósseis (carvão, petróleo, gás natural) para uma outra de matriz de baixo teor de carbono. Não nos podemos esquecer que hoje mais de 80% da energia, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), é ainda de origem fóssil.

Atingir a neutralidade carbónica até 2050 (uma meta acordada) exige, segundo a AIE, um aumento de 60% na produção de electricidade, sem recurso a gás e carvão. Uma meta de extrema dificuldade ou impossível mesmo de atingir, em tão curto prazo de tempo, quando países como a China e a Índia se descartaram desse compromisso. A China comprometeu-se até 2060 e a Índia 2070. E, quando países da União Europeia (UE), devido ao tipo de sanções económicas aplicadas à Rússia, regrediram para a energia do carvão, a de maior teor poluente!

E atenção, para muitos outros países menos desenvolvidos, o problema nem desta forma se coloca. Esses países precisam de energia e sobretudo de electricidade para múltiplos fins (viver e progredir) e as energias fósseis são as mais acessíveis.

Parece que com estas metas e comportamentos contraditórios se aterrou num mundo da utopia, neste caso negativa até porque há utopias com efeitos dinamizadores. A UE, que de algum modo se considera o motor desta transição energética, entrou em pane há um certo tempo e com sintomas de agravamento.

A aliança nuclear europeia

Os países da UE enfrentam profundos desentendimentos entre si, no tocante às fontes energéticas, para operar a mudança de matriz. A França lançou recentemente, no seio da UE, a formação de uma “aliança nuclear”. Alguns analistas chamam-lhe “clube nuclear europeu”.

Este clube ou aliança, que reúne para já onze países (França, Bulgária, Croácia, R. Checa, Hungria, Finlândia, Países Baixos, Roménia, Eslováquia, Eslovénia e Polónia), subscreveu um documento que posiciona o papel da energia nuclear como determinante pelas suas valências da transição energética, documento entregue e discutido com a Comissão Europeia (CE), o que deve ter criado alguns “engulhos”, dado o seu alinhamento com a Alemanha.

Algumas nuances mais sobre este clube. A Bélgica está numa situação de pré-entrada. O primeiro-ministro belga tomou conta do assunto e avançou com contactos para que consiga, no mínimo, o estatuto de observador no grupo. Por outro lado, a Itália e a Suécia estão em vias de adesão.

Esta aliança tem definidos vários tipos de cooperação. Desde logo, fortalecer e aprofundar o trabalho conjunto entre os países que decidiram apostar na nuclear, com a segurança em pano de fundo. Mas outros domínios como o dos novos projectos nucleares com base em tenologias inovadoras, a troca de informação científica, a formação, etc. integram as actividades a desenvolver em conjunto.

Aliás, foram as hesitações sobre o papel da energia nuclear, nos últimos dois decénios que levaram a Europa e, em especial a França, a perder a dianteira em termos tecnológicos e de competências, altamente exigentes nesta indústria, para EUA, China e Coreia do Sul.

Até o Japão que, após Fukushima (2011), tinha decidido abandonar a nuclear, reentra de novo e em força porque concluiu não conseguir cumprir as metas de combate às alterações climáticas, sem o recurso à nuclear e já iniciou a execução de um plano de retoma desta indústria, começando pela dos reactores em paragem.

A Alemanha, com o seu grupo de parceiros anti-nucleares, onde inclui o Luxemburgo e a Áustria e outros, como Portugal, admito que não “com toda a fé”, foi contra a energia nuclear assumir o rótulo “verde” e agora bate-se contra o hidrogénio produzido por esta via poder vir a ser considerado “verde”.

A CE tem andado a ziguezaguear com receios de se opor à Alemanha, que tem determinado a política energética da UE. No entanto, nestes últimos dois anos, fez algumas concessões ambíguas à nuclear, ao integrá-la juntamente com o gás natural (cedência à Alemanha) na “taxonomia verde” europeia e, agora subordina-se de novo às exigências da Alemanha ao apresentar, na terça-feira passada, uma proposta de reforma do mercado da electricidade, que nada resolve, pois nem no elemento fundamental que é a fixação dos preços mexe, porque a Alemanha é contra, antes das eleições europeias de 2024.

A criação da aliança nuclear no seio da UE é um acontecimento marcante. Vai mexer com a política energética na União. Vai minar a prazo o domínio da Alemanha que põe e dispõe as regras neste sector. Vai dar um impulso para colocar a energia nuclear no papel que lhe compete na transição de sistema.

Um avanço sem dúvida. Mas nada ainda garantido. No entanto, o reconhecimento do papel da energia nuclear na transição torna-se fundamental para a soberania da Europa neste domínio.

Outros problemas na política energética europeia de elevada importância esperam debate e propostas de solução. Como resolver as limitações das energias renováveis no que se refere à intermitência na produção e o abastecimento dos metais críticos tão necessários nesta área e noutras, para não se entrar numa outra dependência tipo gás russo?!

