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terça-feira, 29 de junho de 2021

Não é parolice isso do “até os comemos no Mundial”?



Por
Francisco Louçã, 
in Expresso Diário,
29/06/2021


Desculpem os corações sensíveis, mas não consigo acompanhá-los na raiva contra a bola que, perversa como só ela sabe ser, não quis entrar na baliza belga, nem muito menos na mágoa contra o vodu que teria castigado a seleção nacional. Essa de culpar o cosmos e os búzios pelos erros próprios pode ser conforto de alma, mas ajuda menos a resultados desportivos que dependem de porfiar e melhorar os talentos e, já agora, de um treinador que saiba organizar a equipa e que queira vencer. Talvez haja sorte que por vezes possa fazer a diferença, como, já agora, o golo de Éder que valeu um título, mas é escusado pensar que um efeito faz um feitio ou que uma exceção faz a regra.



Com o melhor marcador do campeonato italiano e o segundo melhor do alemão, com jogadores de referência de tantas das grandes equipas europeias, a seleção tinha obrigação de mais. Marcar sete golos e sofrer outros sete é um mau resultado e, quando chegaram os oitavos de final, depois de somar um jogo lastimável (com a Alemanha) a outro bom (com a França), entrar a medo para correr atrás do prejuízo (com a Bélgica) significava já o risco de caminhar para a derrota, até contra uma equipa que foi banal.

Como tantas vezes acontece entre nós, a tendência para o dramalhão foi mobilizada para jogar fora do relvado e tentar tapar estas fragilidades. Porventura com a mais sincera das emoções, destacou-se o apelo à invasão de Sevilha e multiplicaram-se os vaticínios, a modos de evocações milagreiras ou de feitiços, tudo para ser esquecido no momento seguinte. A política piscou o olho ao futebol, são velhas amizades com tantos segredos vividos e convividos, e segue jogo. Neste domínio da fantasia futebolística, tudo o que é possível dizer e prometer vale pouco e isso convida a uma inflação da hipérbole. Prometemos arrasar o Olímpico de La Cartuja e assentamos praça no café da nossa esquina. Eu sou mais fanático do que tu e é assim que afirmo o meu amor à pátria da bola que rola e não salta, mas não me leves muito a sério, que eu também não.

Haveria então alguma razão para antecipar, talvez compreender e quem sabe se amnistiar os que, arrumadas as botas do campeonato europeu, subiram logo a parada, agora é ganhar o Mundial, vamos a eles. É assim que isto funciona, promete-se sempre mais quando se faz menos. Em tradução para termos mais corriqueiros, o que vários ilustres vieram garantir é que “até os vamos comer” no Qatar. Espera-se que o povo repita a promessa e que, assim, se eleve até aos céus uma torrente de fé que ilumine o campeonato do qual ainda se disputam eliminatórias. Que importa, a fibra de campeão é ganhar todos os jogos antes de os disputar, que depois é que é mais difícil.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Neutralidade



Por
Daniel Oliveira,
in Expresso,
25/06/2021


A UEFA chegou a abrir uma investigação à braçadeira de Neuer durante o jogo contra Portugal. Depois arquivou, porque o arco-íris que o capitão alemão trazia no braço era “símbolo coletivo da diversidade, e, assim sendo, uma boa causa”. Dias depois, a mesma UEFA não deixou que Munique iluminasse o seu estádio com o mesmo arco-íris no jogo com a Hungria, em protesto contra a aprovação de uma lei que proíbe a “promoção” da homossexualidade junto de menores de 18 anos. Uma lei aprovada no mesmo pacote legislativo em que se agravaram penas para pedófilos. Pôr os dois temas no mesmo saco não é inocente. E proibir a “promoção” da homossexualidade quer dizer, em linguagem homofóbica, impor a invisibilidade dos homossexuais. Não têm lugar na educação sexual, em filmes vistos por menores, em nada que possa ser exibido à luz do dia. Porque o amor entre dois homens ou duas mulheres equivale a pornografia. “Pelos seus estatutos, a UEFA é política e religiosamente neutra”, explicou a organização. E o seu presidente, chocado por alguém usar a “popularidade do futebol” para outra coisa que não seja ganhar dinheiro ou promover ditaduras, acusou os alemães de “populismo”.



Várias federações de futebol e clubes espalharam, e bem, o arco-íris pelas redes sociais. Até a UEFA teve o descaramento de o fazer, explicando que só o recusa quando isso corresponde a alguma coisa concreta e não se trate apenas de “pinkwashing”. Quando passa de um braço para um estádio, incomoda um governo e tem mais conteúdo do que um anúncio da Benetton, a defesa da diversidade deixa de ser “uma boa causa”. “Graças a Deus ainda prevalece o bom senso e não cederam a uma provocação política”, celebrou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Budapeste. E assim, a UEFA impôs à Alemanha a censura de Orbán. Mas não está sozinha.

Muito mais grave é a secretária de Estado dos Assuntos Europeus ter explicado que Portugal não subscreveu uma carta assinada por 13 Estados-membros sobre a violação dos direitos LGBT na Hungria por “dever de neutralidade” da presidência da UE. Orbán conseguiu que a UE passasse a ser neutral na defesa de direitos humanos. Numa coisa têm todos razão: a defesa dos direitos LGBT não é apenas uma “boa causa”, é uma causa política.

Na última semana, ouvi falar de revoltas organizadas de pais por um colégio ter dedicado o mês de junho à sensibilização contra a homofobia e de quem tenha protestado com restaurantes que decidiram imprimir o arco-íris nas suas embalagens de entregas. A UEFA representa mais do que a UEFA. São muitos os que se incomodam e reagem à luta pelos direitos LGBT. Como no passado se incomodaram e reagiram ao movimento pelos direitos cívicos nos EUA ou às sufragistas. Diz-se que devemos tentar compreender o incómodo. Não há nada de novo para compreender.

A luta pelos direitos humanos sempre encontrou a resistência de quem, tendo garantido o privilégio de decidir o que é “normal” ou aceitável, não quer perder esse poder. A defesa dos direitos humanos não será mais fácil do que antes. Os ventos que sopram até nos dizem que será mais difícil. Ela sempre se fez contra inimigos como Orbán e cúmplices “neutrais” como a UEFA ou a presidência portuguesa da UE.

A resposta ao crescimento da extrema-direita não é calarmo-nos perante a desigualdade entre homossexuais e heterossexuais, mulheres e homens, imigrantes e nacionais. É ser igualmente intransigente na luta contra a desigualdade que afeta a maioria: a social e económica.

sábado, 26 de junho de 2021

O crescimento da má educação


Pacheco Pereira, 
in Público, 
26/06/2021


O incremento da rudeza, brutalidade, má educação tem sem dúvida que ver com a pandemia, que põe as pessoas fora de si. Vão para a rua e olhem com atenção. Não é um espectáculo bonito.



Não sei bem como lhe chamar. “Má educação” é um termo muito ambíguo, “incivilidade” demasiado intelectual. Vou ficar-me pela “má educação”, que sempre diz mais do que incivilidade. Depois é uma matéria que é irrelevante para muita gente e demasiado importante para alguns. Há brutos e há flores de estufa. É uma matéria que não é sentida da mesma maneira quando se é mais novo ou quando se é mais velho. E é de difícil tratamento objectivo, não há um padrão que permita definir o que é “boa educação” ou “má educação”. Depois, há atitudes que para uns são condenáveis, para outros normais ou indiferentes. Há locais onde a “má educação” é a regra, como é o caso das brigas entre condutores. À segunda troca de palavras vêm os insultos mais grosseiros. Outra palavra, “grosseiro”, outra ainda “rude”, que fazem parte deste grupo de caracterizações de alguma coisa sobre a qual a maioria das pessoas tem opinião, mas que ninguém é capaz de teorizar, muito menos medir. Vicente Jorge Silva provou desta complexa confusão quando chamou a uma geração de jovens estudantes “geração rasca”, e provocou um efeito de revelação, eles eram mesmo “rascas”, ou uma caterva de críticas pelo atrevimento do julgamento.

