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sexta-feira, 31 de maio de 2019

Ininteligível o que fizeram à Eurodeputada Liliana Rodrigues!


Decorria o ano de 2011. Era eu líder do grupo parlamentar. Para as Legislativas Regionais, o candidato pelo PS-M, Dr. Maximiano Martins, Economista, convidou-me e ao Dr. Carlos João Pereira, também Economista, para integrarmos a lista de candidatos à Assembleia Legislativa da Madeira. Pediu-nos que integrássemos o 4º e 5º lugares dessa lista. Aceitámos. Entretanto, surgiu uma figura que se impôs: ou vou em 4º ou haverá problemas. Face à situação e no sentido da estabilidade, dissemos ao Dr. Maximiano Martins que, se precisasse de nós, poderia colocar os nossos nomes nos lugares que não originassem qualquer embaraço ou problema interno. Lembro-me de lhe ter dito que, pessoalmente, poderia ser o primeiro suplente da lista. Assim, o Carlos surgiu em 7º e eu em 8º. Depois, colocou-se o problema do PS apresentar uma proposta de figuras de um possível governo regional. Uma tentativa de demonstrar que havia na sociedade quem fizesse melhor. Uma vez mais, o Dr. Maximiano Martins, propôs-me que aceitasse aparecer aos olhos da opinião pública como a figura indicada para a administração da Educação. Disse-lhe que melhor seria encontrar uma personalidade independente, do meio universitário e de reconhecida qualidade. Pedi-lhe carta branca!  


E assim marquei um encontro com a Doutora Liliana Rodrigues, Professora da Universidade da Madeira. Uma figura que conheço desde os seus 10 anos de idade. Foi minha aluna na antiga escola dos Ilhéus. Conversámos demoradamente e, em nome do Dr. Maximiano, dirigi-lhe o convite. Ficou de pensar. Dias depois disse-me que aceitava o projecto político. 
Saliento: a Doutora Liliana não foi candidata a Deputada, apenas, no caso de vitória, seria a figura indicada para administrar o sector educativo. Um facto que, logo à partida, demonstra a sua total independência e ausência de qualquer interesse em colocar de lado a brilhante carreira académica pela opção de uma "carreira" política. Por esta via, a do serviço à comunidade, mais tarde, veio a integrar um tal "Laboratório de Ideias" e, depois, em 2014, a sua escolha para o Parlamento Europeu. 
O tempo que esteve em Bruxelas, integrando a lista nacional do PS, foi amplamente reconhecido. Basta ler as newsletter que publicou, para nos apercebermos do seu valor e da sua determinação. Na sua última carta, de despedida e a agradecimento, escreveu: 

"(...) Chegou ao fim o meu mandato no Parlamento Europeu. Foram cinco anos de trabalho intenso e de muitos combates políticos. Tive a oportunidade e a honra de conhecer e de trabalhar com pessoas que admiro, dentro do meu grupo político e fora dele. Não há democracia sem respeito, diálogo e negociação. Sempre foi esse o meu entendimento da política. (...) Sabia que não conseguiria mudar o mundo, mas fiz tudo o que esteve ao meu alcance para o tornar mais justo e mais livre. Defendi a minha região e o meu país sem deixar de os perspectivar no seu contexto europeu. A Europa é a nossa casa. (...)"


Do meu ponto de vista é ininteligível o seu afastamento. Não está em causa quem a substituiu, mas quem não permitiu que continuasse. Foi uma traição com todas as letras. Uma traição à pessoa, ao partido socialista e aos madeirenses em geral. Cinco anos, em um Parlamento de setecentos e muitos deputados, é muito pouco, para conhecer, integrar-se, estabelecer relações pessoais privilegiadas, conhecer os complexos dossiês europeus, o reconhecimento entre os pares, fazer lóbi, capacidade para propor e levar a que os outros percebam as causas que subjazem ao seu desempenho. Substituíram uma mulher por outra mulher. Substituíram a experiência pela aventura! Lamento. 

Esta era a situação há quase dois anos. 
O problema disto é que há gente que não percebeu, ainda, que os lugares políticos desempenham-se com competência e nunca como forma de ajuda à colocação de amigos(as). Mas há quem coloque e retire; quem seja apoiante e traidor. Há quem entenda o exercício da política como um exercício de troca de favores. O que fazer quando esta é a lógica do sistema? O que fazer, quando um partido é bicéfalo e quem se diz líder nivela por baixo e actua, politicamente, como se isto fosse comparável a um jogo de futebol, cheio de rufias a exigir cartões amarelos e vermelhos?
Mas há um outro aspecto que ressalta. E isso faz-me regressar ao princípio deste texto, apenas para enaltecer que, curiosamente, as figuras de 2011, uma a uma têm vindo a ser afastadas: o meu caso não conta, mas fui demitido (nunca foi essa a minha intenção, pois é conhecido o contexto em defesa da imagem do partido perante factos gravosos); 

ao Dr. Carlos Pereira, ex-líder do PS-M, tudo fizeram para que deixasse a liderança, quando, sob a sua presidência, tinha trazido o PS de cerca de 11% (2015, já com a presença do actual candidato "independente" à presidência do governo) para uma posição de recuperação do eleitorado, duplicando os resultados para a Assembleia da República; depois, conseguiu cerca de 30% nas autárquicas (2017) e um estudo de opinião concedeu-lhe 35,8% de intenções de voto para as próximas Legislativas Regionais (empate técnico com o PSD). Carlos Pereira que fez um mandato de excelência na Assembleia da República, que publicou um notável livro sobre a Madeira (A Herança), que é um dos melhores tribunos de sempre, hoje, tem, pressuponho, a "guia-de-marcha" para uma saída dos lugares de topo da representação partidária regional e nacional. Oxalá esteja enganado; 

o Dr. Maximiano, outro Economista, com um passado de enorme prestígio e experiência em lugares gestionários de topo nacional, acabou por se retirar em 2015. Agora, foi a Professora Doutora Liliana Rodrigues. Mas existem muitos outros (são tantos os militantes de enorme valor, da base ao topo) que, de forma discreta, saíram ou vão desistindo da participação política. Isto é, os melhores, entre os quais não me incluo, obviamente, refiro-me às referências de qualidade técnica e política em vários sectores e áreas da governação, subtilmente, estão a ser mandados para fora do tabuleiro político-partidário. E há gentinha que continua na sombra, que está quando interessa e não está quando a maré é difícil, que só actua nos bastidores, que nunca se compromete, sempre à espreita de uma oportunidade, mas nunca assume uma posição contra este estado de coisas que repugna, sobretudo pelo oportunismo e pelos interesses pessoais em detrimento do colectivo e da Madeira. Obviamente que os eleitores não são cegos. Percebem e muito bem. Daí, uma parte, mesmo que ínfima, que ajuda a compreender os últimos resultados. 
Ilustração: Google Imagens.

NOTA

Não escrevo movido por qualquer interesse ou intenção. A minha história não se compagina com ressabiamentos. Trata-se de um sentido desabafo. Em 2011 saí por iniciativa própria, porque considerei que o meu tempo político tinha chegado ao fim. Abri espaço a outros melhores que eu. Prescindi, até, de fazer o mandato de 2011/2015, por substituição (não fui eleito), face ao falecimento da Drª Isabel Sena Lino. Hoje, com setenta anos de idade e independente, eu que nunca fui candidato ao Parlamento Europeu ou à Assembleia da República e que nunca reivindiquei lugares, sinto-me, agora, mais livre que nunca para analisar factos. Que fique claro que a minha posição é a de um mero CIDADÃO observador e eleitor, embora com convicções políticas que não abdico. 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Corrupção


No tempo de Passos Coelho e da troika, todos os dias ao ligar o televisor, para seguir as notícias, vinha-me sempre à cabeça: o que será que hoje vão anunciar como medida de austeridade! Foram largos meses assim, a conjugar o verbo rapar na primeira pessoa. Esmifraram a carteira dos portugueses. Hoje o problema é outro, assisto a um serviço de notícias para conhecer o último caso de corrupção, tráfico de influências, fraude, participação em negócio, etc. etc.. A ocorrência de factos preocupantes, sobretudo porque envolvem figuras com responsabilidades públicas, é tão evidente que deixa um rasto de preocupação em qualquer pessoa. Parece, até, que a corrupção vicia e dá prazer!