É necessário acabar com a guerra entre os países-membros, em todos estes domínios, para se criarem as raízes para a União Europeia entrar e ter voz na nova ordem de política energética que se está a desenhar a nível mundial. É sem dúvida urgente este entendimento, sob pena de perder velocidade de difícil recuperação futura.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.


quarta-feira, 22 de março de 2023

Rui Nabeiro

 

Partiu o Senhor Comendador Rui Nabeiro. Tal como a esmagadora maioria dos portugueses, apenas o conhecia pela sua imagem, pelo sorriso doce e contagiante, pelo seu indisfarçável mas sempre discreto amor aos outros. Confesso que me comovi e as lágrimas caíram ao escutar tantos testemunhos das humildes gentes que, carinhosamente, o consideravam o Pai de Rio Maior. E morreu no "Dia do Pai". Há coincidências que não passam disso mesmo, mas que nos tocam. 



O Senhor Comendador Rui Nabeiro era uma personagem invulgar. Muito maior que um qualquer percurso académico, que uma qualquer cátedra, ele era um doutorado nessa arte de ser humilde, construindo, multiplicando e valorizando os outros. A sua oratória era a do Povo. A palavra espezinhar não fez parte do seu léxico. Tanto que um dia disse: "(...) Podíamos ter as coisas mais automatizadas, mas eu prefiro dar mais empregos". E não deixou de gerar um império comercial, sobretudo porque as pessoas estavam sempre em primeiro lugar: "(...) Uma coisa que nunca dispenso é o olhar para as pessoas. Gosto de saber qual é a origem, quem é a família, de quem é filho, de quem é neto, com quem está casado... a pessoa nunca é pessoa só por ela". No essencial, o Senhor Comendador Rui Nabeiro contrariou e bem aquilo que li em Peter Drucker: nesta sociedade doravante só haverá lugar "para os rápidos e os mortos". 

"Ele não foi por aí...", por aproximação a José Régio no Cântigo Negro, quando todo o mundo corria e corre, de forma egoísta, gananciosa, exploradora, de cada um por si e sem qualquer sentido moral, ético e de responsabilidade social. Ele não foi nas palavras mansas de um mundo que empurra para o fanatismo sem dó nem piedade. Ele procurou o seu caminho desde aquele distante ano que fez a sua quarta classe, como um dia sublinhou, "com audácia e atitude". Sentia-se, por isso, um "privilegiado" por ter uma atitude diferente dos outros. E construiu o seu comportamento ditado por disposições interiores, a sua atitude perante a vida, no pressuposto que o êxito e a felicidade dos outros constituiria o seu próprio êxito. No essencial, como costumo resumir perante este mundo de fanáticos, aldrabões, mentirosos, intolerantes e obsessivos, "se sou feliz, por que razão os outros não o são".

Até no momento da morte de um Homem que não foi de Rio Maior, mas de todo o País, o nosso País não conseguiu ir além das palavras elogiosas de circunstância. Esperava que a esta singular e incontornável figura portuguesa fosse declarado, pelo menos um dia de luto nacional. Mas nem isso. Ficou, apenas, ao nível das autarquias da região onde desenvolveu a sua actividade. Parece que o luto nacional só está reservado às mais altas figuras do Estado em exercício ou quando morrem. Mesmo que tenham deixado um rasto de pessoa pouco querida. E aquelas e os factos por elas protagonizados ao longo da vida, questiono, pouco contam? Mas as gentes, o verdadeiro povo, não o esqueceu.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 21 de março de 2023

Conselho de Estado


Desde há muito que me causa alguma perplexidade a constituição do Conselho de Estado, enquanto "órgão político de consulta do Presidente da República, por ele presidido". Sendo um órgão de natureza política, essa situação não implica que a sua constituição seja, implicitamente, formada por agentes directa ou indirectamente ao exercício político-partidário. Tenho por assumido que o Conselho de Estado deve ser um órgão acima de qualquer suspeita, formada pelos melhores nos diversos sectores e áreas do conhecimento, que pela sua independência, visão, verticalidade e honestidade, as suas vozes sejam audíveis, respeitadas e constituam um bom aconselhamento junto do Presidente de todos os portugueses.



Gostaria que assim fosse, mas infelizmente não é. É uma miscelânea, onde se encontra de tudo, desde homens e mulheres com pensamento até alguns que nem tanto. Pior, ainda, e eu não estou a pensar em quotas, mas não deixa de ser tão estranho que dos vinte elementos, incluindo o Presidente, apenas três sejam mulheres.