Dito tudo isto, parece-me, pela medida mais empírica e subjectiva que se tem nestas matérias, que a má educação, agora sem aspas, está a crescer. Há cada vez mais pessoas a tentar passar à frente nas bichas de supermercado, nas filas das vacinas, nas filas para entrar em lojas ou restaurantes. Pode-se dizer que isto se passa porque há mais filas. As restrições da pandemia geraram um mundo de filas e consequente perda de tempo e isso irrita as pessoas. Por isso, as passagens à “má fila” ou as estratégias para fazer de conta que se está indevidamente à frente de alguém são cada vez mais comuns. Experimentem protestar. Das duas, uma: ou o protesto é colectivo e a fila que foi ultrapassada protesta toda em uníssono e o prevaricador é posto na ordem, ou quem protesta é olhado de alto abaixo como um excitado pelo seu direito individual à ordem de chegada.

Reparem como num multibanco, coisa que há cada vez menos, alguém leva um monte de papéis para processar, ocupando a caixa durante muito tempo sem consideração pela fila que está atrás. Ou como quem faz cargas e descargas de forma mais caótica e fora de horas, ocupa uma fila de trânsito, reage com veemência afirmando o direito de quem “está a trabalhar” e todos os outros a preguiçar e, por isso, pode parar onde quer, e como quer e durante o tempo que quiser. Não pede desculpa, nem acelera as entregas, nada, acaba e parte para outra como se nada acontecesse. O mesmo quando um carro impede a saída de outro e o que era o obstáculo acha que não tem de se justificar e tira o veículo prevaricador com maus modos.


Já não me refiro sequer a jovens famílias que acham normal as suas crianças andarem aos encontrões e a jogar a bola com total desrespeito pelos que estão num jardim ou parque a descansar, a ler, ou simplesmente desejam estar sossegados, e no intervalo em que estão a comer, estão a jogar à mesa, os adolescentes e os adultos ao telemóvel, num espectáculo de uma peculiar sociabilidade zero. Percebe-se como isto é absolutamente normal para os pais e mães e experimentem chamar a atenção de que é suposto as suas criancinhas serem controladas para não incomodar terceiros e vão ver a fúria e os impropérios com que afirmam o seu direito a que “ninguém se meta na sua vida”.

O incremento da rudeza, brutalidade, má educação tem sem dúvida que ver com a pandemia, que põe as pessoas fora de si, obrigando-as a suportarem-se demasiado perto dentro das casas confinados. Há demasiadas desgraças, que depois vêm cá para fora. Estas atitudes comunicam com a violação das regras de saúde, com o laxismo, com a indiferença face aos outros. Nestes dias de recuo no confinamento pagamos demasiado caro esta incivilidade, esta má educação, porque ela vai direitinha ter com estes comportamentos que todos podemos observar. Os que furam as filas não mantêm qualquer regra de diferenciação social, os que deixam os pequenos selvagens à solta estão-se marimbando para usar máscara.

O problema é que a má educação é uma forma de agressividade cujos alvos são os mais fracos, os mais bem-educados, os mais velhos, os que têm menos defesas. Vão para a rua e olhem com atenção. Não é um espectáculo bonito.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Japão, de país ocupante a país ocupado

 

Por
João Abel de Freitas, 
23 Junho 2021

Uma viagem ao passado dá-nos uma ideia do Japão do presente. Um país que foi desarmado e desmilitarizado, inimigo dos EUA transformado em seu aliado.


1945. Um marco na vida do Japão contemporâneo. Da pretensão de nação imperialista no domínio da Ásia saiu a derrota e a ocupação militar, uma grande humilhação para o povo japonês.

1. O Japão até à segunda metade do século XIX uma economia fechada de características semifeudais lança-se, a partir desta data, com a Revolução/Restauração Meiji, num processo de industrialização visando caminhar numa linha de sociedade moderna.

Para esta abertura ao Mundo muito contribuiu a grande pressão do Ocidente sobre o Japão, designadamente dos EUA que, por volta de 1850, forçou com a sua presença a abertura dos portos ao exterior e a criação de feitorias.

Inicia-se, desta maneira, a transformação do Japão que, nos princípios do século XX, já é tido como a única potência industrial da Ásia.

O Japão para consolidar esta ambição radical de transformação padecia de muitos constrangimentos. Graves problemas energéticos, escassez de recursos naturais designadamente de minérios e reduzida dimensão do mercado interno. Os recursos humanos eram menos constrangedores porque, com a “revolução” Meiji, muitos eram os estudantes japoneses que saíam para a Europa e EUA e já com uma percentagem acentuada de retorno.

2. Neste contexto, as ambições não se fazem esperar. O Japão assume a mentalidade e a perspectiva de se tornar uma nação imperialista, desencadeando conflitos militares para se apossar de territórios com potencialidades económicas úteis à expansão.

Assim, se iniciam os conflitos nos finais do século XIX que só param com o desfecho da Segunda Guerra Mundial. A primeira guerra sino-japonesa desencadeia-se em 1894-1895, a propósito da disputa da Coreia que termina com a derrota da China e a ocupação de Taiwan pelo Japão.

Segue-se um segundo conflito com a Rússia por causa da posse das ilhas Sacalinas. Quando os observadores mundiais estavam convictos de que a Rússia seria a vencedora, e era o que interessava ao Ocidente, eis que o Japão sai vencedor.

Com estas vitórias, engradece-se a euforia japonesa e mais nada fez parar o Japão que foi constituindo um exército muito aguerrido, poderoso e bem organizado. O Japão convence-se de que pode mesmo vir a dominar a Ásia.

No meio destes sucessos e sempre na procura da obtenção de recursos para a industrialização em curso, decide-se pela invasão da Manchúria em 1931, uma província chinesa com minérios e solos férteis.

A invasão da Manchúria é condenada “piedosamente” pela Sociedade ou Liga das Nações, pois, na prática, nada foi feito em defesa do país invadido. O Japão abandona a Liga, mas não desiste de montar o Império. Em 1937 entra em confronto total com a China (desencadeando a segunda guerra sino-japonesa).

Aqui nasce a resistência chinesa de oposição ao Japão, organizada segundo duas frentes:


Os nacionalistas comandados por Chiang Kai-Shek; 
Os comunistas por Mao Tsé-Tung.


Vários estudiosos referem que a resistência nunca atingiu a capacidade para derrotar as forças japonesas, bem profissionalizadas, equipadas e com muita experiência de guerra. Estes avanços do Japão não eram bem vistos pelos EUA pois contundiam com os interesses americanos na Ásia.

3. Em pleno conflito sino-japonês desencadeia-se a Segunda Guerra Mundial, um dos acontecimentos mais marcantes do século XX, que no Extremo Oriente deixou marcos inesquecíveis como o ataque japonês “inesperado” contra Pearl Harbor e a destruição atómica das cidades mártires de Hiroxima (recorde-se o lindo poema de Vinícius de Moraes, “A rosa de Hiroxima”) e Nagasáqui.

Com o ataque a Pearl Harbor, em finais de 1941, o Japão entra na guerra aliando-se formalmente aos dois países do Eixo (Alemanha e Itália), embora já antes tivesse havido colaboração com a Alemanha. Aliás, entre estes dois países havia uma empatia ideológica e de processos de actuação.

Tinha acabado de chegar ao cargo de primeiro-ministro do Japão, o General Tojo, um acérrimo defensor da entrada do Japão na guerra e também dele parece ser a ideia do “Grande Japão” onde coubesse a China, a Indochina francesa, a Birmânia, as Índias holandesas, Bornéu e até a Índia.

Estavam a decorrer negociações de paz entre o Japão e os EUA, quando se dá o ataque “surpresa” à base americana. Há quem defenda e vários livros o confirmam na base de informação dos meios de espionagem que eram conhecidos indícios fortes de ataque do Japão a Pearl Harbor.

Por que razão Roosevelt, “conhecedor” do assunto, não terá agido pelo menos em termos de uma melhor defesa da base americana?

Roosevelt não sabia da data exacta mas admitia, segundo alguns analistas, a utilidade do ataque para os EUA para junto do povo (que era renitente) sustentar a entrada directa na guerra. E daí aquela sua frase tão conhecida: “Não queríamos entrar nela. Mas estamos agora nela e combateremos com todos os nossos recursos”.

No Extremo Oriente a guerra passava-se entre os EUA e o Japão. Só muito tardiamente a URSS entra em cena nesta zona quando denuncia o acordo de não agressão mútua de 1942 e faz deslocar para a Manchúria um milhão e meio de homens e cinco mil tanques já na sequência da conferência de Ialta.

Mas antes disto, as cidades japonesas iam sendo bombardeadas continuadamente e Tóquio a principal vítima do poderio americano. O povo japonês vai desmoralizando, sucumbe mesmo, tanto mais com o lançamento da bomba atómica e sua mortandade.

