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terça-feira, 30 de junho de 2020

Problemas e incertezas do lítio em Portugal


Por
João Abel de Freitas, 
Economista
29 Junho 2020

Se uns pendem para o lítio, outros defendem que o futuro do automóvel está na “fuel cell”, com origem no hidrogénio. O nosso país está, parece, a apostar nos dois carrinhos. 


Nos tempos mais próximos, certamente que vamos ouvir falar muito de clusters [áreas estratégicas para a mudança/transformação da economia portuguesa], de fileiras, de sectores estratégicos e de alguns outros termos a que estão associados conceitos de desenvolvimento. Isto porque vem aí o Plano desenhado pelo Professor António Costa Silva (ACS) por encomenda do Governo. 

Alguma comunicação social disse que ACS já entregou um esboço do Plano, antes mesmo da sua conclusão. Espera-se conhecer as áreas estratégicas por volta de 15 de Julho. Quantas, não sabemos, competindo ao Governo escolher as que entender estruturantes para o Futuro da Economia. Não devem ser muitas, como já se escreveu aqui, sob pena de o Plano não ter operacionalidade. 

Espero que o cluster dos recursos endógenos do País venha a ter cabimento nesse Plano – pois, em minha opinião, temos recursos de sobra de vária natureza a potenciar –, entendendo-se aqui por recursos não só os materiais (lítio, hidrogénio, madeira, etc.), como muitos outros, nomeadamente a ciência, a capacidade técnica e de engenharia, a arte, numa palavra, o conhecimento que o País detém, nem sempre bem articulado, e que pode/deve ser posto ao serviço do desenvolvimento colectivo. Aliás, a pandemia deu-nos um belo exemplo na saúde, juntando ciência e empresas. O que agora se impõe é o desenho de um cluster dinâmico da saúde, juntando todas as peças. 

A abordagem dos clusters deve, por seu lado, guiar-se por uma determinada filosofia metodológica: a caracterização da forma como as diferentes componentes devem interagir, tendo por objectivo identificar os pontos fracos (debilidades) e os pontos fortes (vantagens potenciais), com vista a referenciar a competitividade interna e externa dos produtos ou bens potencialmente decorrentes da actividade das empresas, instituições e Estado no âmbito do cluster. 

É evidente que a aposta num cluster não depende apenas do comparativo debilidades/vantagens potenciais, depende também de outros factores como o acesso a financiamentos, domínio ou acesso a tecnologias, conhecimento dos mercados, papel dos actores/agentes e, sobre estes aspectos, na energia, por exemplo, haveria muito a dizer. Meia dúzia de grandes multinacionais têm capacidade para ligar conhecimento e dinheiro. Estão agora no petróleo mas em transição para as renováveis, como já estiveram no carvão e daqui a dias tomarão conta do hidrogénio. São essas multinacionais que “dominam” os recursos marinhos e vão comandar a sua exploração no futuro. 

1. Porquê falar do lítio? 

O lítio é um recurso mineral que o País possui com alguma abundância, sobretudo no contexto da Europa. Poderá vir a constituir uma fileira produtiva a desenvolver no âmbito do cluster estratégico dos recursos nacionais do Plano ACS. 

Revisitando a comunicação social dos últimos 3-4 anos, encontramos títulos muito “promissores” sobre o lítio. Revisitemos alguns: Lítio: “o petróleo branco”; A energia do Futuro; “Febre” do lítio em Portugal; Lítio pode trazer “Tesla” para Portugal; Governo quer ter a primeira refinaria de lítio da Europa (João Galamba em 17/11/2019); Atrair para o território português (Siza Vieira) uma fábrica de baterias, ou de cátodos ou de powerwalls. 

O Governo aprovou em 25/01/2018 a estratégia do lítio a partir de um relatório do grupo de trabalho, entregue em Março do ano anterior. “Um programa de fomento mineiro para avaliar os recursos minerais de Lítio existentes no país e a implementação de duas unidades experimentais minero-metalúrgica e de demonstração em consórcio com empresas exploradoras para aferir da viabilidade económica da cadeia de valor”. 

