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domingo, 23 de outubro de 2022

Com tanto lugar para "obrar", tem de ser logo ali, no Largo do Município!


"Não deve ter havido, na Região, uma única obra pública que não tenha tido alguma contestação", assumiu o Senhor presidente da Câmara do Funchal, a propósito de um parque de estacionamento a construir no emblemático Largo do Município (Colégio). Quando li esta declaração lembrei-me de um debate na Assembleia Legislativa da Madeira, no decorrer do qual um político repetiu vezes sem conta a "obra feita" e, naturalmente, as obras a realizar. A páginas tantas, um deputado olhou o embevecido político e, sarcasticamente, disse-lhe: "vossa excelência muito obra"!



Assinei a petição que se manifesta contra, mas, presumo que pouco adiantará. Veremos. A não ser que muitos milhares tomem consciência do erro. Simplesmente porque há gente que "obra" por todo o lado, pouco se ralando, por um lado, com as prioridades, por outro, com a douta opinião de outros, sobretudo com os defensores do património e os geólogos. Eles conjugam o verbo esventrar em todos os tempos e modos, porque o que interessa é "obrar" e inaugurar a "obra" que fizeram!

Que interesse terá a opinião de tantos que, aos longo de anos, tentaram chamar a atenção para a necessidade de libertar a cidade do número excessivo de veículos, de criar ciclovias no quadro de novos hábitos a aprender, do efeito dos gazes na saúde (qualidade ambiental), no pressuposto, até, como sublinhou o Engenheiro Geólogo João Baptista, que "a natureza reage às perturbações de cariz humano, como a construção indiscriminada (...)" que não tenha em conta as posteriores vulnerabilidades. Pelo que sei, pois tive o cuidado de escutar quem sabe, há erros perpetrados na baixa que, um dia, podem tornar-se visíveis e incontornáveis.

Ora bem, que personalidades portadoras de conhecimento científico foram escutadas para que o senhor presidente da Câmara do Funchal decida ali "obrar"? Admito a existência de pessoas que gostem muito de automóveis, sobretudo do roncar e do cheiro a combustível, mas o bem comum e a sustentabilidade da cidade deve situar-se muito acima dos interesses pessoais. Mas é assim, não são, por exemplo, os edifícios que devem recuar, mas as ciclovias que devem desaparecer; não são os automóveis que devem estacionar nos "park & ride" periféricos, mas a defesa da sua circulação até junto das máquinas registadoras das empresas.

"Obras públicas, alvo de contestação"? Ainda bem. Lá se foi o tempo do come e cala-te. A Democracia veio possibilitar a divulgação de outros pontos de vista e de chamadas de atenção. No caso em apreço, julgo que um presidente de uma câmara, tendo consciência que ali não é lugar para "obrar", deve recuar, eu diria encolher-se, seguindo a voz dos cidadãos. "Obre" noutros sítios. De resto, maioria absoluta não significa poder absoluto.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A Teoria da Relatividade de Albert Einstein - De Newton (1643-1727) a Einstein, (1879-1955) uma nova visão do mundo e do Universo


Um texto 
do Engenheiro Arlindo Oliveira

Da Lei da Gravitação Universal à Lei da Relatividade Geral.


A partir do fim século XIX, princípio do século passado, até ao presente, fomos confrontados pela prodigiosa imaginação e inteligência, do grande cientista, Albert Einstein, que nem o ribombar causado, pela primeira guerra mundial, o deteve! Albert Einstein, nascido nos fins do século XIX, (1879) veio a revelar-se um génio, apesar de na escola, alguns dos seus professores, não lhe alvitrarem, grande futuro na vida, já que, não se revelou tradicionalmente, um aluno normal, aliás, como a muitos de nós, muitas vezes incompreendidos, ouvimos, em versão semelhante, maus augúrios, da parte de alguns dos nossos professores, poucos felizmente, especialmente no ensino secundário. Felizmente, a realidade concreta, entretanto, os desmentiu, ainda em suas próprias vidas. Aos alunos de então, era-lhes negada a possibilidade de fugirem ao normal distanciamento professores - alunos, hoje mais esbatido, se não completamente alterado, negando à época, aos alunos algum à- vontade e natural perspicácia, na forma de colocar e resolver os problemas, inovando porventura, aquilo que era considerado tabu, para alguns professores, mais conservadores.


Fim do Renascimento


Assim, com o fim do Renascimento, na Europa, (séc. XIV a séc. XVI) e suas transformações daí resultantes, nas artes, na cultura, na sociedade, na economia e na religião e ainda com a transição do feudalismo para o capitalismo, o mundo científico mudou e passa a ser outro, com Copérnico, Kepler e Galileu, atingindo o seu auge com Isaac Newton, (1643 - 1727), que se revelou um génio. No entanto, depararam todos eles, com grandes e difíceis dificuldades, num campo minado, por diversos poderes

conservadores e reacionários, incluindo a Religião Católica, na frente, com os seus dogmas e crenças, já então anacrónicos, apesar da época e que se oponham ao avanço da ciência e de outras formas diferentes de encarar o mundo.

Mileto – Grécia Clássica


No entanto, cerca de 600 a.C., na Grécia, em Mileto, na Jónia, hoje território Turco, nas margens do Mar Egeu, vários filósofos, entre eles, Demócrito, Leucipo (atomistas) e Anaximandro, (astrónomo) e outros, já haviam disseminado a ideia de que tudo no mundo consistia em átomos invisíveis e indestrutíveis e que tudo, na natureza, poderia ser descrito, pela matemática das vibrações. Anaximandro, (610-546 a.C.) não acreditava, que a Terra fosse plana, assente em pilares, como até então se dizia, contrapondo que a Terra era, sim, uma bola, que voava no espaço sideral, porque nunca poderia ser plana, pois as estrelas eram novamente, observadas no horizonte, todas as noites seguintes! Como dariam a volta, passando debaixo da Terra, para novamente aparecerem lá, no horizonte, interrogava-se? Anaximandro era brilhante, no seu pensamento! Talvez o precursor do conhecimento científico, segundo o cientista Carlo Rovelli. O colapso da civilização clássica, especialmente o período clássico (500-338 a.c.) com a destruição de Mileto, Cidade Estado, grega, centro de grande cultura, pôs termo ao percurso dos ensinamentos desta escola, onde vivia o cidadão Talles de Mileto, fundador da ciência, um dos sete sábios da Grécia e o mais famoso cidadão desta cidade. Ali, além da Matemática, da Arquitetura e do Urbanismo, dedicavam-se também à Astronomia, no sentido de uma melhor compreensão do Universo. Com a decadência da cultura grega, com as guerras persas e não só, abriu-se um capítulo tenebroso da história da Grécia e da humanidade em geral, onde se assiste ao incremento da superstição, da magia e da feitiçaria, com atrasos na ciência, que só cerca de 1 500 anos mais tarde, sofreu maior incremento, retomando-se o estudo da Astronomia, com o polaco, Nicolau Copérnico, (1473-1543) com a teoria heliocêntrica, ocupando o Sol e não a Terra o Centro do Universo, abrindo caminho a novos cientistas, a Galileu, a Kepler e a Newton, todos eles perseguidos ou censurados, pela Igreja, que considerava ser a Terra e o homem o centro do Universo, visto que segundo a Igreja, fundamentada nas Escrituras, o homem teria sido criado à imagem e semelhança de Deus.

A Ciência amordaçada


Johannes Kepler, alemão, Astrónomo e Matemático, autor das conhecidas leis de Kepler, sobre o movimento dos corpos, acusado de heresia, pela Igreja, livrou-se da condenação à morte, por interferência do seu amigo, imperador Rudolfo II, do Sacro Império Romano Germânico, (1575-1612). Da mesma sorte não usufruiu, o monge Giordano Bruno, que amordaçado foi obrigado a desfilar nu, pelas ruas de Roma e depois queimado vivo, (17/02/1600) num espetáculo dantesco, no centro da Praça das Flores (Campo dei Fiori). O seu crime consistiu, em colocar a hipótese de existir vida, em outros planetas. Melhor destino sofreu Galileu Galilei, com prisão domiciliária, depois de renegar, que a terra girasse em volta do Sol, tal como estava convicto. No ano em que morre Galileu, nasce Isaac Newton, (1643) que veio a revelar-se o maior cientista doado à humanidade e talvez pudesse desenvolver o seu pensamento científico, devido ao incremento da Reforma imprimida por Lutero, sendo subtraído às perseguições da Santa Inquisição.

O devir do Iluminismo


Com Newton, matemático, físico e astrónomo britânico, presidente da Royal Society e professor lucasiano (nome dado à cátedra de Matemática na Universidade de Cambridge), autor da Lei da Gravitação Universal, associada às Leis do Movimento, constituem uma das maiores proezas da mente humana e acredita-se, na altura, ter-se chegado à teoria final, à teoria de tudo, tal como chegou a considerar-se recentemente, pelo pensamento de Stephen Hawking e outros. Newton embora sendo um devoto religioso, odiava a Igreja, a quem apelidava de anticristo e de meretriz da Babilónia.