O Japão em grande desespero tenta negociações de paz com a URSS que não aceita, na fidelidade ao espírito de Ialta. O Japão derrotado aceita a rendição muito depois da Alemanha em 2 de Setembro de 1945.

Esta derrota acarreta para o Japão a ocupação do país pelos EUA, até porque as forças da URSS não chegam a penetrar no Japão.

E o Japão passa a ser governado pelos EUA, sob a direcção do General MacArthur que inicia grandes reformas na estrutura económica e política do país com o objectivo de reduzir a sua capacidade de fazer frente aos EUA e criar uma zona de apoio favorável aos EUA contra a URSS e posteriormente contra a China da Revolução Popular.

Sob o comando de MacArthur destruíram-se os grandes grupos económicos (Zaibatsu), as grandes propriedades agrícolas, transformando-as em parcelas de terra para entrega aos agricultores e as indústrias bélicas.

Sob o plano político, o país foi desarmado e desmilitarizado e foi-lhe imposta uma constituição em que o Imperador gozava de poderes muito limitados e sobretudo era-lhe vedado ter forças armadas. Não tardou que estas condições por mudanças profundas no xadrez político da Ásia (China e Guerra da Correia) se esfumassem e os EUA erguessem o Japão, de inimigo em aliado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Escola de S. Jorge (Santana-Madeira) transformada em lar




FACTO

A Escola de 2º e 3º ciclos de S. Jorge, inaugurada a 5 de Outubro de 2010 e que há dois anos está desactivada, será transformada num lar para pessoas idosas. A propósito, assume o vice-presidente do governo: "(...) ressalvo esta componente inovadora, que se anticipa ao todo nacional (...)". Fonte: Dnotícias, edição de hoje.

COMENTÁRIO

A 9 de Fevereiro de 2009 escrevi um texto a propósito de um comentário que escutei na RTP-M. Dizia o comentador: "não há um economista, um expert qualquer dessas áreas com capacidade para dizer o que vai acontecer amanhã". A propósito desta posição reagi com a seguinte argumentação:
"A necessidade de predizer já vem de longe. Henry Fayol, no início do século anterior, falava de programação, concertação, previsão, projecção, extrapolação! E hoje, mais do que nunca, pela necessidade de desenharmos o futuro por forma a podermos prepará-lo. A previsão do futuro consiste apenas em modelar uma estrutura de informação. Digamos que a previsão constitui a primeira fase do processo de planeamento. Certo? A previsão é, portanto, uma atitude prospectiva, de representação provável de uma situação futura. Por outro lado, a previsão está muito ligada às questões da mudança e aqui podíamos falar da mudança fechada, própria de organizações deterministas (penso ser o caso do governo regional); da mudança contida baseada em relações de causa-efeito (próxima da estatística) e da mudança aberta.
E quanto às técnicas a utilizar, entre outras (brainstorming e método de Delfos) pode-se falar dos critérios lógico (quantitativo, baseado na estatística, e qualitativo, baseado em opiniões, conjecturas e especulações); e no critério causal. Portanto, logo por aqui, eu diria que é um erro dar a entender que a previsibilidade é uma treta.
Por outro lado, ainda, os que acreditam nos benefícios do planeamento dizem que o “futuro já está entre nós”. Há vários autores a falar desta maneira. E se ele está aí e em constante elaboração, temos, apenas, que predizer sobre os conhecimentos certos (os que estão sob o controlo do planeador - variáveis conhecidas), os incertos onde se encontram as variáveis conhecidas mas que não se controlam, e os desconhecidos (no extremo, uma guerra). Por isso há planos de contingência.
O que tem falhado é que o governo não quer saber do planeamento para nada (vejamos, por exemplo, o que se passa com os instrumentos de ordenamento do território) e, por isso, por má gestão, obras gigantescas, irresponsabilidade de quem dirige, demissão, falta de controlo e descontrolo sobre o futuro, estamos na situação em que nos encontramos. Porque não souberam predizer e porque o governo continua a processar as mesmas soluções que utilizaram no passado, não pode esperar obter outros resultados senão aqueles que já foram obtidos no passado.
A posição do governo tem sido sempre reactiva, isto é, espera que o futuro aconteça para depois reagir, o que significa que, normalmente, anda atrás dos acontecimentos. Prever os acontecimentos do futuro para se ajustar, pode até não ter qualquer utilidade. Isto porque, geralmente, não somos capazes de reagir em tempo real. Só restava e resta ao governo fazer com que o futuro aconteça. E nisso ele foi incapaz de o fazer.
Dois autores a considerar:
Peter Drucker - considera que o planeamento a longo prazo é um processo contínuo e sistemático de tomar decisões actuais, com o melhor conhecimento dos seus efeitos no futuro.
H. Mintzberg - considerou o planeamento: um pensamento acerca do futuro; um controlo sobre o futuro; um processo de integrado de tomada de decisão; um procedimento formalizado para produzir um resultado articulado na forma de um sistema integrado de decisões.
Se o governo em vez de ler Keynes tivesse lido estes dois autores teria sido melhor para a Madeira".
No caso da Escola de S. Jorge, que custou alguns milhões, o problema está na ausência de PLANEAMENTO, quando era expectável uma significativa diminuição da população residente no concelho de Santana. O próprio Dnotícias, na página 4, demonstra que, em 2004 residiam, em Santana, 8.459, em 2010, 7.731 e, em 2020, 6.648. Conjugando vários factores, esta situação era PREVISÍVEL. Então, pergunta-se, para quê construir, na dimensão e nos encargos, uma obra que se tornaria (!) inadequada? Porque apenas estava no programa de governo?
Agora, juntar-se-á aos encargos de construção, os da readaptação a um lar. E assim se esvai o dinheiro público. Planeamento é o que falta. "Componente inovadora", qual?

domingo, 20 de junho de 2021

O argumento soviético da loucura



Pacheco Pereira,
in Público, 
19/06/2021


Os mecanismos do radicalismo hoje em curso à direita do espectro político são bem visíveis em textos de articulistas, nas páginas das redes sociais e nesse espelho das cabeças que são os comentários em caixas de comentários sem moderação ou pouco moderadas, seja no Observador, no Sol, e mesmo no PÚBLICO. Aliás, a prática de uma mesma publicação ser moderada no corpo principal e permitir tudo nas páginas do seu Facebook favorece a degradação da opinião, com o falso argumento da sua democratização.




Embora seja fácil perceber que uma multiplicidade de nomes falsos e pseudónimos pertencem à mesma pessoa, para se criar a ilusão da quantidade, não é irrelevante conhecer esta forma ficcional de vox populi, intencional e pretendendo obter objectivos políticos. Do mesmo modo, é possível perceber outros mecanismos deliberados, como seja enviar opiniões pejorativas ou no início ou numa fase já avançada dos comentários, de modo a que estes sejam ou os primeiros ou os últimos e, de algum modo, condicionarem a leitura do conjunto. Há gente que faz isto como quem respira, verdadeiros militantes das caixas de comentários, e há profissionais de agências de comunicação ou grupos organizados nos partidos políticos, semelhantes aos que existem nos programas de rádio, os fóruns em directo de opiniões, a actuarem escondidos.

Muitos dos mecanismos deste tipo não são exclusivos da direita radical, existem também à esquerda, mas a maré tribal que está a subir é a da direita radical, associada ao populismo antidemocrático, exacerbado pelo sentimento de impotência face à situação política actual e às sondagens. Os temas e o modo de os apresentar e discutir são tão semelhantes entre si, do Observador ao Diabo, que representam um elenco que pode ser identificado e discutido.

Noutros artigos voltarei a esta questão, com os retratos do “argumentário”, quase todo associado a ataques pessoais, que desde o início do século XX foi identificado e estudado como um modus operandi do jornalismo de ataque populista radical. Hoje fico-me por aquilo que é o uso do argumento soviético do período de Brejnev para usar a interpretação psicológica, psicanalítica e psiquiátrica para explicar a dissidência. A dissidência era considerada uma doença mental, e vários opositores ao regime soviético como Vladimir Bukovski, Leonid Pliushch e Grigorenko foram perseguidos como doentes. A ideia apresentada de forma simplista era esta: como é possível, sem padecer de uma qualquer doença mental, pôr em causa um regime perfeito de sociabilidade política como o socialismo soviético, fonte de felicidade e bem-estar? Como era possível, sem diminuição das faculdades mentais, estar “contra o povo”?


