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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O SENTIDO DAS PRIORIDADES NUMA REGIÃO CHEIA DE PROBLEMAS


Nota prévia

Este é, apenas, um desabafo em um espaço de debate muito controverso, porque o futebol profissional está cheio de exacerbadas paixões. Espero que compreendam a minha posição, porque respeito todas as outras.

Nunca entendi a necessidade dos dois principais clubes da Madeira disporem de estádios próprios para a prática do futebol profissional. Outra coisa são os espaços para treino das suas equipas. Dir-me-ão que é legítimo no quadro dos seus projectos, rivalidades e ambições. Pois, é verdade. Porém, em uma Região muita pequena, limitada, pobre, assimétrica e dependente, onde os sucessivos governos não foram capazes de reduzir a carga fiscal prevista no Estatuto (20/30%), se o bom senso prevalecesse e não as cumplicidades, digo eu, seria muito mais compreensível que os dois actuassem na mesma “sala de visitas”. Exemplos não faltam em outros países, por exemplo, em Itália, onde o Inter de Milão e o A. C. Milan, desde há 70 anos, utilizam o mesmo estádio (Giuseppe Meazza, 80.074 espectadores). Entretanto, recentemente, o Milan e o Inter chegaram a acordo para trabalharem juntos no projeto de um estádio "moderno e de vanguarda". O San Siro data de 1926. Apesar de rivais, li que estão juntos na repartição dos encargos. 


Mas, por aqui, a pobreza tem destas coisas, os principais clubes já foram buscar às paupérrimas finanças regionais muitos e muitos milhões e soube-se, há dias, pela boca do secretário da Educação que o contrato-programa relativamente ao estádio dos Barreiros, obrigará a uma novas tranches até prefazer os 20.000.000,00 de Euros assumidos pelo governo. Questionado, o secretário engonhou, mediu as palavras ao jeito de “não me comprometa”, mas lá foi dizendo a verdade ou parte dela! Seja como for, muitos milhões a juntar a muitos outros milhões. E porquê? Porque, ao longo do tempo, por ausência de racionalidade nos investimentos, o governo cedeu às pressões e os dois acabaram por ter a sua casa, um terceiro também e até a Associação de Futebol foi contemplada. Depois, neste caso justificando-se, por toda a Região o que não faltam são os espaços para a prática do futebol. 
Falo de racionalidade no investimento público, porque, sendo os clubes instituições privadas, ninguém lhes pode limitar o direito de construírem os seus estádios através de recursos próprios com apoios muito pontuais. É evidente que foi a febre inauguracionista e a ausência de planeamento que assim ditou. Nada a fazer, porque o mal está feito. Agora, é arcar com as consequências, porque só a manutenção das infraestruturas deve colocar com os cabelos em pé de qualquer direcção!
Eu que raramente escrevo sobre desporto, muito menos sobre a utilização de uma modalidade desportiva utilizada no âmbito profissional (para muitos o desporto envolve um outro conceito) fico perplexo como é que, politicamente, se entrega(ou) de bandeja a empresas (as Sociedade Anónimas Desportivas, SAD’s, são empresas) tantos milhões em total desigualdade relativamente ao restante tecido empresarial. Só é inteligível por ausência de rigorosas prioridades políticas, económicas, financeiras e culturais, medo das clientelas partidárias e, sobretudo, porque a Região, embora condenando o que se passava (e ainda se passa) em alguns países, optou por ter um “desporto pertença do Estado”. Não há clube que não seja, coloco esta expressão entre aspas, “propriedade da Região”, tal é o grau de dependência financeira. 
Projecto de um novo estádio nascido da iniciativa do Inter/Milan.
Só nesta última semana os milhões jorraram (vide edição do DN de 22.11.2018, página 22). E isto é o que se sabe. Curiosamente, ou talvez não, por estes dias, um treinador, que muito considero, gritou que a sua modalidade dificilmente teria futuro uma vez que a pirâmide de praticantes está totalmente invertida. Isto é, a SAD funciona no quadro do alto rendimento, mas são poucos os que praticam a modalidade nos escalões mais jovens. Significa, utilizando a expressão do meu Amigo Arlindo Oliveira, que “estamos vestidos de "smoking", mas descalços”! E o que se passa nessa modalidade é muito semelhante a quase todas as outras, bastando para isso um olhar atento sobre a “demografia federada”. No quadro específico do desporto, a pirâmide está invertida e as prioridades também! 
A questão aqui, repito, é de racionalidade e bom senso no investimento. Também é de planeamento e de respeito pelos princípios do desenvolvimento. Um desses princípios é o da “prioridade estrutural”. Não faz sentido que o Sistema de Saúde ande com o credo na boca, tantas vezes a denunciar que corre a rapar o tacho, e o cidadão comum veja milhões a voar para satisfação de megalomanias. Da mesma forma que não faz sentido, o Sistema Educativo público andar à míngua e vermos 30 milhões serem entregues ao ensino privado, quando a obrigação de um governo é respeitar o direito constitucional à Educação pública. Da mesma forma que não faz sentido, olhar para vários exemplos de despesismo e sentir que falta dinheiro (ou má vontade) para um complemento de pensão a quem tem de viver com duzentos, trezentos euros mensais. O que acontece nos Açores! Da mesma forma que não faz sentido, estou a escrever sobre prioridades estruturais, gastar exorbitantes quantitativos, para gáudio de poucos, e não investir no desporto escolar, nessa prática que deveria ser entendida como bem cultural para a vida. Da mesma forma que não faz sentido, porque faz cair por terra a luta política, quase diária, contra “os malandros de Lisboa” (eles que paguem a factura) quando, por aqui, as opções são absolutamente discutíveis. 
Finalmente, ao invés dos governos esconderem o que, na prática, entendem como prioritário, gostaria que tivessem a coragem política, no decorrer das campanhas eleitorais, dizerem, abertamente, aos eleitores, o que pretendem fazer com o dinheiro de todos, no caso concreto, na prática desportiva e nas “empresas desportivas”. Gostaria, por extensão, de ver a reação dos eleitores e o seu sentido de voto, se conhecessem, antecipadamente, o leque das suas prioridades. 
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

"PORQUE O RICARDO MERECE"



FACTO

O vice-presidente do governo da Madeira foi à Ribeira Brava anunciar mais 17,2 milhões em obras, porque "o Ricardo merece".

