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quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Um cidadão a quem a cidade muito deve


Há pessoas que não esqueço. Não as posso esquecer pelo que intrinsecamente são, pela Amizade, tão distante quanto próxima e porque, em determinados momentos desmultiplicaram aquilo que para mim era muito complexo. Pessoas que nunca precisaram de se colocar em bicos de pés para serem notadas, pessoas com princípios e com valores intemporais, pessoas que transportaram sempre preocupações sociais que me tocaram fundo. Uma dessas figuras é o Engenheiro Danilo Matos. 



Não esqueço os sábios conhecimentos sobre a cidade do Funchal. Decorria o ano de 1993. Por convite do Dr. Mota Torres, aventurei-me numa candidatura à presidência da Câmara Municipal do Funchal. Necessário se tornava conhecer tudo sobre a cidade, a estrutura do planeamento estratégico e o pensamento sério e profundo de como erguer uma cidade com futuro. Bati-lhe à porta. Ele que, em 1980, no seu regresso à Madeira e depois de várias recusas (políticas?) de trabalho, acabara por ingressar na Câmara do Funchal onde era técnico – chefe de divisão e depois director de serviços – de urbanismo e planeamento, funções que desempenhou entre 1981 e 1998. Aliás, do seu labor, participou na criação do Gabinete de Planeamento Estratégico da autarquia, tendo sido seu director. Foi o Engº Danilo que me abriu para esse mundo de preocupações com a cidade, a sua escala e a defesa da identidade histórica e riqueza patrimonial. Aliás, tenho em registo pessoal todas as suas posições, as quais, de quando em vez a elas regresso, porque intemporais naquilo que constitui o pensamento estruturante.

O Engenheiro sempre foi um cidadão comprometido e empenhado. Ao longo da sua vida desenvolveu uma grande intervenção cívica, mesmo depois de sair da Câmara, de que se destaca a posição firme e inequívoca em defesa das muralhas centenárias das ribeiras da cidade do Funchal e pela preservação das suas pontes. "Um olhar sobre as Obras e Providências de Reinaldo Oudinot" em co-autoria com Rui Carita, Raimundo Quintal e João Baptista, é precisamente uma das expressões desse trabalho.


Admiro-o pelo seu passado de luta, sublinho, num tempo em que outros se refugiavam. Jovem estudante em Lisboa, foi preso na manifestação do 1º de Maio de 1962 (voltou a ser preso em Maio de 1975, pelo COPCON, juntamente com mais de 400 militantes do MRPP). Portanto, 1962 é o começo de uma vida fora da Madeira, no caminho para a licenciatura em engenharia civil, mas também na cada vez maior consciência cívica e política. Participou na coordenação das equipas de estudantes que se mobilizaram na campanha de solidariedade e apoio às populações mais pobres atingidas pelas cheias de 1967, em Lisboa. Foi dirigente estudantil e dirigente da RIA, Reunião Inter-Associações, da Universidade de Lisboa, participando de forma muito activa e empenhada nas lutas estudantis, mas também nas lutas contra a guerra colonial, pelo derrube da ditadura do Estado Novo. Pertenceu ao Comité Central do PCTP/MRPP e dirigiu a sua estrutura na academia, a FEM-L, Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas. Devido a uma denúncia foi obrigado a passar à clandestinidade a 1 de Novembro de 1972, situação em que se manteve até 25 de Abril de 1974, nunca tendo saído do país.

Repito, admiro figuras assim, de uma só cara e cuja coluna não é de plasticina. Admiro quem, na Câmara do Funchal não foi na cantiga de se alterar, por exemplo, o Plano Director sempre que deu jeito para a aprovação de uma qualquer obra. E admiro quem, contra as pressões e leviandades políticas soube dizer NÃO às investidas de alguns sectores da sociedade.

Mas esses, Amigo Danilo, não são lembrados. Nos momentos solenes recordo sempre a "Valsinha das Medalhas" do Rui Veloso, quando assisto ao desfile de figuras, algumas escolhidas a dedo:

(...)
Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos
(...)

Obrigado, Amigo Danilo.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Creio que o Povo não gosta...


Ponto 1
Todo o crime deve ser penalizado, pelo que, não pode alguém estar acima da Lei.
Ponto 2
Todas as situações detectadas como irregulares, políticas ou não, públicas ou privadas, desde que fundamentadas, devem ser objecto do conhecimento público.