Nesta altura, já a Terra “voava”, como sempre voou, em volta do Sol, “atraída” segundo Newton pelo Astro Rei, a mais de 100.000 kms/hora, suspensa ainda, no éter luminístico, éter que se acreditava compor o Espaço Sideral, simétrico e esférico, onde se movimentavam os corpos celestes, cuja mecânica dos movimentos, era a mesma, que regulava o movimento dos corpos na Terra, constatando-se que a física celeste e a terreste era a mesma. Já a velocidade de rotação da Terra é de cerca de 1 700kms/hora, no Paralelo Máximo, o Equador. O Espaço e o Tempo, eram para Newton entidades absolutas, realmente existentes, tal como a sentíamos e por consequência, segundo ele, todos os objetos moviam-se, em relação a um referencial absoluto. O Espaço era simétrico e imóvel, totalmente em repouso, bem como vazio e inerte, ou seja, um Espaço tridimensional, onde se desenrolavam todos os eventos e o tempo fluía sem qualquer relação com o que quer que fosse.

O Determinismo


Para Newton, sabendo, a velocidade de um objeto e a sua posição, (função de onda - mais tarde), saberemos o seu passado e o seu futuro, (determinismo) de tal forma que sabendo um e outro, sabe-se a sua órbita. Imagina, mesmo, que se conseguisse lançar qualquer corpo, para o espaço, para fora da Terra, com uma velocidade que vença a velocidade de escape (velocidade que vença a gravidade da Terra) consegue-se que esse mesmo corpo entre em órbita, em volta da Terra, preanunciando deste modo, o que veio a ser o futuro, cerca de 300 anos mais tarde, com o desenvolvimento dos satélites e das naves espaciais, tudo com base na sua Lei da Gravitação Universal. Ainda em vida de Newton, foi observado um cometa, rasgando os céus de então, (1682) com a sua cauda caraterística e tal evento, chamou a atenção do astrónomo Edmond Halley, que curioso, contactou Newton. Newton já o observava e estudava, através do seu telescópio, descrevendo a sua elipse em torno do Sol, prevendo a sua trajetória, até aos confins do sistema solar e do Universo, com base na sua teoria da gravidade e das leis do movimento dos corpos. Em nossas vidas, em 1986, foi-nos dado observar nova passagem do Cometa Halley, cometa que segundo alguns cientistas e historiadores, poderá estar na origem da lenda, que se atribui à Estrela, que guiou os Reis Magos, para a Gruta de Belém.

A Máquina a Vapor e suas consequências


Sim, a partir de Newton o mundo foi novamente outro, já que a aplicação das suas equações da gravidade e do movimento, alteraram o rumo da civilização moderna, para novo paradigma de desenvolvimento, nunca antes visto, tal como será outro a partir de Albert Einstein, que viria 2 séculos depois, a “destronar” Newton e a sua teoria da gravitação, mas sempre “subindo às costas” dos cientistas que o precederam, vislumbrando, cada vez mais longe. A ciência pula e avança, apesar de todas as contradições e com ela o mundo é imparável. Com as equações de Newton e suas consequências, surge a máquina a vapor, (século XVIII) que com a descoberta da eletricidade e do eletromagnetismo, (século XIX) comas leis de Maxwell, o “mundo pula e avança” sem precedentes, até ao século XX, onde nova aurora promissora, renasce para a humanidade, pese embora as terríveis guerras, especialmente na Europa, que sempre a fustigaram, agora com novos aperfeiçoamentos de morte. Alguns, previram o fim da ciência, tal era a prosperidade económica, em relação ao passado, com as descobertas em catadupa, e uma teoria “de tudo” milagrosa, era oferecida à humanidade.

Albert Einstein e a Relatividade Restrita


Em fins do século XIX, nasce na Alemanha, Albert Einstein, ou melhor em 1879, ano em que Maxwell morreu, o homem do eletromagnetismo e da velocidade constante da luz, cerca de 300.000 kms/segundo, demonstrada por Maxwell.

Einstein era ousado, em inteligência e imaginação e ousado nas interrogações constantes, que fazia a si próprio, nunca se dando por satisfeito, com as respostas encontradas, princípio do espírito científico. Desde muito cedo se interrogou, se seria possível viajar mais depressa, que um raio de luz. Nesse raciocínio pensou que se conseguisse andar à velocidade do raio de luz, o raio de luz, em relação a si, estaria parado. Óbvio! Pensou, tal como Newton pensaria, 2 séculos e tal atrás, com o movimento dos corpos, uns em relação aos outros. Sobre este assunto, Einstein, levou vários anos a refletir e a estudar as equações de Maxwell, do eletromagnetismo, interrogando-se o que aconteceria às equações de

Maxwell, ao viajar à velocidade da luz e raciocinou de acordo com a mecânica newtoniana, somando ou diminuindo velocidades, isto é, se um raio de luz viajar num comboio, à velocidade da luz acrescia a velocidade do comboio, para um observador imóvel, fora do comboio. Tal como se eu andasse dentro do comboio no mesmo sentido a minha velocidade seria a somar à velocidade do trem, caso contrário seria a diminuir. Mecânica Newtoniana pura. Certo? Vamos ver.

Na sua constante reflexão, sobre a pergunta, a si próprio, se seria possível viajar mais depressa que a luz, encontrou a chave da sua teoria da Relatividade Restrita ou Especial. Se alguém viajar a par de um raio de luz, este devia parecer estático e, no entanto, descobriu, que o raio não estava parado, mas continuava a mover-se, à mesma velocidade! Espantoso! Pelas equações de Maxwell, seria impossível apanhar a luz,pois a luz continuava à mesma velocidade independente da velocidade do observador. Quem estaria correto? Maxwell ou Newton? Quem estaria errado? Ou os dois não teriam razão! Descreve Einstein, que numa viagem, de comboio em Berna, na Suíça, algo de surpreendente aconteceu-lhe, como se o seu espírito fosse atingido por um relâmpago, em noite de trovoada e em face disso “uma tempestade libertou-se da sua mente”. Concluiu, que a velocidade da luz sendo medida “por relógios e fitas métricas” e sendo a velocidade da luz constante, independente da velocidade a que nos desloquemos, o espaço e o tempo, deveriam ser os responsáveis de tal evento. Algo deveria acontecer no espaço e no tempo, para que a velocidade da luz se mantivesse constante. Porque não a deformação do espaço/tempo? Idealizou, que viajando numa nave espacial, em grande velocidade, os eventuais relógios dentro da nave, marcariam menos tempo, isto é os ponteiros andavam mais devagar, do que os ponteiros dos relógios, fora da nave, na Terra. (ver no Google: As Equações de Maxwell e a velocidade da luz, especialmente a página, Dilatação do Tempo e contração do Espaço – a experiência levada a cabo). Desta forma as horas num dado momento estavam dependentes da velocidade que nos deslocássemos e se alguém na Terra, nos pudesse observar, no interior da nave, veria que nos movimentávamos em câmara lenta e mais lenta, quanto maior fosse a velocidade e mais próxima da velocidade da Luz. Espantosa, esta sua descoberta, devido a Maxwell e às suas equações do eletromagnetismo.

Claro, tudo isto, hoje, está mais que provado, até à exaustão. Descobriu também, que tudo na nave ficaria cada vez mais pesado, tudo mais comprimido, sem que os viajantes se apercebessem e se o espaço e o tempo podiam variar, então tudo aquilo que se pode medir deve variar também, incluindo matéria e energia e se a matéria aumentava com a velocidade, era porque a energia do movimento se transformava em massa. Desta forma, temos a fórmula, que nos parece mágica, a energia é igual à massa vezes o quadrado da velocidade da luz, E = mc², sendo c a velocidade da luz. Eis, chegada à Teoria da Relatividade Restrita, ou Relatividade Especial.

E = mc² - Brilhante, esta equação, tão pequena e tão poderosa, que veio responder a uma das perguntas, que mais preocupavam os cientistas. Porquê, brilha o Sol? Eis a resposta - porque ao se comprimirem os átomos de hidrogénio, (fusão) no Sol, parte da sua massa é transformada em hélio e em energia libertada, a energia que nos ilumina e nos aquece o suficiente e permite a vida na Terra. Infelizmente, nem tudo foram rosas para a humanidade, com a energia daí conseguida, já que a “moeda” teria outra face, bem tenebrosa e que nos traz a todos angustiados, tal é o poderio nuclear armazenado e de cujo controlo eficaz está a humanidade dependente.