Este argumento soviético é hoje muito usado no mundo do ataque pessoal da direita radical. Pode parecer estranho pela aparente oposição política, mas não é: há uma similitude na vontade de destruir o outro e os mecanismos para o fazer são idênticos. Este tipo de ataques muito comuns nas margens cinzentas da política está cada vez mais a emigrar para as zonas “respeitáveis” da opinião. Como é possível sem se ser doente, demente, senil, “maluquinho”, lunático, sem se ter as faculdades mentais diminuídas, pôr em causa o discurso da direita radical sobre o “ditador” Costa, sobre o “socialismo autoritário” que nos rege, como não é possível ver a essência corrupta da democracia, descrita como o “sistema”, como é possível não se aceitarem as teses “científicas” sobre a realidade, como, em suma, se pode discordar sobre o mundo do Mal que nos governa sem se ser ou servil ou doente ou as duas coisas?

Os termos que usei e que repito – demente, senil, “maluquinho”, lunático, sem as faculdades todas – foram todos usados por cá nos dias de hoje, e são uma espécie de upgrade da redução das posições políticas a traços e comportamentos psicológicos, seja a inveja, seja o ressentimento, os dois mais comuns, que são centrais nos ataques pessoais. É um estilo cada vez mais vulgar, que acompanha a crescente incapacidade de aceitar posições numa conversação democrática, ou sequer admitir que ela possa existir porque isso é aceitar o “sistema”. O melhor exemplo são os republicanos pró-Trump, e os seus imitadores nacionais.

Se retirarmos o psicologismo, e a sua forma superior no argumento da dissidência ou da discordância como doença mental, não sobra quase nada. Espreme-se e sai vazio, o que significa que não se trata de debater ou discutir, mas de considerar que o outro não pode nunca ser ouvido ou ser um interlocutor, porque está diminuído nas suas faculdades mentais, como se vê pelas suas posições..

sexta-feira, 18 de junho de 2021

NÃO SE ESQUEÇAM...




O Banco Alimentar, estatutariamente, é uma instituição completamente independente do governo e da Igreja. Se é verdade que toda a sociedade tem o dever de ajudar, também é verdade que quem ajuda não deve colocar-se em bicos de pés. Seja uma qualquer empresa ou qualquer membro do governo. É feio e não faz sentido quando é a pobreza que está em causa.
Ademais é preciso que tenham presente que os mesmos que agora politicamente aparecem são os mesmos que, durante várias legislaturas, chumbaram as iniciativas parlamentares no sentido de conduzir a sociedade a instalar o Banco Alimentar na Madeira. Isso contrariava o pressuposto de uma Região rica!
E se toda a história fosse contada...
Ilustração: Dnotícias

terça-feira, 15 de junho de 2021

Quinze teses sobre o partido-movimento



Boaventura Sousa Santos, 
in Outras Palavras, 
14/06/2021



Garotas chilenas executam, no final de 2019, a coreografia El violador eres tu. Ela espalhou-se pelo mundo, recriada em centenas de cidades.O feminismo, principalmente o muito jovem, foi parte essencial da insurreição chilena que levou à convocação de uma Convenção Constituinte, cujos trabalhos começam nas próximas semanas.



1. Não há cidadãos despolitizados; há cidadãos que não se deixam politizar pelas formas dominantes de politização, sejam elas partidos ou movimentos da sociedade civil organizada.

Os cidadãos e as cidadãs não estão fartos da política, mas sim desta política; a esmagadora maioria dos cidadãos não se mobiliza politicamente nem sai à rua para se manifestar, mas está cheia de raiva em casa e simpatiza com quem se manifesta; em geral, não tem condições para aderir a partidos ou participar em movimentos ou interesse em o fazer, mas quando vem para a rua só surpreende as elites políticas que perderam o contacto com “as bases”.

2. Não há democracia sem partidos, mas há partidos sem democracia.

Uma das antinomias da democracia liberal do nosso tempo reside em ela assentar cada vez mais nos partidos como forma exclusiva de agência política, ao mesmo tempo que os partidos são internamente cada vez menos democráticos. Tal como a democracia liberal, a forma partido-tradicional esgotou o seu tempo histórico. Os sistemas políticos democráticos do futuro têm de combinar a democracia representativa com a democracia participativa a todos os níveis de governação. A participação cidadã tem de ser multiforme e multicanais. Os próprios partidos devem ser internamente constituídos por mecanismos de democracia participativa.

3. Ser de esquerda é um ponto de chegada e não um ponto de partida e, portanto, prova-se nos fatos.

A esquerda tem de voltar às suas origens, aos grupos sociais excluídos, que ela esqueceu há muito tempo. A esquerda deixou de falar ou de saber falar com as periferias, com os mais excluídos. Quem fala hoje com as periferias e com os mais excluídos são as igrejas evangélicas pentecostais ou os agitadores fascistas. Hoje, o ativismo de esquerda parece limitar-se a participar numa reunião do partido para fazer (quase sempre ouvir quem faz) uma análise de conjuntura. Os partidos de esquerda, tal como existem hoje, não são capazes de falar com as vozes silenciadas das periferias em termos que estas entendam. Para mudar isso, a esquerda, ou melhor, as esquerdas devem ser reinventadas.


4. Não há democracia, há democratização.

A responsabilidade da esquerda reside em que só ela serve genuinamente a democracia. Não a limita ao espaço-tempo da cidadania (democracia liberal). Pelo contrário, luta por ela no espaço da família, da comunidade, da produção, das relações sociais, da escola, das relações com a natureza e das relações internacionais. Cada espaço-tempo convoca um tipo específico de democracia. Só democratizando todos os espaços-tempo é que se consegue democratizar o espaço-tempo da cidadania e da democracia liberal representativa.

5. O partido-movimento é o partido que contém em si o seu contrário.

Para ser um pilar fundamental da democracia representativa, o partido-movimento deve ser construído por processos não representativos e antes participativos e deliberativos. Nisto consiste a passagem da forma partido-tradicional para a forma partido-movimento. Consiste em aplicar à vida interna dos partidos a mesma ideia de complementaridade entre democracia participativa/deliberativa e democracia representativa que deve orientar a gestão do sistema político em geral. A participação/deliberação respeita a todos os domínios do partido-movimento, da organização interna à definição do programa político, da escolha de candidatos às eleições à aprovação de linhas de ação na conjuntura.

6. Ser membro da classe política é algo sempre transitório.

Tal qualidade não deve permitir que se ganhe mais do que o salário médio do país; os membros eleitos para os parlamentos não inventam temas ou posições, veiculam os que provêm das discussões nas estruturas de base; a política partidária tem de ter rostos, mas não é feita de rostos; o ideal é que haja mandatos coletivos que permitam a rotação regular de representantes durante a mesma legislatura; a transparência e a prestação de contas têm de ser totais; o partido é um serviço dos cidadãos para os cidadãos e por isso deve ser financiado por estes e não por empresas interessadas em capturar o Estado e esvaziar a democracia.

7. O partido-movimento é uma contra-corrente contra dois fundamentalismos.

Os partidos convencionais sofrem de um fundamentalismo anti-movimento social. Consideram que têm o monopólio da representação política e que esse monopólio é legítimo, precisamente porque os movimentos sociais não são representativos. Por sua vez, muitos movimentos sofrem de um fundamentalismo anti-partido. Consideram que qualquer colaboração ou articulação com os partidos compromete a sua autonomia e diversidade e acaba sempre em tentativa de cooptação.


Enquanto a democracia representativa estiver monopolizada por partidos anti-movimento e a democracia participativa por movimentos sociais, ou associações anti-partido, não será possível qualquer articulação entre democracia representativa e participativa com prejuízo para ambas. É preciso vencer esses dois fundamentalismos.

8. O partido-movimento combina a ação institucional com a ação extra-institucional.

Os partidos tradicionais privilegiam a ação institucional, dentro dos quadros legais e com mobilização das instituições, tais como, o parlamento, os tribunais, a administração pública. Pelo contrário, os movimentos sociais, embora utilizem também a ação institucional, recorrem muitas vezes à ação direta, aos protestos e manifestações nas ruas e nas praças, aos sit-ins, à divulgação de agendas por via da arte (o artivismo). Em face disto, a complementaridade não é fácil e tem de ser pacientemente construída.

Não podemos generalizar as condições de ação colectiva: há condições políticas em que as classes que estão no poder são muito repressivas, muito monolíticas; há outras em que são mais abertas, menos monolíticas, e há muita competição entre elas. Quanto mais competição entre elites, mais brechas se abrem para que por elas entrem o movimento popular e a democracia participativa. O importante é identificar as oportunidades e não as desperdiçar. São muitas vezes desperdiçadas por razões de sectarismos, dogmatismos, carreirismos.

