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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Aceitar o mesmo lugar político depois de ter sido "despedido"

 

Obviamente que a participação em lugares de natureza política constitui um serviço à comunidade e jamais um emprego. Há quem pense que não. Exemplos não faltam. Porém, quando assisto a uma autêntica dança de cadeiras sem uma justificação consistente, cadeiras com rodinhas que rodam e voltam a rodar entre os mesmos, concluo que alguma ou muita coisa de bastidores, interesses, pressões e equilíbrios partidários internos acabam por falar mais alto. 


O mais grave é que as pessoas aceitam esta dança, em lugares de governo, com absoluta normalidade. Convidam uma dada pessoa, pressuponho pela sua qualidade e, tempos depois, "despedem-na" com a maior serenidade. Passado um tempinho, o "despedido" aceita regressar ao lugar onde, deduzo, "não terá sido feliz". 

No governo da Região isso tem ocorrido com regularidade. Exemplos: uma Senhora a quem foi dito que estaria, alegadamente, "a dormir na forma" no Instituto que presidia (politicamente, deduzo), saiu e, logo depois, surgiu como secretária regional. Passado um tempo foi afastada e aceitou um lugar de relevo na administração de um importante sector, sem que tivesse um currículo que justificasse. Um outro, convidado para secretário, passados uns meses foi "dispensado" e, mais tarde, convidado a regressar exactamente ao mesmo lugar. E a historia não fica por aqui. Uma outra secretária regional foi "convidada" a sair, esteve de passagem por um importante instituto (que obrigou a uma mudança na legislação) e, agora, regressou à posição anterior por "dispensa" da Senhora que a substituiu. Com uma agravante: se ontem, uma estaria a "dormir na forma", agora, esta foi dispensada pela "necessidade do governo estar sempre a melhorar". O que pode significar a atribuição de um rótulo de incompetência para quem foi dispensado. Sejam quais forem as razões, no mínimo, aquela justificação é de mau tom.

Parece-me uma dança esquisita. Nos casos em apreço, o problema não está, apenas, na dispensa das funções governativas; está, fundamentalmente, na aceitação do regresso. Se não corresponderam ou foram considerados "erros de casting", como é possível, questiono, aceitar um regresso a um lugar de onde foram "despedidos". Para mim, situações destas, pelo meu desprendimento, são graves para ambas as partes.

Da mesma forma que, no plano nacional, considero inaceitável que um político, concretamente, o ministro da Administração Interna, se mantenha em funções depois de tantos e tantos casos que o escrutínio público, sucessivamente, condenou! Dou comigo a reflectir: e se fosse contigo? Analisado o quadro geral, colocaria o lugar à disposição. Saía e deixava os holofotes para outros! Por aqui, não só nunca regressaria a um lugar de onde tinha sido dispensado, como nunca aceitaria um lugar para o qual não tivesse um currículo e experiência que permitissem cumprir uma dada missão. Mas há quem corra e corra e deixe para trás os princípios e valores.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Porque aumentam os preços da electricidade


Por
28 Setembro 2021

Não faltam áreas onde o Governo deve intervir, no sentido de conter e reduzir os preços da electricidade. E algumas de fundo, como as das transferências de renda excessiva para os produtores de electricidade.



Agora com a Covid-19 em plano mais secundário e na expectativa que aí permaneça, apesar dos dias potencialmente complexos de Outono/Inverno que nos esperam, mas com monitorização de acompanhamento para qualquer intervenção se necessária, vários outros problemas afectam no quotidiano ou se discutem na sociedade portuguesa. E tantos que eles são!

No curto prazo, três na ordem do dia. O processo TAP que Bruxelas vai protelando com atrasos penalizadores na recuperação económica da empresa, mas cujo desfecho pode transformar-se numa “bomba”; a revisão dos escalões do IRS, tão prometida mas ainda sem linhas estratégicas claras, suscitando dúvidas de que venha a ser uma intervenção de fundo, de acordo com os objectivos tão apregoados de repor alguma justiça devolvendo rendimentos à classe média portuguesa tão penalizada ao longo dos tempos; e os preços da electricidade em subida galopante.

Vamos aos preços da electricidade

1. A minha tese é a de que a subida de preços tem de ser travada, imediatamente, com regresso ao patamar de antes do começo da subida. E porquê?

Duas razões-chave que toda a gente bem entende.

Primeira. Não agravar mais o custo de vida dos consumidores de uma forma geral muito afectado durante os tempos de pandemia. Segunda, não obstaculizar a recuperação económica que tudo indicia em bom plano mas, para se consolidar, precisa de medidas de enquadramento.