COMENTÁRIO
E PERGUNTAS

O Professor Ricardo Nascimento, presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava é um dissidente do PSD, tendo concorrido, ganhado e destronado o partido que desde sempre governou a autarquia. Aproximando-se eleições, obviamente que, o que lá vai lá vai, e dai ser necessário um piscar de olho, ao jeito de "vem por aqui". Mas não é isso que aqui me traz. A questão é outra.
O senhor vice-presidente, na minha opinião, deveria ser menos descarado. Politicamente, não é "o Ricardo que merece", mas as necessidades do concelho que assim obrigam. É o seu povo que reivindica e, perante o quadro existente, no rateio do dinheiro disponível, cabe à Ribeira Brava um conjunto de obras, as quais, no seu conjunto valem x. "O Ricardo" é apenas um autarca como tantos outros pela Região. Será ridículo chegar a outros concelhos e repetir a mesma expressão. Espero que não o faça. Ou será que os que merecem são aqueles que estão ideologicamente próximos? 
Com algum humor, temos um vice-presidente tipo publicidade da Loreal... "porque nós merecemos!"
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A MELHOR ANEDOTA DO ANO


26/11/2018)

2018 é o ano de todos os fenómenos na política portuguesa. Impera uma espécie fábula bizarra onde a realidade nada tem a ver com o discurso, uma certa ladainha entoada à direita do espectro político que poderemos genericamente designar por "sim, mas o Governo é mau".

O desemprego cai como nunca caiu, mas o Governo é mau porque não apoia as empresas. As contas públicas estão certas, mas o Governo é mau porque as contas estão demasiado certas. O país cresce acima da média da União Europeia, mas o Governo é mau porque há países que crescem mais que nós. O salário mínimo tem subido, e vai continuar a subir em 2019, mas o Governo é mau porque o salário mínimo noutros países europeus é bem mais alto. O IRS tem baixado de forma consistente para as famílias da classe média que pagam impostos, mas o Governo é mau porque não desceu o IRC para as empresas. Passaram a ser financiados os manuais escolares para os alunos do ensino público até ao 12º ano, mas o Governo é mau porque não financia os alunos do ensino privado. Foi anunciada a abertura de concursos para a construção de mais cinco novos hospitais, mas o Governo é mau porque há outros hospitais a precisar de obras.
Esta é a lengalenga no que toca à discussão da situação económica. Mas, o mais engraçado, é a argumentação de algumas eminentes vozes da direita que tem um pouco mais de vergonha na cara e por isso não alinham na crítica fácil aos bons números da economia que tem vindo a ser revelados. Dizem eles:
- Bem, os números, HOJE são bons e positivos, mas o Governo é mau, porque podem vir a ser maus AMANHÃ se vier uma crise... bla... bla... bla!
Esta argumentação é ridícula mas reiterada. Que interessa aos cidadãos que daqui a cinco ou dez anos o país esteja numa grande crise se as suas condições de vida, HOJE, não permitirem que lá cheguem com dignidade? Enfim, adiante.
Depois, há também uma outra lengalenga de serviço. É a ladaínha "o Estado falhou, demita-se o Ministro". 
Vieram os fogos, fugiram as armas, veio a tempestade, há mortos todos os dias, roubos, assassinatos, assaltos a bancos, carteiristas à solta, atropelamentos, e agora caiu a estrada: a culpa é do Governo. o Estado falhou, demita-se o Ministro. 
Na proliferação deste discurso o CDS tem-se destacado de todas as restantes forças políticas. A Dra. Cristas, quando arenga, concluí sempre lapidarmente que o Governo é mau, o Estado falhou, demita-se o Ministro. 
Assim sendo, estaremos nós, portugueses, condenados a fenecer na apagada e vil tristeza de que falava Camões, sem rumo e sem esperança de futuro, tão mal governados que estamos a ser por essa diabólica Geringonça?
Nada disso, caros concidadãos. Ficámos hoje a saber que, num gesto largo e moscovita - agora invoco Pessoa porque só os poetas nos podem salvar... -, a Dra. Cristas se dispõe a governar-nos a todos, estando mesmo convicta de que "o CDS é a única alternativa governativa" (ver aqui). Extraordinário!
Se tudo isto não fosse um assunto sério, que tem a ver com a vida de todos nós, eu classificaria esta tirada como a melhor anedota do ano.
Eu já nem vou invocar os valores das sondagens onde o CDS - na última conhecida, há uma semana -, não tem mais que 7,7% das intenções de voto, enquanto o PS - o tal do mau Governo -, se aproxima da maioria absoluta.
Ó Dra. Cristas, é certo que o sonho comanda a vida - mais um poeta chamado a capítulo. Mas quando o sonho é desmesurado deixa de ser sonho e passa a ser alucinação e desplante, e há mesmo muito boa gente que é internada por alucinar em demasia.
Sondagens à parte, acredite ó Dona Cristas, veja se se enxerga. A maioria dos portugueses não vai votar em alguém que fez parte de um Governo que pôs o país a ferro e fogo, os pobres à míngua, as famílias às sopas, os jovens em fuga, enquanto que uma minoria vendia o país em saldos e decretava que o nosso destino como Nação era empobrecer.
Sim, ó Dona Cristas, por muito que entoe as suas ladainhas da desgraça, por muito que faça os seus exorcismos às esquerdas encostadas, o seu discurso não tem aderência à realidade, não tem futuro, pelo que já ninguém a leva a sério. Por muito que lhe custe, o futuro a curto prazo do país vai passar pelas esquerdas. Mais encostadas ou menos encostadas, elas saberão construir uma nova solução governativa.
Eu, se fosse a si, batia com a porta, ia-me embora, e dedicava-me a outras artes. Reveja-se no exemplo do Dr. Portas, seu paizinho espiritual. É que, o homem até pode ter aceite inflacionar o preço dos submarinos, mas não é burro de todo e já se foi embora há muito tempo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

EU, A JUÍZA DO INTERROGATÓRIO E O MENDES DAS CLAQUES


Ferreira Fernandes, 
in Diário de Notícias - 25/11/2018)

Num final de campeonato, o FC Porto ia a Alvalade com a possibilidade de ser campeão. O autocarro do clube parou no estádio e uma chusma de claque sportinguista correu ao varandim para insultar os jogadores portistas. Lembro-me de um dos insultados ser o Rui Barros, um jovem gentil que eu conhecera em Turim quando ele jogava na Juventus. Entretanto, a manada atropelou-se no varandim e o que era provável acontecer aconteceu mesmo. O gradeamento cedeu, dois rapazes caíram e morreram. Aconteceu em 1995 e eu escrevi, aqui no DN, uma crónica sobre o essencial do assunto: estupidez das manadas.