A prática dos movimentos tem frequentemente de oscilar entre o legal e o ilegal. Em alguns contextos, a criminalização da contestação social está reduzindo a possibilidade tanto da luta institucional como da luta extra-institucional legal. Nesses contextos, a ação coletiva pacífica pode ter de enfrentar as consequências da ilegalidade. Sabemos que classes dominantes sempre usaram a legalidade e a ilegalidade segundo as suas conveniências. Não ser classe dominante reside precisamente em ter de contar com as consequências da dialética entre legalidade e ilegalidade e proteger-se na medida do possível.

9. A revolução da informação e as redes sociais não constituem, em si, um instrumento incondicionalmente favorável ao desenvolvimento da democracia participativa.

Pelo contrário, podem contribuir para manipular a tal ponto a opinião pública que o processo democrático pode ser fatalmente desfigurado. O exercício da democracia participativa necessita hoje, mais do que nunca, de reuniões presenciais e discussões face a face. A tradição das células partidárias, dos círculos de cidadãos, dos círculos de cultura, das comunidades eclesiais de base tem de ser reinventada. Não há democracia participativa sem interação de proximidade.

10. O partido-movimento assenta na pluralidade despolarizada e no reconhecimento das competências específicas.

A pluralidade despolarizada é aquela que permite distinguir entre o que separa e o que une as organizações e promover as articulações entre estas com base no que as une, sem perder a identidade do que as separa. O que as separa apenas fica em suspenso por razões pragmáticas.

O partido-movimento tem de saber combinar questões generalistas com questões setoriais. Os partidos tendem a homogeneizar as suas bases sociais e a centrar-se nas questões que as abrangem a todas ou a largos setores delas. Pelo contrário, os movimentos sociais tendem a concentrar-se em temas mais específicos, tais como o direito à habitação, a imigração, a violência policial, a diversidade cultural, a diferença sexual, o território, a economia popular, etc. Trabalham com linguagens e conceitos distintos dos que são usados pelos partidos.

Os partidos podem sustentar uma agenda política com mais permanência que os movimentos. O problema de muitos movimentos sociais reside na natureza da sua irrupção social e mediática. Em determinado momento têm uma atividade enorme, estão todos os dias na imprensa, e no mês seguinte já estão ausentes ou entram em refluxo com as pessoas deixando de ir às reuniões ou às assembleias. A sustentabilidade da mobilização é um problema muito sério porque, para que se consiga uma certa continuidade na participação política, é preciso haver articulação política mais ampla que envolva partidos. Por sua vez, os partidos estão sujeitos a transformar a continuidade da presença pública na condição para a sobrevivência de quadros burocráticos.

11. O partido-movimento prospera numa luta constante contra a inércia.

Podem gerar-se duas inércias: por um lado, a inércia e o refluxo dos movimentos sociais que não se conseguem multiplicar e densificar a luta e, por outro, os partidos que não mudam em nada as suas políticas ficam sujeitos à estagnação burocrática. Superar estas inércias é o maior desafio para a construção do partido-movimento.

Trabalhando com experiências concretas, nota-se que os partidos, ao ter vocação de poder, costumam lidar bem com a questão dos desequilíbrios dentro do espaço público. Mas porque competem pelo poder, não querem transformá-lo, querem tomá-lo. Os movimentos sociais, ao contrário, sabem que as formas de opressão tanto vêm do Estado, como de atores econômicos e sociais muito fortes. Em algumas situações, a distinção entre a opressão pública e a opressão privada não é demasiado importante. Os sindicatos, por exemplo, têm uma experiência notável de luta contra atores privados: os patrões e as empresas. Tanto os movimentos sociais como os sindicatos estão hoje marcados por uma experiência muito negativa: os partidos de esquerda nunca descumpriram tanto as suas promessas eleitorais quando chegaram ao poder como ultimamente. Esse descumprimento faz com que a deslegitimação dos partidos seja cada vez maior em mais países. Essa perda do controle da agenda política somente pode ser recuperada por meio dos movimentos sociais enquanto articulados nos novos partidos-movimentos.

12. A educação política popular é a chave para sustentar o partido-movimento.

As diferenças entre partidos e movimentos são ultrapassáveis. Para isso é necessário promover o interconhecimento por via de novas formas de educação política popular: rodas de conversas, ecologias de saberes, oficinas da Universidade Popular dos Movimentos Sociais; discussão de possíveis práticas de articulação entre partidos e movimentos: orçamentos participativos, plebiscitos ou consultas populares, conselhos sociais ou de gestão de políticas públicas. Até agora as experiências são sobretudo de escala local. Há que desenvolver a complementaridade em nível nacional e global.

13. O partido-movimento vai para além da articulação entre partido e movimento social.

Depois de mais de quarenta anos de capitalismo neoliberal, de colonialismo e de patriarcado sempre renovados, de concentração escandalosa da riqueza e de destruição da natureza, as classes populares, o povo trabalhador, quando explode ou irrompe de indignação, tende a fazê-lo fora dos partidos e dos movimentos sociais. Uns e outros tendem a ficar surpreendidos e a ir atrás da mobilização. Para além de partidos e movimentos, há que contar com os movimentos espontâneos, com as presenças coletivas nas praças públicas. O partido-movimento tem de estar atento a estas irrupções e ser solidário com elas sem tentar dirigi-las ou cooptá-las.

14. Vivemos um período de lutas defensivas. Compete ao partido-movimento travá-las, não perdendo de vista as lutas ofensivas.

A ideologia de que não há alternativa ao capitalismo – que, de fato, é uma tríade: capitalismo, colonialismo (racismo) e patriarcado (sexismo) – acabou por ser interiorizada por muito do pensamento de esquerda. O neoliberalismo conseguiu combinar o fim supostamente tranquilo da história com a ideia da crise permanente (por exemplo, a crise financeira). Por esta razão, vivemos hoje sob o domínio do curto prazo. É preciso atender às suas exigências porque quem está com fome ou é vítima de violência doméstica não pode esperar pelo socialismo para comer ou ser libertada.

Mas não se pode perder de vista o debate civilizatório que põe a questão das lutas de médio prazo e ofensivas. A pandemia, ao mesmo tempo que tornou o curto prazo em urgência máxima, criou a oportunidade para pensar que há alternativas de vida e que se não queremos entrar num período de pandemia intermitente temos de atender aos avisos que a natureza nos está a dar. Se não alterarmos os nossos modos de produzir, de consumir e de viver, caminharemos para um inferno pandêmico.

15. Só o partido-movimento pode defender a democracia liberal como ponto de partida e não como ponto de chegada.


Num momento em que os fascistas estão cada vez mais perto do poder, quando não estão já no poder, uma das lutas defensivas mais importantes é defender a democracia. A democracia liberal é de baixa intensidade porque é pouca. Aceita ser uma ilha relativamente democrática num arquipélago de despotismos sociais, econômicos e culturais. Hoje em dia, a democracia liberal é boa como ponto de partida, mas não como ponto de chegada. O ponto de chegada é uma profunda articulação entre a democracia liberal, representativa e a democracia participativa, deliberativa. Neste momento de lutas defensivas é importante defender a democracia liberal, representativa para neutralizar os fascistas e para a partir dela radicalizar a democratização da sociedade e da política. Só o partido-movimento pode travar esta luta.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Ecos de (uma) democracia


Por
Miguel Palma Carlos
Professor de Filosofia, Psicologia e Ciência Política na Escola Secundária de Francisco Franco


Há algo que causa mais dano à democracia e que vigorou no discurso político nacional nos últimos 15 meses e que, presumivelmente, continuará a vingar depois de passar a pandemia: a mentira e o medo.



São múltiplas – e bem dissemelhantes – as definições de democracia, a primeira “forma humana de governo” que ao longo de um percurso histórico de mais de 2600 anos resistiu e subsistiu a crimes, subjugações, “comédias e numerosas tragédias” e onde factos e acontecimentos inscrevem um incomensurável sofrimento humano. De uma lista bastante alargada, detenho-me numa em particular que foi apresentada pelo 16º presidente dos Estados Unidos da América, assassinado a 14 de abril de 1865, em Washington, refiro-me a Abraham Lincoln: «O governo do povo, pelo povo e para o povo [que] jamais desaparecerá da face da Terra.» (Discurso de Gettysburg, 19 de novembro de 1863).