Estou, portanto, à vontade para tecer alguns comentários sobre a parafernália de situações trazidas e esmiuçadas pela comunicação social. Julgo que estão a ir longe de mais, e porquê? Em síntese, Portugal corre o risco de, em breve, ser muito reduzida a capacidade de recrutamento de bons quadros para a governação. Por extensão, os menos qualificados técnica e politicamente, ocuparão as cadeiras dos ministérios.



Dir-me-ão que já é isso que está a acontecer em conjugação com múltiplos e muitas vezes escondidos interesses partidários. Talvez. Mas há figuras que nos dão alguma garantia, pelo conhecimento, pela serenidade e pela postura que assumem face aos vários dossiês. Que existem erros de "casting", obviamente que sim e desde sempre, em todos os governos. Para isso existem as remodelações. Porém, duvidar de todos e massacrá-los até ao tutano não me parece correcto. O que hoje é público e notório é a existência de um cerco e um voyeurismo à vida das figuras, vasculhando-as no plano pessoal, familiar (directo e indirecto) e dos amigos, como se elas, para além do pontual exercício da política, não tivessem vida ou direito à vida.

Pergunto, assim, que gestor empresarial, administrador, académico ou seja lá o que for, mostrar-se-á disponível para pertencer a um qualquer governo, independentemente das cores partidárias, se, desde logo, pensará no possível inferno em que a exposição pública se tornará? 

Não me estou a referir a alguns casos recentes, onde deveriam ter sido os próprios, no momento do convite, por memória, decoro e responsabilidade, dizerem que não reuniam condições para os assumir. Refiro-me, em abstracto, a todos os outros, à desconfiança instalada por maior que seja a seriedade e honestidade dos protagonistas políticos. Pega-se com tudo, sejam as inultrapassáveis fragilidades, até aos mais ínfimos pormenores que nada têm a ver com o desempenho do cargo. Essencial é fazer sangue, jogar com as declarações, gerar a dúvida, conduzir as respostas dos entrevistados para aquilo que constitui o pensamento de quem questiona, enfim, por vezes, manchar a honra e a dignidade. Algumas vezes com fugas de informação da própria Justiça que ajudam a uma condenação pública antes de um qualquer veredicto. Não aceito.    

No que venho a assistir, eu diria que nem é preciso fazer oposição política. Prioritário é fazer-se de morto. Só que o Senhor Presidente da República já descobriu a trama e vai daí assumiu um claro não à queda do governo. Exige, sim, que governe e bem. Concordo.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Enxertias fora de tempo


Por
João Abel de Freitas, 
23 Janeiro 2023

A instabilidade social alarga-se e corrói por dentro a democracia. As pessoas desesperadas pela sobrevivência, sabem que há bastante dinheiro e não o sentem a girar, a criar riqueza de que tanto precisa o País.



Em tempos recuados, a boa execução da enxertia advinha do fazer, do fazer várias vezes, no tempo certo. Aprendia-se com os mais antigos, mas nem todos conseguiam obter a agilidade suficiente para uma execução eficaz – o saber fazer.

Mais modernamente, chegaram a ciência e os cursos técnicos. Os aperfeiçoamentos vão surgindo com a experiência, mas nem todos, mesmo com os cursos feitos, atingem a qualidade para se tornarem exímios executantes (especialistas). Daí que surjam, naturalmente, grupos específicos nos locais onde esta função é necessária realizar-se e, segundo se lê, o número de pessoas habilitadas tende cada vez a ser mais escasso.

A situação fez-me lembrar os soldadores portugueses do tempo em que Portugal tinha uma indústria naval dinâmica e competitiva, em que o país dispunha de uma classe de soldadores muito apreciada e cobiçada por esse mundo fora.

Este aparte surge da falta de soldadores de que tanto se falou recentemente em França, por causa dos efeitos da corrosão nos reactores nucleares, que tiveram de ser desactivados em tempo tão pouco próprio de crise energética. Felizmente, em grande parte já recuperados a tempo do frio de Inverno. Mas esta lacuna detectada na sociedade francesa teve consequências práticas. O governo agiu criando uma escola de nível superior para colmatar de raiz esta grande falha.

Enxertias na política

1. Alguma semelhança existe quando se passa para “as enxertias” no campo da política. Também aqui há que revisitar a história da ciência política e agir com prudência e rigor. Não avançar sem jeito, pretendendo de qualquer modo tapar um buraco, sem erradicar o essencial, as causas.