Li, esta manhã, no "Público", a última: "a investigação, centrada nas autarquias de Santo Tirso, Barcelos e Instituto Português de Oncologia do Porto, apurou a existência de um esquema generalizado, mediante a actuação concertada de autarcas e organismos públicos, de viciação fraudulenta de procedimentos concursais e de ajuste directo com o objectivo de favorecer, primacialmente, grupos de empresas, contratação de recursos humanos e utilização de meios públicos com vista à satisfação de interesses de natureza particular". 
O mais curioso destas situações é que, mesmo que tão badaladas sejam os sucessivos actos de corrupção, suspeitos ou mesmo confirmados, mesmo que punidos à luz da Lei, os prevaricadores continuem a persistir, esquecendo-se que é sempre uma questão de tempo até uma das pontas ser apanhada. Julgo que partem do princípio que o crime compensa, até porque nem todas as situações são averiguadas e levadas à Justiça. Os casos são tantos e variados que dão, certamente, com algum humor digo, para coleccionar figuras através de uma caderneta de cromos. Tal como as utilizadas no futebol! 
Ora, a prática delituosa que assenta sempre em uma vontade clara de quem a pratica, conjugada, obviamente, com a oportunidade, gera, no cidadão cumpridor, um sentimento de revolta. E isto remete-me para uma pergunta tão simples quão profunda: quais as razões mais substantivas que conduzem a que alguns prefiram o caminho da conquista do dinheiro fácil, a um percurso de vida com dignidade? É evidente que este é um tema exaustivamente tratado e motivo, até, de trabalhos de natureza académica. Não é, portanto, aqui, o espaço para o fazer ou tecer considerações profundas. Fico, naturalmente, por aquilo que é mais evidente em jeito de espanto e desabafo.

E assim sendo, assalta-me uma outra questão: que cultura de seriedade e de honestidade foi interiorizada ou estamos a transmitir e que educação para os valores da cidadania estão a ser estimulados (acção preventiva), para travar a crescente onda de actos de péssima imagem e que atentam contra os interesses do colectivo? Há, com toda a certeza, um longo caminho a percorrer, desde logo pelo Estado, que deveria atacar os factores permissivos da fraude (são muitos), através da robustez do próprio Estado, ao invés do enfraquecimento das instituições. 
Não é um assunto que se resolva com um estalido de dedos, mas através de uma acção douradora e interligada ao longo de muitos anos. 

Li um texto de Flávia Milhorance (Copenhague/BBC Brasil -2016): "(...) A Dinamarca colhe hoje os frutos de mais de 350 anos de empenho contra a corrupção no setor público e privado e, mais uma vez, figura no topo do ranking de 168 países da ONG Transparência Internacional, o principal indicador global de corrupção (...) Na raiz do bom desempenho dinamarquês estão iniciativas de meados do século XVII (...) numa época em que a nobreza gozava de vários privilégios, o rei Frederik III proibiu que se recebessem ou oferecessem propinas e presentes, sob pena até de morte. E instituiu regras para contratar servidores públicos com base em mérito, não no título. A partir de então, novas medidas foram sendo instituídas período a período (...) Menos regalias para políticos ("Regras claras sobre conflitos de interesse, códigos de ética e declaração patrimonial são muito importantes"); pouco espaço para indicar cargos; transparência ampla; polícia confiável e preparada; baixa impunidade (...)". Mais adiante a autora do artigo salienta: "As leis não são tão duras, o que é duro é o mecanismo de punição. A tolerância à ilegalidade na Dinamarca é baixíssima não só com relação às instituições, mas até com indivíduos do convívio que infringem normas das mais simples". Ora aí está...
É claro que leva muitos anos para atingir este patamar em que a sociedade repudia os que infringem as nomas. Mas só por aí se chega à confiança social. Porque "a confiança social traz regras informais ao jogo. São regras não escritas, entre pessoas. A confiança é a palavra-chave da autorregulação". Nós, portugueses, infelizmente, grosso modo, ainda estamos no patamar que anuncia "que o mundo é dos espertos"! Falta, na escola, menos conhecimento enciclopédico e um maior investimento para uma vida assente em princípios e valores.
Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 28 de maio de 2019

Europa: e tudo acaba no jogo das cadeiras


Por estatuadesal
Daniel Oliveira,
in Expresso Diário 
28/05/2019

Apesar do estranho alívio, a extrema-direita ganhou mesmo mais espaço. Apesar da alegria desmedida, os “Verdes” subiram muitíssimo menos do que a extrema-direita e sobretudo por causa do resultado na Alemanha, à custa do SPD. Os liberais crescem, mais por causa da chegada de Macron do que por subida de partidos existentes. E os grupos que têm mandado a União Europeia vêm por aí abaixo.


O fantasma da extrema-direita serviu para caçar votos mas, chegada a hora de os contar, lança-se um suspiro de alívio porque afinal não foi assim tão mau. E chega-se a esta conclusão comparando com resultados de legislativas, com sondagens, com previsões. As notícias que foram saindo iam variando nestas comparações sempre com o mesmo propósito: esconder o óbvio. Mais uma vez, a extrema-direita cresceu.
Ficando apenas pelo Grupo Europa da Liberdade da Democracia Direita (que além de várias forças de extrema-direita tem o Movimento 5 estrelas) e o Grupo da Europa das Nações e da Liberdade, passam de 103 para 112. Isto não impressiona muito. Mas, para fazermos as contas rigorosas, teríamos de ir pescar vários partidos de extrema-direita que estão inscritos nos Reformistas e Conservadores Europeus (os antigos Verdadeiros Finlandeses, o Partido Popular Dinamarquês ou o PiS polaco, por exemplo), que conquistou mais 13 deputados, aos não inscritos, onde estão vários dos estreantes, e até ao PPE, de onde pode sair o partido de Órban, que tem 13 deputados.
Em França, o Rassemblement National (antiga FN, de Le Pen), passa de 24,9% para 23,3%. Desce mas continua em primeiro. E a ela temos de juntar o Debout la France, que tem 3,5%. Se pensarmos que a FN tinha, há 10 anos, apenas 6,4% nas europeias, ficamos com uma ideia mais precisa da caminhada que estamos a fazer. Em Itália, a Liga de Salvini passa, nas europeias, de 6,5% para 34,3%. Mesmo em relação às legislativas do ano passado, duplica a sua votação. Acrescentem-lhe os Irmãos de Itália, com 6,5% (tinham 3,5% nas europeias anteriores). Na Suécia, os Democratas Suecos (a ironia) passam de 9,7% para 15,4%. Na Bélgica, o Bloco Flamengo sobe de 6,8% para 11,5%. E no Reino Unido, o Partido do Brexit ficou em primeiro, com 31,7%, a que devemos juntar os 3,6% do UKIP.
Depois há as falsas derrotas da extrema-direita. Diz-se que perderam na Alemanha e Espanha porque caíram em relação às últimas legislativas. Mas, no que toca às europeias, que é o que interessa para o Parlamento Europeu, a AfD passa de 7% para 11% (teve apenas mais seis décimas nas últimas legislativas) e o Vox passa de uns insignificantes 1,5% para 6,2% (teve 10% nas últimas legislativas).
Por fim, os dois grandes do Leste. Na Hungria, o Fidesz (que ainda está no PPE) sobe de 51,3% para 53%. Mas aí a notícia até é boa, já que cresce à custa do partido ainda mais à direita (o sinistro Jobbik), que desce de 14,7% para 6,4%. Na Polónia, o PiS, no Governo, tem 45,4% (mais 14 pontos percentuais do que há cinco anos), a que devemos acrescentar as listas Kukiz'15 (extrema-direita populista), com cerca de 3,7% e a aliança de partidos extremistas Konfederacja, com 4,5%. Ou seja, maioria absoluta de populistas e extrema-direita.
Quando a extrema-direita fica em primeiro em França, em Itália e no Reino Unido, cresce em quase todo o lado e os populistas de direita têm maioria absoluta na Polónia e na Hungria, alguém me explica de onde vem o alívio?
Os grande vitoriosos são os “Verdes”, com uma subida extraordinária na Alemanha e ganhos interessantes em França, na Suécia, na Finlândia e na Irlanda. Mas se olharmos para os resultados gerais, passam de 50 para 69 deputados. Não chega para falar de “onda verde”. É a subida de 10,7% para 20,5% na Alemanha que criou essa ilusão. Ela deu mais dez deputados dos 19 novos deputados dos verdes. E nada disto inclui os aliados de Varoufakis, num movimento pan-europeu que, de Portugal à Grécia, teve resultados modestos, não conseguindo sequer eleger o seu líder, que concorrendo na Alemanha não chegou sequer aos 0,2%. Sim, em todo o lado, as eleições continuam a ser mesmo nacionais.
Quem não pode cantar vitória é a Esquerda Unitária/Verdes Nórdicos, onde estão o Bloco de Esquerda e o PCP. Passam de 52 para 39 deputados, sendo claramente ultrapassados pelos verdes. E neste grupo estão seis deputados do Siryza que, derrotados pela Nova Democracia na Grécia, marcaram eleições legislativas antecipadas e podem bem vir a debandar para o grupo dos socialistas. Depois de França, Alemanha, Grécia (com seis deputados cada uma) e Espanha (com cinco), Portugal é o país com mais representantes neste grupo (dois do BE e dois do PCP).
Os socialistas e social-democratas tiveram, como se esperava, pesadíssimas derrotas. Sobretudo nos países mais relevantes. Na Alemanha, o SPD passa de 27,3% para 15,8%, sendo ultrapassado pelos “Verdes”. É o preço que paga por uma longa aliança com a CDU e pela incapacidade de ser alternativa. Uma pesada herança da terceira via que, depois de cumprida, atirou os sociais-democratas para uma lenta de deprimente decadência. Em França, passam de 14%, que já tinha sido um resultado miserável, para 6,2% (coligados com vários partidos). E as coisas estão de tal forma que, em Itália, festeja-se a passagem do Partido Democrático de 40,8% para 22,7%, porque nas últimas legislativas o partido que federa toda a quase toda a esquerda, centro e parte do centro-direita teve 19%. Os socialistas passam de 191 deputados para 146 deputados – 45 perdas. As exceções são mesmo a Holanda, em que o PvdA passa de 9,4% para 18,9%, e Espanha, onde os socialistas sobem de 23% para 33%. Em Portugal, a subida foi, como sabemos, ligeira.