Ora, o aumento galopante dos preços da electricidade constitui um forte entrave, indo exactamente em sentido contrário porque penaliza todos os sectores económicos, nomeadamente agravando a concorrência das empresas portuguesas no exterior. No mercado nacional, o aumento de preços dos bens recai também sobre os consumidores, produzindo assim uma dupla penalização: aumento dos preços de energia e dos produtos transaccionados.

2. O Governo tem, então, de ser ágil e actuar rapidamente pois todos os especialistas referem que, na situação presente, com a escalada do preço da matéria-prima (gás natural sobretudo), mais o CO2 e, acrescento, mantendo o actual sistema de fixação de preços da Electricidade no mercado grossista, a subida de preços é inevitável.

Aliás, a ERSE, na qual o Governo parece delegar a solução do problema, veio determinar “uma subida de 1.05 euros por mês”, a partir de 1 de Outubro, para os consumidores do mercado regulado (comunicado de 15/09/2021), após sucessivos aumentos do preço da luz nos meses anteriores.

3. O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, rompeu com o “apagão” em que parecia ter mergulhado a este respeito e, sob pressão veio antecipar, na passada terça-feira, 21 de setembro, um conjunto de medidas apenas previstas para depois de 15 de Outubro.

O valor das medidas com as respectivas incidências e montantes, ou melhor, como prefere Matos Fernandes, o “valor das almofadas” atinge 815 milhões de euros, garantindo que “em 2022 não haverá aumentos para os consumidores domésticos do mercado regulado”. E como fica 2021, os preços não são revistos? E os aumentos de 2021 são repercutidos para 2022? Duas questões que requerem uma resposta precisa, dados os impactos negativos.

O problema dos preços é de solução política

4. O ataque ao problema não compete à ERSE. À ERSE compete agir na base de um quadro legal previamente definido. Compete ao Governo analisar e no imediato produzir o quadro normativo legal.

Uma área que merece ser bem reflectida e não consta das medidas anunciadas é o sistema de fixação de preços. Na realidade, não faz sentido ser a última central de produção de energia eléctrica, a chamada a superar as necessidades da procura, aquela que marca o preço final (em princípio, o mais elevado) para todas as centrais de produção, o que vem onerar esse preço, pois todas vão beneficiar do preço do kWh para esse período de tempo.

Ora, esta forma de fixação de preços equivale a uma transferência de mais-valia indevida, pois todas são pagas a preços que não correspondem a custos de facto. Por exemplo, centrais a quem se paga CO2 sem o emitirem ou ainda as mini-hídricas e eólicas que recebem um sobrecusto do Estado por terem preços fixados por lei acima dos de mercado. Continua a fazer algum sentido?

O funcionamento do MIBEL (mercado ibérico) torna-se bastante gravoso para Portugal devido ao mercado spot (ao dia) que fixa preços substancialmente mais elevados retirando competitividade às empresas portuguesas junto dos mercados europeus onde concorrem.

5. Por outro lado ainda, Matos Fernandes parece admitir que as centrais solares resultantes dos leilões de 2019 possam entrar em funcionamento em 2022 com impacto positivo desde logo na factura eléctrica do consumidor. Mas, segundo alguns especialistas, esse automatismo não pode verificar-se.

6. A DECO, pelo lado das famílias, pede intervenção a nível fiscal. Aliás, foi nesta perspectiva que interveio o governo de Espanha jogando com a baixa de impostos no sentido de cobrir a procura de 2021 ao nível dos preços de 2018.

Com esta intervenção, o governo de Espanha amorteceu nas contas da luz os elevados preços do mercado grossista da electricidade.

7. Em resumo, áreas não faltam onde o Governo deve intervir no sentido de conter e reduzir os preços da electricidade. E algumas de fundo, como as das transferências de renda excessiva para os produtores de electricidade. Há então que ponderar e desbastá-las, dentro do razoável.

8. A longo prazo, a política energética deve continuar a privilegiar a ampliação racional da produção das energias renováveis e limpas, permitindo deste modo avançar para o cumprimento das metas da descarbonização da economia com que o país se comprometeu nas datas previstas.

Na realidade, os custos operacionais das renováveis são muito baixos (manutenção dos equipamentos) mas os custos de investimento elevados, embora em fase decrescente. Mas importa ter em conta os períodos de falta de vento e de sol. Assim, o “mix” com a hídrica, até pela sua capacidade de armazenagem, torna-se fundamental para suprir falhas de produção.

Em conclusão, há decisões determinantes a tomar após estudos profundos, até porque as medidas avançadas não vão ao cerne das questões, sendo que o hidrogénio verde também deve ser equacionado, com vista a se atingir os diferentes objectivos preconizados nas diversas frentes, ambiente, economia e bem-estar dos cidadãos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Eleições com vestes franciscanas!