Lá porque se está numa situação de aperto, atenção, não vale tudo. Um mero expediente nunca é boa solução. E este último avanço do Governo das 36 medidas (que começaram por ser 34!), no contexto de “controlar” as malfeitorias políticas advindas de tantos secretários de Estado depostos e até de ministros que se demitiram, não me pareceu mesmo nada feliz. Faltou-lhe mérito e sentido.

A ministra da Presidência Mariana Vieira da Silva chamou ao questionário “de verificação prévia à propositura de membros do governo ao Presidente da República”.

As 36 medidas distribuem-se por cinco grandes áreas: actividades actuais e anteriores e ligações societárias; impedimentos e conflito de interesses; situação patrimonial; situações fiscais e responsabilidades penais ou inquéritos em curso, que depois se desdobram por medidas que poderiam ser 36 ou 100. O valor é o mesmo.

Uma enxertia sem valor

2. Esta enxertia no trabalho de selecção dos membros do Governo vale zero por desacertada em tudo. Ou talvez até se trate de um esforço negativo porque nada acrescenta ao que sempre se deveria fazer. E se vem acrescentar algo, pior ainda, pois significa que antes tudo era feito de forma leviana. E para funcionar de guião interno não tinha que ocupar tanto tempo ao Governo e tamanho espaço mediático, e agora resultar numas tricas com o Presidente.

Se ainda propusesse algumas ideias de institucionalização, como uma audição prévia dos potenciais candidatos perante algum órgão democrático, a proposta poderia ter algum sentido como contributo a ponderar eventualmente no processo em curso da revisão constitucional.

Assim, não passa de um expediente infeliz e, em nada pode substituir a avaliação política e ética do primeiro-ministro e a responsabilidade da sua escolha.

Urge um Governo operativo e de qualidade

3. Em texto anterior, intitulado “Artigo fora da Caixa”, defendi que este Governo está inquinado na sua origem pela orgânica e qualidade da sua composição, como pessoas mal colocadas no xadrez ou que nunca deveriam ter sido chamadas ao elenco e dimensão em demasia.

Na sociedade portuguesa há a sensação de que este Governo está a governar mal e sem rumo. Os portugueses, ou pelo menos grupos significativos da sociedade, sobretudo nas grandes cidades, estão a dar esses sinais. E o clima político entrou em degradação e a confiança em perda.

Raramente no nosso processo democrático se tem assistido a manifestações junto a sedes de partidos e o PS teve já duas, Lisboa e Porto, a protestar contra o seu desempenho. Pode alegar-se pouco significativas, concedo. No jogo Braga-Boavista apareceram também tarjas pouco simpáticas com referências aos 500 mil euros de indemnização da TAP à ex-Secretária do Tesouro. Não deduzo que todas as pessoas no estádio aderiram às tarjas. Mas é um sintoma.

Por outro lado, a luta dos professores, apesar dos graves problemas às famílias e ao país que o fecho continuado das escolas está a provocar, tem, segundo as sondagens, 60% de adesão da população. Na realidade, ninguém entende como pessoas com tantos anos de profissão andam com “a casa às costas” pelo País.

Será assim tão difícil encontrar saídas para esta situação degradante que se arrasta há tanto tempo?! E a situação não fica por aqui. Tantos são os sectores descontentes. A instabilidade social alarga-se, corroendo por dentro a democracia. A vida está caríssima. As pessoas desesperadas pela sobrevivência, sabem que há bastante dinheiro e não o sentem a girar, a criar riqueza de que tanto precisa o País.

Mas não há dúvida que, para além da orgânica e da composição deste Governo não serem as adequadas, não é também visível uma linha estratégica de desenvolvimento que, a prazo, colmate as verdadeiras origens do atraso nacional, operando mudanças nas estruturas económicas.

Mesmo no PRR não se nota essa orientação, apesar de medidas positivas como a habitação que aguardamos funcionem, apesar de incompletas, pois existe tanto património abandonado, a apodrecer (militar, da igreja, dos privados) a exigir recuperação e cujo lançamento no mercado resolveria muitos problemas da carência habitacional. Quem mexe nesta situação?

Não desconhecemos que houve uma pandemia e agora a guerra. Mas até esta está a ser mal canalizada. Não se caminha no sentido de confluir para a paz, mas antes num assanhar do conflito. Até onde iremos?

Emannuel Todd, um antropólogo francês com uma vasta obra no domínio da prospectiva, afirma no seu último livro que a terceira guerra mundial começou, e insiste na dimensão ideológica e cultural desta guerra e na oposição entre o Ocidente liberal e o resto do mundo. Será que tem razão?!