Apesar destas descobertas, que iluminaram a ciência e a humanidade, Einstein não se encontrava satisfeito. A sua equação manifestava uma lacuna que o angustiava, porque a Gravidade e a Aceleração estavam ausentes da mesma. Sim, o espaço, o tempo, a matéria e a energia faziam agora parte de uma simetria a quatro dimensões, mais vasta, x, y, z e Espaço/Tempo, mas sem vislumbrar a ação da gravidade e dos movimentos acelerados e como consequência designou a sua teoria de Relatividade Restrita e Especial, embora a sua ambição fosse generalizá-la, incluindo a gravidade e os movimentos acelerados.

Tornou-se evidente, que a teoria da gravidade de Newton e a teoria da Relatividade de Einstein, não eram compatíveis, já que o “segredo” da gravidade estava por descobrir, uma vez que a famosa equação da gravidade de Newton, não mencionava a velocidade da luz, isto é, para Newton, se o Sol se apagasse, de imediato ficaríamos às escuras e para Einstein, teríamos ainda, 8 minutos e piques de luz, o tempo que a luz leva a viajar entre o Sol e a Terra, sendo a velocidade da luz, de trezentos mil quilómetros por segundo, (300.000 kms/s) Espantoso!

Einstein e a Relatividade Geral


As dificuldades, entre a Relatividade e a Gravidade de Newton, eram mais que óbvias e como tal um cientista, seu amigo, físico alemão, de mais idade do que Einstein, Max Planck, alertou-o para tal dificuldade, combinar a sua teoria da Relatividade com a gravidade. No entanto, Einstein não era de desistir facilmente dos seus intentos, sendo um grande resistente, quando se debruçava sobre um novo assunto. Levou anos a refletir sobre o mesmo, até que um dia novamente uma luz se acende na sua mente, quando “ao inclinar a sua cadeira para trás”, ficou com a sensação, que quase caía e aí percebeu que se tivesse caído, não pesaria nada, tal como Galileu (1564-1642) já havia previsto, muitos anos antes, que se uma pessoa caísse de um edifício, ficaria sem peso, durante a queda.

Igualdade entre Massa Inercial e Massa gravitacional


Galileu Galilei, na sua época, em vida, nunca daí tirou conclusões, mas coube a Einstein muitos anos, mais tarde, explorar esse segredo da gravidade, previsto pelo seu antecessor. Com isto, não quis concluir, que a gravidade desaparecesse do espaço, já que ela existe em toda à parte do Universo, incluindo como é óbvio, em todo o sistema solar, pois ao vermos os astronautas, sem peso, suspensos no interior das naves ou fora delas, tal não prova a falta de gravidade, mas sim que a nave e o astronauta estão a cair à mesma velocidade. Se um elevador cai, connosco no seu interior, o mesmo nos acontece, ficamos desprovidos de peso. Afinal, porque ficamos desprovidos de peso, dando-nos a ilusão de ausência de gravidade?

Mais alguns exemplos poderiam ser descritos, entre eles o do carrocel, que ao adquirir velocidade, a sua orla, muito mais veloz, do que o seu interior, vai-se contraindo de tal forma que o seu chão passa a ficar ondulado, deformado ou distorcido, quando a velocidade se aproxima à da luz, não podendo por isso alguém andar em linha reta sobre a sua plataforma em movimento, notando que uma força o projeta para fora, embora, ninguém, no exterior se dê conta dessa força, dando-se conta no entanto da curvatura no chão da plataforma. Para Einstein a força centrífuga é equivalente à gravidade, com a igualdade entre massa inercial e massa gravitacional e uma conexão íntima entre inércia e gravidade, ou seja uma força fictícia criada por estar num corpo em aceleração – melhor dizendo, a aceleração de um corpo é idêntica ao efeito da gravidade noutro, o que se deve ao facto do espaço ser curvo, tal como é curva a roleta para onde o croupier atira a bolinha, que continua o seu movimento em redor da mesma, sendo obrigada a seguir o percurso lá existente, respeitando a sua geometria.

A Gravidade não é uma Força, mas uma propriedade Geométrica do Espaço/Tempo: Transpondo para o sistema solar esta nossa experiência, com o carrocel, ficamos com a ilusão de que o Sol, exerce uma força de atração sobre a Terra, a força da gravidade de Newton, embora também para o exterior do sistema solar não fosse visível nenhuma força. Veriam, no entanto, que o espaço em volta da Terra se curvou, de modo que o espaço vazio está a empurrar a Terra, para que ela possa girar em volta do sol. Resultado, a atração gravitacional é uma ilusão, não existe, tal como não existe a força da gravidade, que não passa senão de uma propriedade geométrica do espaço/tempo, por sua deformação em presença da matéria e da energia.

Várias experiências já demonstraram que Einstein estava certo quanto à sua teoria da Relatividade Geral, muito mais poderosa do que a Relatividade Especial, pois descreve a gravidade, que afeta todas as coisas no espaço-tempo, entre elas o avanço do periélio (ponto da órbita mais próximo do Sol) na órbita do planeta Mercúrio, (o planeta mais próximo do Sol) não explicado pela lei da Gravitação Universal, de Newton.

As equações da gravidade de Einstein, foram também provadas nas experiências levadas a cabo, na ilha do Príncipe, em S. Tomé e ao mesmo tempo na Roça do Sobral, no Brasil, aquando da eclipse total do Sol, em 1919, ficando demonstrado a deflexão (curvatura) dos raios de luz vindos das estrelas, ao se aproximarem do Sol, até nós, estrelas essas, na realidade escondidas, atrás do Astro Rei, mas que, no entanto, puderam ser observadas claramente no céu escuro, provocado pela eclipse solar. Os raios solares foram também obrigados a seguirem a curvatura existente no Espaço/tempo, sendo maior essa curvatura dos raios solares, a caminho da Terra, junto ao Sol, com a maior presença de matéria e de energia. Mais tarde e já depois de Einstein, 5 anos após a sua morte, em 1960 foi possível provar a mudança de frequência da luz por influência do campo gravitacional da Terra, com o deslocamento para o vermelho, com maior comprimento de onda e menor frequência.

Descobertas as Ondas Gravitacionais


A partir de 2017 outro grande avanço da ciência, deu novamente razão a Einstein, com a demonstração da existência das ondas gravitacionais, que já antes causavam perplexidade aos cientistas, sem que encontrassem razões plausíveis para o ruído de fundo há muito detetado, desde o século passado, sem descobrirem a sua origem. Assim, só neste século, (em 2017) foi possível provar que os ruídos antes detetados, que chegavam até nós, eram o resultado das ondas gravitacionais, ondulações na curvatura do Espaço-Tempo, vindas do espaço profundo, a partir da fonte do evento, para todo o Universo, à velocidade da luz, esticando ou encolhendo o tecido espacial, rígido e duro, em todos os sentidos, como previu Einstein, com a sua Teoria da Relatividade Geral.

Mensageiros do Espaço Profundo - Luz e ondas Gravitacionais Agora, presentemente, a humanidade é confrontada, não só com um mensageiro, vindo do espaço, a Luz, que nos tem fornecido informações úteis sobre o Universo, mas também com outro mensageiro, porventura ainda mais fidedigno, marcando o início de uma nova era na observação do Universo, sob a forma de ondas gravitacionais, emitidas pelas mais variadas fontes, sejam explosões de estrelas, de buracos negros ou mesmo fusão de 2 estrelas de neutrões, como aconteceu a 17 de Agosto de 2017, a cerca de 130 milhões de anos de luz da Terra.

Newton destronado por Einstein


A lei da Gravitação Universal de Newton revolucionou o mundo e a ciência a partir do século XVII e embora se possa aplicar no sistema Solar e suas vizinhanças, sem grande margem de erro, (o homem pisou a Lua e não só), acabou por ser destronada na sua essência, pela Teoria da Relatividade de Einstein. Para grandes massas superiores à nosso sistema solar, centenas ou milhares e milhares de vezes, os desvios aí, são enormes, sem que Newton os previsse matematicamente, no entanto sentia um certo desconforto, com as suas fórmulas. Aliás esses desvios já eram notados na Terra, especialmente tratando-se de coordenadas geográficas ou outras comunicações, havendo necessidade de cálculos de correção. Já atrás se referiu que a órbita de Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, sofre desvio real, embora pequeno, de 43 segundos de arco, em um século, sem que a lei de Gravitação Universal de Newton o justificasse, com o avanço do periélio, mas previsto e demonstrado cabalmente pelas equações de Einstein. Como se compreende o erro detetado de 43 segundos em um século, não casou grande mossa aos cientistas na conquista do Espaço, no sistema Solar, ao aplicarem as fórmulas de Newton, embora com as correções devidas. Einstein não se contentou com a ação (atração) fantasmagórica à distância entre as massas dos astros, tal como a visão de Isaac Newton, com a qual também, ele próprio, se sentia algo desconfortável, como atrás já referi.