 

Ando envolvido, desde há alguns meses, num projecto que não me deixa tempo para reflexões que, habitualmente, fazia e que o meu dever de cidadania impõe. Apenas tenho passado os olhos pela comunicação social, o suficiente para perceber os "pratos-do-dia" das eleições autárquicas. Relativamente ao Funchal, porque é a minha cidade, por vezes fiquei atónito sobre tantas e vastas incoerências que desacreditam, completamente, o exercício da política. 



Poucos compreenderão que quem passa alguns anos pela missão autárquica, que quem teve responsabilidades de decisão e não resolveu os problemas, há muito reclamados, venha, no leilão das promessas, assumir que isto agora vai a eito.

Chegou-se a um ponto que me é difícil perceber onde termina a responsabilidade do governo e começa a da Câmara. A confusão é total. Os três pilares: saúde, educação e questões sociais, cujas obrigações são de natureza constitucional, logo, têm, no governo, responsabilidade maior, tenham sido sucessivamente assumidas como medidas a implementar pelo município. Até no domínio laboral surgiram propostas.

Sinceramente, não sei em que "pote" vão descobrir a mina dos euros para pagar tanto sonho. Um candidato nem conta se deu que, certas propostas, implicitamente, dão a entender ou a colocar em causa a inoperância do governo a que pertenceu. Dá-me a ideia que é o tudo ou nada. As razões não sei nem me atrevo a especular. A realidade é esta e a ela cinjo-me. Porém, parece-me, que este jogo tem contornos que estão muito para além do domínio partidário ou de qualquer sinal franciscano que tudo abandona pela causa dos pobres. 

Gostaria de ter escutado palavras para justificar os contínuos garrotes financeiros ao município, em contraponto a este momento onde tudo é prometido e dinheiro parece ser coisa que não falta; gostaria de ter escutado ou lido, o mea culpa por dezenas de anos a deixar degradar as zonas mais altas da cidade, onde tanta proposta foi apresentada e negligenciada; gostaria de ter escutado ou lido sobre o gravíssimo drama da água que se perde, onde seria necessário uma clara convergência entre o governo e todas as Câmaras Municipais (não apenas a do Funchal); gostaria de ter escutado ou lido sobre o problema da habitação que necessita de uma postura de colaboração entre os dois poderes. Enfim, por aí fora (são tantos os dossiês), mas não, o que assisti não augura nada bom no quadro de uma saudável luta democrática. Os eleitores que decidam. 

Regresso ao meu trabalho, depois deste desabafo. Não preciso do dia de reflexão.

Ilustração: Google Imagens

domingo, 19 de setembro de 2021

O murro amável e o murro-murro


Por
Pacheco Pereira, 
in Público, 
18/09/2021

Na política portuguesa, há duas questões que não são “amáveis”, são de murro mesmo: não tanto o Orçamento, mas a negociação do Orçamento, e saber se o PSD será capturado pela direita radical.



Há críticas ao PCP parecidas com as críticas ao PSD: os seus radicais acusam-no de ser meigo com o PS, e por isso ter uma crise de influência eleitoral, e, de passagem, de “salvar” o Governo. O que está implícito nesta crítica é que, se PCP e PSD levantassem mais a voz, e se recusassem qualquer entendimento com o Governo e o PS, estariam a subir nas sondagens e teriam melhores resultados nas eleições autárquicas. No PCP, o objectivo dessas críticas seria o desejo de que o partido fosse mais duro nos conflitos sociais, no Parlamento, e, por fim, que inviabilizasse o Orçamento. As coisas só não são mais explícitas porque mesmo os radicais contra o PCP têm medo que a inviabilização do Orçamento pudesse levar a eleições e sabem que uma crise de influência da sua “esquerda” significaria não só um reforço do PS, como um reforço da direita mais radical.

Uma variante muito repetida na comunicação social como “análise” é a afirmação de que, se o PCP tiver um mau resultado eleitoral, será mais difícil haver um acordo sobre o Orçamento. O mínimo que se pode dizer é que tanto pode ser de uma maneira como doutra, mas esta “análise” é um desenvolvimento de outra que atribui o enfraquecimento do PCP à experiência conhecida como “geringonça”. Já escrevi e não vou repetir que penso ser uma “análise” errada, visto que as razões da crise do PCP são muito mais fundas do que as circunstâncias dos últimos anos. Mais: penso que, se não houvesse entendimentos com o PS, ou seja, se o PSD e o CDS estivessem a governar, as coisas seriam ainda mais críticas. Nos dois últimos governos socialistas, os acordos deram ao PCP mais poder do que ele alguma vez teria numa oposição pura e dura, porque lhe deram acesso a um direito de veto a muitas políticas que lhe minariam a sua principal base de sustentação actual, os sindicatos.