A Europa está cansada da guerra. E o Mundo também. Mas penso, ou melhor, tenho a certeza, que muitos políticos não. Querem a guerra para melhor dominarem o Mundo em seu proveito.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 22 de janeiro de 2023

"Eu não sei nada de pobreza"

 

"(...) A Madeira mantém o primeiro lugar no ranking nacional em termos de risco de pobreza (...) mas o presidente do governo regional entende que a taxa não reflecte a realidade da nossa sociedade" (...) e é bem capaz de não espelhar a verdade, pois há muita miséria escondida e alguma riqueza não declarada", acrescenta, na edição de hoje, o director do Diário de Notícias da Madeira". No seu texto, assume: "fica mal a Miguel Albuquerque não admitir as várias dimensões sociais do problema do povo que não foi integralmente inaugurado em quase 50 anos de democracia de desenvolvimento, de fundos europeus e de subsídios. E é por isso que chegados aqui predomina a ficção. A realidade é bem mais cruel (...)"



Comungo da opinião do Dr. Ricardo Miguel Oliveira. Para já o Instituto Nacional de Estatística pauta-se por normas credíveis, por outro, não faz sentido um discurso negacionista perante a realidade que está aos olhos de quem quer ver. A posição do Senhor presidente do governo trouxe-me à memória uma história verídica contada por um grande Amigo meu: encontrava-se no Brasil numa importante missão. Foi convidado para jantar na sumptuosa casa de um "magnata", cuja varanda dava para um bairro miserável. A páginas tantas, com toda a delicadeza, questionou-o sobre a situação de milhões que subsistem nas favelas e como corrigir a situação. A resposta veio célere: "eu não sei nada de pobreza". E a conversa por ali ficou. É isso!

Ilustração: Dnotícias / Google Imagens

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

A pedrada no charco

 

Confesso que é assunto que não me interessa, mas não deixei de considerá-lo politicamente interessante (aqui). Sobretudo quando toca a um partido historicamente hermético, onde, lê-se e ouve-se, que a unidade de pensamento nunca está em causa, quando atira para os outros da praça política os desentendimentos, divisões e as jogatanas de bastidores. É curioso, por isso, quando, por um lado, se constata que na panela se encontram ingredientes incompatíveis que dão um amargo à coisa, por outro, porque se trata de engrenagens já divulgadas, desta vez, pasme-se, pela boca de uma figura do aparelho em exercício de funções! A curiosidade talvez resida aqui.



E lá vieram impropérios na defesa da tal suposta unidade. Desde "sonso" a "pessoa que não presta", até ao subtil convite à saída do partido, um pouco de tudo li. Eu diria que o Senhor Deputado na Assembleia da República foi sincero, disse a sua verdade com honestidade, e aqui não é aceitável a posterior desculpa que tais declarações foram produzidas em "off". Foram assumidas e, certamente, correspondem à sua leitura de processo. Compreendo a necessidade de um pouco de água sobre o fogo que gerou, mas não existe, deduzo eu, leviandade no sentimento. 

A grande questão aqui é outra e complementar. Não é a da pontinha do icebergue que interessa, mas a transparência de toda a história construída ao longo de 47 anos de poder consecutivo. Há, obviamente, momentos marcantes que ajudam a compreender o exercício da política, os desentendimentos estritamente derivados dos relacionamentos internos, absolutamente naturais em qualquer organização, até aos outros, mais complexos, que jogam no tabuleiro dos alegados interesses económicos, financeiros, dos favorecimentos, das protecções ao jeito de toma lá dá cá, dos designados enriquecimentos "mal explicados", utilizando a expressão do falecido Professor Virgílio Pereira, o rasto e interdependência da monumental dívida contraída de 6.3 mil milhões (quando se dizia que não passava de 2 mil milhões) que levou o Dr. Vítor Gaspar, Ministro das Finanças, a assumir que: "a situação da Madeira é insustentável". O que está para baixo da pontinha do icebergue é que julgo ser importante que, aliás, nas eleições regionais de 2011, levou o Dr. Maximiano Martins, candidato do PS, a produzir uma síntese de enorme significado político, quando falou de uma "conspiração do silêncio". Isso é que me parece relevante. No fundo, conhecer a história dos sucessivos governos, aquilo que é relevante, com toda a transparência possível.

Não por uma atitude persecutória, de abrir armários e deixar cair os esqueletos, mas o de conhecer "segredos embaraçosos" que os há, com toda a certeza e que pesam sobre toda a população. Há uma imensidão de laços e de entrelaços. Convicto estou, por isso, que entre o que se apresenta na montra e aquilo que se encontra no armazém há uma substancial diferença. 