Aquele Conselho tem muito que se lhe diga. Questiono-me sobre, por exemplo, a atribuição de alguns lugares apenas por inerência de funções. Mas pior do que isso é constatar a existência de figuras que são membros do Conselho de Estado e, simultaneamente, articulistas e comentadores políticos em televisões e estações de rádio. Do meu ponto de vista tal não faz sentido. Um Conselheiro de Estado devia manter um distanciamento que oferecesse uma certa garantia de reserva e independência. Ao Domingo posso dar com um "conselheiro" a manifestar-se, às vezes directamente, sobre uma dada actuação do Presidente da República e, na Segunda-feira, vejo-o sentado na mesa do Conselho de Estado, como se a sua opinião já não fosse conhecida. Vejo um "conselheiro", por despeito ou não, hoje, bater forte e feio no governo e, amanhã, à volta da mesa de onde seria dele esperar distanciamento, independência e respeitabilidade. Enfim, são vários os casos.

Pergunto, para que serve um Conselho de Estado quando se torna numa extensão partidária e não no tal "órgão de consulta" sobre a vida do País e de todos nós. Para reflectir!

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 18 de março de 2023

Carta aberta ao Dr. Álvaro Beleza


Boa tarde.

Exmo. Senhor Dr. Álvaro Beleza,

Acabo de ler e não consigo conter a minha perplexidade e a mais completa desilusão face às suas declarações proferidas na Madeira, no decorrer de uma inauguração e de um encontro sobre "Madeirensidade". O meu desabafo não tem nada, rigorosamente nada, a ver com o facto de ter sido, durante muitos anos, vice-presidente, secretário-geral, deputado e autarca do Partido Socialista. Tem a ver sim com o seu mais completo desconhecimento do que é a Madeira e o seu regime desde 1976.



Ora bem, Vossa Excelência assume que este foi um "trabalho "absolutamente extraordinário", "exemplo para o país" e que se sente "orgulhoso da Madeira". Obviamente que é inegável que alguma coisa foi realizada e bem conseguida. Se tal não tivesse acontecido deixaria de ser um problema de política para ser de polícia. 

O que é inaceitável é que Vossa Excelência não falou e, repito, obviamente que não o podia dizer, como é que se operou a descaracterização da Região; compreendo que não podia falar dos 6.3 mil milhões de dívidas e das contabilidades paralelas; não podia falar dos 32,9% de pobres e em risco de pobreza, que corresponde a cerca de 75.000 habitantes; não podia abordar a teia de interesses que conduziram a camuflados monopólios; não podia falar das "obras inventadas" como caracterizou o ex-deputado Europeu Dr. Sérgio Marques, declarações objecto de Inquérito Parlamentar; não podia falar das graves carências habitacionais; não podia falar dos mais de 20.000 à espera de uma consulta ou de uma cirurgia; não podia abordar que nos últimos anos 17.000 madeirenses abandonaram a região; não podia equacionar a questão de 8.000 jovens que não estudam nem trabalham; não podia falar de um sistema educativo mais próximo do século XIX do que do século XXI; não podia abordar a rede de "casas do povo" e toda a sua estrutura clientelar; não podia abordar os dramas das perseguições e afastamentos silenciados. Não podia falar, reconheço, porque o momento não era propício. Compreendo. Mas podia ter falado de muita outra coisa, com total rigor, independência e não se comprometendo com nada.

Vossa Excelência viu e continua a ver prédios, hotéis, flores e fica encantado. Não viu o tecido social esfarrapado. Não andou por ruas, becos, travessas e impasses a cheirar essa tal "Madeira Nova" que tanto o orgulha. Não viu nem sentiu os dramas da pobreza, porque se os visse não tinha, certamente, confundido crescimento com desenvolvimento. A pergunta que devia ter em mente talvez fosse esta: com os mesmos fluxos financeiros, desde 1976, não podia a Madeira ser hoje uma terra menos dependente, menos pobre e menos assimétrica?

Com as suas declarações, publicadas no Dnotícias, Vossa Excelência, que é um político com partido, julgo que no PS, preferiu dar uma rajada na oposição, porventura matando-a e indicando, claramente, quem deverá suceder ao PSD. O PSD!

Tive funções político-partidárias e hoje estou completamente distante. Apesar de escrever quase diariamente, julgo ser esta a primeira vez, desde há muito, que abordo um tema político onde em causa está o poder e a oposição. Nem militante sou, para que saiba. Mas não posso calar a injustiça. A balança da justiça tem dois pratos. Certo? Se a SEDES é isto, não auguro qualquer futuro nos estudos que venham a ser realizados na Madeira. Será mais do mesmo!

Com os meus cumprimentos.

André Escórcio

Nota
Informo-o que vou tornar público este meu desabafo.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Pobreza, Inteligência Artificial, Comissões de Inquérito e Estudos de Opinião

 

Faz parte de uma certa paródia regional, eu sei, e daí, não é meu espanto, mas talvez uma certa perplexidade de como alguns conseguem levar de mansinho a água ao seu moinho. Durante anos a fio. O problema está em saber até quando e quais as sequelas sociais. Pelo que assisto, o coma é tão profundo que tudo passa como a água nas penas dos patos. Nem o "jardinismo", como todas as suas diatribes, com a paulatina "compra" e imposição de silêncios, as dívidas escondidas, as subtis ou descaradas perseguições, os alegados enriquecimentos rápidos e talvez mal explicados, porque dá jeito, a quase "institucionalização" de uma perversa economia paralela, a paciente montagem de redes e de compromissos, a muitos dizendo não dizendo, "toma lá, dá cá", o controlo da comunicação social, a multiplicação de instituições e subsídios a granel para contentar clientelas, nem nesse período da longa história, dizia, foi tão longe. Ou talvez hoje os novos dignitários estejam a receber de bandeja os "investimentos" feitos. É uma possibilidade.