A comparação entre o PSD e o PCP tem sentido para os radicais de ambos os lados, mas esgota-se nessa razão de ser e, quando se quer ir mais longe, perde-se o sentido. Explico-me. Comecemos pelas diferenças, e que tem a ver com o facto de Rio ser cercado pela direita radical, dentro e fora do PSD, e o PCP ser cercado pelo desgaste da sua influência social, um processo muito mais difícil de contrariar do que qualquer oposição interna, ou de sectores mais radicais da esquerda, que quase não existe no PCP. O PSD também sofre na sua influência social, mas a fonte dessa crise são as políticas do próprio partido, principalmente o abandono do seu papel reformista e moderado, que foi ocupado pelo PS, e que por isso essa influência pode ser recuperada porque é conjuntural. Ainda e para já – com o tempo as coisas podem mudar.

Por seu lado, o PCP tem uma crise estrutural, que pouco tem a ver com as políticas, por isso a posição face ao Orçamento é pouco relevante para contrariar ou aprofundar a crise, porque o que mudou foi a sociedade. Não que deixe de haver papel para as lutas e o conflito, bem pelo contrário, só que o seu enquadramento pelo PCP numa política global não se traduz em votos.

Sendo assim, há uma enorme diferença na actuação dos críticos da direita radical que atacam Rui Rio. A contestação a Rio vem do interior do PSD, e dos círculos da direita radical nos lóbis e na comunicação social, apoiada pelo Chega e pela Iniciativa Liberal e pelos restos do CDS, e no PCP a maioria das vozes estão fora do partido e são muito pouco significativas. Portanto, no PSD estas críticas funcionam como uma pressão imediata, enquanto no PCP ainda estão longe de o ser.

Outra diferença essencial, talvez a mais relevante, é que os críticos da direita radical contra Rio precisam desesperadamente de que o PSD tenha um mau resultado eleitoral, e trabalham para isso, e os do PCP ou são indiferentes a esse resultado, ou não o desejam por considerações com a força da “esquerda”. Sabem, aliás, que as razões dessa crise também lhes batem à porta. Mesmo o Bloco de Esquerda, que podia ser o protagonista dessas críticas, não é, porque a sua estratégia passa também por entendimentos com o Governo.

Hoje as pessoas cumprimentam-se com aquilo a que tenho chamado “murro amável”, para não se cumprimentarem de mão. Duvido que haja muita diferença pandémica, mas os costumes são estes e talvez o “murro amável” seja para ficar. Só que na política portuguesa há duas questões que não são “amáveis”, são de murro mesmo: não tanto o Orçamento, mas a negociação do Orçamento, e saber se o PSD será capturado pela direita radical. Se queremos discutir as questões duras no plano puramente político e não a coreografia mediática, é isto que é relevante. É de murro, mas não é amável.

Historiador

terça-feira, 14 de setembro de 2021

A demografia na campanha autárquica


Por
João Abel de Freitas, 
13 Setembro 2021

Terá viabilidade uma política pública que aposte na reversão da demografia, ou antes uma outra que minimize pouco a pouco os “custos de desgaste”? Os resultados preliminares do Censos de 2021 do Instituto Nacional de Estatística (INE) apenas vêm confirmar algo que se sabe de há muito, ou seja, a tendência de decréscimo da população global residente no país.



O INE, nas suas recentes projecções demográficas de longo prazo – Horizonte 2080 – estimadas com base na população de anos diferentes, tem apontado no seu cenário central (sem falar já no cenário baixo) um valor inferior a 10 milhões de habitantes. Concretamente, na última projecção (31/03/2020), o número de residentes em Portugal para o ano de 2080 é da ordem de 8,2 milhões – uma perda substancial – superior a dois milhões de habitantes, comparado com o ano de partida, 2018.

Assim, o decréscimo da população de 2% reportado pelo Censos 2021 face ao anterior, colocando Portugal ao nível dos anos de início do século XXI, apenas vem corroborar estas tendências há muito identificadas.


O uso político do decréscimo de residentes nos Concelhos

Interrogo-me se a demografia, um tema tão abrangente, é apropriado numa campanha autárquica! Entendo-o mais como uma questão global a debater numas eleições legislativas. No entanto, tem sido alvo em vários debates mas de forma que nada acrescenta. Diria mesmo, minora tema tão amplo e determinante.

Os candidatos de diferentes partidos têm-se limitado a falar do decréscimo populacional apenas para lançar umas picardias aos adversários.