Não é muito diferente do que aconteceu à direita, com o PPE. Passa de 221 para 180 deputados, menos 41. Se o Fidesz de Viktor Órban vier a sair do PPE, serão menos 52. Os maiores rombos foram em Espanha, onde, com a queda do PP, passam de 17 deputados eleitos (correspondente a 26%) para 12 (correspondente a 20%); França, onde os republicanos passam de 21% para 8,5%; e Itália, onde o partido de Berlusconi passa de 16,8% para 8,8%. E mesmo na Alemanha, a CDU passa de 35,3% para 28,9%, perdendo cinco deputados. Em resumo, quem governa a Europa foi punido.

Depois há, como sabemos, a hecatombe britânica. Aí, os Conservadores (que não fazem parte do PPE), foram dizimados. Estão no Governo – se é que podemos chamar aquilo de Governo – e ficaram, nestas europeias, como quinta força política, atrás do Partido do Brexit, dos Liberais Democratas, dos Trabalhistas e, pasme-se, dos Verdes. Se o UKIP já tinha conseguido, há cinco anos, ficar em primeiro com 26,8%, o Partido do Brexit consegue 31,7% e, se lhe juntarmos o UKIP, mais de 35%. Do sistema, só os LibDem e os Verdes ganham: uns passam de 6,7% para 18,5%, ficando em segundo, outros passam de 7,7% para 11,1%. Os trabalhistas caem de 24,7% para 14% e os conservadores despenham-se de 23,3% para uns extraordinários 8,7%. Mas quem julgue que a revolta é exclusivamente remainer, saiba que as dissidências pró-europeia de trabalhistas e tories, o Change UK, não chegou aos 3%. A revolta parece ser mesmo contra a incapacidade dos dois partidos conseguirem gerir este processo com mínimo de tino, seja para que lado for.
Outros vencedores de domingo são os liberais. Sobretudo por causa do partido de Macron que, ficando em segundo através da sucção de socialistas e republicanos, consegue 22,4%. No Parlamento Europeu, os liberais passam de 67 eleitos para 109. Uma subida de 42. Se lhes tirarmos o ganho no Reino Unido, porque nem sabemos se chegarão a tomar posse, perdem-se 15 deputados conquistados (o LibDeb passou de um para 16 deputados), sobram 26 ganhos. Catorze deles foram vêm de França (onde, às custas de Macron, os liberais passam de sete para 21). Mesmo a subida dos Ciudadanos, de 3% para 12%, não traz ganhos em deputados, porque outros partidos espanhóis deste grupo perderam representação.
A Frente Progressista que vai de Tsipras a Macron resume-se à cooptação do Syriza para os socialistas e a um acordo com os liberais na distribuição de lugares. E enquanto se entretêm com o jogo das cadeiras, a extrema-direita continua a crescer, a esquerda a definhar e a Europa a afundar-se
Com esta constituição do no novo Parlamento Europeu, os liberais passarão a ter um papel de charneira sem o qual os socialistas não conseguem negociar lugares com os populares. Se acreditou na ideia de que se tentava construir uma “frente progressista” entre socialistas e liberais para combater a extrema-direita é um ingénuo incorrigível. O que está sempre em causa na Europa é a distribuição de lugares. Sem uma maioria absoluta entre o populares e socialistas (tinham 412 eurodeputados, agora têm 326), os socialistas terão de negociar com o centro-direita para dividirem com eles a parte do bolo que costumam ter só para si. E a divisão terá de ser bastante simpática para os liberais, que só têm menos 37 deputados do que eles. É só mesmo de jogos de cadeiras que estamos a falar. A “frente progressista” que vai Tsipras a Macron resume-se à cooptação do Syriza para os socialistas e a um acordo com os liberais na distribuição de lugares. E enquanto se entretêm com o jogo das cadeiras a extrema-direita continua a crescer, a esquerda a definhar e a Europa a afundar-se.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

DEPOIS DO DIA DE REFLEXÃO O DIA DA INTROSPECÇÃO


O papa Francisco fez um alerta neste domingo (3) dizendo que líderes, como políticos, pastores, autoridades públicas, professores e até mesmo os pais, precisam "ter sabedoria para guiar alguém porque, caso contrário, correm risco de causar danos às pessoas que confiam neles" (...) "Pode um homem cego guiar outro cego?", questionou o Pontífice durante o Angelus, na praça São Pedro. Em seguida, o líder argentino respondeu falando que "um guia não pode ser cego, mas deve ver bem, estar consciente do seu papel delicado e sempre discernir o caminho certo para liderar pessoas". Fonte: Santaportal.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 25 de maio de 2019

ALMOÇO DOS GRINGOS DE GUILÉJE


Hoje estive com os meus camaradas da guerra colonial. Este ano o convívio foi em Goães/Amares, mesmo ali junto à lindíssima barragem da Caniçada. Um passeio de barco, muita confraternização,  novamente as memórias, boas e más, vividas no isolamento de Guiléje, na Guiné Bissau. Guiléje ficava na fronteira com a Guiné Conacri, onde existia o famoso "corredor de Guiléje" (alguns chamavam o "corredor da morte", que alimentava as tropas do PAIGC para o interior no então território nacional. Tempos difíceis. Guiléje foi a primeira povoação a cair às mãos dos guerrilheiros. A Companhia que nos sucedeu teve de abandoná-la em condições muito complexas, pela vaga de ataques dos homens de Nino Vieira.


Pertenci à Companhia de Caçadores 3477 - Gringos de Guiléje - liderada pelo Capitão Abílio Delgado. Comandei um pelotão de açorianos, de Rabo de Peixe, gente de quem guardo uma memória de lutadores e de união sem limites. Senti que, em todos os momentos, sobretudo nas saídas para a densa mata, comandei mas fui, extremamente, protegido. Tenho, por eles, um enorme afecto e gratidão.
Uma Companhia da qual, infelizmente, alguns já partiram.  
Guiléje foi completamete destruída. A mata, ao longo dos últimos 47 anos, tomou conta de todo aquele espaço. Alguns camaradas meus que, entretanto, visitaram Guiléje, dizem-me que é possível ali regressar e "contemplar" os vestígios da nossa presença e uma "tentativa" de museu do que foi aquela tabanca e local da presença dos portugueses.  Há indicações, inclusive, dos locais onde se situavam os abrigos, a artilharia e outros espaços que a presença militar exigia.
Sou o sexto, de pé, da esq. para a dir. 









Foi, novamente, um encontro muito agradável. Todos com setenta e mais anos de idade. Tenho pena de não reencontrar os açorianos, uma grande parte emigrante nos Estados Unidos e Canadá. Mas, enquanto for possível, todos os anos, uma parte e respectivas famílias marcarem presença, obviamente, será bom sinal. Fizemos um passeio de barco pelo rio Cávado (Barragem da Caniçada). Um paraíso! O almoço foi excelente. Escolhi "cabrito à Gerês". Uma delícia. 
Até para o ano, queridos Amigos. Em Águeda.
Ilustração: Arquivo próprio 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

CENSURA, NÃO!