Um dia, o Dr. Jardim falou de uma fase mais "raffiné". Pois, a democracia, por isso, é, hoje, um simulacro do que devia ser. O engano dos sentidos fez o seu caminho e agora, a percepção que se tem é a de uma sociedade doente, divorciada dos seus próprios interesses, uma sociedade de múltiplos receios ou medos, acorrentada nas aparências e que, mesmo sofrendo, prefere o conhecido ao desconhecido. Já não se rala. Entretanto, as grandes referências da oposição regional foram desaparecendo: ou porque morreram ou porque assumiram que outros ficassem com o brinquedo! Complementarmente, parece-me evidente que o sistema educativo foi intencionalmente condicionador, ao preferir a liturgia dos manuais programáticos à liberdade de pensamento, da criatividade e da inovação. Em poucos anos a sociedade caiu numa espécie de pântano que impossibilita a consciência de fuga ao lamaçal. Sobrevive. E a Igreja? O que dizer dela? Todos o sabem. Cala-te boca.


Desta minha convicção, sublinho, que muito para mangas daria, nos últimos dias confrontei-me com quatro temas que, não espantando, confirmam, porém, a pasmaceira e a lógica do sistema político. 

Primeiro: POBREZA. Quarenta e sete anos depois de Abril de 1974, pergunto se será necessário um estudo sobre os cerca de 80.000 pobres ou em risco de pobreza? O que fizeram dos sucessivos dados publicados pelos Institutos de Estatística e da análise às políticas de governação regional para o sector? Há uma longa história de debates, com apresentação de dados, na Assembleia Legislativa da Madeira. Basta consultar o Diário das Sessões. Lembro-me, por exemplo, em Julho de 2011 (este é um entre muitos outros momentos), por iniciativa do Dr. Bernardo Martins, ter sido apresentado um projecto que, infelizmente, foi liminarmente chumbado pela maioria PSD. A páginas tantas o projecto referia:

"(...) Considerando que a pobreza não é uma fatalidade, e que compete aos políticos terem a nobre missão da criação de uma sociedade mais coesa e solidária, numa acção que envolve, articuladamente, as dimensões económica, social e cultural;
Considerando que os objectivos do “Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social” continuam válidos e merecem um permanente aprofundamento, tendo em vista, nomeadamente, aumentar a consciencialização cívica e a visibilidade das situações de pobreza, contribuir para a diminuição da exclusão social e mobilizar para este combate a sociedade e todos os níveis de poder, como assembleias, governos e autarquias;
Considerando que “2010 - Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social” é “uma missão ainda por concluir, que não se esgotou na mobilização garantida por este Ano Europeu”, como refere o seu Coordenador Nacional, Edmundo Martinho, porquanto “todos podemos fazer a diferença na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva”;
Considerando que, pela universalidade do seu sentido, pela justeza da sua razão e pelo seu interesse público, esta evocação deverá realizar-se, independentemente das maiorias parlamentares ou governativas que se constituam em 2012;
A Assembleia Legislativa da Madeira, ao abrigo do disposto no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e do Regimento deste Parlamento, resolve:
1 – Designar 2012 como o “Ano Regional de Combate à Pobreza e à Exclusão Social”;
2 – Definir, entre outras, como principais finalidades desta iniciativa as seguintes: proceder a um estudo exaustivo e caracterizador da pobreza e da exclusão social na Região Autónoma da Madeira; reconhecer o direito dos cidadãos em situação de pobreza e exclusão social a viver com dignidade e a intervir na sociedade; sensibilizar as pessoas para o reforço da coesão social; ampliar a acção política da Região na erradicação da pobreza e da exclusão social. (...)"

Passaram-se doze anos após o chumbo deste proposta e eis que, paradoxalmente, os que a chumbaram resolveram realizar um estudo. É espantoso.