Quer dizer, para familiares e amigos, as duas mortes foram uma tragédia e tudo o mais mera moldura, um contexto menos importante. Para familiares e amigos, naturalmente o que contou foram as duas mortes. Se eu fosse vizinho de qualquer das vítimas, haveria de visitar a família e poupá-la-ia da minha opinião sobre as claques. Mas para quem falava publicamente do assunto - como eu, em crónica de jornal -, o mais importante de comentar era exatamente o contexto: havia acéfalos que punham em risco a sua vida e a de outros, e exerciam uma atividade bruta e sem préstimo. Era óbvio que essa prática generalizada podia levar a tragédias - como conduzir em contramão na autoestrada -, o que retirava às mortes a condição de acidente ou acaso.
Começo esta crónica assim porque quero mostrar que se pode ter uma opinião radical, como eu tenho sobre as claques - todas imbecis -, e admitir que haja outros olhares, legítimos e até comoventes. Quero dizê-lo porque uma coisa é uma coisa e outra coisa, outra. E quero dizê-lo também porque esse acontecimento trágico de 1995 é bom pretexto para se ver como as mesmas palavras ditas em situações diferentes não são as mesmas palavras. Mais uma vez, a minha ladainha preferida no jornalismo: há que saber do que estamos a falar quando estamos a falar.
Por razões que explicarei adiante, disse eu a Fernando Mendes, já então um cabeça quente da claque sportinguista, em 1995: "Você não é nada." As mesmas palavras que uma juíza agora, 2018, disse a Fernando Mendes, cabeça ainda mais quente de claque sportinguista, em 2018: "O senhor não é nada." Esta aparente coincidência, só aparente, ilustra a indecência que é a transmissão pública dos interrogatórios judiciais a detidos. Eu falei ao tal Mendes em debate televisivo e, por mais que eu despreze os chefe de claques, a conversa pública foi entre iguais. Já a juíza interrogava um suspeito, a conversa não era entre iguais. Falar-lhe daquela forma foi um abuso a um cidadão. E que alguém torne público o amesquinhamento de uma autoridade a um cidadão é ainda um maior abuso - pertence à família dos justiceiros que no faroeste enchiam de penas e alcatrão os pretensos culpados.
Em 1995, porque eu publicara a tal crónica, a SIC convidou-me a ir a um programa em que se debatiam as mortes na queda do varandim de Alvalade. Fernando Mendes apareceu a defender as claques e até a necessidade de serem subvencionadas para a sua função. Foi aí que eu disse: "Você não é nada." No futebol, prossegui, alguém é Dominguez, o futebolista que se sentava à minha esquerda, alguém é o "grande capitão", capitão da Académica e treinador, e apontei o mítico Mário Wilson, que se sentava em frente a mim, alguém é também um roupeiro, generalizei, citando a talvez mais humilde das funções necessárias no futebol. As claques eram desnecessárias.

Porque, como já disse, era uma conversa pública entre iguais, Fernando Mendes pôde lançar-me, na SIC: "Parece que está com medo, eu não lhe bato." Lá está... A juíza, com o suspeito Fernando Mendes, disse-lhe aos gritos: "O senhor não é nada... " E: "Não se atreva!" E: "Deixe-me falar!" Por seu lado, Mendes foi sempre respeitoso: "A senhora juíza..." Lá está! Aquela não era uma conversa entre iguais, e porque isso foi entendido pela parte fraca, a parte fraca baixou a bola, o que agrava o comportamento da juíza. Ela era a autoridade a falar com um cidadão suspeito, e por ela ser o que era, exigia-se da autoridade contenção no tom e nas palavras.

Isto, dos abusos judiciais nos interrogatórios, já se tinha verificado na soberba dos interrogadores com uma senhora negra, no caso Sócrates. E de forma indireta, pelo que se adivinhava de humilhação nas caras da mulher de Carlos Santos Silva, o mesmo caso, e com o ex-ministro Miguel Macedo e o ex-diretor do SEF Manuel Palos, no caso vistos gold - já somos espectadores habituais, com um ignóbil acervo de abusos para comparar. A perda das estribeiras por parte da juíza no caso Alcochete só vem revelar que a convicção se instalou entre muitos juízes e magistrados do Ministério Público: os suspeitos são subcidadãos.
Oiçam, então, esta opinião de alguém que quer respeitar a justiça portuguesa: mesmo que ninguém se lembre, o que é certamente o caso, do que eu disse naquela emissão da SIC há quase um quarto de século, senti-me obrigado a escrever esta crónica. Era-me insuportável que se confundisse o que eu disse, sobre alguém que eu desprezo, com o que aquela juíza disse sobre a mesma pessoa e foi potenciado pela agora já tornada habitual exibição pública dos interrogatórios. Ninguém de bem pode querer ser associado, nem que seja por mera e longínqua coincidência, com esses abusos.
E, já agora, quando a prática se generaliza, abusando de gente de diferentes políticas e de suspeitos de crimes tão diversos - da corrupção ao hooliganismo, passando pelos passionais - divulgando os interrogatórios sob segredo de justiça, cada vez mais rapidamente colocados nos jornais e nas televisões, não é altura de falar do negócio por trás desta história?
Sim, o mais importante é o abuso sobre cidadãos. Culpados, suspeitos, inocentes, mas todos merecedores de não serem vítimas de abusos, sim, esse o grande crime cometido nesta malfeitoria agora tornada sistemática. Mas, só por curiosidade, não seria interessante saber quem ganha reles dinheirinho para passar as gravações? Pelo menos, livrávamos-nos da ingenuidade de que alguém faz isto por alguma convicção.

sábado, 24 de novembro de 2018

SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DEVE REPENSAR A SUA VIDINHA POLÍTICA


Consta na praça que o governante da Educação anda aflito com a situação do Professor Joaquim José Sousa, da Escola do Curral das Freiras, o docente que foi director deste estabelecimento de aprendizagem. Ele e a sua equipa, depois de um trabalho organizacional e pedagógico notável, reconhecido ao nível nacional com várias distinções, estranhamente, começou a ser perseguido ao ponto de, apesar de ganhar as eleições internas por margem folgadíssima, semanas depois, viu a sua escola pura e simplesmente bloqueada na sua autonomia e, por ridículas ninharias administrativas, acabou vítima de um processo disciplinar. A fusão da escola do Curral das Freiras com a de S. António/Funchal tem muito que se lhe diga. Já muito se escreveu e, certamente, muito estará para ser publicado. 

Mas, dizia, consta que o titular da pasta anda alarmado com a dimensão do problema, ao ponto de, por alguns canais, andar a divulgar que a culpa não é dele (secretário), mas do responsável pela Inspecção Regional de Educação e de mais uns quantos. Aliás, ele, secretário, até gosta do Professor Joaquim. 
Que coisa esquisita, pensei para mim, quando esta conversa me foi feita. Como é possível um secretário chegar a este ponto, quando, presumo, nada com certas implicações se faz sem o conhecimento do responsável pela secretaria. Ou aquilo anda em rédea livre ou existe uma tentativa de sacudir a água do capote. Isto é preocupante. 

Se isto é verdade, o secretário da Educação deve pensar na sua vidinha política. Ou toma uma atitude de humildade política, devolvendo a autonomia à escola, reintegrando nas suas funções os professores eleitos e arquivando o maquiavélico processo ou, assume que estando politicamente fragilizado, coloca o seu lugar à disposição do presidente do governo. Se é verdade, não pode é tentar culpar outros por aquilo que foi e é da sua responsabilidade.