Os responsáveis pela gestão autárquica mais recente são apontados, nos espaços concelhios onde se registaram decréscimos, como “os causadores” dessa diminuição, tentando desta forma convencer os cidadãos a não dar o seu voto ao adversário político, rotulando-os de incompetência, inércia ou de falhas graves na tomada de medidas apropriadas à solução de um problema que entendem crítico, mas sem uma simples ideia avançada para minorar a situação.

Apresenta, contudo, um aspecto “positivo” embora desolador. Mostra ao vivo que os partidos não têm pensamento estruturado sobre a demografia, sem dúvida, uma questão central em Portugal e no Mundo, embora sob perspectivas diferentes.

A demografia é uma questão central ao desenvolvimento económico e social pois se relaciona e condiciona muitos outros domínios como o problema alimentar, a habitação, o consumo de água, a segurança/violência, as mudanças climáticas, a educação, a cultura, o urbanismo, a redução da população rural, a evolução do ser humano, a revolução tecnológica… só para referir alguns.

Mas está na moda os políticos falarem do tema.

Como já escrevi aqui, “todos os partidos dizem estar muito preocupados com a questão da demografia, mas são tão ambíguos no que dizem, que não se percebe aonde querem chegar. Ou se desejam chegar a algum sítio”.

As muitas questões que a demografia levanta

A evolução demográfica depende no essencial de dois movimentos, o saldo natural (natalidade/mortalidade) e o saldo migratório (emigração/imigração).

A taxa de natalidade/fertilidade é, de longe, a determinante e está em queda há muito tempo. Apesar de muito desigual segundo os países ou grupos de países, a sua queda constitui uma tendência por múltiplas razões, incluindo as de saúde.

A “taxa de substituição” da natalidade, ou seja, a velocidade a que uma população se pode reproduzir é estimada em 2,1. Esta taxa varia, no entanto, consoante o local, dependendo da mortalidade infantil.

Em Portugal, situa-se presentemente em 1,41. Um valor muito baixo. O número de nascimentos tem vindo a diminuir sendo a taxa de mortalidade ligeiramente mais elevada devido ao envelhecimento da população. Daí que o saldo final tenda a ser sistematicamente negativo e difícil de estabilizar.

O saldo migratório poderá tornar-se menos difícil de acomodar, através de políticas públicas robustas para os dois movimentos, entradas e saídas de migrantes.

No entanto, não estamos a ver como o país pode reter certos estratos da população portuguesa, designadamente uma percentagem significativa das pessoas altamente qualificadas, pelas condições de progresso e sucesso a que aspiram, na sua vida. Por outro lado, não vemos como fomentar uma taxa de natalidade mais expressiva!

Neste contexto complexo, com estas tendências de fundo tão consistentes, a primeira grande interrogação que se me coloca é: terá viabilidade uma política pública que aposte na reversão da demografia ou antes uma outra que minimize pouco a pouco os “custos de desgaste”?

Esta linha de ataque ao problema implica apontar para um novo modelo demográfico que consiste em viver e aprender a viver uma realidade de queda deslizante e lenta da população, tentando sustê-la aqui e ali, promovendo em simultâneo uma aprendizagem continuada de lidar com o fenómeno no sentido de o ir dominando. Uma espécie de monitorização activa da situação.

Pensamos que nos países mais desenvolvidos o decréscimo populacional é inelutável (ninguém hoje quer/deseja muitos filhos por motivos vários) e Portugal desliza nesse caminho. Só que em desvantagem face aos países mais ricos, de uma forma geral devido ao seu nível de criação de riqueza. O decréscimo populacional só poderá ser minorado com políticas robustas de imigração e de desenvolvimento.


“Acomodar-se” a este novo paradigma implica um grande esforço de transformação societária do ponto de vista económico e cultural. Esse salto é possível se soubermos aplicar de forma dinâmica e estratégica os fundos comunitários que vão ser disponibilizados durante a década 20/30. Dinheiro não falta. Pode faltar estratégia, ambição e sobretudo capacidade de realização.

O problema que se coloca então aos partidos, e à governação em especial, vai num duplo sentido: conter “os estragos” que se acumularam e partir para a preparação do país para esta nova realidade, o que equivale a criar as condições para produzir mais com menos gente.

Preparar a sociedade para este novo paradigma exige decisões de fundo, diferentes e inovadoras, a nível técnico, organização do trabalho e da sociedade, novas qualificações técnicas, novo tipo de ensino. Uma mentalidade cultural inovada e inovadora.

O problema é que não há tempo a perder sob pena de algum retrocesso civilizacional.