A Relatividade Geral vê a resposta de uma massa à curvatura local do espaço e do tempo causada por outra massa ou campo de energia, ou melhor, as concentrações de massas ou de energia, provocam distorções/deformações, no espaço/tempo e são estas, que abrem esta espécie de autoestradas no espaço/tempo, nas quais se movimentam os corpos celestes, uns em relação aos outros, ou seja, que a Terra possa cumprir o seu movimento de translação, em volta do Sol, por exemplo, já que o de rotação nasceu com ela na sua formação, dando lugar aos dias e às noites.

Curvatura do Espaço/Tempo


A gravidade, com Einstein, acaba por não ser uma força, como concluiu Isaac Newton, mas sim uma propriedade geométrica, resultante da deformação/distorção do espaço/tempo, provocando assim um campo gravítico por todo o que é sítio no Universo, já que a matéria diz ao espaço, como se curvar e o espaço diz à matéria, como se movimentar “, como muito bem se expressou o físico teórico americano John A. Wheeler, (1911-2008).

Velocidade e Gravidade, alteram o Tempo/Espaço


A partir da teoria da Relatividade Geral também se conclui que o fluir do tempo, não só é influenciado pela velocidade, como atrás se viu, mas também influenciado pela gravidade, de tal modo que não há sítio algum, onde a hora seja a mesma, pois um relógio no fundo de um vale marcará, hora diferente de outro relógio colocado no cimo da montanha, mesmo que anteriormente acertados, um pelo outro.

O mesmo se poderá dizer de um relógio em cima de uma mesa e de outro abaixo, no chão. Existe hoje, equipamento eletrónico, ultrassensível, que prova esta realidade, esta evidência científica. Assim, não só a velocidade afeta a hora, mas também o local onde se encontra o relógio, conforme a maior ou menor gravidade local, resultante das deformações do espaço/tempo provocado pelas massas em presença, sejam os planetas ou outros objetos que nos rodeiem, perto ou longe. Desta forma o “agora” não existe em parte nenhuma, já que o agora daqui não é o agora em outro sítio qualquer.


Bibliografia consultada, mais importante:
Bertrand Russell, Carlos Sagan, Stephen Hawking, Michio Kaku, Cristophe Galfard,
Carlo Rovelli, Neil deGrasse Tyson, Richard Finnan, Brian Green, Steve Pinker, Amit
Goswami, Prof. Arlindo Oliveira (IST), Paulo Crawforf, etc, etc., bem como algumas das
Cadeiras da faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, entre elas a Física I e II,
a Física atómica, a Mecânica Racional e Química Geral.

PS: Peço desculpa pelas eventuais imprecisões, das quais não me apercebi, numa matéria tão complexa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Até a ventania anda traiçoeira na União Europeia


Por
16 Outubro 2022


O vento do Futuro, segundo estudos produzidos por especialistas, tende a tornar-se muito traiçoeiro, gerando uma situação complexa na exploração da energia eólica.



1. O vento anda arredio. Pretendem/pensam alguns países da Europa combater a crise climática muito pela aposta na energia do vento, e este a trocar-lhes as voltas!

No último ano, segundo o programa Copérnico da União Europeia (de recolha, tratamento e disponibilização de informação sobre o estado do tempo na Terra), o vento atingiu o pico mais baixo e irregular dos últimos 40 anos, nomeadamente em países do Norte da Europa, como o Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo e Alemanha.

“Em 2021, a velocidade das correntes de ar a uma centena de metros de altitude – a altura das eólicas – diminuiu entre 10 e 15% na Europa do Norte em relação às médias habituais” (“L’Express-le Sept”, 6 de Outubro 2022). Assim, a eólica que participava no “mix” da electricidade do Reino Unido “com 18%, viu-se reduzida a 2%, em Setembro 2021”.

O vento do Futuro, segundo estudos produzidos por especialistas, tende a tornar-se muito traiçoeiro, gerando uma situação complexa na exploração da energia eólica.

As perspectivas apontam para a consolidação desta evidência actual, pondo em causa o papel que às eólicas estava reservado no combate à crise climática, com a produção de energia sem emissão de gases com efeito de estufa (CO2).

Dada a capacidade das turbinas eólicas [quer terrestres (onshore) quer marítimas (offshore)] ser muito sensível à velocidade do vento, esta pode tornar-se uma fonte de energia inadequada e cara, face a outras fontes alternativas.

Poderá esta situação ser revertida em benefício da UE?

2. A União Europeia, infelizmente, não tem uma política energética comum, uma das suas graves falhas estruturais e um dos símbolos maiores de soberania. E nunca terá, enquanto Alemanha e França não se entenderem sobre certos princípios básicos relativos à energia.

O sistema energético da Alemanha vem se desenvolvendo, desde há muito pela Energiewende – um conceito alemão de transição energética, assente nas energias renováveis e sobretudo a saída da nuclear. De facto, uma combinação de energias fósseis e renováveis.

Três meses depois do “desastre nuclear” de Fukushima, Angela Merkel, aproveitando a emoção da população, toma a decisão política de fazer o seu país sair da energia nuclear, fazendo passar no Parlamento o decreto do fecho das 17 centrais nucleares alemães até 31 de Dezembro 2022.

Merkel toma, então, uma decisão política de um enorme significado para o seu país, com efeitos determinantes na UE, permitindo-lhe aparentemente acelerar a transição energética, conjugando energias renováveis e gás natural russo, o que não corresponde estritamente a produzir energia limpa, pois não consegue desenvencilhar-se das energias fósseis, necessárias às renováveis de produção intermitente.

Dois erros crassos numa só decisão. Retirar do “mix eléctrico” a nuclear e tornar-se dependente em mais de 50% do fornecimento de gás dum só país, embora barato.

Perante esta decisão há quem afirme: o problema de fundo da energia na União Europeia decorre de opções erradas de um só país e acrescenta a Alemanha nunca fará a transição energética limpa, sem recurso à energia nuclear. Um tema e um debate interessantes e, talvez, a prazo, o princípio da solução da crise estrutural europeia.

3. Problemas de preços do gás já os havia antes da guerra, até porque o ambiente vivido era crítico, mas tudo se complicou com ela. E depois, no tempo da guerra, já nem Merkel era chanceler, ampliando bem mais a complicação.

Ao chanceler Scholz falta pulso, como bem demonstrou ao deixar enredar-se por Joe Biden na visita à Casa Branca, na triste história do gasoduto em que Biden afirma, em plena conferência de imprensa conjunta, “não haverá Nord Stream2” e o chanceler nem pestaneja com esta intromissão grosseira e humilhante.

A Europa no mau caminho

4. Enquanto a Ásia, nomeadamente China, Índia, Japão e Coreia do Sul e em menor grau EUA e Canadá aceleram na direcção da nuclear, a Europa entrou em queda no seu uso, devido a um grupo de países ter seguido a Alemanha. Hoje, alguns estão a recuar, de forma ainda hesitante. Até a própria Alemanha não vai encerrar todas as centrais nucleares até finais de 2022, temendo o frio de Inverno que vem aí e segundo consta com algum rigor.

A França que sempre produziu energia nuclear também acusa quebra de produção, por ter andado, por influência da Alemanha, com hesitações e ter descurado a manutenção adequada das suas centrais, vendo-se agora obrigada a desactivar alguns dos seus reactores para manutenção. Até o presidente francês, Emmanuel Macron, apesar de ter mudado de agulha quanto ao nuclear, atravessou um período de hesitação. Nas eleições últimas, apresentou um plano de relançamento da nuclear, embora os seus críticos refiram que se trata de um plano mínimo.

A situação energética na Europa, sem estratégia comum, com grandes incompatibilidades e ainda agravada pelas dificuldades de substituição do gás russo e preços três vezes mais caros, enfrentará uma crise prolongada, muito grave e recuos no combate à descarbonização. Atingir as metas em que a Europa se empenhou no Acordo de Paris não passa de um sonho, quando até as centrais a carvão altamente poluidoras estão a ser activadas, sobretudo na Alemanha.

Segundo um estudo da Rystar Energy para o American Petroleum Institute… os EUA e o Catar em conjunto nem num horizonte de 10 anos terão capacidade para fornecer à Europa mais de 50% dos consumos de gás antes fornecidos pela Rússia e, não nos podemos esquecer, que dos EUA vem sobretudo gás de xisto, de menos qualidade e caro.


Segundo a Rystar Energy, após 2025, as possibilidades de aprovisionamento irão melhorar ligeiramente. Mas, nos próximos três anos, a situação é crítica. A Europa vai sofrer muito nos invernos. Os preços de gás vão ser elevados e a quantidade reduzida. As famílias e empresas muito atingidas. Frio, emprego, salários em risco, e fecho de empresas.

Haverá saída?

Sim, a médio prazo, mas voltamos ao princípio. Sem entendimento para uma estratégia energética na UE nada feito. A energia é o motor da economia, todos sabemos e, sem energia de qualidade não há desenvolvimento nem descarbonização das sociedades. O que equivale a recuos significativos em várias frentes, incluindo o combate às alterações do clima.