Repito, se é verdade, deve explicar-se publicamente. Já não basta a ausência de projecto político para a Educação, ainda por cima esta alegada tentativa de querer andar entre os pingos da chuva, do meu ponto de vista, é incompreensível. O exercício da política não é uma profissão, é um serviço público prestado à comunidade, feito com rigor, projecto e muita decência.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

"Desigualdade à nascença" é a principal ameaça aos direitos das crianças


Da morte à ignorância, passando pela pobreza, quais são as principais ameaças às crianças portuguesas, 59 anos volvidos desde a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança, pela Assembleia Geral das Nações Unidas? “A pobreza e a ignorância andam associadas, porque sabemos que o sucesso escolar e o desempenho das crianças não são indiferentes ao meio em que nascem”, responde a demógrafa Maria João Valente Rosa.

Eliminar esta “desigualdade à nascença” das crianças deve surgir no primeiro lugar da lista de prioridades dos decisores políticos em Portugal, país em que “subsistem determinismos sociais que impedem que todas as crianças estejam em iguais circunstâncias na sua trajectória”, defende a também directora do Pordata – portal estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
“Em Portugal, a pessoa tem mais sorte ou mais azar consoante o sítio e a família em que nasce: os rendimentos e o capital social de que esta dispõe... E não pode ser. A sorte e o azar não podem continuar a ser os determinantes na trajetória das nossas crianças, e nós, enquanto adultos, não podemos permitir que a trajectória de uma criança seja determinada, por exemplo, pelo azar de ter nascido num meio que não valoriza suficientemente a escola”, aponta Maria João Valente Rosa.



A questão está assim em saber se a escola – principal nivelador social – "está a contribuir como devia para atenuar as desigualdades e se está a fazê-lo à velocidade necessária para que estes determinismos terríveis se apaguem”, acrescenta a directora do Pordata, para concluir que não: “Continuamos a ser muito marcados pelo insucesso escolar e o insucesso não é algo que aconteça por acaso”, acusa, para lembrar, por exemplo, que, em 2017, 13% das crianças e jovens “já não estavam a estudar mas não tinham completado o secundário”.


Se recuarmos a 2001, a taxa de abandono escolar precoce era de 44,3%. Muito foi feito, portanto. E muito mais há a fazer. “A reincidência no insucesso escolar é muito importante e a retenção é algo que mancha a trajetória escolar. Não defendo que todos tenham de passar de ano, mas é preciso aqui um esforço adicional para que as crianças de meios desfavorecidos ou culturalmente mais frágeis consigam acompanhar o ritmo das crianças vindas de outros meios e que beneficiam de outros suportes e apoios.”
Por onde começar? “Podemos começar por olhar para a quebra demográfica como uma oportunidade”, responde ainda Valente Rosa. “Se há menos crianças a chegar à escola, porque nascem menos crianças, podemos começar por reduzir o número de alunos por turma, o que poderia fazer uma enorme diferença na atual dificuldade da escola em acompanhar todos os alunos”, sugere.
Desde há sete anos que as crianças com menos de cinco anos são numericamente inferiores aos idosos com 80 ou mais anos de idade. Atualmente, as crianças e jovens até aos 15 anos de idade representam 14% da população residente, contra os 29% de 1971. Esta diminuição deu-se apesar de a taxa de mortalidade infantil (número de crianças que morre antes de completar um ano de idade) ter diminuído, no que Portugal se tornou, de resto, um exemplo à escala internacional: em 1987 morriam 14,2 crianças com menos de um ano de idade por cada mil nascimentos e 30 anos depois, em 2017, esse número tinha descido para as 2,6 crianças por cada mil nascimentos.

Não há pediatra a residir em 163 concelhos

Por outro lado, e apesar da diminuição do número de jovens, e do aumento do número de médicos pediatras, que passaram de 1329 em 2001 para 2085 em 2017, Portugal soma 163 municípios, dos 308 existentes, sem nenhum médico pediatra a residir. “Os dados que obtivemos assentam nos locais de residência e é óbvio que um pediatra pode residir num município e exercer noutro”, ressalva a demógrafa. Para assinalar, porém, que há vários municípios contíguos que têm em comum, além das fronteiras, o facto de não disporem de qualquer pediatra. “No Alentejo, por exemplo, Barrancos, Moura, Mourão, Reguengos de Monsaraz e Portel não têm nenhum pediatra”, exemplifica, apontando também o (mau) exemplo do arquipélago dos Açores, onde Corvo, Flores, Graciosa, São Jorge, Faial e Pico não dispõem igualmente de pediatra.


Fonte: Público
Blogue: Incluso

sábado, 17 de novembro de 2018

CHEIRA A ESTURRO...


FACTO

Foi anunciado que o governo regional da Madeira irá "gastar" € 111.000,00 para "radiografar" a Madeira. Pretendem "conhecer" a Região, a realidade social, cultural e económica, no essencial, as necessidades da população. 

COMENTÁRIO
E PERGUNTAS


Estava a ler e pela cabeça passava-me uma cançãozinha meia pimba: "me engana que eu gosto". Cheira-me a esturro. Há um bafo no ar! 
Ou se trata de um trabalhinho extremamente bem pago, saído dos impostos de todos os madeirenses para, subtilmente, pagar o futuro programa eleitoral do PSD às legislativas de 2019, ou se trata de um total descalabro de quem governa que anda aos papéis e sem rumo. 
Ora bem, tenhamos presente, sendo esta um região pequena, com uma população com menos de 100.000 pessoas que o concelho de Sintra, com onze concelhos e 54 freguesias, com casas do povo por todo o sítio, centros cívicos e uma alargada rede associativa, cultural, desportiva e de segurança social, existindo estudos transversais já realizados, um deles pela Pordata, existindo estudos sobre a pobreza, existindo uma parafernália de dados estatísticos, alguém acredita que o objecto de estudo visa conhecer a Região? Se a verdadeira intenção é essa, outra pergunta pode e deve ser colocada: nestes 42 anos consecutivos de governação social-democrata, a navegação foi à vista, pelas estrelas ou por instrumentos? 
Lembro-me das promessas eleitorais feitas, no adro, à saída das Missas dominicais. Foi a fase populista mas amadora. Agora, é mais sofisticado. Uma empresa faz o trabalho e, não estarei longe da verdade, no final, até é capaz de oferecer o programa eleitoral já prontinho. Sei lá! 
Escrevi, inicialmente, a palavra gastar entre aspas. Intencionalmente. Porque os € 110.000,00 não são um investimento, antes um gasto no supérfluo.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

UNIVERSIDADE DA MADEIRA. HÉLDER SIGNIFICA LUMINOSO, LÍMPIDO!


Não é de agora que a Universidade da Madeira deixa passar uma imagem de alguma opacidade nas decisões. O caso do Professor Doutor Hélder Spínola, o mais recente, creio, associado aos testemunhos de Professores e de outras figuras que, ao longo do dia de ontem se posicionaram, transmitindo que a transparência dos actos não é a melhor, deixa um rasto de desconfiança que não abona aquela instituição. Ora bem, autonomia das universidades é uma coisa, transparência é outra. Quem lidera tem de ter mão e não pode deixar em rédea livre a universidade ou escudar-se nas decisões, pressupõe-se, soberanas, de um qualquer órgão. Porque todos os cidadãos têm o direito de saber o que se passa na casa da ciência. Tal como em qualquer outra instituição pública. Porque a universidade não pode ser um feudo. Certo? 