O lítio é um metal extraído da natureza por processos diferentes, consoante a sua origem. Se provém de uma jazida mineral, é explorado como numa mina a céu aberto ou em galeria. Se retirado de lagos salgados, por um processo semelhante ao da extracção do sal marinho. 

A obtenção de carbonato do lítio (componente essencial das baterias dos carros eléctricos) é mais fácil e mais barata quando extraído dos lagos salgados. As grandes reservas de lítio conhecidas localizam-se nos lagos salgados (Andes e Himalaias) e, por isso, Chile, Argentina e Bolívia concentram 75% das reservas a nível mundial. 

Portugal, com reservas bastante menores, provenientes de jazidas minerais localizadas em 11 zonas do País identificadas no Norte e Centro, situa-se no top-10 dos principais países produtores de lítio no Mundo e em número 1 da Europa. 

2. A febre do lítio 

A febre do lítio entra em Portugal com o lançamento do automóvel eléctrico, pois há muito se explora este metal para a cerâmica e para o vidro. A empresa Felmica, por exemplo, movimenta cerca de 85% do minério de lítio em Portugal, correspondendo a 30.000 toneladas/ano. Esta empresa tem reservas avaliadas que lhe dão para laborar, a esta média, mais de 67 anos, e reservas com potencialidades quatro ou cinco vezes superiores. 

Portugal “acordou” um pouco tarde para este novo uso do lítio e avança a passo de caracol. Dir-me-ão, antes assim do que nada. O problema é se fica, sem bateria, na berma da estrada, passando-lhe a oportunidade ao lado. Entre o relatório do grupo de trabalho do lítio e a estratégia do Governo passaram-se dez meses. E do que veio a público, a estratégia avançada peca por algumas vicissitudes. 

As duas unidades experimentais (minero metalúrgica e de demonstração) não terão avançado ao ritmo desejado, a concertação com as empresas a receber áreas de concessão pecou pela burocracia, também não houve o melhor entendimento com as populações nem com alguns dos municípios onde se localizam os recursos de lítio, apesar de o Governo garantir que cumprirá as recomendações dos estudos de impacto ambiental. 

As linhas de trabalho na captação de investimento estrangeiro para as diferentes fases da fileira produtiva não parecem elencadas segundo prioridades, e até se hesita na extensão da fileira produtiva. 

A lógica seria que as linhas da cadeia de produção da fileira se estendam, no mínimo até à refinaria do lítio. As baterias eléctricas tudo indica que, no quadro da especialização europeia, irão para o centro da Europa, onde se localizam os grandes produtores de automóveis. Há assim muitas nuvens a ensombrar o plano de trabalho. 

3. Mas serão as baterias o futuro? 

Entretanto, surge a grande controvérsia baterias versus hidrogénio. Há quem defenda, por exemplo os responsáveis de algumas marcas como a Mercedes, que o futuro do automóvel está na “fuel cell”, com origem no hidrogénio. O nosso país está, parece, a apostar nos dois carrinhos. Será que as duas apostas não chocam? Ou poderão ser complementares? 

Umas achegas mais. A Alemanha tem um plano estratégico para o hidrogénio em que o objectivo é ser o nº 1 mundial. A França também já afirmou que a sua aposta é no avião a hidrogénio. Certamente mediu forças e concluiu ser difícil a disputa com a Alemanha. Há que fazer uma aposta específica. Portugal também tem um plano estratégico para o hidrogénio em parceria com a Holanda. Afirma estar aberto a outros países. 

Temos algumas condições teóricas de vantagem, sobretudo na produção competitiva de energias alternativas, e este projecto necessita de muito consumo dessa energia. Aliás, todo o projecto encaixa na transição energética, na descarbonização da economia. Sem energia alternativa é um projecto falhado. A Alemanha é nessa matéria menos competitiva, apesar de grandes investimentos recentes nas alternativas. 