Numa zona do Planeta, onde os recursos energéticos são escassos, uma transição energética doseando energias fósseis e energias limpas não se apresenta realizável sem o recurso à energia nuclear complementada com energias renováveis competitivas. A concretização levará o seu tempo, mas previamente exige entendimento. Um problema complexo, pois, há muitos lóbis contra o entendimento, sobretudo do lado alemão.

Uma revolução mental, o mais difícil, na União Europeia na área da energia precisa-se. A nuclear terá de conquistar o seu lugar seguro, porque segura sem dependências a estratégia da UE. Outros caminhos, com as tecnologias conhecidas do presente, não nos levam à descarbonização da sociedade europeia, mas ao declínio da Europa.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Pobreza indisfarçável no "Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza"


"A pobreza e a fome já estão na classe média" é o título da página 18, da edição de hoje do Dnotícias. Três figuras públicas respondem a quatro perguntas do "Observatório" do matutino. E o que ali se lê, não porque seja novidade, constitui mais uma importante denúncia do estado da sociedade madeirense.




Todos tocam neste terrível quadro, há muito sentido, que anda a atirar para as margens milhares de madeirenses que não encontram o fio à meada para saírem do sufoco. Ou ficam e sofrem ou tentam a emigração. Com quem falo, oiço, por vezes, que "eles não querem trabalhar" e que até "há falta de mão-de-obra", que eles "vivem do biscate", que "a política de subsídios" está a matar a dinâmica da sociedade, que preferem "viver das instituições de solidariedade", enfim, sinto que tomam "a nuvem por Juno", empurrando a culpa para os que em cada mês lhes falta mais mês. Esquecem-se que existem causas e é nessas que as entidades públicas desde há muito deviam ter actuado de forma consistente e prospectiva. Não o fizeram e o drama social está aí com a pobreza a tornar-se paisagem. E os pobres não são todos malandros. 

Sílvia Correia (Casa) é peremptória: "não acredito que a fome e a pobreza possam ser disfarçadas por muito mais tempo"; Nicolas Fernandez (Movimento Erradicar a Pobreza) assume que "cresce a angústia e nalguns casos o desespero, pois a pobreza é indisfarçável à vista desarmada" (...) a taxa de risco de pobreza na Madeira é de 28,9%, a mais alta do país"; Duarte Pacheco (Cáritas) sublinha: "muitas famílias que sentem dificuldades são constituídas por pessoas que trabalham, mas cujos rendimentos são insuficientes para satisfazer todas as suas necessidades básicas (...) têm rendimentos que não são sequer suficientes para cobrir as despesas mensais fixas".

Portanto, nós não estamos face a uma sociedade de vadios, mas numa sociedade onde existem mais direitos do que justiça social. Uma sociedade livre, democrática, rigorosa e bem estruturada suportaria, com maior ou menor dificuldade, os revezes de uma qualquer crise financeira ou de uma pandemia. Atirar os problemas e dramas sociais hoje sentidos apenas para esse quadro e deles socorrer-se sistematicamente, parece-me muito redutor, gerador de ilusão e equivale a uma certa areia para os olhos dos cidadãos. Pelo contrário, o que é evidente, também desde há muitos anos, é a contínua fome de poder, a ausência de estadistas que pensem a geração seguinte e não a eleição seguinte. Somos governados, com a culpa de todos nós, por pessoas de falinhas mansas que demonstram, no plano do discurso, preocupação pelos outros, mas que não sabem nada de escassez e miséria, antes centram em si o desejo da multiplicação da sua própria riqueza. Os outros que se amanhem! São eles os culpados primeiros da mentalidade existente e da ausência de uma sociedade mais equilibrada.

Desde logo, porque a Educação é única forma de romper com a pobreza, pergunto se não é aí que reside o desastre. Os milhares que ficam pelo caminho, marcados pela origem das suas famílias e pela vergonhosa concepção de uma escola que se mostra mais preocupada com o perfil do aluno à saída do sistema educativo e raramente com o perfil do aluno à entrada do sistema educativo. Trata-se, creio que intencionalmente, do primeiro passo para a divisão entre os berços de ouro e os outros. Depois, a inversão das prioridades, através de "investimentos" (de propósito, entre aspas) públicos tresloucados, contrários às necessidades primeiras do ser humano. Depois, ainda, a teia de interesses e de exploração das pessoas a todos os níveis. Finalmente, o estabelecimento de uma sofisticada engrenagem de comunicação política que, pela repetição, faz crer este é o melhor dos mundos, nós "um povo superior" que vive num tal "cantinho do Céu". Foi esse o meio escolhido, esse mundo de enganos que atira para outras bandas responsabilidades políticas próprias, as autonómicas, que impõe o medo, a resignação e o receio que prende a maioria a uma emaranhada engrenagem que constrange e que olha para o futuro sem futuro.


Estamos face a um povo distante de um sentido vasto do significado da palavra cultura, que não se levanta e que prefere ajoelhar-se, conformado com as migalhas que vão caindo do faustoso banquete de outros. Quando para ser feliz não são necessários milhões!

Ilustração: Google Imagens

sábado, 15 de outubro de 2022

Não lhes perdoeis, Senhor, pois eles sabem o que fizeram


Por
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
14/10/2022
estatuadesal


Esperámos tranquilamente um ano pelos resultados do trabalho da Comissão Independente para o Estudo de Abusos de Menores na Igreja e um ano depois, cumprindo o prazo fixado, a Comissão registou 424 testemunhos ao longo de muitos anos, dos quais apenas 17 foram encaminhados para o Ministério Público, por constituírem crimes não prescritos, cujos autores e vítimas estão vivos. Mas a Comissão não se deixou iludir e nós também não: os crimes foram incomparavelmente mais, reflectindo uma atitude “endémica” de abusos de menores dentro da Igreja Católica portuguesa e a sua ocultação a partir de cima ao longo de décadas.



Ao contrário de Marcelo Rebelo de Sousa, que se precipitou a saudar os números pouco “elevados” apurados pela Comissão — e, com isso, aliviar a responsabilidade da Igreja —, nós percebemos que isto é apenas a ponta do icebergue de uma estrutura sinistra e submersa, que durante décadas guardou dentro de si um segredo vergonhoso, ocultando-o dos fiéis, da sociedade e das autoridades. Protegendo os seus criminosos, como as máfias fazem.

Hoje sabemos que, dentro da hierarquia da Igreja, a nível intermédio e a nível superior, houve homens com responsabilidades que, sabendo de casos concretos, não se limitaram a olhar para o lado: ignoraram as queixas das vítimas, esconderam-nas dos olhares públicos ou, no melhor dos casos, encerraram o assunto com discretos “inquéritos verbais”, que se desvaneceram sem rastro nem consequências. Não têm perdão nem aos olhos dos homens, nem aos olhos de Deus. Mas, sobretudo, não têm perdão aos olhos das vítimas, dos que sofreram às mãos dos criminosos que eles protegeram e de que foram cúmplices no mais ignóbil dos crimes.

Pessoalmente, não consigo conceber nenhum crime que me cause mais repúdio — pela cobardia dos seus autores e pelas consequências para as vítimas — do que o abuso sexual de menores. Que ele, ainda por cima, seja cometido por sacerdotes, a quem a fé de muitos confere uma confiança acrescida para se ocuparem da educação e do acompanhamento espiritual de crianças, torna as coisas particularmente repugnantes. E não é indiferente, antes agravante, que as taras sexuais dos padres se exerçam sobretudo sobre os rapazes à sua guarda e que, no contexto socioeconómico histórico português, tenham sido obviamente as crianças mais pobres a sofrerem as sevícias destes tarados e os seus pais a serem os mais impotentes para enfrentar a cumplicidade da hierarquia católica. Não, não há perdão algum para isto: foram décadas em que milhares de crianças indefesas pagaram na pele e na alma, e para a vida inteira, o preço da absurda regra da castidade do sacerdócio.

Não foram todos os padres ou nem sequer a maioria? Claro que não. Mas duvido muito que, naquele mundo submerso e mais temente às aparências do que a Deus, houvesse quem ignorasse o que se passava ou não desconfiasse o suficiente para abrir a boca. Quando ouvimos o que diz o diletante bispo do Porto, Manuel Linda, percebemos bem o que se passou, como se passou e porque se passou. Quer estivesse a mentir sem pudor, quer revelasse uma indecente ignorância sobre o assunto, quando ele diz que o crime de abuso sexual de menores não é um crime público, o que ele no fundo quer dizer é que acha que não é uma coisa assim tão grave. Como as carícias a crianças do violador e assassino de menores padre Frederico, protegido pelo ex-bispo do Funchal, que “não foram assim tão íntimas”. Fosse ele um governante ou titular de um cargo público, Manuel Linda já teria sido corrido de funções por não dar garantias mínimas de poder desempenhar o cargo com respeito pelas regras de comportamento moral de uma sociedade civilizada. Mas, em vez disso, vai continuar aí, a benzer pontes e a celebrar missas, como se o Deus que invoca lhe tivesse perdoado e o quisesse como exemplo.