A estratégia de mudança não passa então por pretender aumentar o número de portugueses para repor o défice resultante dos sucessivos decréscimos de população. O essencial para manter Portugal com uma dimensão próxima da que existe reside em criar políticas públicas que incentivem através de condições específicas quem pretenda viver no território nacional. Quanto mais o país for aberto a acolher gente de outros mundos melhor será. Daí impor-se uma política de imigração e integração bem desenhada, uma política que preserve valores básicos e humanos e relações interculturais.

Da articulação entre estas duas vertentes é possível aproximarmo-nos de uma solução de futuro ao problema da demografia e apostar num país com a dimensão em sentido figurativo mais ampla da que tem, dependendo da imagem real que se consiga projectar/consolidar a nível da comunidade internacional.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 12 de setembro de 2021

Jorge Sampaio fez, em vida, um exercício de imortalidade


Todos estamos a prazo. A vida é assim. E há momentos que essa certeza se torna mais visível e sobretudo sensível. A morte de um Homem de Estado e todo aquele cerimonial protocolar, de genuidade absoluta, fez-me aqui sentar para expressar e partilhar um turbilhão de sentimentos que me invadiram nos últimos dias.



As homenagens dos seus filhos Vera e André emocionaram-me, numa serena confusão de sentimentos. Pelas palavras ditas, docemente exprimidas, mas sobretudo pelo semblante que espelhava a dor sentida com uma invulgar dignidade. Reconhecimento dito após a morte, mas, certamente, quantas vezes manifestadas em vida, olhos nos olhos, no abraço afectuoso, no peito que aconchega e que faz verter a lágrima do sentimento.

Tenho por assumido que os Homens bons não morrem. Porque fizeram da sua vida um exercício de imortalidade que ultrapassa os momentos de dor. Tive um Professor que me disse: "O homem não tem sentidos... é sensível". Hoje lembrei-me dessa notável frase para enquadrá-la na morte de um Homem, quando Vera Sampaio sublinhou: "O nosso pai era um homem bom, atento e disponível, para quem as pessoas contavam acima de tudo, não as pessoas em geral, mas cada pessoa com nome e rosto”.

Escasseiam Homens destes que olham para todos e, simultaneamente, estão a identificar cada um, os problemas que transportam, as amarguras que sentem, as angustias que, silenciosamente, percorrem as suas vidas, as aflições, os tormentos, as inquietações, as faltas de tanta e tanta coisa que, circunstâncias várias, roubaram o direito de poderem dizer: sou feliz!

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa tem razão: ele "nunca quis ser herói, mas foi". É de Homens e Mulheres assim, de heróis que não precisam de gritar para serem notados, que Portugal precisa. Urgentemente. Os portugueses estão ávidos de exemplos de humildade, de escuta, de olhos atentos e de corações cheios de emoção humanizadora e de preocupação pelos outros. Os portugueses dispesam as atitudes de vã superioridade, as posturas artificiais, as ofensas, os "amigos" de circunstância, os afastamentos compulsivos, as arrogâncias que excluem e os interesses políticos, económicos e financeiros que se movem e que ofendem a condição humana.

Lembrem-se que todos estamos a prazo e todos vamos ali acabar.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 11 de setembro de 2021

Jorge Sampaio, um cidadão do mundo


Clara Ferreira Alves, 
in Expresso, 
10/09/2021



Foi um político socialista culto, lido, foi um ilustre humanista no que de melhor tem a estafada palavra. E foi um ilustre descendente de judeus cultos e dedicados a melhorarem o mundo. Foi um homem devotado aos direitos humanos e à diplomacia como solução principal de conflitos. Mais do que o Presidente, a quem a democracia portuguesa deve também os modos de elegância e o cosmopolitismo internacionalista que depois perderia, sinto a falta do homem, do ser humano, da personagem. Do sorriso ágil de pássaro que tudo observa com discrição.

Atento aos negócios internacionais, tinha um particular interesse pelo Médio Oriente, que visitou várias vezes, e pelo insanável conflito israelo-palestiniano. Sentia-se moralmente implicado. Em Belém ou no gabinete pós-presidencial e no cargo de Alto Representante para a Aliança das Nações, costumava telefonar-me quando rebentava mais uma guerra naqueles territórios. Mais do que interessar-se, foi ele o motor e a vitalidade dessa defunta Aliança das Nações, um consórcio internacional à sombra das Nações Unidas para promover a reconciliação entre o mundo ocidental e o mundo muçulmano que por esses tempos era visto como um inimigo civilizacional.

Estive com ele tantas vezes em tantas circunstâncias que nem sei o que posso destacar. Sampaio acompanhou a geração do 25 de Abril, um centrista esquerdista ao jeito social-democrata quando a palavra representava uma ontologia da decência e da prudência, e um político que não abdicava da ideologia e da cultura da ideologia. Foi um europeísta convicto que pensou e repensou o alargamento e analisou a necessidade de uma Constituição europeia. Os encontros de Arraiolos nasceram daí.