FACTO

"A percentagem de idiotas na nossa sociedade é um sinal mais do que evidente nas redes sociais e temos de combater esse tipo de situação que não pode impedir o desenvolvimento da nossa região" - Secretário Regional da Saúde.

COMENTÁRIO

Começo por deixar aqui a parte da Constituição da República a que se refere a liberdade de expressão:

Artigo 37.º
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais. 
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Nas sucessivas maiorias absolutas do partido a que pertence o Senhor secretário incluem-se, também, parece-me óbvio, os "idiotas na nossa sociedade". Atingi-los desta maneira não é muito curial, porque foram esses que possibilitaram uma posterior nomeação para secretário. Adiante.
Depois, combatê-los, significa atentar contra a liberdade de expressão, em última instância, caminhar em um sentido de regresso a um passado pidesco e de censura repudiado por todos os democratas.
Acresce, ainda, que aqueles que têm uma posição diferente não estão a "impedir o desenvolvimento da nossa região". Pelo contrário, com as suas posições, desde que sérias e fundamentadas, estão a ajudar a construir uma Região melhor. Se isso faz confusão, lamento!
Eu, como muitos, senti-me no grupo dos "idiotas" (mantenho uma página na rede social Facebook) porque assumo, quase diariamente, posições distintas que não correspondem às políticas vigentes. Segundo o Senhor secretário, sou, como todos os outros visados, uma "pessoa sem inteligência, discernimento ou bom senso, ignorante, que diz tolices ou coisas sem nexo, tolo e estúpido". Como por aí se diz, "fica-se assim"... mas saiba que, da minha parte, continuarei, porque prezo a liberdade de expressão, gosto de analisar os factos políticos, como sempre fiz, sem baixar o nível de uma posição CIVILIZADA. Prefiro ser eu a um "idiota útil".
Finalmente, o Senhor secretário tem um remédio: não leia. Se não ler, não ofende. Ou, então, seleccione os sítios das redes sociais onde apenas tem a certeza que está limpo de "idiotas". 
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Quando um Conselheiro de Estado divide os portugueses entre bons e maus...

"(...) Veio tipo colónia, veio meia hora falar com uns patinhos como se nós fossemos todos uns atrasados mentais à espera das lições do senhor (...)", declarou, na "festa da cebola", o presidente do governo regional da Madeira. Referia-se à presença, na Região, do secretário-geral do Partido Socialista, Dr. António Costa. 


A frase é completamente desajustada e, diria mais, manifestamente ofensiva. Vou por partes. 
Quatro aspectos gostaria de salientar nesta breve reflexão. Primeiro, uma questão de vivência democrática, porque somos portugueses do Minho ao Corvo, os partidos políticos são nacionais e, nas eleições europeias elegem-se deputados de uma lista nacional. Em segundo lugar, uma questão de educação. Aquela declaração vai ao arrepio do exemplo que deveria partir de quem tem responsabilidades de governo. De que vale a escola tentar disseminar os princípios da tolerância (ONU) isto é, "o respeito, a aceitação e o apreço pela diversidade em todos os seus âmbitos", se um governante, com 24 palavrinhas destrói, completamente, a liberdade do próximo? Terceiro, o presidente do governo regional, por inerência, é Conselheiro de Estado, logo, uma figura que, no mínimo, deve assumir uma postura de união entre os portugueses, nunca a divisão entre bons e maus madeirenses, entre bons e maus portugueses. Quarto, sendo o presidente do governo regional um importante parceiro nas negociações políticas, com que à vontade se sentará à mesa, com o Primeiro-Ministro, para discutir os dossiês da governação, quando atira a pedra da ofensa em claro desrespeito institucional?
De facto, o senhor presidente do governo regional trata os insulanos como "se nós fossemos todos uns atrasados mentais". A cópia, eu diria fotocópia, é sempre de pior qualidade que o original. E se o original da ofensa gratuita teve um tempo, que cansou e fez despertar incómodos sem fim, a fotocópia revela-se, no plano político, muito pouco inteligente e desastrada. O povo vem dando mostras que já não vai nesse tipo de paleio. Aliás, julgo que toda a oposição na Madeira aplaudiu aquela declaração do presidente do governo regional. 
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 19 de maio de 2019

A LIÇÃO DO PROFESSOR BRUNO LAGE


Finalmente, um treinador, na hora da vitória, saiu da mediania e, sereno, aproveitou a oportunidade para dar , de improviso, uma lição: (...) "Que este título, que esta reconquista, que este campeonato que estava perdido, seja também a forma de nós começarmos a dar mérito a quem ganha, e tem de partir de nós agora", pedindo que "a partir do nosso exemplo, começarmos a olhar para os nossos adversários e quando eles ganharem, também lhes dar mérito, porque só assim é que, quando nós ganhamos, eles nos vão começar a dar mérito."

Bruno Lage foi mais longe ao lembrar que "o futebol é apenas o futebol", considerando que "há coisas mais importantes na nossa sociedade e no nosso país pelas quais temos de lutar". Partindo do fervor desportivo nutrido pelos adeptos, o treinador disse para as pessoas "se unirem" porque, "se tiverem a força, se tiverem a exigência que têm no futebol noutros aspectos de Portugal, na nossa economia, na nossa saúde, na nossa educação, nós vamos ser um país melhor". Fantástico! Uma lição política a que juntou uma frase de cidadania na Praça do Marquês de Pombal: "É só para avisar que ninguém vai para casa sem deixar a praça limpa, ok?"
Não é normal, na hora da euforia, da loucura total, das exacerbadas paixões, um Homem suba à tribuna e, serenamente, diga a todo o País que "o futebol é apenas o futebol". Que existem sectores e áreas da nossa vida comum muito mais importantes.
Bruno Lage tem uma sólida formação académica, fez uma Licenciatura em Educação Física e Desporto. E isso faz toda a diferença, sobretudo porque, muito certamente, não leu, apenas, as sebentas para cumprir as cadeiras da Faculdade. Foi mais longe e isso, sinceramente, agrada-me, sobremaneira.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Ontem "A bem da Nação", hoje "A bem da Região"!


Ontem, senti vergonha. Fiquei preso à TVI, porque, independentemente dos temas abordados e distante dos casos apresentados, toda aquela narrativa conjugada com os testemunhos, transportou-me à vivência de 45 anos de um regime político, cuja democracia, facilmente se prova que se ficou pelos sucessivos actos eleitorais. Em pouco mais de trinta minutos assisti à teia montada, aos interesses em jogo, à prevalência na defesa de uns relativamente aos demais, aos milhões que se jogam por cima e sob a mesa, em redor da qual se sentam convivas alinhados, os subterfúgios discursivos e as formas como se corrompe sem a maioria dar por isso. Fez-me lembrar um ex-deputado que me contactou, no sentido de questionar-me se eu alinhava em uma proposta no sentido de limitar as representações parlamentares apenas a quem conseguisse, nas urnas, o voto de 5% dos eleitores. Disse-lhe que não, porque isso significaria, no actual contexto, retirar da Assembleia a voz das minorias. Percebi ao que vinha. Eliminar as margens para tornar mais fácil o jogo sujo dos maiores! E disse-lhe mais: já pensaste nas repercussões públicas de uma iniciativa dessas? Replicou: quem, quem, cinco mil gajos, cinco mil! A conversa ficou por ali: adeus, meu caro, não contes comigo enquanto for líder do grupo parlamentar, sublinhei. 