Pobre Papa, que tal gente tem!

2 Terminadas as férias e desaparecido o grosso dos turistas, o Sotavento Algarvio começou a enfrentar episódicos, mas sucessivos, cortes de água nas torneiras. Não se trata de avarias nem de obras em curso, mas de “cortes programados” e anunciados no Facebook, para quem é freguês da coisa. Trata-se de uma situação normal — o novo e futuro normal — quando a seca se prolonga e a barragem de Odeleite, responsável por metade do abastecimento de água ao Algarve, está a 20% da sua capacidade e a de Odelouca, a segunda mais importante, a 17%. O que não é normal é que o Conselho Nacional da Água, reunido pela primeira vez ao fim de três anos de seca, em lugar de se ocupar com projectos de dessalinização ou medidas para poupar água — como reparar as fugas nas canalizações agrícolas, impor a obrigatoriedade de utilização de águas residuais para regar golfes, jardins públicos, etc., ou suspender de imediato a contínua expansão de culturas agrícolas exóticas de alto consumo de água —, tenha optado exactamente pelo caminho oposto: como gastar mais água. Os chamados “produtivistas”, de braço dado com o Ministério da Agricultura, ao contrário de todas as previsões, confiam em que vêm aí grandes anos de chuva, para os quais é preciso estarmos preparados, construindo mais barragens e aumentando a capacidade das existentes. Até lá, querem avançar para a solução espanhola dos transvases de água do Norte para o Sul — com o pequeno contratempo de os espanhóis terem justamente acabado de suspender as descargas de água para o rio Douro.

Há um ponto até ao qual se podem discutir as políticas e, mesmo quando temos a certeza de estar certos ou errados, pode-se continuar a discutir. Mas se estamos a discutir a falta de água e se abrem as torneiras uma e outra e outra vez, e durante 24 ou 36 horas nada jorra, o que há para discutir?

3 Na última Revista do Expresso vinha uma surpreendente história de um casal lisboeta “muito bem”, muito família, muito católico, muito ansioso por “partilhar”, muito empenhado na “excelência do ensino, conjugando a grandeza de Portugal com a tradição cristã”, através dos alunos dos Colégios Planalto, Mira Rio e S. Tomás. Enfim, a fina flor da Opus Dei — uma opção legítima e um modelo para quem se revê nos valores da santíssima agremiação. Mas o que tinha a história de surpreendente? Isto: o casal tem um Van Dyck em casa, que lhe custou “uns milhões não revelados”, a par de uma “importante colecção de centenas de quadros de mestres antigos”. Os quadros estão em casa, mas, obviamente, não lhes pertencem, pertencem a uma fundação, que, essa sim, é deles: um clássico. Surpreendente é que o casal exponha assim as paredes da sua casa: normalmente, estas coisas não se revelam — há os ladrões e o Fisco, apesar da fundação. Então, qual é a ideia? Pois, aqui chegado, o leitor já deve ter percebido, tal como eu logo percebi: o casal não tem onde guardar as suas centenas de quadros dos mestres e espera que o Estado lhe resolva o problema — outro clássico. Lá fora, os verdadeiros mecenas, os verdadeiros coleccionadores, quando se vêem nesta situação, fazem uma de duas coisas: ou oferecem o que querem e lhes sobra a museus já existentes ou fazem um museu a expensas suas e metem lá os quadros. Mas aqui os nossos “mecenas” têm outra solução: eles acumulam e o Estado resolve-lhes o problema, arranjando-lhes instalações e pagando as respectivas despesas de funcionamento — Casa das Histórias Paula Rego, Colecção Berardo, Fundação Saramago, etc. É claro que, no caso concreto, a solução para o problema do casal está mesmo à vista: o Museu Nacional de Arte Antiga, se a colecção valer mesmo a pena. Mas essa, dizem eles, “não é a solução ideal, o grande desafio é mostrar a colecção ao público” (parece que o MNAA não mostra os quadros ao público).

Mais surpreendente ainda, a história terminava com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, a declarar o “interesse por parte do Estado” em juntar-se a tão comovente história de “partilha”. Com o seu dinheiro, sr. Ministro?

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

No reino do anormal


Já tem uns anos, trinta, por aí, por dever académico fui aluno do Professor Salvato Trigo na cadeira de Estratégias da Comunicação Social. Numa das suas sessões referiu: "A Comunicação Social anda sempre à procura do anormal". Aonde esta frase me levou, contextualizando-a com a realidade de então, e até onde ainda me leva a partir daquilo que os meus sentidos percepcionam!



De facto, pouco interessa a história pessoal, a respeitabilidade e idoneidade de quem produz uma declaração, pois o que mor das vezes conta não é a intenção ou a leitura primeira, aquela que o autor quis transmitir, mas o sensacionalismo, o acto mórbido e perverso de quanto mais sangue melhor. Descoberto o filão, dizem, porque o povo gosta e as audiências justificam, crucifica-se o autor até que novas situações despertem a curiosidade, sobrepondo-se à anterior. E o frenético ritmo na busca da "anormalidade" permanece.
É evidente que, no contexto em que escrevo estas linhas, se isolarmos a declaração, dir-se-á que foi de todo infeliz o que o Senhor Presidente da República disse a propósito dos actos de pedofilia no seio da Igreja Católica em Portugal. Porém, creio que a sua intenção e o próprio tom da comunicação, traiçoeiramente, as palavras sugeriram outras interpretações. Abusivas, digo eu. É óbvio que bastaria a existência de um só caso para ser grave. E o Presidente reconhece isso mesmo. E estou à vontade, até no plano político para o dizer, porque nunca votei no cidadão Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Respeito-o como o mais alto Magistrado da Nação.
Do que o Senhor Presidente da República pode ser visado, é da sua "incontinência verbal", aliás, como já o disseram alguns comentadores, ao manifestar-se sobre tudo e em todas as ocasiões. E lá diz o provérbio que "tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia lá deixa a asa". O Presidente deixou-a, na ânsia do comentário, porém é ininteligível que das suas palavras se infira qualquer desculpabilização dos actos que envergonham a Igreja. Nesse aspecto, tenhamos presente que até o Papa foi claro: "são actos vergonhosos (...) perante os quais a tolerância é zero".

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Crise financeira: até o FMI teme o pior


Por
Yanis Varoufakis, 
in Outras Palavras, 
07/10/2022




Subitamente — e contra todos os prognósticos — o FMI, o xerife da ordem económica capitalista condenou o novo favor do governo inglês aos super-ricos. Turbulências sugerem: um novo repique da crise global aberta em 2008 pode estar próximo.



Em 30 de setembro, o Fundo Monetário Internacional assustou os mercados e surpreendeu os comentaristas ao repreender o governo conservador do Reino Unido por irresponsabilidade fiscal. O choque foi evidente. A crítica do FMI ao governo de uma grande economia ocidental é como um zelador repreendendo o proprietário por colocar em risco o valor avaliado do prédio. Essa sensação de inversão da ordem usual das coisas foi ainda mais nítida porque, não esqueçamos, foram os conservadores britânicos, sob a rígida liderança de Margaret Thatcher, que ditaram a regra sobre a probidade fiscal como alicerce do neoliberalismo. O FMI passou mais de quatro décadas impondo essa ortodoxia a governos em todo o mundo.

Como numa tentativa de amplificar a agitação que certamente causaria, o comunicado do FMI chegou a censurar o governo britânico por introduzir grandes cortes de impostos (agora parcialmente cancelados após a intervenção do Fundo), porque eles iriam principalmente “beneficiar os que ganham mais” e “provavelmente aumentar a desigualdade”. Os conservadores leais à sitiada nova primeira-ministra da Grã-Bretanha, Liz Truss, os republicanos mais vigorosos dos EUA, analistas econômicos internacionais e até mesmo alguns de meus camaradas de esquerda ficaram brevemente unidos por uma perplexidade comum: desde quando o FMI se opõe a mais desigualdade? Seria difícil identificar um único “programa de ajuste estrutural” do FMI que não aumentou a desigualdade. Se duvidar, pergunte à Argentina, Coreia do Sul, Irlanda ou Grécia (onde fui ministro das Finanças e tive que negociar com o FMI) sobre as restrições associadas a seus empréstimos. Os burocratas intransigentes do Fundo teriam passado por um momento como o da “estrada de Damasco”?

Três teorias surgiram sobre os motivos do FMI para se opor aos cortes de impostos do Reino Unido para os ricos. Uma delas é que o conselho do Fundo temia que a instituição tivesse dificuldade para arrecadar dinheiro suficiente, se Londres viesse a solicitar um resgate. Outra teoria, expressa pelo ex-secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, é que o FMI agora entendia que deveria mostrar imparcialidade em suas negociações com países ricos e pobres. “Quando há uma situação de crise ou políticas manifestamente irresponsáveis, é meio natural que o FMI faça algum tipo de registro”, disse Summers ao Financial Times, acrescentando: “Não acho que o FMI deva distinguir entre acionistas ricos e seus acionistas de mercados emergentes”.