Sendo a democracia um regime político em que o povo é soberano (e cumpre-nos a todos nós, os vivos, dedicarmo-nos à obra iniciada pelos Gregos, nascida da resistência à tirania e que nos primórdios não gerou grande entusiasmo, um feito inacabado e profundamente exigente não somente hoje, mas todos os dias, pois a democracia precisa de uma readaptação [e reinvenção] constante face às diferentes conjunturas económicas, sociais e políticas que vão eclodindo), para os Gregos, ela tinha não só a particularidade de gozar da participação direta dos cidadãos mediante o direito de expressão e de voto – além da possibilidade de legislar, julgar e ocupar cargos públicos –, mas sobretudo a proibição de “não se poder exercer duas vezes a mesma magistratura” e de esta ser de curta duração (Aristóteles). De modo sintético, os Helenos estavam já cientes do princípio de que “o poder tende a corromper” e que uma pessoa muito tempo no poder tende a abusar dele.

Ora, passados mais de dois milénios e meio, as democracias diretas são hoje quase inexistentes e o seu eco ou ressonância nas democracias representativas é de muito baixa reverberação, na medida em que a quase totalidade dos casos reduzem a participação política dos cidadãos ao mero momento eleitoral (voto). Pior, num Portugal do século XXI, aos olhos do cidadão comum atento e interessado nestas questões, a democracia representativa/liberal parece definhar e esvanecer-se, e escapa-lhe (ou não compreende) numerosas das suas regras e preceitos. De acordo com alguns testemunhos, o regime aparenta já uma gradual e crescente derrocada provocada pelo descrédito (e incoerência) da ação política de variados partidos; pela vaidade (narcisismo) e irresponsabilidade (e falta de ética) de alguns políticos; pelo colapso dos mercados e resgate de instituições financeiras (e empresas) falidas; pelo agravamento das desigualdades sociais e da taxa de pobreza (somos agora o quinto país europeu com mais pobreza entre quem trabalha); pelo eclodir de novos (e falsos) populismos e nacionalismos; pela incapacidade do sistema político-partidário em compreender o passado e preparar o futuro; pelo avultar da hipocrisia e dos casos de corrupção (ou índice de perceção); pela prioridade dada à satisfação dos grandes grupos de interesse/pressão por parte dos governantes e, sobretudo, pelo acréscimo dos adversários da própria democracia que aumentam a cada dia que passa e que trazem consigo a sabotagem do próprio modelo de governação.

A pergunta que espontaneamente germina e subsiste a este (espero eu) erróneo ou questionável retrato é muito simples: será que todo este quadro/cenário ainda desassossega alguém? A que se deve tanta inércia dos principais atores políticos, perante tudo isto? Entretanto, são diversos os exemplos que atestam este crescente descrédito e desconfiança para com a democracia (portuguesa) – que nas palavras de um ex-Presidente da República, vive “numa situação de democracia amordaçada” –, mas por razões de insuficiência de espaço, apresento aqui apenas dois:
É comum ouvir-se que a Justiça é um dos pilares do Estado de Direito em Portugal e que sem ela não há democracia. Mas, enquanto comunidade, como avaliamos e classificamos a atuação do sistema judicial português? O entendimento habitual é de que a Justiça funciona mal, é bastante lenta e de difícil acesso (as custas judiciais são “chocantemente altíssimas” disse, recentemente, o Bastonário da Ordem dos Advogados, acrescentando que à Justiça “só têm acesso os muito ricos e os indigentes”) e o Relatório de Evolução do Sistema Judicial Europeu de 2020 confirma que o nosso país tem “uma Justiça cara e lenta”.

Na democracia representativa a “erosão” da participação eleitoral é um facto inegável e os eleitos continuam a representar cada vez menos os cidadãos. Na última eleição presidencial, aquela que teve a maior abstenção de sempre, importa ler os resultados de uma outra perspetiva: os 60,7% obtidos pelo candidato (e vencedor) Marcelo Rebelo de Sousa são na realidade apenas 23,6% dos eleitores e a “surpresa” amplamente publicitada de André Ventura representa só 4,63% do universo eleitoral. Certamente, os cidadãos eleitores têm muitas – e algumas vezes boas – razões para se absterem de ir às urnas, e aquelas que muitas vezes escutamos são que não votam porque já não confiam no sistema, nos partidos e nos seus representantes (políticos). Em suma, não votam porque já não se identificam com projetos políticos que muitas vezes pouco ou nada de novo/alternativo apresentam e estão cansados de discussões estéreis entre candidatos que servem interesses que não os dos eleitores. Quem nunca ouviu este tipo de depoimento?

Por último, neste ano de 2021, Portugal desceu mais uma vez de categoria no Índice de Democracia elaborado pela revista The Economist Intelligence Unit , ou seja, deixamos de ser um “país totalmente democrático” e passamos, novamente, à categoria de “democracia com falhas”, um recuo que, dizem-nos, foi impulsionado pelas medidas restritivas impostas pela pandemia da Covid-19 e que é o resultado de uma situação excecional que levou à suspensão e/ou restrição de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, inevitável, garantem-nos, para a proteção das nossas vidas. Refira-se também a este propósito, que uma sondagem recente do ICS/ISCTE, realizada poucos dias antes da comemoração dos 47 anos do 25 de Abril, revelou que 40% dos portugueses veem grandes defeitos na nossa democracia e que só 10% acreditam (ainda) viver em plena democracia, o que nos dá claros sinais que o regime já não agrada a parte significativa da população. Porém, há algo que causa mais dano à democracia e que vigorou no discurso político nacional nos últimos 15 meses e que, presumivelmente, continuará a vingar depois de passar a pandemia: a mentira e o medo, sempre ao serviço de agendas específicas ocultas estrategicamente “cuidadas” por poderosas agências de comunicação.

terça-feira, 8 de junho de 2021

A fome de poder embaça a memória

 

O título desta peça jornalística constrange. O jornalista foi feliz porque traduziu, exactamente, o sentimento que invade o pensamento político do candidato. Lá pelo meio falou, em jeito de contraponto, numa cidade "onde se criem postos de trabalho, onde as pessoas vivam com dignidade, onde tenham prazer de trabalhar". Coisa que não bate certo, porque se assim fosse, ele, na qualidade de vice-presidente do governo, com todas as responsabilidades daí decorrentes, teria, mesmo em tempo pandémico, gerado as condições susceptíveis de criar postos de trabalho, baixando a gravosa taxa de pobreza que já sobe aos 32,9% da população (80.000). E o desemprego é um drama que atinge mais de 20.000 pessoas, os que procuram e não encontram, entre outras circunstâncias, porque não dispõem das necessárias qualificações profissionais.



Em Fevereiro estavam desempregados 20.331 pessoas e apenas uma pequena percentagem recebe subsídio de desemprego. Os outros vivem de quê? Do biscate não facturado e das ajudas de dezenas de instituições de solidariedade. As escolas confrontam-se com a pobreza e as instituições, são tantas, desdobram-se em apoios.

O Dr. Calado não sabe o que é a pobreza ou a aflição de ter filhos para alimentar e educar. Não sabe, para quem passa necessidades, o que é a dependência de "um cabaz de compras ou de legumes pela porta adentro". Rui Ferrão, Licenciado em História, escreveu no FN um texto do qual aqui deixo um excerto:

"(...) Devem incomodar-nos as certezas "absolutas" que os "bons" têm sobre a vida dos outros. Para os "bons", eles comportam-se de forma perversa, são preguiçosos, preferem viver do subsídio de desemprego ou do RSI (para os "bons" dá para ter uma vida de luxo). Quem o afirma revela falta de empatia, por estupidez e nunca esteve desempregado (...) Estar desempregado é uma tragédia (...)".

Que seja sensível que uma franja da população prefira o subsídio ao emprego com alguma estabilidade, penso que essa situação é natural que se verifique. Mas não se pode tomar o todo pela parte. E se essa situação acontece, a mesma é da responsabilidade do governo e não da Câmara. O que tem feito para gerar condições de rigor, isso não sei, nem tem sido objecto de atitudes políticas. O que são sensíveis são os descarados apoios às Casas do Povo e a outras instituições que alimentam objectivos que não são os mais transparentes e prioritários.