Segundo: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Um dos princípios do desenvolvimento é o da transformação graduada. Há uma sequência no tempo que não pode ser ignorada. Da mesma forma que coexistem três perguntas simples que qualquer gestor/administrador da coisa pública (e não só) deve dominar: onde estou, onde quero chegar e que passos tenho de dar para lá chegar. O onde estou equivale ao levantamento exaustivo da situação real, para que daí se possa arquitectar uma situação ideal. Ora, o sistema educativo está de rastos, sendo evidente que esta escola não consegue dar resposta aos desafios de um mundo em constante aceleração. Segundo os estudos é desmotivadora para alunos e professores, apresenta currículos e programas desadequados, submete-se aos ditames de uma administração centralizadora e padronizadora, é rotineira e previsível, porém, quando é este o quadro, alguém vem falar de "inteligência artificial", ignorando o extenso rol de características onde o sistema se encontra. Como é possível ser prospectivo e presumir que se irá atingir a complexidade, quando são queimadas as etapas de um longo processo científico. Houvesse engenho e arte, depois de 47 anos de políticas, podia o sistema experimentar e almejar tal desiderato. Pela via que seguem, não. Tratam-se de umas palavras soltas atiradas ao ar e sem significado. Tal como a história do Brava Valley!


Terceiro: COMISSÕES DE INQUÉRITO. Um festival de palavras e de depoimentos inconsequentes. Apenas fumo. Um ex-Deputado Europeu e, depois, governante regional, falou de "obras inventadas". Foi logo encostado à parede. E o inquérito parlamentar surgiu. Conclusão: "obras inventadas", protecção a um grupo restrito de empresários, pressão destes sobre a governação, enfim, são tudo histórias, essas sim inventadas. Nada ficou nem ficará provado. Mas quando e onde rolaram cabeças na sequência de um qualquer inquérito parlamentar? É tudo mentira, pois o desabafo, certamente, tem a chancela do ressabiamento de quem o proferiu. Até o relator da comissão foi indicado pelo partido maioritário. Curioso, até, que o parceiro de coligação que antes abria a boca e não era nada piedoso, remeteu-se agora a um silêncio sobre a tal "mentira" criada pelo ex-governante. Tudo solenemente abafado. Pois tudo foi realizado com total transparência, rigor técnico, fiscalização sem mácula e absolutíssima lisura de comportamentos éticos e morais. O ex-Deputado irá, certamente, "de castigo" para o quarto escuro da política!


Quarto: ESTUDO DE OPINIÃO/SONDAGEM. Corolário de tudo isto, o povo (?), em sondagem recentemente publicada, atribuiu 50% dos votos ao partido governante, onde se inclui um ínfimo contributo do parceiro de coligação. Significa que está tudo ou quase tudo certo. Portanto, siga a festa...   



Ilustração
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Dnotícias

terça-feira, 7 de março de 2023

Ocidente contra o resto do Mundo


Por
06 Março 2023


Macron, à saída do G-20, anunciou uma visita a Pequim dizendo que é “muito bom” a China querer a Paz, marcando assim algum distanciamento face à posição apressada da UE.



Fez há dias um ano que a Federação Russa invadiu a Ucrânia.
Miguel Sousa Tavares no seu artigo do semanário “Expresso”, intitulado “Um ano de estupidez humana” que, com alguma sorte, coincidiu sair no dia 24 de Fevereiro, escreveu: “a continuação da guerra devora economicamente a Europa e num só dia gasta-se 10 vezes mais em armas na Ucrânia do que aquilo que seria necessário para acorrer a oito milhões de sírios que dormem ao relento e morrem de fome e frio, sem auxílios internacionais, depois do terramoto de há três semanas”.

E o grande problema é que não se vislumbram indícios de quando, nem como, esta guerra vai terminar, apesar da China ter apresentado, precisamente a 24 de Fevereiro, um plano para a solução da crise ucraniana, que mereceu logo a desconfiança dos EUA, NATO e União Europeia, enquanto Zelensky mostrou interesse em encontrar-se com Xi Jinping, presidente da China, para aprofundar a proposta, e Macron, à saída do G-20 (25/02/2023), anunciou uma visita a Pequim dizendo que é “muito bom” a China querer a Paz, marcando assim algum distanciamento face à posição apressada da União.

Muitos analistas apontam para uma guerra de longa duração e vários cenários (três pelo menos conhecidos), alguns bem complexos em termos de consequências.

A grande clivagem

Mas será que esta guerra é vista por todos os povos e instituições mundiais da mesma forma, quando se observa todos os dias os políticos do Ocidente (Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia) a falarem de um único cenário: “a paz só é possível com a vitória da Ucrânia e a derrota da Rússia”?!

Desde o início da guerra e, designadamente, desde as sanções económicas do Ocidente contra a Rússia (já vai no 10º pacote), e de uma elevada pressão para que fossem cumpridas, assistiu-se no mundo empresarial a uma grande brecha Ocidente-resto do Mundo, na medida em que os grupos económicos não ocidentais não pactuaram com as sanções e até um ou outro grupo económico do Ocidente, aqui e ali, apesar dos apelos dos seus governos e sobretudo dos órgãos directivos da União Europeia (UE), resistiu aos boicotes preconizados.

Esta forma de agir contém uma noção implícita de que o meio empresarial não ocidental encara a guerra da Ucrânia como genuinamente europeia e, como tal, não emparceira nela. Também muitos políticos, ex-políticos e órgãos de informação diversos, alguns de países do Ocidente, como o “Washington Post”, veiculam esta postura dos empresários e de correntes de opinião.