Uma terceira teoria seguiu a lógica da conversão paulina, sugerindo que a declaração do FMI condenando as doações do governo Truss para os ultrarricos poderia marcar uma mudança radical na instituição sediada em Washington. De acordo com essa visão, o FMI estava percebendo que para salvar a ordem liberal internacional dos vários populistas autoritários ascendentes no mundo – como Donald Trump, Giorgia Meloni, Marine Le Pen, Viktor Orbán, Narendra Modi e Jair Bolsonaro – era preciso mudar sua missão para uma direção mais social-democrata.

Apesar de hipóteses interessantes, nenhuma dessas explicações se encaixa com a realidade à qual o FMI respondeu com a surpreendente declaração da semana passada. A noção de que Londres requererá um resgate grande demais para o FMI é absurda. A Grã-Bretanha é um país rico, que toma emprestado exclusivamente em uma moeda impressa pelo Banco da Inglaterra. Se o pior acontecesse, o Banco da Inglaterra poderia aumentar as taxas de juros para até 6% para estabilizar a libra esterlina e os mercados monetários. Uma taxa de juros nesse nível certamente demoliria o modelo econômico do Reino Unido dos últimos 40 anos, mas seria preferível a um resgate do FMI.

E tenho experiência em primeira mão que contradiz a teoria de que o FMI só agora, pela primeira vez, decidiu confrontar um país do G7 cujas políticas considera ameaçar a estabilidade financeira global. Em minhas negociações como ministro das Finanças da Grécia com o Fundo, em 2015, os principais funcionários foram abertamente contundentes sobre a rejeição do governo alemão de um plano de reestruturação total da dívida pública da Grécia; acusaram Berlim de minar a estabilidade financeira da Europa e, por extensão, do mundo.

Um ano depois, em uma conversa telefônica entre altos funcionários do FMI publicada pelo WikiLeaks, seu chefe europeu disse a um colega que o Fundo deveria confrontar a chanceler alemã Angela Merkel e dizer: “A senhora está diante de um dilema. Precisa pensar no que é mais caro: seguir em frente sem o FMI, ou escolher o alívio da dívida que achamos que a Grécia precisa para nos manter a bordo.” Nessa segunda teoria, o FMI agora deveria começar a agir em relação aos governos ocidentais da mesma forma que faz com os países em desenvolvimento.

Isso nos leva à terceira, e mais interessante, das três explicações: para salvar a ordem liberal global do populismo de direita, o FMI está se tornando social-democrata, até mesmo “woke”: como alguns conservadores britânicos têm acusado. A verdade, temo, é menos heroica. O que aconteceu na semana passada é simplesmente que o FMI entrou em pânico. Assim como outras pessoas inteligentes do governo dos EUA e do Federal Reserve, seus funcionários temiam que o Reino Unido estivesse prestes a fazer com os Estados Unidos e o resto do G7 o que a Grécia havia feito com a zona do euro em 2010: desencadear uma crise financeira num incontrolável efeito dominó.

Nos dias que antecederam a declaração de “mini-orçamento” do governo Truss, o mercado de US$ 24 trilhões de bônus do Tesouro dos EUA, cuja saúde decide se o capitalismo global respira ou engasga, já havia entrado no que um analista financeiro chamou de “vórtice de volatilidade”, algo não visto desde o crash de 2008 ou os primeiros dias da pandemia. O rendimento do título de referência de dez anos do governo dos EUA aumentou acentuadamente de 3,2% para mais de 4%. Pior ainda, um grande número de investidores evitou um leilão de novas dívidas dos EUA. Nada assusta mais as autoridades do que o espectro de uma greve de compradores nos mercados de títulos dos EUA.

Para acalmar os nervos dos investidores, as autoridades defenderam-se com mensagens tranquilizadoras. Neel Kashkari, presidente do Federal Reserve de Minneapolis, resumiu o estado de espírito assim: “Estamos todos unidos em nosso trabalho para reduzir a inflação para 2% e estamos comprometidos em fazer o que precisamos para que isso aconteça.” Este foi o momento em que o governo do Reino Unido decidiu anunciar a política fiscal mais expansionista da Grã-Bretanha desde 1972.

As autoridades norte-americanas não foram as únicas a se preocupar. Dias antes desse “evento fiscal” do governo de Londres, o Conselho Europeu de Risco Sistêmico – um órgão estabelecido pela União Europeia após a crise de 2008-2009 – emitiu seu primeiro aviso geral, confirmando que os mercados financeiros da Europa haviam caído no vórtice de volatilidade que se originou nos Estados Unidos. Os fornecedores de eletricidade da Europa faliriam devido a compromissos com pedidos futuros a preços exorbitantes, a poderosa indústria manufatureira da Alemanha fecharia por causa da escassez de gás natural e a dívida pública e privada subiria rapidamente.

Um choque financeiro extra do Reino Unido tinha o potencial de causar enormes efeitos colaterais em toda a Europa e além. Se o mercado subprime dos EUA pôde empurrar os bancos franceses e alemães para a beira de um precipício em 2008-09, essa última onda de choque da anglosfera poderia causar danos semelhantes, especialmente se abalasse o mercado de títulos do Tesouro dos EUA.

Diante dessa crescente tempestade transatlântica, a decisão do FMI de intervir não foi surpreendente. O único enigma restante é por que o FMI apontou ou ultrarricos como beneficiários da desigualdade ampliada pelos cortes de impostos do governo Truss. Embora a força das circunstâncias tenha mudado de forma significativa, duvido que isso signifique o fim dos instintos neoliberais do FMI. Muito mais provável é o seguinte: o FMI percebeu que as políticas de geração de desigualdade pós-2008, que ajudou a aplicar, mergulharam o capitalismo do Atlântico Norte em um estado de estagnação que agora é instável, e teme que esse vórtice de volatilidade piore com as novas medidas, e que isso criasse desigualdade ainda maior. Se o FMI começou a não gostar da desigualdade, é apenas porque a vê como causadora de instabilidade sistêmica.

Após o colapso financeiro de 2008, os EUA e a UE adotaram uma política de socialismo para banqueiros e austeridade para as classes médias e os trabalhadores. Isso acabou por sabotar o dinamismo do capitalismo ocidental. A austeridade encolheu os gastos públicos precisamente quando os gastos privados estavam em colapso, e isso acelerou o declínio dos gastos públicos e privados. Em outras palavras, fez despencar a demanda agregada na economia.


Ao mesmo tempo, a flexibilização quantitativa [quantitative easing] dos bancos centrais canalizou rios de dinheiro para o Big Finance, que o repassou para o Big Business, que, diante dessa baixa demanda agregada, o utilizou para recomprar suas próprias ações e outros ativos improdutivos.

A riqueza pessoal de alguns disparou, os salários da maioria estagnaram, o investimento desmoronou, as taxas de juros despencaram e os Estados e as corporações tornaram-se viciados em dinheiro grátis. Então, quando os bloqueios da pandemia sufocaram a oferta de bens e os auxílios governamentais aumentaram a demanda, a inflação voltou. Isso forçou os bancos centrais a escolher entre concordar com o aumento dos preços ou destruir os zumbis corporativos e estatais que eles alimentaram por mais de uma década. Eles escolheram o primeiro.

De repente, porém, o FMI viu a capacidade perdida do establishment liberal de estabilizar o capitalismo refletida no aumento da desigualdade econômica. Assim, a última coisa que os mercados precisavam, perceberam os tecnocratas do Fundo, era mais socialismo para os ricos. Mas seria preciso muita boa vontade para interpretar a reação de pânico do FMI como uma conversão sincera à redistribuição econômica e à social-democracia. Foi apenas uma advertência contra um ato de automutilação da elite.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Por favor, acertem a manga do casaco!


Por
03 Outubro 2022

Este governo de António Costa, quando tudo indicava reunir as condições devidas para uma navegação calminha, anda ele próprio a criar as suas ondas sucessivas de ruído. Em seis meses de governação, as ondas de maré já se desenvolvem com um barulho ensurdecedor. É tempo de dizer, senhores ministros, falem entre si antes de pôr a boca no microfone […]



O ruído está a espalhar-se e a atropelar-se em várias latitudes e matérias e a complicar em demasia o andamento do trabalho governativo.

É no interior do governo e do partido que se notam reacções incómodas, quantas vezes com ar de grande incredulidade. A comunicação social e a oposição não perdoam. É o seu papel e positivo quando o sabem fazer bem. E Belém também entra a facturar, atenta que está sempre, ou melhor, à espreita de entrar em palco.

Mas esta do IRC não lembrava a ninguém, sobretudo porque o programa do governo tem lá tudo (diz-se)!