São os jogos desta natureza e muitos outros, de complexidade maior, extremamente camuflados, com regras juridicamente arquitectadas em gabinetes de topo, que funcionam fora do radar da população, que tornam o poder apetecível, porque, indirectamente, são potencialmente geradores de riquezas mal explicadas. Ora, assistir, no plano nacional, ao nome da Madeira, completamente enxovalhado por atitudes políticas que os vários Tribunais, enquanto órgãos de soberania, explicaram e decidiram pela ausência de honestidade e concluir que um cidadão, condenado seja lá porque for, tem prazos e deveres para cumprir de acordo com a Justiça e que, paradoxalmente, um governo, que deveria ser exemplo e referência maior, pura e simplesmente não cumpre, repito, encheu-me de vergonha. Qualquer sujeito de bom senso, mesmo que partidário, defendo eu, deve repudiar qualquer simulacro de democracia, a desonestidade, este desenho de peças que se entreajudam, com fatinhos feitos por medida, ora agora para este, ora para aquele, possibilitando aos grupos que vindos do nada, ganhem espaço e imponham as suas lógicas de funcionamento.  
Não está em causa a ambição empresarial, a inovação, o sentido de risco, a criação de riqueza e a sua natural distribuição, está sim em causa, o compadrio, a mesa do orçamento público, a negociata, a cultura disseminada que conduz a inúmeros silêncios cúmplices, a engrenagem, o pensamento que é melhor estar com estes do que com aqueles, os lucros das práxis promíscuas, está em causa, enfim, a lógica do ajuda-me que eu te ajudarei na perpetuação da tua cadeira de poder. 
Em um contexto destes, sensível há dezenas de anos, sustentado no come e cala-te, onde é dito sem dizer, ou entras no rebanho ou tramas-te, onde o primeiro órgão de governo próprio não é mais do que uma caixa de ressonância e de aprovação da bodega alimentada fora do hemiciclo, chega-se a um ponto de desencanto e de grito. Do que assisti ontem, para além dos nebulosos e conhecidos casos, que não comento, fica certeza da existência de inúmeras pontas soltas em uma democracia de fachada que deveriam ser investigadas, custasse o que custasse e doesse a quem doesse. 
O problema é que vejo, sentados à porta do banquete, gente a querer juntar os trapinhos, por conveniência, para que o festim continue.  
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 14 de maio de 2019

"A TECNOLOGIA É A SALVAÇÃO DA HUMANIDADE"


FACTO

Disse o Senhor presidente do governo regional da Madeira: "A tecnologia é a salvação da humanidade".

COMENTÁRIO


Não vou entrar pelo domínio das convicções religiosas, no que concerne à "salvação". Apenas quero situar-me na frase para dizer, logo à partida, que a humanidade não se "salvará" através do desenvolvimento tecnológico. As tecnologias constituem, apenas, importantes instrumentos ao serviço do Homem. Mas não é através delas que o Homem, vivendo em qualquer dos Continentes, caminhará no sentido do bem-estar e da felicidade. 
Dispor de um telemóvel, de um computador, de redes inter-planetárias ou de robôs, entre tantas ferramentas, não traz, implicitamente, no seu bojo, a tal "salvação da humanidade". No contexto político e do desenvolvimento, a tecnologia, que a todos nos aproximou e permitiu importantíssimas descobertas em variadíssimos sectores, simultaneamente, veio ditar que o Mundo precisa de uma nova ordem. Não é a tecnologia que irá contrariar os dados estatísticos que nos dizem que "os 26 mais ricos têm tanto dinheiro quanto a metade mais pobre da população mundial" e que de acordo com a Oxfam, ao longo de 2018, a riqueza dos mais ricos aumentou 12%, mas a dos mais pobres caiu 11%, alargando o fosso entre ricos e pobres". Não é a tecnologia que erradicará a pobreza, a ganância e a ambição de querer mais e mais. Não é a tecnologia que limitará o desejo de guerra, a conquista, o espezinhamento dos fortes sobre os mais fracos. Não é a tecnologia que impedirá actos de corrupção à escala internacional. Bem pelo contrário. Não é a tecnologia que afastará os homens da frustração e das depressões. Não é a tecnologia que irá esbater ou acabar com 100.000 exames, cirurgias e consultas em espera na Madeira (fonte: manchete do DN-Madeira de hoje). Não é a tecnologia que travará os 27,4% de pobres da Região. Podia ir por aí fora, com números locais, nacionais e internacionais em todos os sectores,áreas e domínios do desenvolvimento. 
A "salvação da humanidade" está então nessa nova ordem mundial, a qual, convicto estou, ser de solução muito difícil. A chave pode ser complexa, é certo, mas a utopia deve-nos acompanhar, enquanto processo, enquanto caminho a seguir. E o Senhor presidente deveria saber isso. Que a tecnologia corresponde ao natural desenvolvimento da ciência, repito, com expressão em tantos domínios, mas que tem sido aproveitada, não para a "salvação", isto é, para a existência de novos equilíbrios, mas para que "1% da população domine 80% da riqueza mundial" (fonte: Observador - relatório de 2017).
Ilustração: DN-Madeira

segunda-feira, 13 de maio de 2019

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS - Berardo e os gestores de papel


Por
13/5/2019/Observador 

Incompetência ou conluio? Eis a pergunta que suscita a ida de Berardo à AR. Primeiro porque o financiamento não devia ter sido dado, depois porque a CGD não fez tudo o que podia e devia para o reaver.

A primeira vez que Joe Berardo deixou de pagar os juros à CGD foi em Novembro de 2008. Já tinha falido o Lehman Brother’s e o BPN estava nacionalizado para não falir. Face ao incumprimento, a Caixa podia ter executado a garantia que tinha, as acções do BCP, vendendo-as em bolsa. Fá-lo-á mais tarde, a partir de 2011. Nessa altura não o fez. Porquê?
“Foi um erro tentar acomodar o que a Caixa e outros bancos pediram, para não vender as ações dadas como garantia”. São palavras de Joe Berardo na comissão parlamentar de inquérito à CGD. Ainda segundo o que afirmou, a razão apontada para não executar as garantias é que podia estar em causa o sistema financeiro português. Revela ainda Joe Berardo que aceitou essa decisão dos bancos com uma condição: “desde que não fosse considerado responsável.” E aparentemente é isso que está a fazer: não ser o responsável pela decisão que a CGD tomou em 2008.

Em vez de vender as acções do BCP, para recuperar nem que fosse parte da dívida, a CGD preferiu, em 2008, com o BCP e o então BES, reestruturar a dívida. Deu a Berardo 18 meses sem pagar juros e aceitou uma garantia muito original: títulos da Associação Colecção Berardo. Sabendo perfeitamente que não estava a penhorar a colecção de arte moderna mas sim títulos de uma associação – que em regra não tem títulos. E sabendo ainda que a execução dessa garantia esbarraria num contrato com o Estado português válido até 2017. Basicamente, se Berardo entrasse de novo em incumprimento – como aliás aconteceu logo que terminou o prazo de capitalização de juros – o penhor sobre os títulos da Associação era um “faz de conta”.

Foi esse “faz de conta” que se viveu na passagem do século XX para o século XXI e que só agora começa a chegar ao fim. Um “faz de conta” em dois actos. No primeiro acto finge-se que há banqueiros e empresários de sucesso que afinal só têm dívidas. No segundo acto os bancos tentam disfarçar as perdas com as dívidas desses banqueiros e empresários construídos com crédito.
No processo das máscaras que iam construindo, os bancos permitiram que esses grandes devedores fizessem desaparecer tudo o que pudesse ser penhorado.
O mediatismo de Joe Berrardo e o desastre que foi a sua audição geraram uma onda de revolta e críticas que é compreensível. Mas Berardo está longe de ser o único ou mesmo o pior caso. Tem, pelo menos, uma colecção de arte que atrai visitantes e turistas.
Basta ler as revistas Visão e Sábado da última semana para perceber que os bancos permitiram que alguns dos grandes devedores fizessem desaparecer todos os seus activos. E fizeram-no de forma tão profissional que, a crer na incapacidade dos bancos, parece impossível reverter as transferências e vendas que fizeram esses grandes devedores. Um pequeno empresário tem medo de vender os seus bens ou das suas empresas, para evitar a execução dos bancos, porque sabe que pode ver um tribunal a reverter essas transacções. Os grandes empresários fizeram-no aparentemente com toda a impunidade. Há excepções, claro.
No caso de Joe Berardo a CGD (tal como o BCP e BES) ou foi incompetente ou foi cúmplice, ou ambas as coisas. E a história começa com cumplicidades na guerra pelo controlo do BCP em 2006 e continua até hoje numa mistura de cumplicidades e incompetências.
Berardo, em contrapartida, tem sido muito competente a defender os seus interesses. Não se pode é, como aliás disse Berardo na intervenção inicial lida pelo seu advogado, deixar de avaliar as responsabilidades de governos e do Banco de Portugal assim como a “permeabilidade ou não dos órgãos sociais da CGD a outros interesses, nomeadamente políticos”. E também não esquecer que são as nossas leis e a nossa justiça que abrem a porta à impunidade destes grandes devedores.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 11 de maio de 2019

Choque económico X: a táctica do salame


É possível colocar o CINM no centro do interesse da Madeira e assim torná-lo nacional e imprescindível