Não sei se será um pormenor ou um pormaior o que disse o presidente e companheiro de partido: "(...) sempre que sentires umas pedras nas costas, lembra-te da última pessoa a quem fizeste o bem". Esta frase, no plano interno e, porque não, externo, transporta o cheiro do favor e não o da competência; transporta, também, a preocupação de toma lá e cala-te, exactamente aquilo que, no discurso político, é severamente criticado nos outros.

Enfim, o problema é que este episódio da novela valerá por si. Não terá continuidade, sobretudo porque não existe investigação séria numa região que, neste particular, é um caso de estudo (em todos os quadrantes). É mais fácil aniquilar o mensageiro do que perceber a mensagem! E a vida continua...

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Digas o que disseres

 

Tenho a sensação que, neste mundo de contraditórios, só se pode escrever uma de duas coisas: ou banalidades que se escusam a ferir sensibilidades, ou textos mais técnicos, de preferência “nano especializados”, que só os da área podem concordar ou discordar, mas, mesmo assim, há sempre um ou outro que se arroga no direito de dizer qualquer coisa. Carregados de likes, machados e foices a sentença é executada na praça pública.



Esta profunda convicção que tudo deve ser dito da forma mais polida possível contrasta com o que se vê por aí, onde a verdade de cada opinião vale mais que a verdade dos factos. Ainda que a presença do real seja efetiva, a forma como vemos o mundo depende do nosso olhar. Mas há olhares mais turvos que outros.

Não deixa de ser irónico que, numa altura em que tanto se apregoa a liberdade de se ser e de estar seja, também, o tempo em que se achincalha e se julga sumariamente no lugar sem espaço, onde uma espécie de liberdade de expressão não tem limites. Esta reflexão deve ser feita entre todos: até onde podemos ir? Haverá uma relação entre estarmos continuamente ligados e a sociedade espetáculo que construímos? Estará esta forma de se estar na vida ligada a algum tipo de tédio? De insatisfação impossível de satisfazer?

“Então, o que é que nos pode ainda perturbar? (...) Podemos porventura chamar tédio a isto. (...) Se uma civilização inteira for atingida pelo tédio, esta pode tornar-se uma coisa efectivamente séria (...). Se, obtido tudo o que razoavelmente se pode desejar, as pessoas ainda estão insatisfeitas e se todo o mundo partilha do mesmo sentimento de insatisfação, pode desencadear-se o recurso a coisas menos razoáveis.

Estamos todos de acordo num ponto, a saber: a violência é o único e verdadeiro passatempo (WEIL, E).” Os missionários do desenvolvimento deram-nos o que prometeram. Porquê esta insatisfação? Parece que nada nos preenche. Entediados, não encontramos uma vida que nos satisfaça. O tédio pode engendrar diversas espécies de violência: contra si, contra o outro e/ ou violência desinteressada que se espalha cada vez mais. E não há diploma que nos salve, já que não se pode instruir ninguém no uso da liberdade. Eu não sei para onde vamos. Sei que isto não vai acabar bem. Não é possível viver em comunidade sem o respeito pela universalidade dos direitos, dos deveres e valores. Sei que não é normal, no século da pós-verdade litigada em rede, que a responsabilidade da ação e do discurso só seja conseguida pelo castigo do tribunal dos homens. Entre o que pode ou não ser dito há uma foice sempre pronta a cortar em riste. Digas o que disseres.

Liliana Rodrigues - Professora Universitária.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Artigo fora da caixa

 

Por
09 Janeiro 2023

Vaticino um 2023 muito crítico na governação. Há dinheiro e a sua aplicação coerente exige decisões disruptivas. Estes meses de governação apontavam numa outra linha e não a rotina de substituição de pedras apenas.



No período do Natal e Ano Novo deparei-me com um artigo curioso, onde se dizia (tradução livre) “a maioria das coisas, que pensamos que sabemos, são construídas sobre uma longa cadeia de confiança”. O seu conteúdo, aparentemente tão natural, fez-me resvalar para a política nacional em que estão a suceder acontecimentos irresponsáveis em catadupa onde as quebras da cadeia de confiança são a raiz do problema.

1. O autor Patrick Carroll inicia o artigo ficcionando um diálogo com uma pessoa que idealiza nunca ter estado na Austrália e, desafia-a com uma pergunta bem simples: como sabe que aquele país existe?