E às vezes deixa transparecer que é! Só entendo a Universidade como espaço de ciência que exige rigor e irrepreensível qualidade. Em abstracto, em qualquer universidade, não pode existir compadrio na defesa de interesses que não os da formação de altíssima qualidade. Uma universidade não substitui um Doutorado por um Licenciado ou Mestre. Há uma carreira onde a investigação, a prestação de provas, a contínua avaliação, os artigos científicos publicados e a leccionação devem constituir, entre outros, os factores determinantes para o reconhecimento universal da instituição. 
Por outro lado, a Universidade não pode denunciar ou revelar, sub-repticiamente, preferência ideológica e, por isso, não pode deixar transparecer incómodo pelas posições dos membros do seu quadro docente. Neste sentido, se este é o caso, a intervenção cívica, seja de quem for, não deve ser motivo de preocupação, pelo contrário, a dialética deve ser incentivada no quadro das ideias que geram outras portadoras de futuro. Um professor é, naturalmente, um político, porque tem opinião, coisa bem diferente é a utilização das aulas com finalidades partidárias. Um mero exemplo de circunstância: quando alguém luta por um melhor ambiente, justificando, cientificamente, a sua posição, está, naturalmente, a assumir uma posição que também é política. 
Não gosto dos silêncios. Aprecio-os à noite, nos momentos de interioridade, contemplação ou de estudo. De resto, motiva-me a minha liberdade e a de todos quantos não se acobardam nos silêncios, muitas vezes cúmplices, os que deixam o marfim correr, manifestando indiferença perante casos de injustiça e ou ausência de qualidade. E sobre a UMa, sinceramente, deixou-me apreensivo ler testemunhos que foram caindo em catadupa na minha página de facebook, após divulgar uma “carta do leitor” do Professor António Brehm. Deixo aqui alguns excertos, cujos autores estão identificados na citada página: 

“(…) Só tenho a dizer o pior da Universidade da Madeira. Tive a infelicidade de aí fazer a minha profissionalização em serviço e nunca vi tanta incompetência (…) e desonestidade juntas”; “Infelizmente, numa instituição de ensino superior, como a UMa, há muitas situações desta natureza. Eu também sou perseguido desde 2007. Tive de recorrer ao Tribunal para me defender. Ganhei na Justiça. Mas passei à condição de ostracizado”; “O habitual da nossa da terra. As vítimas e os defensores dos fazedores de vítimas, menos o professor António Brehm, que levanta a voz em defesa da verdade. (…) Infelizmente, ainda andamos nisto”; “estou no ativo, também levantei e levanto a voz há muito, muito tempo”; “sempre pensei que a Madeira aprendesse, 40 anos depois, algo sobre democracia, ética e bons costumes. Valores que interessam à Madeira. É pena!”; “A propósito da qualidade da formação da UMa, vide as declarações recentes do Dr. Miguel Ferreira, ex-administrador e director clínico do SESARAM, ao Diário de Notícias Madeira. E quanto aos cursos chumbados, podem consultar o site da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior”; “Lamentável o que se passa na Universidade da Madeira. Não é caso ímpar, infelizmente. Um abraço com viva indignação pela dispensa de tão competente professor (…) até existem adendas em atas do conselho geral de não concordância com a dispensa de docentes competentes e com provas dadas! Infelizmente escudam-se na lei e referem que quem decide são os conselhos científicos”; “E assim vai a Universidade da Madeira à procura de reconhecimento”; “Os casos de perseguição vão aumentando todos os dias e a “caça às bruxas” parece não ter fim. A minha solidariedade, também enquanto vítima de perseguição política”; “Parece-me isto ser definido, pura e simplesmente, como um saneamento político”; “Se estes casos acontecem, penso que deveria ser feita uma inspeção a tais actos e apurar as suas justificações, senão os compadrios continuam e o mérito morre”; “Infelizmente não é só na universidade da Madeira. Ninguém investiga porque não há quem o queira fazer. Havia tanto para descobrir e punir. É mais fácil acusar um docente de inadequado e assim justificar o seu despedimento”; “Seria interessante investigar casos semelhantes na Escola Secundária Francisco Franco. Sei muito bem do que estou a falar”; "uma universidade constrói-se pelas suas competências e qualidade de ensino!”; "Por estas razões e outras agradeço ao meu pai ter vindo para o Continente quando o quiseram prejudicar em 1980! Hoje, em 2018, como é possível acontecer o mesmo?”; ”É isto o povo superior e os incompetentes é que dominam a vida daqueles que lhes fazem frente”; “Não quero acreditar que seja verdade o que está a acontecer”; “A Madeira no seu Melhor!”; “O vício dos incompetentes é perseguir os competentes”; “É caso para dizer que há um monopólio “oculto” na Universidade da Madeira. Sei do que se passa mas, infelizmente, é tudo o que posso dizer (…)”.

Choca-me e preocupa-me tanto depoimento comprometedor. E onde há fumo, há fogo. Do meu ponto de vista, este caso deveria constituir motivo para uma séria e profunda reflexão interna e externa. Por enquanto, um sepulcral silêncio. 
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

TRIBUNAL TRANSFORMADO EM ARENA CIRCENSE


Não entendo, talvez muitos não entendam, este circo no qual se transformou (em alguns casos) o Ministério Público e o Tribunal. É ininteligível a forma como, desde há muito, a Justiça funciona. E não estou, sequer, a escrever sobre a lentidão da dita, os custos da mesma ou a abusiva divulgação de gravações em vídeo e áudio que deveriam ser mantidas sob reserva. Também, de difícil compreensão, as manhãs, tardes e noites dos canais de televisão e rádio a acompanharem, em directo, repetindo até à exaustação o que já é do domínio público, ou a discutirem o nada. Autêntica pescadinha de rabo-na-boca inconsequente. Há uma lamentável e doentia espécie de "voyerismo" que acompanha alguns e incentiva outros, acicatando paixões, já de si exacerbadas e, agora, até, com novas "claques" à porta do Tribunal. Pessoalmente, preferiria o essencial da notícia, o que não se compagina com todo o folclore mediático que não vale um chavo!