Deputado na Assembleia da República
11 MAI 2019 


É preciso rejeitar a noção simplista e distorcida que a Madeira não pode prescindir das receitas fiscais do CINM. Não é isso o essencial, nunca foi esse o objectivo , nem é esse o caminho.
É verdade que, sobretudo, desde 2012 a Madeira tem acesso a um contentor de receitas fiscais da Zona Franca da Madeira e essa realidade é incontornável e muito positiva. Mas era essa a essência do CINM? Sempre foi esse o ganho mais evidente ? Foi nesse pressuposto que os governos regionais e nacionais se debateram pela manutenção da praça ? Foi essa a filosofia da ideia aprovada pela União Europeia na já longínqua década de 80? Não, não, não e não!
Lembro aliás que a maior parte do período de ouro do CINM em termos de atração de empresas, mas também de criação de emprego, foi quando a receita fiscal era zero em termos de IRC. Na prática, a defesa do CINM era genuinamente a sua importância para o desenvolvimento regional com criação de emprego e diversificação da economia. Nesse tempo, as receitas mais significativas, e que até davam nas vistas, não eram as fiscais mas as taxas de instalação de empresas. Mas esse também não era o ponto. O mote era construir um projecto de desenvolvimento económico que promovesse a coesão, baseado na atração de investimento externo. Esse, do meu ponto de vista, continua a ser o mais natural e desejado desígnio.
É também verdade que pelo caminho, neste esforço de dezenas de anos, edificou-se um centro de negócios internacionais, formaram-se pessoas com excelentes capacidades para compreender e trabalhar em mercados competitivos fora das fronteiras do arquipélago, atraiu-se novas actividades. Ensaiou-se, várias vezes, um centro industrial que, infelizmente, esbarrou sempre com os condicionalismo dos transportes marítimos. Promoveu-se a cobiçada atração de serviços financeiros até ao princípio deste século, altura em que estes saíram do pacote de investimentos admitido pela Comissão Europeia. Por essa mesma altura também emergiu outra esperança: o comércio electrónico e a ideia que a diversificação da nossa economia, “oferecida” pelo CINM, poderia ser por essa via.
Na verdade, entre 2005 e 2010, com o avanço do comércio electrónico mas também com as vantagens de uma muito competitiva taxa de IVA (a segunda mais baixa da maioria das jurisdições fiscais da Europa) a Zona Franca da Madeira esteve próximo de se afirmar como espaço privilegiado de investimento tecnológico. Mas essa vantagem, baseada apenas em motivações fiscais, foi completamente anulada com as alterações europeias expressas na Diretiva 2008/8/CE, no que respeita às novas regras de localização das prestações de serviços. Assim, face às actuais regras de localização, decorrente da adaptação da citada Directiva, das operações efectuadas através do Comércio Electrónico, deixou de tornar vantajoso para os operadores de países terceiros que prestem serviços a particulares estabelecerem-se na Madeira, uma vez que à luz do regime actual de tributação, o serviço é tributado no local onde é́ consumido.
Estes exemplos demonstram a tese óbvia : o CINM não deve ser defendido como gerador de um tanque cheio de receitas fiscais. Deve ser antes um mecanismo relevante para suportar o desenho do modelo de desenvolvimento económico da Região, mergulhando a nossa economia na linha estratégica a desenhar para o futuro CINM. Na prática, o CINM não deve ser um corpo estranho à economia regional, deve se confundir com ela, puxar por ela e contribuir para que ela se diversifique, crie riqueza e possam emergir ainda mais empregos. Para isso é preciso responder aos tempos de hoje: o que temos? A trilogia “zero impostos, zero de obrigações de emprego, zero de obrigações de investimentos” já não existe! A atração de investimento tecnológico pela via do IVA competitivo desapareceu, o centro industrial nunca se afirmou, e os transportes não estão melhores, e os serviços financeiros são proibidos no quadro actual.
Tudo o que relatei faz parte da história do CINM. Podemos encontrar várias justificações para não ter sido melhor, mas cabe agora prosseguir para continuar a aproveitar as “fatias de um salame” e eis que outra fatia surge com força : o registo de navios. Portanto, aproveitar o potencial do Registo de Navios da Madeira, o terceiro maior da Europa, é crítico e surge como a nova menina dos olhos do CINM. Não é abandonar o esforço de muitos anos, é construir uma área de excelência e arrastar o resto. Só entendendo a sua evolução, os seus obstáculos e as suas potencialidades, é que é possível desenhar, de uma vez por todas, a orientação estratégica que coloque o CINM no centro do interesse da Madeira e assim torná-lo nacional e imprescindível. Vamos a isso.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

105 ANOS DEITADOS NO LIXO. ESTA POLÍTICA DESPORTIVA SÓ PODE DAR ERRO! E AQUI VAMOS...


Raramente escrevo sobre matérias que envolvem clubes, entre outras situações, com Sociedades Anónimas Desportivas. Simplesmente porque, desde há muito, defendo uma estratégia muito distinta daquela que a Região seguiu para o desporto. Entrar nesse debate é aspecto que não me agrada, pelas paixões que, invariavelmente, se desenvolvem. Mas hoje vou fazê-lo, excepcionalmente, porque a realidade demonstra que a hora da verdade, parece-me, estar a chegar. Implacável. 


O C. F.União, com 105 anos de uma história muito rica entrou em insolvência com 10 milhões de dívidas (Fonte: dnotícias, edição de hoje). O C. D. Nacional, outro com um passado brilhante, corre o risco de descer, uma vez mais, ao inferno da segunda Liga do futebol profissional, com todas as naturais consequências no financiamento. Na ilha vizinha, o Porto-santense, infelizmente, anda com o credo na boca. Enfim, estes os casos mais conhecidos, mas outros existem, permitam-me a expressão, "pendurados em dívidas", por um fio, vivendo ao mês, à semana e quantas vezes ao dia, fruto do empenhamento dos seus dirigentes. Isto deveria ser motivo de uma profunda reflexão, porque uma coisa é o saudável direito à ambição, outra é como sustentar essa ambição, em uma Região pequena, assimétrica e muito dependente.
É evidente que este é um tema com muitas variáveis em uma análise séria e que não podem ser descuradas: desde a cultura de uma prática física assumida pela população como bem cultural, até à Educação Desportiva Escolar (curricular), passando pelo Desporto Escolar até ao Desporto Federado. Ora, conhecido o caminho que foi seguido, tal permite-me dizer que se outro fosse o percurso, talvez não existissem tantas angústias e estados de insolvência, tanto dinheiro desperdiçado e os resultados porventura melhores, desde a taxa de participação ao alto rendimento.

Entre muitos textos publicados, vou deixar aqui dois excertos que peço que os considerem à data que foram escritos, mas que dão conta de um quadro que, julgo eu, merecia uma adequada reflexão. 

19.12.2012
"O Povo começa a perceber as palavras de Chico Buarque: “Aqui na terra tão jogando futebol; Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll; Uns dias chove, noutros dias bate sol; Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (…)”. Pois é, tudo por uma questão de ausência de planeamento, de bom senso e respeito pela coisa pública. Alguns exemplos: na Região Autónoma da Madeira existem 37 campos de futebol, um por cada sete mil habitantes. O Funchal dispõe de dois estádios, financiados em mais de 80 milhões de euros. Foram investidos 60 milhões de euros nas dezassete piscinas construídas nos últimos dez anos. A opção política determinou projetos estandardizados, mas “de luxo, com sofisticados sistemas de ventilação, aquecimento a gás e tratamento de água inovador, em alguns casos” (DN-Madeira de 09.06.11); outra peça jornalística sublinha que, em apenas 6.018 dias, um clube geriu 65 milhões de Euros de financiamento público e, em 2009, cada atleta desse clube custou à Região mais do dobro do que o governo investiu por aluno nas escolas. Só mais uns dados do imenso rosário faraónico: há dias, o Instituto do Desporto da Região (IDRAM), cessou as suas funções com 52 milhões de euros de encargos assumidos e não pagos e, nos últimos dez anos, movimentou mais de 310 milhões de euros. As Sociedades Anónimas Desportivas (SAD’s) estão falidas, as piscinas não funcionam por atrasos na liquidação das faturas de gás e gasóleo, a esmagadora maioria dos clubes (176) e associações (25), dependentes do financiamento público, estão em colapso, face aos atrasos, que chegam a quatro anos, das transferências acordadas para as 63 modalidades desportivas. Isto é, o “monstro” criado engoliu o criador. (...)"
https://comqueentao.blogspot.com/2012/12/com-que-entao-existem-clubes-e.html


ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES NO CAPITAL DAS SAD'S. UM PROBLEMA QUE PODERIA TER SIDO RESOLVIDO EM 2007