Aliás, vários políticos, designadamente da Ásia e de África e mesmo da América Latina, pelo menos a nível pessoal, vão um pouco mais longe, afirmando que não é esta guerra a origem de consequências internacionais como o aumento generalizado de preços, mas as sanções económicas que, de uma forma geral, rejeitam e consideram nocivas ao funcionamento das economias.

Ainda há poucos dias, em Bangalore, o G-20 presidido pela Índia terminou sem comunicado conjunto, por não se ter entendido sobre a guerra na Ucrânia.

O pulsar da sociedade civil

A nível da sociedade civil, um estudo recente, “United West, divided from the rest: Global opinion one year into Russian’s War on Ukraine, 27 February 2023”, promovido pelo European Council on Foreign Relations (ECFR) em conjunto com a Universidade de Oxford, marca bem a clivagem profunda, ou, se quisermos, o fosso na visão da guerra entre o Ocidente e o resto do Mundo, de que se sintetizam três pontos no tocante ao acabar com a guerra (a paz), as razões que movem a Europa e os EUA na presente guerra e as ambições futuras na cena mundial. Embora se deva relativizar sempre as análises, as opiniões entre estes dois mundos são como o azeite e a água.

O estudo baseia-se em 19.765 respostas de 15 países em que nove são da União Europeia (UE9), entre eles Portugal, e ainda Reino Unido, Estados Unidos (9,3% da população mundial) e China, Índia, Turquia e Rússia (41%).

Como antes se referiu, os povos destes 11 países do Ocidente estão maioritariamente na linha de que esta guerra deve ter como desfecho a vitória da Ucrânia, enquanto os povos dos outros quatro países pretendem que a guerra termine “o mais rápido possível”, mesmo que a Ucrânia tenha de ceder territórios à Rússia.

A questão da cedência de territórios pela Ucrânia no contexto descrito colhe, no entanto, 30% das opiniões das pessoas inquiridas na UE9 contra 38%, menos na Grã-Bretanha (22%) e ligeiramente menos nos EUA (21%). Uma distância grande de oito pontos percentuais, sem dúvida, mas uma corrente de opinião de 30% não deixa de ser significativa.

Sobre as razões da UE e EUA apoiarem a Ucrânia, as pessoas inquiridas na Índia, China, Turquia e Rússia respondem que é exclusivamente para o Ocidente defender a sua posição de domínio no Mundo. Esta forma quase absoluta de ver esta questão prende-se com razões históricas.

Existe um sentimento de injustiça nestes países de que estão afastados da participação ou sub-representados em instituições internacionais da ONU como o Banco Mundial, o FMI, etc., apesar da sua grande importância no Mundo, por determinação do Ocidente, pelo que sempre houve movimentos no sentido da luta por uma posição digna na cena internacional, embora com pouco sucesso.

Estes quatro países, e muitos outros, têm uma imagem negativa sobre a democracia no Ocidente. Na China, por exemplo, 77% dos inquiridos entendem que o seu modelo de política é muito superior ao dos EUA e União Europeia. E, na Índia, o pulsar da população é muito semelhante.

Na cena mundial futura, as opiniões dominantes nos quatro países vão no sentido de a ordem liberal dirigida pelos EUA vir a perder muito terreno nos próximos dez anos, na expectativa de o Ocidente não ser mais do que uma potência mundial no meio de várias outras (a multipolaridade), de forma a estabelecer-se um maior equilíbrio de poder entre os vários países.

Ao contrário, no Ocidente, numerosas pessoas pensam e desejam que se caminhe para um mundo bipolar com dois blocos (EUA e China – uma cópia da guerra fria, substituindo a Rússia pela China).

Uma nota ainda sobre a votação na ONU. Dos 193 Estados-membros, votaram 141 a favor da resolução de condenação da Rússia, 32 abstiveram-se, 7 votaram contra e os restantes 13 não votaram.

A imprensa ocidental clamou pela grande condenação da Rússia. Vendo bem, estas conclusões induzem em erro grosseiro, pois os representantes de mais de metade da população mundial (4,112 mil milhões; 51,6%) não manifestaram, com o seu voto, uma posição hostil à Rússia, pois ou se abstiveram ou votaram contra a resolução. A população mundial era, em finais de 2022, segundo dados da ONU, 7,975 mil milhões.

Em síntese, das referências ao estudo e deste relativizar da votação na ONU, o abismo cavado entre o sentimento do Ocidente e do resto do Mundo sobre a guerra da Ucrânia é mesmo profundo e não tende a melhorar, pelo que o caminho para a Paz se torna difícil. Insistência, imaginação e persistência precisam-se para que se abram negociações para o fim da guerra.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sexta-feira, 3 de março de 2023

E se a Ucrânia não ganhar a guerra?