Não será que Portugal deveria pensar numa parceria estratégica com a Alemanha, dado que até tem uma tradição de sucesso na cooperação em termos de investimento? 

O hidrogénio é uma aposta a ponderar. A ter sucesso mudaria radicalmente a economia portuguesa. A Comissão Europeia apresenta também uma estratégia a 8 de Julho. Um assunto a prometer páginas. Esperemos que bem fundamentadas. 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

“Cancel” contra as “Destemidas”


Por
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 
29/06/2020

A direita conservadora consegue ter, em simultâneo, dois discursos: o que ataca o "marxismo cultural”, uma mixórdia ignorante que tenta dar nome ao facto de a esquerda estar, como a direita, na disputa do espaço público e das instituições; e a revolta contra a "cancel culture", adaptação de um termo juvenil para o processo pelo qual o “politicamente correto” combaterá, por via da sociedade civil e geralmente nas redes sociais, valores que lhe desagradam.


Note-se que esta franja da direita ultraconservadora, cada vez mais hegemónica no seu espaço político, considera como valores da esquerda ou mesmo marxistas (têm um olhar benigno da história do movimento marxista) os valores da tolerância com modos de vida e orientações sexuais diferentes dos maioritários. Aqueles que estão, aliás, inscritos na nossa Constituição. Em resumo: os mesmos que querem afastar de todo o espaço gerido pelo Estado valores constitucionais, revoltam-se por cidadãos se mobilizarem contra uma mensagem que os repugna. Censura de Estado, excelente; censura social, claustrofóbica.

Na semana passada assistimos, no entanto, à mais descarada campanha de “cancel culture”. Foi contra a série de animação “Destemidas”, dirigida ao público infanto-juvenil. A produção da France Télévision e apoiada pela União Europeia, muito premiada e transmitida em várias televisões (sem que nunca a sua transmissão tenha sido suspensa, que eu saiba), está a passar na RTP 2. Conta a vida de várias mulheres que desafiaram as convenções ao longo da História. O que levou à polémica foi o episódio sobre Thérèse Clerc, uma feminista francesa homossexual que lutou pela legalização do aborto. Os indignados não se limitaram a criticar a série, exigiriam censura. O que é curioso é esta pressão, em parte bem sucedida, ter sido veiculada pelas mesmas pessoas que passaram o último mês a dizer que havia quem quisesse apagar a História.

Admitindo a possibilidade de se ter perdido, na dobragem, a adequação da linguagem ao público mais jovem, é importante deixar já clara uma coisa: os programas infantis e juvenis, mesmo na televisão pública, não têm de agradar a todos os pais nem de veicular valores em que todos eles se reconheçam. Isso tornaria impossível qualquer série. A maioria dos desenhos animados, mesmo os que parece banais aos olhos de muitos, transmitem valores sobre o papel do homem e da mulher que me desagradam. Se respeitarem a lei, não ando a pedir que sejam retirados. Só espero uma televisão plural onde também caibam os valores que quis transmitir à minha filha e quererei transmitir aos meus netos. E é isso mesmo que me querem recusar. Que o meu mundo, aquele que desejo para a minha filha, e que ainda por cima está totalmente sintonizado com os valores constitucionais, não tenha lugar na televisão pública.

Já quem diz que não aceita que pessoas com determinados valores formem os seus filhos por via da televisão vive num equívoco: os programadores de televisão não substituem os pais. São os pais que decidem o que os seus filhos veem, com que idade veem e se precisam de acompanhamento para verem. Ninguém obriga os seus filhos a ver aquela série. O que eles querem é proibir os meus de a verem. Eles podem limitar o que os seus filhos veem, mas desejam limitar o que os meus veem. A razão porque querem proibir aquele episódio não é a necessidade de proteger os seus filhos – basta mudarem de canal –, é retirar do espaço público um ponto de vista de que discordam.