29.01.2012
Agora "choram baba e ranho", andam todos aflitos, alguns com responsabilidades na hierarquia política a saltarem do navio e dirigentes do desporto, que foram empurrados para a megalomania, que hoje começam a ver os seus nomes manchados, inclusive, no Banco de Portugal. Gente que esteve de boa fé e que, agora, sentem que ninguém os protege. Uma vergonha! Mas nada do que está a acontecer não foi por falta de aviso. Desde os primórdios dos anos 80 que o financiamento ao desporto, em geral, e, mais tarde, a criação das Sociedade Anónimas Desportivas, foi motivo de algumas reflexões e aconselhamento sobre os erros que estavam a ser cometidos. Na Assembleia Legislativa, entre 1996 e 2000 este assunto foi exaustivamente tratado sem qualquer sucesso. A maioria PSD encarregou-se de chumbar todas as propostas. Mais tarde, entre 2007 e 2011, o mesmo aconteceu. Portanto, a decisão agora tomada de alienação das participações no capital social das SAD's, só peca por tardia. Em 2007, o grupo parlamentar do PS propôs dois anos de adaptação a um novo regime que entraria em vigor em 2009/2010. O projecto em causa foi chumbado. Em 2010 o grupo parlamentar voltou a equacionar o problema, projetando a alienação de tais participações até 31 de Dezembro de 2012. Foi preciso o Ministério das Finanças impor. Ora, dizia-me um velho Professor que, infelizmente, já faleceu: "quem é burro pede a Deus que o leve e o diabo que o carregue". É que já não paciência para aturar tanta arrogância de um partido e de um homem! (...)"

Ficam aqui os artigos dos diplomas apresentados e chumbados.
Projecto apresentado em 2007:

Artigo 52.o
Objecto
1. O financiamento público ao desporto compreende a comparticipação nos custos associados às seguintes vertentes:
a) Construção, manutenção e apetrechamento de infra-estruturas desportivas públicas ou privadas, estas se consideradas de interesse público;
b) Formação de agentes desportivos;
c) Programas de desenvolvimento do desporto escolar, do desporto para todos e do desporto para cidadãos portadores de deficiência;
d) Fomento, recuperação e preservação dos jogos tradicionais;
e) Planos de desenvolvimento no âmbito do alto rendimento desportivo exclusivamente no quadro dos atletas madeirenses;
f) Deslocação de pessoas e bens a provas nacionais e internacionais;
g) Comparticipação nos encargos resultantes da organização de competições desportivas consideradas de interesse público;
2. O financiamento a que se refere a alínea f) do número anterior fica limitada às categorias iguais ou equivalentes a juniores e seniores, as designadas por selecções da Madeira e praticantes que se enquadrem na alínea e) do número anterior e no artigo 21º deste diploma.
3. Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional ou com praticantes que exerçam a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitas ao regime jurídico contratual, não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte da Região e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção de infra-estruturas ou equipamentos desportivos e respectiva manutenção, reconhecidas pelo membro do governo responsável pela área do desporto.
3. No âmbito da aplicação do número anterior, considerando-se a necessidade de um período de adaptação ao novo regime, estipula-se a época desportiva de 2009-2010 para a entrada em vigor do número anterior.
a) No cumprimento do número anterior, o governo regional alienará as suas participações nas Sociedades Anónimas Desportivas.

Projecto apresentado em 2010:

Artigo 47.o
Sociedades desportivas
1. São sociedades desportivas as pessoas colectivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação em competições desportivas, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada no âmbito de uma modalidade, nos termos da lei.
2. O governo regional alienará as participações sociais que a Região Autónoma da Madeira detém nas Sociedades Anónimas Desportivas até 31 de Dezembro de 2012. 
CAPÍTULO VII
Financiamento do desporto
Artigo 57.o
Objectivos
O financiamento público ao desporto visa, prioritariamente, contribuir para a generalização da prática desportiva, a elevação do bem-estar e da saúde das populações, a ocupação salutar dos seus tempos livres, o acesso ao espectáculo desportivo, o combate às desigualdades, dificuldades e constrangimentos resultantes da insularidade, a coesão social e a integração nacional e internacional através dos praticantes madeirenses individuais ou integrados em equipas de alto rendimento desportivo. 
Artigo 58.o
Objecto
1. O financiamento público ao desporto compreende a comparticipação nos custos associados às seguintes vertentes:
a) Programas de desenvolvimento do desporto escolar, universitário, federado, do desporto para todos e do desporto para cidadãos portadores de deficiência;
b) Construção, manutenção e apetrechamento de infra-estruturas desportivas públicas ou privadas, estas se consideradas, excepcionalmente, de interesse público;
c) Planos de desenvolvimento no âmbito do alto rendimento desportivo exclusivamente no quadro dos atletas naturais da Região Autónoma da Madeira ou com residência permanente e provada, no mínimo, de quatro anos anos;
d) Deslocação de pessoas e bens a provas nacionais e internacionais;
e) Formação de agentes desportivos;
f) Comparticipação nos encargos resultantes da organização de competições desportivas consideradas de interesse público;
g) Fomento, recuperação e preservação dos jogos tradicionais;
2. O financiamento a que se refere a alínea d) do número anterior fica limitado às categorias iguais ou equivalentes a juniores e seniores, as designadas por selecções da Madeira e praticantes que se enquadrem no número três e seguintes do artigo 24º deste diploma.
3. Compete ao membro do governo regional que tutela o desporto, regulamentar os apoios que visem a celebração de contratos-programa visando a participação desportiva nacional e internacional.
4. Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional ou com praticantes que exerçam a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitas ao regime jurídico contratual, não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte da Administração Regional Autónoma e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção de infra-estruturas ou equipamentos desportivos, considerados de interesse público, reconhecidas pelo membro do governo que tutela a área do desporto.
5. No âmbito da aplicação do número anterior, considerando a necessidade de um período de adaptação ao novo regime, estipula-se a data de 1 de Janeiro de 2013 para a entrada em vigor desta disposição.
Ilustração: Google Imagens
https://comqueentao.blogspot.com/2012/01/alienacao-das-participacoes-no-capital.html

O diabo afinal chegou (e foi-se embora)


Francisco Louçã, 
in Expresso Diário, 
07/05/2019

Chegou e viu, tirou o chapéu e foi-se...
Sempre tive alguma curiosidade em saber como era este diabo tão anunciado. A direita temia-o e desejava-o, esperando que tivesse as faces canhas de um comissário europeu que arrasasse o aumento do salário mínimo ou outras tropelias que, já se sabe, arruínam a nossa pátria, e que, num gesto pesado, reconduzisse a economia aos bons princípios da austeridade.


Mas foi afinal pela mão do primeiro-ministro que o demo se instalou entre nós, na vertigem de um apocalipse orçamental e com o cheiro a pólvora de uma tremenda ameaça de eleições antecipadas.A operação foi tão bem feita que houve mesmo uma fanfarra de cívicos que se levantou a bater palmas. Um “politicão”, disse um. “Cheiinho de razão”, assevera outro. Um “génio”, desbarreta-se outro.