Não sou jurista, mas sou cidadão. Tenho o sentido da justiça, mas não me acompanha o sentido do espectáculo no qual, muitas vezes, a Justiça se transforma. 
Se o essencial da Lei deve ser do conhecimento de todos, todos devem saber que as leis produzidas na Assembleia da República, têm de ser aplicadas a qualquer cidadão que as infrinja. O essencial é isto. O resto é espectáculo, muitas vezes grosseiramente encenado para consumo. 
Tenho dificuldade em perceber como é que se prende para investigar, como é que se explica a "especial complexidade de um processo" (há casos, muito específicos, que sim) para manter em prisão preventiva pessoas que, posteriormente, podem ser ilibadas, em um claro desrespeito pelo cidadão que, tenhamos presente, até prova em contrário é inocente. Quem paga ou reabilita à posteriori a imagem, isso parece não constituir preocupação primeira. Mais, ainda, apenas como exemplo, questiono, será o caso de Alcochete "terrorismo" ou um caso de puro "hooliganismo"? Não conviria ler "Em busca da excitação" de Norbert Elias e Dunning? 
Dir-me-ão que há casos e casos! Obviamente que sim. Porém, esta mobilização de centenas de recursos humanos para alguns casos de Justiça, a especulação que é feita sem o conhecimento concreto dos processos e os "debates" organizados em horário nobre e não só, para discutir o zero, causa-me um enorme desconforto. Denunciam que, na Justiça, parece existir desnorte e uma espécie de feira de vaidades entre Magistraturas. Concomitantemente, uma óbvia excitação entre a comunicação social.
O curioso e lamentável é que, enquanto isto acontece, passa ao lado a discussão do Orçamento de Estado, verdadeiramente importante para a vida de todos os cidadãos; passa ao lado o trabalho apaixonado dos cientistas; passam ao lado os grandes dramas sociais; passam ao lado alguns "milagres" diários no campo da saúde, consequência do trabalho de médicos e enfermeiros, apesar de todas as dificuldades; passam ao lado, enfim, tanto de bom que acontece no país. Decididamente, os desmandos do futebol, o "anormal" e a busca de sangue fresco, tomou conta do nosso dia-a-dia. Sinais dos tempos. Quando a Lei, doa a quem doer, é para ser aplicada, mas dispensando a transformação do Tribunal em arena circense.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

FUTEBOL - UMA INDÚSTRIA CANIBAL. O CASO DE ALCOCHETE.


De que estávamos à espera? De um futebol vivido com paixão, com enorme entusiasmo, mas com moderação e respeito? De um espectáculo vivido pela beleza do movimento, pela emoção, pela técnica e táctica? De uma competição séria, dirimida com audácia, ousadia, justiça, honra e absoluta lealdade? Dificilmente podíamos esperar um quadro destes… 


Raramente escrevo sobre assuntos relacionados com o futebol profissional. E quando resolvo juntar umas palavras, mor das vezes, é no quadro de uma política educativa através do desporto. O resto, desde há muito, passa-me ao lado. Apenas observo. Pelo menos há 30 anos que não assisto, ao vivo, a uma partida de futebol. Refastelo-me no sofá, de quando em vez, para seguir um jogo de altíssimo rendimento, pela qualidade a todos os níveis. Desinteressei-me, talvez, depois de ler um extraordinário artigo no Le Monde Diplomatique, assinado por Eduardo Galeano (1940/2015), a que deu o título: “Football, une industrie cannibale”. Desde esse tempo, premonitoriamente, o autor, antecipou aquilo que hoje corre debaixo dos nossos olhos de actores/espectadores: salários absolutamente pornográficos, corrupção de arrepiar os mais insensíveis, tráfico de influências, violência e até morte. Aprendi com o grande Mestre, o filósofo do desporto, Manuel Sérgio, um dos maiores pensadores mundiais, que o desporto deveria ser “jogo, humor e festa”. Ora, essa pureza parece estar irremediavelmente perdida. 
Desporto vs indústria. O futebol profissional não é desporto. Existe, sim, uma modalidade desportiva (existem outras) que é utilizada com fins empresariais. As Sociedades Anónimas Desportivas pertencem ao domínio empresarial. Não confundamos, portanto, com os princípios que enformam a “Ode ao Desporto” de Pierre de Coubertin: "Ó Desporto, prazer dos Deuses! Essência da vida (...) Ó Desporto, tu és a beleza! És o arquitecto deste edifício que é o corpo, que pode tornar-se abjecto ou sublime, se degrada na vileza das paixões, ou saudavelmente se cultiva no esforço. (...) Ó Desporto, tu és a Justiça! A equidade perfeita, em vão perseguida pelos Homens nas instituições sociais (...) Ó Desporto, tu és a audácia! Todo o sentido do esforço muscular se resume numa única palavra: ousar. (...) Ó Desporto, tu és a Honra! Os títulos que tu conferes não têm qualquer valor se adquiridos por meios diferentes da lealdade absoluta. (...). 


Portanto, não confundamos estes princípios com outras finalidades que consubstanciam a sua prática profissional. Tratando-se de uma indústria que fabrica exacerbadas paixões, ódios, fúria e espaços de comportamento irracional, aliás, basta ter presente, sobretudo nos encontros de risco elevado, as massas adeptas serem conduzidas pelas forças de segurança para dentro dos estádios, para concluir desse “canibalismo” que, grosso modo, tal indústria configura e potencia. 


Ora, o que aconteceu na Academia de Alcochete, que não é situação única no futebol por esse mundo fora, não é mais do que o corolário de uma construção, eu diria, com boa vontade, inconsciente, de múltiplos factores, desde a escola à comunicação social. De facto, entre nós, a Escola, genericamente, não tem despertado e não tem incutido o desporto para a vida, segundo valores humanistas, fundamentalmente pela sua organização, porque está presa ao nível curricular a uma Educação Física que, ao querer ser tudo no plano pedagógico, acaba por deixar um rasto de desilusão.
Educar para os valores. Associado a isto, a comunicação social e o dirigismo. Todos os dias, são intermináveis horas, em quase todos os canais, de forma repetitiva, agressiva, doentia e muito pouco normal, painéis de comentadores, com dirigentes desportivos, ex-árbitros, jornalistas, empresários e até políticos que de tudo sabem, com intervenções que formatam frágeis consciências geradoras dos pressupostos da violência. Em alguns casos chega a ser degradante, tal a fúria demonstrada entre uns e outros. Até vejo gente com excesso de peso (!) que muito dificilmente são capazes de correr para uma paragem de autocarro, falando de “desporto” como se fossem exemplo de uma prática entendida, no mínimo, como bem cultural. Um paradoxo, que só ajuda a compreender o tal “canibalismo”. 
De que estávamos à espera? De um futebol vivido com paixão, com enorme entusiasmo, mas com moderação e respeito? De um espectáculo vivido pela beleza do movimento, pela emoção, pela técnica e táctica? De uma competição séria, dirimida com audácia, ousadia, justiça, honra e absoluta lealdade? Dificilmente podíamos esperar um quadro destes. Pelo contrário. E quando ouço o primeiro-ministro falar da necessidade de uma nova “autoridade contra a violência” questiono-me, para quê? Já existe lei que chegue e são vários os organismos com essa missão e vocação. Daí que, o que falta é educar para os valores, o que falta é bom senso na generalidade dos órgãos de comunicação social. O que falta, mesmo no inalienável direito constitucional ao associativismo, é a existência de rastreio nos candidatos a dirigentes. Isto não significa que, por esta via, se eliminem todos os casos. A marginalidade andará sempre à espreita, mas estou certo que jamais atingirá a vergonha que está instalada.
Regresso ao meu Amigo Doutor Manuel Sérgio: "(…) O interesse do capitalismo vigente é querer democratizar na medida em que quer vender. O desporto como mercadoria, a cultura como produto vendável, segundo as leis do mercado, é tudo quanto o capitalismo sabe de cultura e desporto (…)". Pensemos nisto em conjugação com a vergonha de Alcochete.