E continuando com respostas ficcionadas que vão fluindo naturalmente: “eu sei porque o professor de geografia da minha escola primária me disse isso”; “eu sei porque um amigo meu esteve lá e pode testemunhar a sua existência”; “eu sei porque consultei um atlas e o país estava lá”; eu sei que os editores do atlas consultaram “especialistas” na matéria; eu sei …

Tudo, fontes muito confiáveis, mas a pessoa ficcionada não sabe se, de facto, sabe porque nunca verificou. Acredita piamente na sua existência pela absoluta confiança nas fontes (o professor primário, o amigo, a inscrição no atlas, os especialistas…). Em síntese, a confiança é o cerne do “conhecimento” que a pessoa tem sobre o tema (a existência da Austrália).

O artigo vai mais longe. O autor liga confiança e autoridade, ou seja, na pessoa em que confiamos, reconhecemos também autoridade na matéria. E, assim, as coisas que pensamos que sabemos têm implícito o reconhecimento da autoridade de pessoas em que confiamos.

Patrick Carrol alerta não haver mal nenhum em confiar, mas é sempre bom vacinar-se contra a confiança fácil (e acrescento também o convencimento pouco fundado) e como medida de precaução aponta a cultura da “citação necessária”, ou por outras palavras, munir-se de uma cultura em que se exijam provas, em particular, nas ideias mais controversas.

O problema, diz o autor, é que as pessoas tendem a defender ideias de forma dogmática com argumentos de “todo o mundo sabe que é verdadeiro” ou “os peritos estão de acordo que é verdadeiro”.

A realidade é bem mais complexa. Hoje pululam as fake news e/ou as pessoas podem estar numa predisposição de facilmente se deixarem convencer. E o artigo termina: “Confie nas autoridades, se desejar, mas tenha cuidado para não confundir confiança com conhecimento”.

Para onde vão os acontecimentos…

2. Os acontecimentos recentes que se têm desenrolado na sociedade portuguesa, ou sendo mais incisivo, a vida turbulenta latente no seio do governo tem vindo a denegrir alguns mitos há muito tempo desenhados e reconhecidos. A grande habilidade política de António Costa tão acolhida por muitos analistas está, no mínimo, a estremecer no interior do PS e do Governo.

Neste segundo caso, é bem pior pois nesta dimensão emperra o evoluir do País. A governação e a decisão de medidas de política urgentes estão bem paralisadas, com valores de realização, por exemplo nos fundos estruturais, que causam calafrios, para já não referir projectos de fundo que se arrastam por tempo indeterminado.

E há muito “dinheiro”. O país dispõe de grossas disponibilidades financeiras. Não se pode invocar esta razão para tanta paralisação. Infelizmente, a incapacidade, a descoordenação governamental aos vários níveis estão a atrasar o lançamento de oportunidades de mudança no País.

Já li e ouvi muito na comunicação social sobre este desconcerto governamental. Eventualmente, não acrescentando nada de novo, deixo algumas ideias polémicas.

Defeitos do “produto” Governo

3. Esta equipa de governo tinha e continua com uma orgânica e uma hierarquia mal gizadas. A colocação de pedras em funções de topo (coordenação), a que não é reconhecida experiência política competente, provou uma grande ineficácia de funcionamento. O lastro de experiência, sobretudo de natureza política, que era evidente existir em algumas das peças componentes do Governo, não fazia sentido serem “comandadas” por outras sem calo.

Não está em causa o valor de cada uma, mas o exercício da função para que foi designada. Quer se aceite ou não é um problema humano. Difícil reportar-se a pessoas em que não se reconhece valor acrescentado para a nossa missão. Para além de peças mal colocadas na hierarquia, ainda há as que continuam no “novo” Governo e nunca o deveriam ter integrado por falta de qualidade mínima ou outros antecedentes óbvios.

Depois, meter no mesmo saco os potenciais candidatos a sucessores de Costa, reais ou fabricados, com boas intenções, claro, dificilmente levaria a bom porto, tanto mais sob uma coordenação menos própria. Esta questão poderá ficar agora, de certo modo aliviada, com a saída de Pedro Nuno Santos que, apesar de tudo, deixa obra pelo menos alinhavada, embora se esperasse um melhor desempenho.

Outro ponto determinante. Os ministros e secretários não são todos génios e mesmo que fossem necessitariam de gente bem rodada e conhecedora dos dossiers. A minha impressão é que tem havido forte descapitalização de recursos humanos no aparelho de Estado e os dirigentes deparam-se com dificuldades em criar equipas de apoio internas capazes e não é com assessores de gabinete que as questões técnicas se equacionam devidamente.