Na direita ilustrada, a corrida foi para saber quem mais elogiava António Costa. Veio logo depois a fila dos “desiludidos” e dos “angustiados” com o PSD e CDS. Chegaram entretanto os técnicos, a confirmar, como na missa do sétimo dia, que o país estava em risco de desabar se aos professores fosse contado o tempo do seu trabalho nos termos da lei (que ninguém propôs mudar): um jornalista escreveu que a medida “dá cabo das contas do país”, um académico asseverou, desenvolto, que o custo seria “uma fração de 1%” do PIB (vá-se lá saber o que isto quer dizer) e o Governo foi atirando números tão díspares como 37 milhões, ou 240 milhões, ou 850 milhões, ou 1200 milhões, que importa, são muitos milhões, é pró menino e prá menina. A este espetáculo doimpressionómetro foi chamado “contas certas”.
A direita ficou em transe porque descortinou que ajudou o primeiro-ministro a tornar-se o melhor defensor da sua posição histórica, a noção de que se deve limitar os salários como modo de ajustamento orçamental. Afinal, o diabo veste rosa.
Feitas as contas que importam, esse impressionómetro regista três vitórias esmagadoras para Costa.
Primeira, ficou reforçada a ideia de que quem trabalha não pode reivindicar salário (“dá cabo das contas do país”).
Segunda, gerou-se a ideia de que os salários não devem ser determinados por lei ou por contrato, mas pela conveniência do Terreiro do Paço e, como sugere a direita em arremedo de solução, devia haver uma parte variável do salário que fosse negociada em Bruxelas. Somos todos peças na máquina cósmica do Ministério das Finanças. Antes a doutrina era contratualista, antes todos se regiam pelo “Estado de Direito”, agora esqueça tudo, o que passou a contar é o capricho do ministro. O salário será o que ele mandar.
Terceira vitória de Costa, esta a mais importante, criou-se um movimento de ódio social contra os professores, alimentado pelo discurso da igualdade na desgraça. Isto vai ter consequências duradouras e é um mundo novo que as direitas nunca conseguiram impor. O Governo convenceu a maioria da população de que a sua vida pode ficar melhor se os professores perderem o direito a salário legal.
Estes três triunfos ideológicos são notáveis, sendo que todos eles colocam o Governo no trono da cultura da direita. Mas que ninguém se engane, era mesmo o que pretendia e foi o que conseguiu.
Por isso mesmo, a direita ficou em transe porque descortinou que ajudou o primeiro-ministro a tornar-se o melhor defensor da sua posição histórica, a noção de que se deve limitar os salários como modo de ajustamento orçamental.
Afinal, o diabo veste rosa. Chegou, viu e venceu: assistir às inflexões do PSD e CDS, oferecendo com uma mão e prometendo nada pagar com a outra, ou à exasperação de quem pede que este fingimento seja aprovado, mesmo sabendo que não paga nada aos professores, é a prova de que o Governo ganhou a parada (para não falar do Presidente, que sem que fosse visto a mover um dedo, evitou eleições, encerrou a crise e seguiu viagem).
O problema é que, vencedor na sexta-feira, o diabo se foi embora logo no domingo. E talvez seja esse o maior risco para o Governo: foi tudo muito fingido, tudo mal explicado, os números eram fantasiosos, a representação foi gongórica. Uma crise colossal para eleições em fim de julho em vez de início de outubro? Ler os jornais internacionais sobre esta fabricação é um exercício penoso: não percebem nada e, no melhor dos casos, oferecem como explicação uma noveleta latina de faca e alguidar.
Dentro de portas também não serão poucas as pessoas, ou por pouca paixão partidária, ou por sentido das proporções, a perguntar se este diabo que vale 0,001 do PIB não era afinal um pouco exagerado e se a política vale todos estes enfatuamentos. Afinal, o diabo é um farsolas. E nunca nos evita o problema de sempre: se com a sua visita enxofrada começou a campanha para as eleições legislativas, voltamos à velha questão que se vai colocar a cada pessoa que pegue num boletim de voto: quer mesmo um governo PS com maioria absoluta? Ora, nesse campeonato é melhor não dar por certos os resultados. Confiança a mais é prosápia. Talvez o Governo se arrisque mesmo a ser vítima do seu próprio entusiasmo com o sucesso, que o leve a pensar que basta amedrontar o país para ter os votos e que tudo se resume a uma parada triunfal. Este diabo bem pode vir a ser o fantasma que persegue os vencedores de hoje.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

As quatro crises perante a União Europeia


Alexandre Abreu,
in Expresso Diário
02/05/2019

Enfrentamos atualmente quatro crises decisivas. Todas elas possuem uma dimensão europeia fundamental. São elas a crise ambiental e climática, a crise humanitária às portas da União Europeia, a crise de fragmentação política e ascensão da extrema-direita, e a crise da cooperação e solidariedade do projeto europeu. A forma como as enfrentarmos será decisiva para o nosso futuro coletivo. 

A crise ambiental inclui a ameaça crítica das alterações climáticas mas também a extinção em massa provocada pela ação humana, a produção e libertação no ambiente de milhões de toneladas de plástico e outros resíduos, a desflorestação, a degradação dos solos e a destruição de habitats. É a mais critica de todas as crises porque coloca em questão a própria sobrevivência a prazo da espécie humana. Na sua origem está um modelo de organização socioeconómica assente na predação da natureza e na lógica individualista de curto prazo em detrimento da racionalidade coletiva e do respeito pelos limites do ambiente. É uma crise global, não europeia, mas a sua dimensão europeia é facilmente compreensível: se a Europa, que é o mais próspero de todos os continentes, não for capaz de liderar o processo de transição energética e de reorientação da produção para as necessidades sociais e para o respeito pelos limites do ambiente, dificilmente poderemos ter esperanças de que o planeta como um todo o faça a tempo de evitar as consequências mais catastróficas.

A crise humanitária resume-se num número: dezoito mil pessoas mortas no Mediterrâneo a tentar chegar à Europa nos últimos cinco anos. Todas elas morreram em resultado direto da Europa-fortaleza – devido à ausência de formas alternativas, seguras e humanas, para chegarem ao continente europeu, seja em fuga da guerra ou em busca de melhores condições de vida. É uma crise humanitária e não migratória: os cerca de vinte milhões de pessoas nascidas fora do continente europeu que atualmente vivem na União Europeia são uma parcela muito pequena da população total de 500 milhões; os dois ou três milhões de requerentes de asilo chegados nos últimos anos são uma gota de água. Mas esta é também uma crise da consciência ética da Europa, um continente que reivindica a condição de farol moral do planeta ao mesmo tempo que permite que dezenas de milhares de pessoas morram às suas portas devido à incapacidade de assegurar os deveres mais elementares de hospitalidade e solidariedade.

A crise política é a da fragmentação da cooperação e ascensão dos egoísmos. Tem como manifestações mais evidentes o fechamento nacionalista e o crescimento do extremismo ultra-conservador e xenófobo num país após outro. É a resposta errada a ansiedades legítimas: vira contra os alvos errados – os estrangeiros, os imigrantes, os mais pobres – a angústia face à desigualdade, injustiça e desproteção que resultam de décadas de neoliberalismo. Tem um potencial destrutivo imenso: os monstros que cavalgam esta onda já mostraram que não hesitam em desmantelar o estado de direito e um património de direitos, liberdades e garantias que levou décadas a construir.
A quarta crise é a da longa deriva neoliberal do projeto europeu. A União Europeia sempre foi um projeto complexo e contraditório, uma arena na qual coexistem dinâmicas e fatores de solidariedade e progresso com dinâmicas de desigualdade e desproteção. A União Europeia de onde provêm os fundos de coesão que muito têm apoiado a modernização infraestrutural do nosso país é a mesma que impõe os constrangimentos orçamentais absurdos que sufocam os nossos serviços públicos. A União Europeia que tem assegurado padrões importantes de proteção do consumidor é a mesma que permite a corrida para o fundo entre estados a nível fiscal e que promove a flexibilização e desproteção nos mercados de trabalho.
Nesta tensão entre dinâmicas contraditórias, as últimas décadas têm sido marcadas por um desequilíbrio crescente no sentido da desproteção e desigualdade, através da consagração de opções políticas neoliberais nos tratados europeus e da criação de uma União Económica e Monetária que é um gigantesco mecanismo de desequilíbrio macroeconómico e de divergência entre economias centrais e periféricas. Em resultado disto mesmo, o continente mais próspero do planeta conta hoje com 16 milhões de desempregados, um quarto da população em risco de pobreza, uma enorme vulnerabilidade dos estados sociais face à próxima crise e uma dinâmica explosiva de desequilíbrio e divergência no seio da zona euro.
Estas quatro crises estão ligadas entre si. A crise de fragmentação política e ascensão do extremismo é um resultado da angústia provocada pela desproteção social e económica. A catástrofe humanitária da Europa-fortaleza tem na sua origem uma abordagem securitária e um défice de hospitalidade que são muito anteriores à ascensão da extrema-direita mas que são por esta adicionalmente agravados. E as perspetivas de uma resposta cooperativa e atempada ao desafio ambiental são bastante mais remotas no contexto de uma Europa que constitucionalizou o neoliberalismo e onde imperam cada vez mais os egoísmos.
Porém, estas quatro crises podem também estar ligadas na sua solução, exigindo o reforço da solidariedade e cooperação. São necessários novos modelos de organização social que privilegiem soluções coletivas, de partilha e circularidade. É preciso refundar a política de acolhimento da União Europeia de forma a afirmar os princípios da hospitalidade e da solidariedade. É preciso que a política económica volte a ter como objetivos fundamentais o pleno emprego, a proteção social e o combate à pobreza, e para isso é necessário afastar os tratados, disposições e estruturas que impedem isto mesmo. E se conseguirmos dar passos neste sentido, seguramente estaremos também a eliminar o substrato de que se alimentam os egoísmos e a extrema-direita.
A resposta a todas estas crises está longe de ser esgotar nos mecanismos de democracia representativa, mas passa também por aí. Nas eleições para o Parlamento Europeu do próximo dia 26, todos temos a responsabilidade de nos informarmos adequadamente e de apoiarmos os projetos e propostas que respondam de forma mais consequente e adequada à urgência destes desafios.