NOTA
Artigo publicado na edição de Verão 2018 de A Página da Educação.
Também, no blogue www.gnose.eu

sábado, 10 de novembro de 2018

BRINCAR COM OS EMIGRANTES


O vice-presidente do governo da Região da Madeira visitou a África do Sul, cidade do Cabo. Acabei de ler, no DN-Madeira, que, segundo o governante, os objectivos foram "plenamente cumpridos". E quais foram, em síntese: "ouvir as preocupações", "contacto com as gerações mais novas", "envolvimento da comunidade com a Região", "reunião com o Deputado Many Freitas", "verificação da actividade empresarial dos madeirenses", "aferir a necessidade de valorizar o ensino do Português", "transmitir a proximidade entre o governo regional e a comunidade abrindo a porta aos problemas dos emigrantes", "necessidades dos mais carenciados" e "contacto com o Cônsul Geral". Perante isto, só me ocorre concluir que continuam a brincar com os emigrantes.

Só faltou o habitual ramo de flores
junto de Bartolomeu Dias.
Revisitei os textos deste meu blogue (em parte são um pouco da história da minha vida) porque todos aqueles objectivos assumidos como "plenamente conseguidos", faz agora 20 ANOS (regressei no dia da abertura da Expo-98) foram todos, um por um, aqueles e muitos mais, motivo de uma visita partidária à África do Sul. Naquele texto (2016) refiro: "Não concedo o benefício da dúvida, tantas foram as promessas ao longo de quarenta anos. Os emigrantes têm dado jeito para deles se falar, para reunir e manter uma agenda de preocupações, todavia, por aí ficam as boas intenções e as palavras circunstancialmente ditas. Aliás, pergunto, quantos congressos foram realizados, quantas actas escritas e rubricadas, quantas visitas o presidente do governo da Madeira empreendeu às comunidades (até para se despedir...), quantos jantares e discursos foram realizados com mil e uma promessas, quantos secretários andaram pelas comunidades visitando clubes, associações de caridade, academias, paróquias e participando em festas populares? Resultado? Zero respostas aos problemas (...)". 
E de que valeu o Encontro das Comunidades Madeirenses realizado, no Funchal, em 2015? Zero! Mas, na altura, foi salientado pelo secretário que tutelava as comunidades: "(...) este encontro visa, em primeiro lugar, vos ouvir" (...) porque é importante "ouvir as vossas opiniões e sobretudo as vossas sugestões no que diz respeito ao futuro da Região e a sua relação com as nossas comunidades". Perguntar-se-à quais as consequências práticas desse encontro e de tudo o que está lá para trás? É caso para dizer que andam a brincar com os emigrantes. Só ouvem. Chega. Se não têm meios para resolver os problemas, alguns graves e profundos, julgo que ao contrário do que disse, o governante é que deveria ouvir os emigrantes dizerem: "não aceitamos que nos ponham os pés em cima". Por educação, não o disseram!
Regresso ao texto que publiquei em 2016: "(...) Fico por aqui porque me invade um sentimento de tristeza face a tanto folclore realizado (encontros e congressos) mas sem um fio condutor e uma consequência visível. E conto-vos uma brevíssima história que espelha o abandono. Estávamos em Valência (desta feita em uma visita à Venezuela) onde fomos recebidos no Centro Social Madeirense. À hora de almoço esperava-nos toda a direcção. Vieram os discursos e à despedida, um dos directores olhou-nos e disse de forma amiga mas directa: "não façam como muitos que aqui vêm mamar um almocinho e depois nada feito"! 
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

QUALQUER POLÍTICO COM BOM SENSO E RESPEITO PELOS PROFESSORES JÁ TINHA IDO EMBORA.


Já tinha ido embora, pedindo desculpa aos professores da Região, ao Professor Joaquim José Sousa e, particularmente, a toda a comunidade educativa do Curral das Freiras. É triste verificar que o assunto é tema nacional pelas piores razões políticas.

Fica aqui um excerto de um texto do PÚBLICO, assinado por Bárbara Reis.


"(...) a história de uma escola pública que era a melhor do mundo, mas afinal é a pior — ou assim o dizem —, tão má que o director teve de ser afastado e a escola extinta.
Confuso?
Em 2009, o Governo Regional da Madeira abriu uma escola no Curral das Freiras, a freguesia mais pobre da ilha, num vale isolado de onde não se vê o mar. As crianças dos “sítios” do vale precisavam de uma escola ao pé de casa. Seria meio caminho para reduzir os chumbos e o abandono escolar. Joaquim Sousa, um professor de Geografia de Lisboa, foi nomeado director. Em 2010, quando a Escola Básica do Curral das Freiras ficou em 1207.º no ranking nacional das escolas, ninguém ficou espantado.
O espanto veio depois. Em 2015, o Curral ficou em terceiro lugar no exame nacional de Português do 9.º ano e no top 10 de Matemática, e foi a 12.ª melhor escola pública do país. O único aluno da Madeira que teve 100% no exame nacional de Matemática foi Dina Ascenção, aluna do Curral, e a melhor nota a Geografia da ilha foi de Albany Rodrigues, aluna do Curral.
Em cinco anos, a escola subiu 1000 posições.
Foram perguntar ao professor Joaquim Sousa o que tinha feito para conseguir isto. O que contou tornou o Curral uma inspiração nacional. Joaquim Sousa apareceu nos jornais, numa revista anual, num debate na Feira do Livro, na RTP. Quando quiseram saber se alguém, na Madeira, lhe dera os parabéns ou quisera conhecer os “truques” para uma mudança tão grande num lugar tão difícil e em tão pouco tempo, respondeu que “nem por isso”.(...)
É o retrato da Secretaria Regional da Educação. 
Enquanto professor sinto vergonha do que estão a fazer a um Colega.

NOTA

Ler o texto publicado AQUI.

VÁ LÁ...

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

"GOVERNO QUER FILÓSOFO PARA DIRECTOR DAS COMUNIDADES"



O título é do DN-Madeira a toda a largura da página. A primeira pergunta que emerge é esta: qual a razão dos candidatos possuírem uma Licenciatura em Filosofia? Da leitura da peça depreende-se que o secretário da Educação, que tutela o sector, despachou no quadro de um "fatinho à medida" de alguém.
Com muita boa vontade, pessoalmente, ainda poderia admitir a opção preferencial por uma formação em História, se bem que não seja a formação académica absolutamente determinante para um excelente desempenho político.
Neste caso, vem à colação a velhinha frase que nos diz que "em política o que parece é". Parece um fatinho à medida dos interesses e protecção de alguém. Logo, é!
A "coisa pública" está assim e é isso que irrita qualquer cidadão livre e adepto da transparência. São estas jogadas de bastidores, como se nada conseguíssemos ver para além da cortina, que torna ridícula e enervante as posições dos decisores políticos. São estas e tantas e tantas atitudes que ajudam a corroer e a desacreditar o nobre exercício da política. Falta integridade, independência e transparência e tudo isso pagam na imagem que transmitem. Que pobreza! Preferem a opacidade e as situações difusas como se todos andassem distraídos. Chegou-se a um ponto, são tantos os casos, que já não é sequer importante "parecer honesto". Lamento, pois tratar da vidinha pessoal dos "seus" demonstra o calibre dos governantes. Seja em que latitude for! 
Ilustração: Google Imagens.