O Dr. Calado fala de investimento, mas esquece-se que o governo a que pertence, ao contrário dos anteriores, estrangulou a Câmara do Funchal não assinando contratos-programa. Deve dizer aos funchalenses é se é verdade ou não "(...) que o Governo Regional deu 71 milhões à CMF entre 1992 e 2011" e com a derrota do PSD na Câmara do Funchal os contratos-programa passaram para zero. E que tem vindo a não aprovar os orçamentos da Câmara prejudicando esse mesmo investimento. O exercício da política, sejam quais forem os emblemas partidários que liderem, tem de ser exercido com dignidade, independência e transparência. É feio mentir e aldrabar. Ser oposição deveria ser muito mais do que tenho assistido.

O Dr. Calado deveria ter presente que, quando foi vereador da Câmara com o pelouro das finanças, no final, feitas as contas, deixou uma dívida superior a 100 milhões de euros. E que essa dívida tem vindo a ser substancialmente reduzida pelo actual executivo, apesar de todos os constrangimentos. Portanto, ganhe quem ganhar, quero lá saber, mas há duas coisas que não tolero: primeiro que se brinque com quem passa fome; depois, que tente vender uma imagem de rigor quando ele não existe.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

A Índia e as suas matemáticas


Por
João Abel de Freitas, 
07 Junho 2021


Para a Índia se afirmar como grande potência na Ásia e no Mundo precisa de ruturas de ação e de uma escolha das parcerias calibrada com uma estratégia autónoma fundada nos seus interesses e potencialidades.



Já aqui escrevemos que o povo indiano é muito conhecido pela sua aptidão e facilidade para as matemáticas e, por arrastamento, para as áreas das Tecnologias de Informação (TI), onde a Índia tem imprimido uma reconhecida especialização da sua economia, designadamente na prestação de serviços informáticos de qualidade a empresas e instituições nacionais e estrangeiras.

Neste domínio, tem vindo a superar uma certa anarquia funcional que lhe é típica, embora se trate de uma “anarquia que funciona”, no dizer de John Galbraith, um reputado economista, diplomata e filósofo (1908-2006) nascido em Ontário/Canadá.

Há quem afirme e com razão: “não há riqueza sem pessoas”. Este um dos factores que abunda na Índia, segundo país mais populoso do planeta e, em breve primeiro, de acordo com as projecções de várias Entidades Internacionais como a ONU, mas também das pessoas das suas diásporas que se espalham por muito mundo, levando consigo a boa imagem do povo indiano, pelo bom desempenho em elevados cargos nas melhores Universidades e como CEO de grandes multinacionais, sobretudo nos EUA. Não podemos esquecer das diásporas as volumosas remessas que entram nos cofres do país todos os anos e que muito útil lhe é, compensando, de certo modo, as “perdas financeiras” resultantes das ineficiências do sistema económico e social do país.

Nunca falamos, porém, das teses explicativas dos alicerces de características tão prometedoras nos dias de hoje, quando está em linha o uso cada vez mais intensivo de TI. As teses avançadas por muitos estudiosos prendem-se com a língua-matriz, o sânscrito, com a religião hindu, uma religião descrita como ateísta, ou seja, sem um deus criador, a rítmica dos seus números e com um “caldo” cultural muito próprio onde até o ioga é condimento.

Avançamos com algumas notas correndo o risco de cometer imprecisões

1. Os textos religiosos de tradição hindu estão escritos principalmente numa língua, o sânscrito, língua indo-europeia, dos Indo-Aryens, um povo de pastores cavaleiros com origem na Rússia e que chegou à Ásia Central por volta do segundo milénio antes de Cristo (AC).

O sânscrito é língua morta, embora com uso académico ou religioso. Sobre ela, Max Muller, um linguista alemão e cientista das religiões (1823-1900) escreveu em 1883: após mais de um século de governo e de ensino da língua inglesa, é bem mais falada e compreendida na Índia que o latim o era na Europa no tempo de Dante.

O sânscrito é uma língua matriz como o grego ou o latim por estar na origem de muitas outras ainda faladas no país. Convém assinalar que, na Índia, com uma elevadíssima taxa de analfabetismo, se falam mais de 400 línguas e dialectos, embora apenas duas oficiais: o inglês e o hindi, o que coloca à Índia a necessidade urgente em resolver “o caos” que reina no sector ensino, como instrumento fundamental de organização da economia e da sociedade.

O sânscrito, afirmam os especialistas na matéria, é uma língua sofisticada, que identifica melhor que qualquer outra “os mecanismos complexos do pensamento”. É uma língua complexa de sílabas muito encadeadas em que as palavras não são separadas por nenhum sinal ou espaço. Nesta base, apontam-na como uma fonte de inspiração da matemática e da linguagem e programação informáticas.

Certamente ficam aqui a faltar considerações sobre elementos como a estrutura da língua, a formação das palavras, a sintaxe, que ajudariam a ir mais fundo na compreensão da tese. Mas esses caminhos ultrapassam-me.

2. Outro factor explicativo da tendência para a matemática é o elemento religioso de grande predomínio na civilização indiana, o hinduísmo. Na matriz estruturante desta filosofia religiosa, os estudiosos “identificam” um leque de características espirituais que se impregnaram profundamente na cultura indiana, gerando uma orientação natural da sociedade para as matemáticas e em linguagem mais actual para a informática.

Desta forma, o hinduísmo contém em si os ingredientes naturais para uma escolha da indústria informática como eixo de desenvolvimento.

3. Na religião hindu, defende-se que existia/existe um ritmo próprio dos números que se interioriza simbolicamente na vida do dia a dia de cada pessoa praticante. “Tudo é matemático na aproximação hindu” dizem os estudiosos.

É a este ritmo/cadência que se liga a descoberta do sistema decimal cerca de mil anos antes da nossa era e em que encaixa o célebre teorema de Pitágoras ou ainda a descoberta do número zero e o seu significado que os gregos ignoravam.

Uma grande diferença entre os fundamentos iniciais da matemática na Índia é que repousa sobre uma concepção abstracta do mundo, distinta da mensurabilidade e dimensão dos objectos enquanto a dos gregos assenta na geometria e na álgebra. Esta diferença conceptual induz, assim, uma maior propensão para as TI.

4. Mas só a propensão não basta. Há que acompanhar a dinâmica evolutiva subindo na escala do conhecimento. E aqui a Índia ou, sendo mais objectivo, uma elite alargada beneficiou na sua formação das relações com o Reino Unido, o Estado colonizador, das suas Escolas e Universidades, tanto assim que os grandes políticos mesmo antes da independência (1947) como Gandhi, Nehru, Indira Gandhi… frequentaram as escolas inglesas, continuando a Índia a dispor dessas facilidades depois como país da Commonwealth.

Serão estes os únicos argumentos explicativos?

Francamente penso que há muito ainda por aprofundar, mas sobretudo há que “mexer” no país para aproveitar estas potencialidades e não há dúvida que a educação é uma área fundamental, embora as infra-estruturas materiais e a saúde sejam também prioritárias. Sem grandes avanços nestes domínios continuará o ambiente de anarquia que vai funcionando.

Para a Índia se afirmar como grande potência ao nível da Ásia e do Mundo precisa de rupturas de acção e de uma escolha das parcerias calibrada com uma estratégia autónoma muito fundada nos seus interesses e potencialidades.

Uma nota extra relativa aos dois últimos artigos. Recebi um comentário de um colega especialista de transportes de que usei indevidamente a sigla TGV quando o correcto era Alta Velocidade (AV) e também de uma amiga farmacêutica que em vez de produto final (fármacos) devia antes ter usado medicamentos. Aqui deixo a correcção com a maior gratidão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Covid e sobremortalidade



Alexandre Abreu, 
in Expresso Diário, 
03/06/2021


Contar o número de vítimas da Covid-19 é uma tarefa mais complicada do que parece à primeira vista. Ainda que alguns sítios de internet, como o Worldometer, façam um trabalho notável de compilação dos dados disponibilizados pelos vários países, os totais são necessariamente tão bons quanto os dados de base em que assentam – e estes são tão bons quanto os sistemas de recolha de dados e os critérios adotados em cada país.



Os muitos dilemas que tudo isto envolve são hoje em dia mais conhecidos da maioria das pessoas do que sucedia há ano e meio. Por exemplo, como devem ser considerados os casos em que há causas múltiplas que concorrem para explicar um óbito, por exemplo um doente oncológico terminal muito fragilizado que contraia Covid-19? E de que forma devem ser consideradas as mortes causadas por fatores que se devem indiretamente à pandemia, como a redução do número de consultas e de rastreios de outras doenças, mas que nem por isso deixam de contribuir significativamente para o aumento da mortalidade?