António Costa desbaratou uma oportunidade de agilizar a governação

4. O primeiro-ministro perdeu a oportunidade de segurar o barco, mudando de rumo. Faltou-lhe arrojo e o País entra em perda. Vaticino um 2023 muito crítico na governação. Há dinheiro e a sua aplicação coerente exige decisões disruptivas. Estes meses de governação apontavam numa outra linha e não a rotina de substituição de pedras apenas.

Uma nova orgânica, uma adequação de nomes a essa orgânica mais funcional, mais curta e bem coordenada e o recrutamento de Secretários de Estado, na qualidade de responsáveis de Missão, na linha preconizada por Mariana Mazzucato para a governação das políticas públicas.

Porque não inovar na criação de Ministérios com funções de Missão?

Um exemplo entre outros. Porque não um Ministério de Gestão de Fundos, interligando tudo o que é financiamento do desenvolvimento económico, alicerçado numa componente forte de estratégia para o desenvolvimento?

Uma ideia deste teor faria desaparecer ministérios. Sem dúvida a economia, a agricultura, a captação de funções às finanças, retirando-lhe o peso esmagador que detém na orgânica dos Governos que só emperra, uma articulação maior com os negócios estrangeiros onde a componente internacionalização da economia deveria ter um peso preponderante, etc.

Uma nova orgânica nesta linha faria cair várias das pedras que continuaram à cabeça de ministérios e francamente penso não terem lugar nesta velha orgânica e menos ainda numa nova de verdadeiro ataque às mudanças que o País necessita.

Os mitos continuam no limbo ou a baloiçar e o problema é aguardar o grau de resistência à turbulência. Os remendos foram cozidos, mas os buracos lá continuam. E como não se foi ao fundo do problema, o vulcão semiadormecido pode a qualquer altura lançar lava muito mais mortífera. A rotina imperou contra o arrojo. Um País é muito mais que a política, sem dúvida. Mas uma política séria e responsável enobrece e enriquece o País.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Um espanhol na liderança da selecção nacional de futebol


Por norma não opino sobre o futebol profissional. Abro uma excepção porque está em causa a selecção nacional. Pode ter sido uma escolha acertada, o futuro o dirá, mas não me parece aceitável. Portugal tem tantos treinadores com formação académica e que trabalham dentro e fora do país no quadro de uma reconhecida excelência. 



Porém, precisámos de ir recrutar a Espanha um líder para a selecção nacional.Não conheço o processo de recrutamento, os contactos estabelecidos, quem disse não aos eventuais convites, todavia, porque existem duas reconhecidíssimas escolas de formação, concretamente a Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa) e a Faculdade de Ciências do Desporto (Porto) de onde saíram figuras, hoje, de enorme prestígio, custa-me aceitar a necessidade de ir a Espanha recrutar quando temos do melhor cá dentro.

Enfim, penso assim, em estado distante e de pureza, porque não domino os meandros dos interesses de quem "vende e compra treinadores", tampouco domino "o cheiro do balneário". Acredito na formação académica, no permanente estudo e na competência. Aliás, disse o treinador escolhido que não acredita "em sistemas" (...) acredita, sim, "nos jogadores, no ser humano e no talento". Mais, que "gostaria de ter um assistente português, que tenha sido jogador da seleção e tenha carreira internacional". Portanto, parece-me que o estudo vale pouco e que, por outro lado, existem valores em Portugal!

De facto, cada vez mais, o futebol não tem pátria!

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 7 de janeiro de 2023

Ai os telhados de vidro...

 

A propósito de uma série de desagradáveis e quase inexplicáveis situações que conduziram à demissão de alguns governantes na república, o presidente do governo regional da Madeira assumiu, no decorrer de uma visita ao campo de golfe do Santo da Serra: "(...) Muito tempo no poder (...) perdem a noção da realidade. É o que está a acontecer". 



Não deixam de ser politicamente curiosas as declarações proferidas. Imagine-se um partido com 47 anos de poder ininterrupto comparado com um outro de participação intermitente e que apenas ocupa a liderança do país nos últimos sete anos. São quase sete vezes mais, se considerarmos a permanência ininterrupta! Imagine-se, pois, as ligações "(...) a amigos e parentes" ao longo de quase meio século consecutivo! Parece-me óbvio que, ao contrário do país continental, onde a liberdade na comunicação social conduz a que os portugueses tenham conhecimento de situações absolutamente criticáveis, por aqui, na Madeira, se outras fossem as possibilidades em esmiuçar o que se se esconde por detrás da cortina, proporcionalmente, porventura descobrir-se-iam sete vezes mais os podrezitos da governação. 