Um Ministro não pode andar a defender uma “baixa transversal” do IRC e outros Ministros (vários) a dizer que a descida do IRC tem de ser selectiva, só para determinados objectivos.

Tenho apreço intelectual por António Costa Silva. Pensa bem, embora perdendo-se, por vezes, em considerações laterais menores. E em matéria de impostos …

E, neste domínio, até caiu em contradição. Antes, defendera taxar os lucros excessivos, tendo recuado dessa posição e, agora avança com a redução transversal do IRC. Qualquer coisa a escapar-me ou sendo mais modesto a não entender.

Não me chocam opiniões divergentes entre ministros, mas em devido tempo. Neste caso, aconteceu fora de contexto, dando azo a que alguns “opinadores” aproveitem logo a deixa para aumentar o ruído, clamando pela sua desautorização e logo devia demitir-se.

As empresas portuguesas e o IRC

1.Um elevado número de empresas, num intervalo de 45% a 50% do total, consoante os anos, não paga IRC.

Esta ordem de grandeza é uma marca das empresas portuguesas, desde há várias décadas, o que dá que pensar. Então as empresas não nascem para dar lucro?!

Sabemos que há razões várias para uma empresa, num ou noutro ano fiscal, não gerar lucro.

Mas tão elevada e persistente percentagem, ao longo de tantos anos, merece uma análise explicativa. Uma excelente tese académica.

O Banco de Portugal (BP) publicou, em Janeiro último: uma análise micro da tributação sobre rendimento das empresas em Portugal que está disponível na NET, embora a metodologia econométrica usada torne a sua compreensão muito pouco acessível, mesmo a gestores. Faltou ali um resumo explicativo em linguagem económica mais chã, o que é sempre possível e útil.

2. A agravar esta realidade estrutural do tecido económico de apenas um pouco menos de 50% das empresas pagarem IRC, existe uma outra. A concentração excessiva das receitas de IRC em um número reduzidíssimo de empresas. São as grandes empresas sobretudo as não financeiras que representam na amostra do estudo do BP 0.5% da estrutura económico-produtiva do País que pagam cerca de 45% do montante total do IRC. As microempresas que representam 80% do número global contribuem com 16%. Outro problema bem complexo também a merecer aprofundamento. No entanto, a qualidade da gestão, a impreparação e organização empresariais não devem ser alheias a esta situação.

Trocando umas breves ideias sobre o IRC

3. Os rendimentos das empresas com sede em Portugal são taxados em IRC.

Os defensores da redução “transversal” sobre os lucros das empresas alegam que esta medida fiscal favorece o tecido económico (o que é falso, esquecem-se da metade que não paga e como tal nada beneficiaria), o crescimento da economia e o investimento.

Estas ideias tão simplistas e injustas escondem uma realidade. De facto, esta medida apenas aumenta o montante dos lucros a distribuir pelos accionistas (dividendos).

Acrescenta-se ainda que, para além de simplista, é também uma medida de impacto nulo pois não está provado qualquer relação de causalidade entre o crescimento económico e a baixa da taxa de imposto sobre os lucros das empresas.

Depois, quanto à atracção de investimento, sobretudo o estrangeiro, o mesmo se pode dizer. O investidor preza, sim, aquilo que o Dr. Miguel Cadilhe introduziu há muitos anos, na linguagem económica, enquanto Presidente da API, os custos de contexto que, abrangendo vários aspectos, releva-se aqui a rapidez e a clareza da justiça onde se encaixa também uma fiscalidade consistente e compreensível, e instituições velozes e transparentes com um atendimento eficaz e consequente.

Assim, a pura redução transversal do IRC quando muito acrescenta dividendos e na comparação com quem paga IRS (imposto sobre as pessoas singulares), desigualdade, cujo peso na tributação tem vindo a aumentar. Seria interessante simular para iguais montantes de rendimento os impostos pagos em sede de IRC e de IRS.

Significa que não se deve mexer no IRC?

4. Não é tabu mexer no IRC. Admite-se que possa haver um pequeno ajustamento em termos de média europeia.

Mas as benesses, as isenções e os subterfúgios são tantos, em muitos sectores, como a banca, que a taxa efectiva de IRC paga fica muito aquém da média europeia.

Não pode atribuir-se “virtudes” a certas formas de aplicar o IRC quando elas servem apenas de capa de encobrimento envergonhado.

E a descida selectiva?

Sou daqueles que se enquadram no grupo dos defensores da redução profunda da taxa de lucro, quando aplicado a fins bem específicos, podendo atingir a taxa zero, em certas circunstâncias. Uma selectividade assente em parâmetros bem definidos e sem fugas nas entrelinhas.

A aplicação de lucros em investimentos ligados à inovação, investigação, requalificação humana, novas empresas, start-up, projectos regionais e porque não em áreas de promoção da cultura, quer nas próprias empresas quer na contratualização com terceiros, não pretendendo, com este enunciado esgotar o leque de aplicações, mas vincar que esses fins têm de ser bem alicerçados, constitui uma alavanca, não única mas importante para o crescimento e desenvolvimento da economia e como medida fiscal, um factor de atracção do investidor.

Esta forma de encarar a fiscalidade sobre o IRC, ao valorar pela positiva o perfil do investidor, reconhece a sua iniciativa e criatividade como benéfica ao desenvolvimento económico.

Neste contexto, torna-se uma medida fiscal com fins próprios e meritórios e assume-se como recompensa à iniciativa criativa.

Ilustração: Google Imagens

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Frei Bento Domingues - "Eu vivi sempre no espanto"

 

Segui a entrevista do Frei Bento Domingues com a jornalista Fátima Campos Ferreira (RTP1). Da sinopse do programa "Primeira Pessoa": "É considerado um dos maiores teólogos portugueses, um homem da Igreja Católica, ainda que por vezes crítico de hierarquias clericais. Em Primeira Pessoa, Frei Bento Domingues revela o seu lado mais intimista num momento raro em televisão.Frei Bento Domingues é uma voz profética e um cultor da liberdade. Uma pessoa que nos interpela e provoca sobre a existência humana no melhor sentido da verdade. Natural de Terras de Bouro, vive hoje no Convento Dominicano, em Lisboa". Deixo aqui uma série de passagens que me entusiasmaram na perspectiva de pensar para além das palavras ditas.



Liberdade de pensamento

Um dia convidaram-me para docente na Universidade Católica. Perguntei: você garante que eu posso exprimir-me livremente? A resposta: Isso não posso. Então, não vou. As pessoas esquecem-se que o Evangelho deve fermentar a cultura contemporânea.

O Pensamento e a Economia

Relativamente ao pensamento próprio e aos condicionamentos impostos aos clérigos: "(...) havia um julgamento anti-modernista que visava repudiar tudo o que era moderno. Eu não podia aceitar. Entre outros aspectos, falta, por exemplo, "pensamento económico. Falta fazer uma revolução sobre o ensino da economia. Acho que devia haver uma insurreição pacífica no sentido de uma liberdade criadora".

A Igreja e a pedofilia

"Eu acho que as pessoas que tinham essa tendência sexual em relação às crianças, fizeram-se padres a pensar na clientela (...) ordenações que não foram verdadeiras".

A Igreja e os mitos

"Eu vivi sempre no espanto (...) a religião primitiva está cheia de mitos, de histórias, de insistência no pecado, no castigo, no inferno ou então pelo Céu, mas que tinha de passar pelo purgatório bem duro. Eu não admito que se assuste ninguém. Para mim, a religião é alegria."

As fórmulas teológicas

Sobre as crises de fé: "Eu tive crises nas fórmulas teológicas. Por exemplo, todas as narrativas da Ressurreição dizem que Cristo está vivo. São as mulheres que o dizem. Pertence ao núcleo da fé Cristã a emancipação das mulheres. A Teologia é o desfazer dos equívocos que impedem as pessoas de uma limpeza da inteligência."

O Mundo em mudança

"A questão é ter ouvidos e ter olhos para ver o Mundo em mudança... e ter uma proposta. A tentação da Igreja é dizer que está na posse da verdade (...) O Papa João Paulo II disse que o caminho da Igreja é o caminho da Humanidade".

Prazer e pecado

"As pessoas em tudo viam pecado. Ligou-se prazer e pecado. Não tem nada a ver. Pecar é estragar, estragar a vida humana uns aos outros. A Palavra (expressão) que eu acho mais importante na pregação humana é esta: em que eu posso ajudar" (...) "A dignidade humana é a verdadeira religião. Aquilo que é o teste da autenticidade religiosa é o teste da autenticidade da fraternidade".

Papa Francisco

Eu tenho uma alegria que é a de viver na época em que apareceu Francisco, porque é um Homem dos mundos e a sua convicção Cristã é de abertura ao universal".

Legados

"Eu não tenho legado nenhum. Tenho sempre a sensação da ignorância."

Ilustração: Google Imagens.