Resolvida a questão das crianças e adolescentes, que só é questão para quem quer que a televisão substitua os pais, o que quer dizer que se preocupa pouco com a educação dos filhos, resta o facto de aquilo passar na televisão pública. A televisão pública é um espaço plural, não transmite um olhar único sobre a sociedade. Transmitia os programas de José Hermano Saraiva, com olhar ultrapassado do ponto de vista científico e académico sobre a História. Transmite todas as semanas uma missa católica, apesar de o Estado ser laico. Transmite imensas coisas de que discordo. E devo recordar que, como eles, também pago impostos e financio a RTP. A fronteira é, para mim, a Constituição. Esta série respeita-a integralmente.

Não gosto do conceito de “cancel", pelo menos como tem sido adaptado para o confronto político e cultural. Não gostar dele não o torna ilegítimo. As pessoas têm o direito à indignação organizada. Essa é a contrapartida de leis liberais no que toca à liberdade de expressão. O que não suporto é sonsos. E tenho memória. A “cancel culture” sempre existiu. Foi ela que se mobilizou para impedir a exibição de "Je Vou Salue, Marie", de Godard, na Cinemateca; para censurar “A Última Ceia”, de Herman José; contra a transmissão do “Império dos Sentidos”, no canal 2; contra o cartoon de António em que o Papa aparecia com um preservativo no nariz; contra a aparição de Rui Tavares na telescola, por ser um historiador de esquerda; ou contra este episódio das “Destemidas”. Foi ela que tentou e continua a tentar impedir a chegada de outros mundos ao espaço público. E apesar do discurso instalado contra um “politicamente correto” irrelevante em Portugal, são os sectores ultraconservadores que têm revelado uma permanente vontade de calar aqueles de que discordam. Incluindo a sua História.

Dito isto, quero que fique claro: os valores não valem todos o mesmo. A tolerância não vale o mesmo que o ódio, a igualdade não vale o mesmo que a supremacia, a liberdade não vale o mesmo que a opressão, a misoginia, o racismo e a homofobia não valem o mesmo que os valores inscritos na nossa Constituição. Pelo menos para o Estado, para as suas escolas e para a sua televisão. Não se chama marxismo cultural. Chama-se democracia. Aquela que, ao contrário do que disse Bolsonaro, não permite que a maioria esmague as minorias.

sábado, 27 de junho de 2020

Andam a brincar com a água


FACTO

"(...) Que não haja dúvidas: a situação actual na Região Autónoma da Madeira (RAM) é extremamente grave e os números falam por si: apenas cerca de 30% da água que sai dos reservatórios para a rede é facturada aos consumidores, ou seja... 70% de perdas! Para que se tenha uma noção da magnitude deste valor atente-se que, por exemplo em Portugal Continental, as perdas são de, aproximadamente, 30% (quase 2,5 vezes menores)" - Ricardo Silva Ramos, artigo de opinião hoje publicado no Dnotícias.

COMENTÁRIO

Não é que constitua um facto novo. Desde há muitos anos que se sabe do desperdício deste que é um recurso escasso, embora pareça abundante e inesgotável. O autor do artigo traz este assunto à colação, nesta primeira abordagem, em tom de sensibilização, facto só por si extremamente importante. Parafraseando, eu diria que o articulista jogou com o aforismo: "água mole em pedra dura ...". Oxalá!

Mas há uma segunda leitura, de natureza política, que se circunscreve a uma pergunta simples e directa: afinal, o que andaram os vários governos a fazer perante tão grave problema?