Recordo uma ida à Turquia em presidencial visita de Estado (fui na qualidade de Diretora da Casa Fernando Pessoa) onde percebi que ele tinha uma visão alargada e absolutamente certeira do papel estabilizador que a Turquia poderia ter na Europa se a Europa não lhe voltasse as costas.

Erdogan era por esse tempo um europeísta e foi a humilhação infligida pela União Europeia com avanços e recuos e argumentos de exclusão, onde a França teve um papel determinante, que justificaram a escolha do Golfo Pérsico e dos países árabes como aliados principais. E, mais tarde, da Rússia, como sabemos. E ditaram algum do despotismo e autoritarismos posteriores. Sampaio estava tão certo.

Noutra viagem, em Doha, Qatar, mais uma vez vi Jorge Sampaio atuar dentro da Aliança das Nações, percebendo que embora a monarquia absolutista do país lhe desagradasse, o Qatar se colocava, com os seus recursos inesgotáveis (gás natural) e a sua ambição política e diplomática, como um interlocutor essencial nas grandes questões do Médio Oriente e dos Estados Unidos da América no mundo pós-11 de Setembro. Olha-se para o Afeganistão hoje e Sampaio acertou, mais uma vez. Estamos a um dia dos 20 anos do 11 de Setembro e tenho pena de já não poder ouvir Jorge Sampaio sobre a data de amanhã.

Não creio que haja muito sucessores deste senhor brando e educado que conseguia ser de uma teimosia e de uma firmeza argumentativa inabaláveis quando se tratava da substância do diálogo e da certeza de que temos de fazer tudo o que é possível para tornar este mundo mais pacífico, seguro, justo e igual. E livre. Ele fez.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O desespero a dois


José Gameiro, 
in Expresso, 
03/09/2021


O que todos queremos é algo que é impossível de atingir, a felicidade ou o que entendemos por felicidade, por tranquilidade, satisfação ou por paz de espírito. A tragédia humana é isso. Principalmente se não somos ‘os pobres de espírito’.



O pensar, a inteligência, não nos facilita a vida. Vivemos presos pelos passos que demos no início da nossa vida de seres autónomos, pensando que seriam os passos do caminho que queríamos em certa altura da vida. Esse caminho mostrou-nos que havia vários percursos, mas que infelizmente estávamos agarrados ao ponto de partida. O não estarmos sós na viagem, a falta de liberdade, os desentendimentos, as desilusões fizeram perder o encanto. Os desvios deixam marcas. A paragem é inevitável.

E depois? O que fazer? A sociedade dita regras, a educação e a religião reprimiram uma sensibilidade que se revelou doentia. O cansaço é agora demasiado. O que suportava a inteireza física e psíquica levou um rombo enorme. Não há ligação, interesses comuns, e o trabalho e o tempo não permitem as fugas que aliviam o contacto excessivo. A família levantou asas e seguiu os seus caminhos e deixou-nos sós na viagem. O grito é interno, sofrido, amargurado. O consolo é mínimo porque o hábito é terrível, e terrível é a aceitação de que o sofrimento redime e que nele encontramos a salvação eterna.

Mas que salvação? Sabemos que só a morte nos liberta. Que contrassenso é a vida! Vivemos para morrer. O choro na nascença é porque sabemos que a vida não vai ser fácil. Deixámos a proteção uterina onde em solidão a vida era agradável. Nascidos de um ato de prazer somos lançados para um percurso que não escolhemos. A gruta, a caverna é o lugar seguro. A procura da luz é um caminho falso. O Jardim das delícias enganoso e o paraíso não existe e a crónica não revela a solução.”


Quando li este texto, que me foi enviado, a minha reação imediata foi, felizmente que as novas gerações já têm a possibilidade de romperem uma relação e tentarem partir para outra. Este desencanto e este sofrimento prolongados são menos aceites pelos casais. A idade média dos divórcios é de 45 anos e dos casamentos de cerca de 30. Apesar de muitas uniões não serem formalizadas, podemos ter uma ideia do tempo médio que os casais que se divorciam, “aguentam”, até se separarem. Cerca de 15 anos. Mas seria possível, em alguns casos, evitar este desenlace?