Mas isso é, para já, impossível. A teia foi urdida durante muitos anos, a malha é, por um lado, extremamente larga o que possibilita fugas imensas ao escrutínio; por outro, as interdependências familiares e muitas outras são tão significativas que ninguém, para além de umas tentativas na Assembleia Legislativa, se atreve a dizer "alto e parem o baile". Porque há medo na população em geral. Há ausência de sentido crítico. Há iliteracia política e há pobreza. E se é empresário pior, ainda, convém manter a serenidade. Neste quadro, é óbvio que não há necessidade de mudar seja lá quem for (até por incompetência), não podem existir escândalos, para mais quando é sabido que uma hipotética denúncia é logo silenciada. Daí o desaforo de quem julga que não tem telhados de vidro.

Não sei até quando os muitos silêncios perdurarão. Se olharmos para a História talvez haja esperança, uma vez que são cíclicas as revoluções. Quando uma delas acontecer será caso para assumir que "(...) por muito tempo no poder (...) perderam a noção da realidade". 

Ilustração: Google Imagens.   

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Tempos de castração


Acentua-se em mim uma relação de amor, não sei se este será o termo apropriado, mas também de ira contida relativamente à comunicação social. De profundo sentimento afectivo quando a comparo com tempos idos de repressão e total controlo; de acentuada mágoa, quando o que nos é oferecido, tantas vezes, na compaginação dos dados e dos contextos, vem envolto em posições não condizentes com a honestidade. É evidente que não peço a verdade a um jornalista ou comentador. Peço, apenas, que sejam honestos com a sua verdade. É isso que, genericamente, não vislumbro. No dia-a-dia prevalecem a oportunidade, a "costela política" e aquilo que designo por filão de exploração até ao tutano!



De facto não podemos exigir a verdade. Quanto muito a honestidade de quem escreve ou comunica através de um qualquer meio. Porque ela, a verdade, é múltipla. Existem verdades. Dependem da cultura geral, dos princípios e valores de cada um, da leitura sobre o que se passa debaixo dos olhos dos actores/observadores, do que aculturaram ao longo da vida, das crenças, convicções, audiências e também, factor que não pode ser descurado, da submissão aos interesses patronais e dos grupos políticos, económicos, financeiros, até, religiosos, enfim, de quem os remunera, claro. 

Directa ou indirectamente os "donos" acabam, com subtileza, por cercear, secar e controlar. Torna-se, portanto, complexo exigir a verdade. São múltiplas as variáveis comunicacionais. Contentar-me-ia, por isso, da parte de quem informa, comunica e sobretudo de quem comenta que justifique a sua razão. E isso raramente fazem. Eu diria que importante deveria ser o porquê e não propriamente o quê! De resto, é uma balela admitir que o jornalista ou o comentador só diz a verdade, que um e outro são neutros. Não, eles são pessoas, são homens e mulheres que podem amar mais a mentira que a verdade!


Entendo que factualidade e actualidade deveriam constituir as características essenciais do processo informativo e comunicacional, desde o quadro estrito da informação jornalística até ao comentário. Mas isso implica agentes que valham do ponto de vista cultural, científico, ético, do rigor e independência. Na conjugação destes pilares poderia esperar-se por uma relação de confiança entre o produtor e o consumidor. Não é isso que está a acontecer. Há muita espuma. Nos grandes centros assiste-se ao confronto ideológico que bastas vezes nem ideológico é. Quanto muito é de oportunidade. Ainda são possíveis alguns trabalhos de investigação que nos esclarecem e nos fazem completar o puzzle do conhecimento; nos pequenos centros, ao domínio do pensamento castrador dos senhores que estão no vértice da pirâmide. Talvez, por isso, transpareça que tudo seja admitido como normal, quase tudo seja repetidamente tratado pela rama, pois escarafunchar os meandros da podridão política, social, económica e financeira, está quieto, porque, em última análise, lá em casa existem bocas para alimentar. Prevalecem os assuntos de reduzido interesse público, as páginas do desporto, a dos casos do dia e as da necrologia. E é assim porque, por um lado, o dinheiro é demolidor, por outro, todos vivem com o espartilho e com o medo do dia seguinte. Nada de ondas...

Ilustração: Google Imagens.