Por
Major-General Carlos Branco, 
in Jornal Económico

A pior solução para os europeus é não considerarem a Ucrânia um interesse vital e acabarem por ter de morrer por ela. Washington sabe o que quer e o que está a fazer. Os dirigentes europeus nem por isso.



A esmagadora maioria dos comentadores nacionais afirma de modo convicto e determinado que “a Ucrânia vai ganhar a guerra”, “a Ucrânia tem de vencer”, como se a insistente oralização de uma vontade fosse suficiente, e a capacidade para a concretizar um aspeto de menor importância. Questionar o dogmatismo subjacente a esta certeza tornou-se sinónimo de apoio e alinhamento com as posições de Moscovo.

Entenda-se por ganhar a guerra, o regresso dos territórios presentemente anexados pela Federação da Rússia ao controlo de Kiev, Crimeia incluída, com a consequente expulsão das forças russas do território ucraniano, ao que se juntará a adesão de Kiev à NATO e à União Europeia (UE).

A retirada das forças russas de Kherston e da região de Kharkiv, no outono de 2022, deu aos observadores menos informados a sensação de que seria possível à Ucrânia derrotar a militarmente a Rússia. Essa situação parece estar a inverter-se, com a iniciativa estratégica e tática a pertencer às forças russas. Mas muita água ainda passará por debaixo da ponte até chegarmos a um resultado definitivo.

Contudo, parece avisado considerar a possibilidade dessa vontade não se concretizar. Não tendo as opções adotadas até ao momento conduzido ao sucesso de Kiev – apenas evitaram a sua derrota política e militar – num conflito que já dura há um ano, justifica-se interrogar que outros caminhos poderão conduzir ao seu triunfo, e, por acréscimo, à vitória geopolítica dos EUA.

Os objetivos estratégicos de Washington variaram ao longo deste ano de conflito. O plano inicial consistia na derrota militar da Rússia, e, no seguimento disso, provocar uma mudança de regime em Moscovo (como se essa derrota significasse automaticamente a colocação no Kremlin de elementos liberais afetos a Washington, prática testada noutros locais, nem sempre com sucesso).

Numa versão maximalista, essa mudança de regime poderia provocar a substituição de Putin por um dirigente mais “à Ieltsin”, a médio prazo a fragmentação da Rússia, inviabilizar a aproximação estratégica e económica entre a Rússia e a Europa, em particular com a Alemanha, e acabar de vez com as pretensões europeias de autonomia estratégica. O desvario passou a incluir na agenda a narrativa sobre a colonização russa, e Biden a chamar assassino a Putin.

O plano previa a manutenção do confronto ao nível convencional sem escalar para o patamar nuclear, de acordo com a doutrina norte-americana sobre o assunto. Veja-se o que foi escrito pela RAND Corporation sobre uma possível confrontação militar com a China. O mesmo princípio aplica-se à situação que estamos a viver na Ucrânia. Não interessa a Washington que a guerra se transforme em nuclear.

Foi esclarecedora a reação norte-americana à tentativa de Kiev envolver a NATO no conflito, quando um míssil S-300 se despenhou em território polaco, incriminando de imediato a Rússia. A inequívoca autoria russa do ataque, propalada sem qualquer hesitação (e investigação) por Zelenski e altos dirigentes polacos e lituanos (assim como por alguns comentadores nacionais), foi engolida num ápice, após uma conversa telefónica com o presidente Biden, vindo a darem o dito por não dito.

Perante a dificuldade em atingir esse objetivo estratégico, os EUA reformularam-no, agora numa “versão mais meiga”, apostando “apenas” no enfraquecimento da Rússia, não só militar como económico. A Secretária do Tesouro norte-americana afirmou serem as sanções para continuar, mesmo que a Rússia ganhe a guerra, independentemente do entendimento que se possa ter sobre isso. Esta reformulação de objetivos estratégicos não exclui a possibilidade de a Ucrânia não conseguir recuperar a sua integridade territorial.

No final de um ano de guerra, ao contrário do que era previsto por várias instâncias, a economia russa não colapsou, e as sanções estão longe de produzirem os resultados desejados. Putin reforçou o seu poder, e a base tecnológica e industrial de defesa russa mostrou-se capaz de dar resposta aos desafios que lhe têm sido colocados, o que parece não ter sido o caso das ocidentais, que se mostraram razoavelmente incapazes de responderem às necessidades militares de Kiev, pelo menos com oportunidade, apesar da colossal ajuda já disponibilizada.

Estas conjeturas fazem tábua rasa do facto de uma potência nuclear não poder perder uma guerra convencional, ainda por cima às suas portas, assumindo contornos existenciais. Já o mesmo não se pode dizer de guerras assimétricas, em que potências nucleares perderam várias.

Os que afirmam que a Ucrânia tem de/vai ganhar a guerra terão de explicar como, uma vez que a fórmula a que se recorreu até agora não deu os resultados desejados.