Os casais que perduram no tempo têm uma capacidade de “negociação” das suas individualidades, que vai ajustando o que é mais difícil que o amor, a possibilidade de o viver com satisfação mútua. Quanto mais cedo esta começar melhor será o futuro da relação. Mas isto resolve tudo? Claro que não. Mas os maiores riscos para a conjugalidade vêm de dentro. Quando alguém se separa, a primeira pergunta que se faz é, há uma terceira pessoa? Talvez porque assim a história será mais picante. Mas convém saber que as terceiras pessoas podem entrar em relações muito satisfatórias. Há muitas ideias falsas sobre os casais felizes, uma das mais propagadas é que são imunes às tentações...

Talvez, em termos de relação amorosa/conjugal, a grande diferença das novas gerações seja o não suportarem a infelicidade relacional, romperem e tentarem de novo. Pensar que isto é mau ou bom não faz sentido, é o que é. Mas ninguém se separa com anestesia geral, há sempre dor.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Suzana Garcia e os tremores do PSD


Daniel Oliveira, 
in Expresso, 
01/09/2021



aqui escrevi sobre o desnorte que vai nas campanhas autárquicas do PSD, subitamente autodespromovido para o campeonato dos pesos-pluma que lutam pela notoriedade. Mas a coisa ganhou uma nova dimensão com a campanha de Suzana Garcia. A candidata do Chega transladada para o PSD, que acusou a presidente da Câmara Municipal da Amadora de não viver na Amadora, onde ela também não vive, foi um investimento mediático dos social-democratas. Garcia não tem qualquer relação com o concelho para além da ideia preconceituosa de que, para a Amadora, é preciso alguém que fale de insegurança. É interessante saber que a Amadora não só não é o concelho com mais criminalidade na Área Metropolitana de Lisboa (AML), como passou, de 2017 para 2020, de 4º para , na AML. Mas os investimentos mediáticos têm, numa campanha onde se somam centenas de campanhas, os seus riscos. São muitos cães a um osso e, quando se chega à reta final e as televisões se concentram nos principais concelhos e nos líderes partidários, é preciso ter alguma coisa a mexer no terreno.

Nos últimos tempos, depois de um mediatismo desmesurado para um partido que teve 18% nas últimas autárquicas do concelho (contra 43% do PS), tem faltado a Suzana Garcia a atenção que ela esperava dos jornalistas. E se Maomé já não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. A candidata desistiu da Amadora e foi fazer campanha para Lisboa. Com uma estética e uma linguagem típicas da extrema-direita, coerente com o seu próprio perfil, deixou à porta da sede nacional de cada partido cartazes insultuosos, em que chama “fascista” ao PAN e “tachistas” ao PS. Diz que eles vão “tremer”. A rematar estes cartazes, a autoironia: “Os populistas vão tremer.” As mensagens não são sobre os problemas da Amadora. É uma campanha nacional, que faz ataques (sem grande conteúdo) às direções nacionais dos partidos.

Mas o cartaz mais interessante está à frente da Assembleia da República: “o sistema vai tremer.” O sistema vai tremer se o PSD, partido do sistema até à medula, vencer uma câmara da área metropolitana de Lisboa? Claro que não. Mas Suzana Garcia não é candidata à Câmara da Amadora, concelho para que se está nas tintas. Nem do PSD. É candidata a figura mediática da extrema-direita que usa, como Ventura usou em Loures, o PSD como rampa de lançamento depois de, também como Ventura, ter sido promovida pela televisão tabloide. Extraordinário é que um partido que foi usado uma vez e que está a pagar a fatura por isso se preste a ser usado de novo. Na primeira foi culpa de quem enganou, à segunda é de quem é enganado. Não consta que a subida conjuntural do PSD em Loures tenha deixado grandes raízes. Será igual na Amadora.

Ao pôr os cartazes em Lisboa, Suzana Garcia sobrepõe a sua mensagem à de Carlos Moedas, criando ruído sobre uma das candidaturas mais importantes para o partido. Parecendo-me evidente que não consultou a concelhia de Lisboa para a gracinha, exibe desrespeito por Moedas. Mas a cacofonia, em que candidatos de um concelho procuram protagonismo no do outro, é a imagem perfeita do estado do PSD. Está cada um por si, sem liderança nem rumo. O melhor para as garcias desta vida.

Nestas autárquicas, Rui Rio perdeu o partido para a tática de guerrilha do antigo marketeiro de Ventura, que faz as campanhas do Seixal, de Oeiras e da Amadora. O PSD está como o resto da direita: estilhaçado, a falar para uma bolha que vai minguando à medida que se radicaliza e tomado por um discurso identitário que espalha caras de Estaline pelas ruas do Seixal, troca a Rua Humberto Delgado pela Rua Jaime Neves ou chama “fascista” ao PAN. Se o objetivo da extrema-direita fosse destruir o sistema, uma parte estaria bem encaminhada: a destruição por dentro do PSD, que é um dos seus pilares.