A forma mais ampla de responder a esta questão passa por comparar a mortalidade total no período da pandemia com a média do período equivalente em anos anteriores. Se (e é um “se” crucial) não tiver havido outros fatores extraordinários a influenciar de forma relevante a mortalidade no período, o excesso de mortalidade face à média pode ser interpretado como tendo resultado direta ou indiretamente da pandemia.

Em Portugal, o INE tem feito e publicado regularmente estas contas. Em janeiro deste ano, por exemplo, estimou que os 99 356 óbitos registados em Portugal entre 2 de março (início da pandemia no nosso país) e 27 de dezembro de 2020 excediam em 12 852 a média do mesmo período dos cinco anos anteriores. Desses quase 13 mil óbitos a mais, apenas cerca de metade (6 677) foram classificados como provocados pela Covid-19. Dos restantes, sabemos que alguns se deveram a outros fatores extraordinários, como a vaga de calor de julho de 2020 que esteve associada a um pico de mortalidade, mas outros haverá certamente que se deveram, pelo menos de forma indireta, à pandemia.


No mês passado, a The Economist publicou uma nova estimativa da sobremortalidade mundial associada à Covid-19, com base num modelo próprio e calculada país a país. Recorreu a um modelo próprio porque a própria mortalidade excessiva não está disponível para muitos países e períodos, tendo de ser estimada a partir de outros indicadores. O processo é por isso indireto a vários níveis e, nesse sentido, sujeito a mais do que uma camada de possível enviesamento. Em contrapartida, o facto de ser aplicado a dezenas de países faz com que alguns dos enviesamentos num e noutro sentido tendam a cancelar-se: o excesso de mortalidade que se verificou em Portugal por causa da vaga de calor de julho de 2020, por exemplo, não ocorreu seguramente no mesmo sentido em todos os países do mundo.

O estudo da The Economist chegou a algumas conclusões notáveis, a mais impressionante das quais é que o número de vítimas mortais diretas e indiretas da pandemia a nível global poderá ser três vezes maior do que o total oficial atual de 3,6 milhões. A estimativa com um intervalo de confiança de 95% é que a sobremortalidade totalize entre 7,1 e 12,7 milhões. E de forma não surpreendente, é nos países de baixo e médio rendimento, especialmente na Ásia e em África, que a diferença entre os óbitos oficiais e a mortalidade excessiva estimada é maior – o que se explica pela menor capacidade dos sistemas de rastreamento e, consequentemente, pela menor probabilidade de um óbito devido a Covid-19 ser classificado enquanto tal.

De alguma forma, esta estimativa responde àquele que tem sido um dos principais mistérios epidemiológicos em torno da Covid-19: porque é que muitos dos países mais pobres do mundo, nomeadamente muitos países africanos, têm aparentemente conseguido evitar o pior em termos de números de casos e óbitos? Para o conjunto do continente africano, por exemplo, o Worldometer refere um total oficial acumulado de 4,9 milhões de casos e 131 mil óbitos – valores parecidos com os do Reino Unido ou de Itália considerados isoladamente. Algumas das explicações avançadas têm incluído a estrutura demográfica especialmente jovem destes países e as condições ambientais menos propícias à transmissão e sobrevivência do vírus: há indícios fortes de que a incidência da doença está associada à latitude e à temperatura, exibindo características sazonais.

Mas é bem possível que boa parte da resposta seja simplesmente que a verdadeira mortalidade está a passar em grande medida despercebida. Para a África Subsariana, a estimativa é que o número de vítimas mortais possa ser 14 vezes superior ao total oficial: mais de um milhão de vítimas em vez de pouco mais de cem mil. Na Ásia, poderão ter sido quatro ou cinco milhões em vez das 600 mil oficiais. No Perú, acaba de ser publicada uma revisão do número de vítimas mortais da Covid-19 que sugere que estas poderão ter sido o dobro do que se pensava até aqui – em linha com o que se sabia da sobremortalidade.

A estimativa da The Economist sugere que os países mais pobres, ao invés de estarem a passar em grande medida ilesos pela pandemia, podem estar até a registar mais casos e mais mortes por Covid-19 do que a sua estrutura demográfica faria prever. Ao invés de estar a poupar os países mais pobres, a Covid-19 pode estar já a adquirir uma associação com a pobreza análoga à do HIV-SIDA, cujos efeitos mais dramáticos têm ocorrido nalguns dos países mais pobres do mundo. Isso, como aponta Duncan Green, autor do blog sobre desenvolvimento Poverty to Power, pode ter implicações importantes tanto ao nível do impacto da pandemia sobre o desenvolvimento e a pobreza globais como no que diz respeito às oportunidades de circulação e mutação do vírus, o que torna ainda mais urgente garantir o acesso generalizado de toda a população mundial às vacinas.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Costa PM, e Cabrita MAI



Alfredo Barroso, 
in Facebook, 
31/05/2021




Costa PM, e Cabrita MAI, deviam ter ido ao Porto dar um arraial de porrada nos ingleses bêbedos e atirá-los ao Douro - diz Alfredo Barroso, que julga ter sido esse o desiderato de Marcelo PR, André Ventura, Pinto da Costa, Rui Rio, 'Chicão', empresários 'Gold' e jornalistas 'atiça-fogos' que rezam pela pele do Governo PS...


Ora bem. Há quem diga que esta terá sido a primeira vez, em toda a história do futebol europeu e mundial, que vários adeptos ingleses do pontapé-na-bola completamente bêbedos causaram desacatos num país estrangeiro, numa singela manifestação de homenagem à cerveja portuguesa - que se terá tornado famosa desde que Marcelo PR disse um dia, "urbi et orbi", que queria que ela fosse "a melhor do mundo".

Por outro lado, é sabido que nunca houve bebedeiras 'de caixão à cova' nem desacatos entre 'claques' portuguesas do pontapé-na-bola. Aliás, nem há memória de um adepto dum clube ter sido morto num estádio por um "very light" lançado por um adepto do clube rival. Isso não passa dum 'mito urbano'. E também não há memória de um adepto dum clube ter sido atropelado e morto, por um adepto dum clube rival. Isso é outro mito urbano. E todos sabemos como os mitos urbanos têm a vida dura...

Em suma: para a próxima, já fica a saber um Governo que não seja de direita (porque a um governo de direita, a direita perdoa-lhe tudo), que, ao primeiro sinal de bebedeira e de desacatos causados por adeptos estrangeiros do pontapé-na-bola em Portugal, deve escolher-se o rio que estiver mais próximo, ou mesmo o mar, se estiver ainda mais perto, para atirar à agua os adeptos perdidos de bêbedos...

Convém, entretanto, esclarecer que António Costa não tem o feitio da avó Joaquina de Marcelo PR, que viveu aterrorizada pelas patifarias do neto. E também não é um daqueles 'vizinhos de Guterres' que eram massacrados por Marcelo, que lhes tocava às portas às tantas da noite, só para chatear. Se ele se atrever a fazer o mesmo à porta de António Costa, este finge que não sabe que é Marcelo PR, vai a uma janela e despeja-lhe em cima o caixote do lixo...

Pronto! E agora é só uma explicação sucinta para cada uma das nove fotos que escolhi (da esquerda para a direita, e a começar pelo trio de cima):

1 - Água mole em crânio duro tanto dá que faz um furo (ou tanto dá que faz cratera...);

2 - Neofascista embriagado pelo pequeno poder que detém faz uma dupla saudação fascista (passa a ser originalidade lusa);

3 - No pontapé-na-bola, agitar um lenço branco é dizer 'adeus' ao treinador da equipa (na política é que não é bem assim...);

4 - Um adepto de corridas de automóveis, se for político, pode ser corrido se os adeptos lhe disserem: 'Connosco vais de carrinho!';

5 - Os empresários de sucesso, comendadores 'Gold', gostam mais que os seus jornais façam campanhas contra as esquerdas;

6 - Na política ainda há aquela 'estória' do mais forte dar boleia ao mais fraco e vangloriar-se: 'Comigo o miúdo vai sempre atrás!';

7 - No jornalismo, há sempre quem esteja de mãos postas a rezar pela pele dos políticos de esquerda quando estão no poder;

8 - Nos jornais e TV's há uma grande 'liberdade', 'independência' e 'distanciação' em relação a tudo o que é de esquerda (risos);

9 - Os vira-casacas são, mais do que um clube, uma instituição que se caracteriza pela ganância do dinheiro e o oportunismo político...