O recurso sistemático a avultada ajuda financeira (ronda os 110 mil milhões de dólares), o fornecimento de armamento e munições, intelligence e treino das forças armadas ucranianas ajudou a evitar a sua derrota, mas não conduziu à vitória.

Primeiro, foi entregue equipamento de origem soviética ainda na posse dos países que pertenceram ao Pacto de Varsóvia e, depois, de equipamento ocidental. Segundo fontes russas, a Ucrânia teria recebido de países da NATO, desde dezembro de 2021, 1.170 sistemas de defesa aérea, 440 carros de combate, 1.510 veículos de combate de infantaria e 655 sistemas de artilharia. Apesar do insucesso desta opção, continua a insistir-se nela.

Quando este texto foi escrito, iniciava-se mais uma entrega massiva de equipamento militar à Ucrânia, que poderá ser anacrónica e de reduzida utilidade se não for entregue em tempo.

Se esta última tentativa voltar a falhar, uma hipótese com elevada probabilidade de ocorrência, qual o passo seguinte que a Europa estará disposta a dar? Envolver-se militarmente no conflito colocando forças no terreno? Como se diz na estratégia, morre-se por interesses vitais, combate-se por interesses importantes, e pelos restantes interesses negoceia-se.

Afinal, o que representa a Ucrânia para a Europa? É um interesse vital, importante ou outro? Se é vital, os europeus têm de estar preparados para lutar e morrer pela Ucrânia.

Até ao momento, parece não existir na Europa muito interesse nisso, nem disposição para envolvimento militar no terreno com tropas. Repetem-se os esclarecimentos de que não estamos em guerra com a Rússia, não obstante, as declarações da ministra alemã dos Negócios Estrangeiros Annalena Baerbock, e de muitos outros, em sentido oposto.

Com poucas exceções, a guerra na Ucrânia tem servido para muitos países se livrarem de armamento obsoleto que jazia há décadas em depósitos, não abrindo mão do seu equipamento mais evoluído tecnologicamente. A isto acresce a falta de preparação em que se encontram a maioria dos países europeus para enfrentar uma guerra deste tipo, tão habituados que estavam às operações de paz.

Se a NATO se envolvesse num conflito com a Rússia, a maioria dos seus Estados-membros teria munições suficientes apenas para alguns dias, uma vez que os seus arsenais se encontram depauperados pela assistência a Kiev.

Os dirigentes políticos europeus terão de clarificar qual a importância que atribuem à Ucrânia, e, consequentemente, dizerem até onde estão dispostos a que nos sacrifiquemos por ela.

Uma sondagem recentemente realizada em Berlim a dois mil alemães adultos – um dos países a ser mais afetado por uma eventual guerra com a Rússia –, a quem foi perguntado o que provavelmente fariam se a Alemanha fosse objeto de um ataque militar semelhante ao ataque russo à Ucrânia, cerca de 5% dos respondentes manifestaram prontidão para pegar voluntariamente em armas, 6% esperavam ser convocados e mobilizados; um em cada três (33%) tentaria continuar sua vida normal, da melhor maneira possível, quase um em cada quatro alemães (24%) deixaria rapidamente o país. Seria muito interessante fazer esse exercício noutros países, sem excluir Portugal.

Nem sempre o empenho retórico dos dirigentes europeus se tem traduzido em medidas coerentes e alinhadas com a retórica. Apesar das permanentes declarações de intenções, a Ucrânia recebeu até ao momento menos de metade do total da assistência financeira com que os países do Ocidente se comprometeram.

Manifestando alguma insatisfação, na recente Conferência de Segurança de Munique, o Chanceler alemão Olaf Scholz repreendeu os aliados por não fornecerem carros de combate à Ucrânia, os mesmos que o pressionaram a autorizar a sua entrega. Quando foi dada luz verde, muitos países descobriram que não tinham carros de combate para dar.

Apesar de não existir na Europa apenas uma resposta sobre como lidar com a guerra na Ucrânia, os europeus têm de esclarecer aquilo que pretendem e atuar em conformidade.

Estão ou não estão em guerra com a Rússia? Não podem considerar a Ucrânia um interesse vital, e depois comportarem-se como se tratasse de um interesse secundário. Como não podem considerar que tratando-se de um interesse secundário, alimentem o esforço de guerra enviando armamento, prolongando o conflito, arriscando a sua escalada, em vez de se envolverem em iniciativas de paz que lhe ponham fim, deixando a outros a responsabilidade de encontrarem uma solução política.

Procurando sol na eira e chuva no nabal, a pior solução para os europeus é não considerarem a Ucrânia um interesse vital e acabarem por ter de morrer por ela.

Washington sabe o que quer e o que está a fazer. Os dirigentes europeus nem por isso. As incongruências escancaram as portas aos falcões e a dirigentes revanchistas não controláveis, que anseiam por condicionar e influenciar a tomada de decisão. O tempo para fazer escolhas começa a escassear. A demora pode produzir consequências irreversíveis.