E SE OS PROMOTORES DA JUSTIÇA MEDIÁTICA FOSSEM JULGADOS PELOS SEUS CRIMES


Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 06/11/2018

Muitos terão ouvido na televisão o interrogatórios a Rosa Grilo e António Joaquim, dois suspeitos da morte do atleta Luís Grilo. A primeira frase deste texto faria, há uns anos, qualquer pessoa parar e perguntar-se: “Como assim, a televisão passou um interrogatório de uma investigação em curso? Mas isso é possível?” Legalmente, não. Primeiro, porque quem seleciona o que é relevante num interrogatório, onde as pessoas não estão de livre vontade, é a Justiça, não são jornalistas. Depois, talvez ainda mais importante, porque uma investigação feita em direto, com todos os suspeitos a terem acesso ao que o outro diz, está condenada ao fracasso.

A banalização de coisas absurdas parece ser a marca do nosso tempo. Talvez isso explique, aliás, como Jair Bolsonaro pode ser eleito Presidente e tantos brasileiros não fiquem atónitos ao ver Sérgio Moro aceitar ser ministro. Há uma torrente de irregularidades que parecem empurrar o dique que defende o Estado de Direito. O facto de recorrentemente ouvirmos áudios de interrogatórios de investigações em curso e já ninguém reagir tem um efeito corrosivo no sistema. Cada passo que se dá sem consequências é um degrau para o seguinte. Talvez a transmissão em direto.
Ao que parece, Débora Carvalho, Tânia Laranjo e Mónica Palma, três jornalistas da CMTV, vão a julgamento pela divulgação do registo audiovisual dos interrogatórios de Miguel Macedo, em 2015, por violação do artigo 88º do Código do Processo Penal. As jornalistas em causa acharão que esta processo é uma medalha. Como se perante o entretenimento mediático a que abusivamente chamam jornalismo não existissem direitos dos cidadãos.
A divulgação de interrogatórios de investigações em curso é um crime. De repetido tantas vezes já ninguém o leva a sério. Até que um dia alguém que ilegalmente entregou a terceiros uma gravação de um interrogatório judicial e o jornalista que a recebeu sejam detidos, interrogados, julgados e presos.
Não participo na desresponsabilização dos jornalistas. Não acho que o papel da comunicação social seja o de violar a lei. Pode ter de o fazer em nome de princípios fundamentais, como o controlo democrático do poder político. Não o pode fazer como se ser jornalista fosse uma espécie de garantia geral de impunidade. Sobretudo quando as vítimas do abuso são mais frágeis do que os próprios jornalistas, como é o caso de que agora falamos. Mas a responsabilidade é mesmo do sistema judicial. A divulgação destas escutas são um boicote de uma investigação em nome de uma justiça mediática sem qualquer validade.
Há de chegar o dia em que alguém terá coragem de levar a sério o que está na lei. A divulgação deste interrogatório é um crime. É um crime contra os suspeitos, é um crime contra a investigação, é um crime contra a Justiça e contra o Estado de Direito. De repetido tantas vezes já ninguém o leva a sério. Até que um dia, finalmente alguém que ilegalmente entregou a terceiros uma gravação de um interrogatório judicial e o jornalista que a recebeu sejam detidos, interrogados, julgados e presos. Vendo respeitados os direitos constitucionais que negam aos outros.
Estou a defender a prisão de agentes da justiça e de jornalistas? Mas onde raio está escrito que a liberdade de imprensa não está, como todas as liberdades, limitada pela lei? E que ela não se aplica a jornalistas? Na verdade, a liberdade de imprensa é a maior vítima deste crime. Porque é em nome dela que comerciantes de entretenimento voyeurista boicotam a Justiça. Retirando valor a esta liberdade constitucional e deixando-a à mercê de quem um dia, com argumentos que irão parecer razoáveis, a queira suprimir. Com tudo o que está a acontecer, não está chegada a altura do Estado de Direito se defender de quem o ataca?

sábado, 3 de novembro de 2018

ENTRE FANTOCHES E VIGARISTAS


Entre vários disparos políticos recentes contra o governo da República, destaco dois: "fantoches de Lisboa" e "vigaristas". Imagino a linguagem de caserna distante dos microfones da comunicação social! Palavras ditas por membros do governo a que se juntam tantas outras expressões, absolutamente desagradáveis, no decorrer de assembleias. Ao classificar as pessoas daquela forma, no fundo, denunciam o estado de menoridade da democracia e a ausência de princípios na educação de base no que concerne ao relacionamento com os outros. Dirão, alguns, é política! Não, não é política, é falta de educação. Porque no exercício da política, a arma, não é a da ofensa gratuita, mesmo no calor do debate, é, simplesmente, o argumento sério, honesto, frontal e determinado. Há políticos que me fazem lembrar alguns automobilistas, por estarem ao volante, sentem que têm um incomensurável poder nas mãos e, vai daí, o insulto janela fora ou pelo retrovisor. 


Os comportamentos, é óbvio, ficam com quem os pratica. Mas isto explica um outro aspecto, mais preocupante, que se prende com a ascensão de pessoas a lugares de responsabilidade ou de representação pública, sem que para eles estejam preparados. Falta-lhes maturidade, aspecto onde não basta anos de vida, cabelos brancos ou um qualquer percurso, mas capacidade para saber lidar com situações de maior complexidade. Então, isso normalmente conduz para a zona que se designa por tercialização das responsabilidades. Os outros acabam, mor das vezes, como os culpados das situações que não souberam antecipar e gerir. No seu curto campo de visão proliferam "fantasmas" por todos os lados, cujo contraponto, ao contrário do argumento consistente e convincente, é resolvido com uma intolerável arrogância. Humildade é palavra que não trazem em memória activa. E isso é muito mau, enquanto vivência democrática e, muito mau, enquanto exemplo para as novas gerações.
Falta-lhes lucidez, saber estar (na recente presença do Presidente da República na Madeira isso foi evidente), sobriedade, controlo emocional, formação técnica e política e domínio de técnicas cognitivas. Ora bem, sem qualquer olhar saudoso para o passado, eu diria que nos faltam boas referências face às quais nos possamos rever e acreditar. É pena, porque os maus exemplos andam a proliferar, já existindo "filhos" dessa grotesca mentalidade que não augura nada de bom.
Ilustração: Google Imagens.