Coexistem dois problemas para que se tivesse chegado a esta dramática situação: primeiro, este tipo de obra é "invisível", porque o lançamento ou substituição de condutas faz-se, normalmente, no subsolo. Não dá oportunidade para inaugurar com pompa e circunstância. Sabem que são obras importantes, mas não garantem a visibilidade de um túnel, de um edifício ou de uma rotunda, com banda e comes-e-bebes; em segundo lugar, constata-se o eterno jogo do empurra: o governo atira a responsabilidade para as autarquias e estas para o governo. 
Podia o governo, no quadro do principio da subsidiariedade, delegar essa responsabilidade nas Câmaras Municipais, acompanhada do correspondente financiamento através de contratos-programa. Porém, não o tem feito de uma forma clara, contínua e absolutamente determinada. Por seu turno, as Câmaras Municipais, por limitações financeiras, encolhem-se e vão operando, aqui e ali, melhor dizendo, remendando aquilo que necessita de uma visão global. 
No essencial, trata-se de uma obra estratégica que não deve pertencer a esta ou àquela instituição. Tem de ser assumida com a responsabilidade de todos, sem amuos e críticas, quando os telhados de vidro são imensos. 
70% de perdas é inexplicável no quadro autonómico. Ademais, quando, amiudadas vezes, se fala de "incompetência"... dos outros!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Uns podem... outros não!




FACTOS

01. "O Hospital Dr. Nélio Mendonça recebeu, esta tarde, dez equipamentos de videolaringoscopia que vão servir para conferir maior segurança e conforto ao procedimento de entubação de doentes, como acontece com os que padecem da forma mais grave da Covid-19 e precisam de ventilação. Tratou-se de uma doação do Grupo Sousa, que esteve representado no acto de entrega pelo seu presidente, Luís Miguel Sousa." - Fonte Dnotícias.
02. "Tempestade política com nomeação de líder do BE para chefe de divisão" de receitas e financiamento na Câmara Municipal do Funchal. - Fonte Dnotícias.

COMENTÁRIOS

Primeiro: Não está em causa a aquisição, até porque o material é de extrema importância na actividade clínica. Uma coisa é o profissional de futebol Cristiano Ronaldo, que nada deve à política, ter um gesto de solidariedade através da oferta, por exemplo, de uns quantos ventiladores. Quanto muito é a Madeira que lhe deve a promoção turística que faz; outra, é um empresário tantas vezes visado (bem ou mal, sublinho) por ser um dos DDT, oferecer computadores a uma escola ou materiais para o hospital. São situações completamente diferentes. A primeira doação é de aplaudir porque é limpa de qualquer interesse; a segunda, quando se está sobre um constante escrutínio popular, no mínimo, deve ser evitada. Simplesmente porque, neste mundo, muitas vezes promíscuo entre a política e os negócios, diz-se, com razão, "que não existem almoços grátis".

Segundo: Há pessoas que se esquecem que o exercício da política constitui um serviço à comunidade e não um emprego. O Dr. Paulino Ascensão, líder do BE, primeiro, é um quadro da Câmara Municipal do Funchal, onde já foi "responsável máximo pelo Departamento Financeiro da CMF entre 2002 e 2015"; só depois é, no âmbito da cidadania activa, um actor político. Portanto, reunindo todas as condições para exercer um determinado desempenho profissional, repito, profissional, para mim é ininteligível que alguém levante questões de natureza "política e ética". Era o que faltava que a actividade profissional, melhor dizendo, "o ganha pão" fosse preterido relativamente a uma actividade no quadro da participação democrática. 
Se esse não for o entendimento, tal significa, por um lado, o afastamento do exercício da política dos mais qualificados, daí resultando prejuízo para a democracia e para o êxito das instituições; por outro, a implícita noção que os lugares de carreira, por nomeação, substituição ou qualquer outro formado legal, só podem ser ocupados por alguns imaculados, isto é, não "picados" por pensamentos adversos ao poder maioritário. 
Gostaria de ver o que aconteceria se a mesma lógica fosse aplicada a centenas de casos em toda a Administração Pública regional! O que eu, enquanto cidadão, peço ao Dr. Paulino Ascensão, é que desempenhe o lugar com competência e isenção como sempre o fez. Porque um dia deixará de ser líder do BE e a sua vida terá de continuar exercendo a sua profissão para a qual se preparou.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Portugal não pode perder a EFACEC

Portugal levou quatro décadas a construir algumas marcas reconhecidas internacionalmente e cinco anos a dar cabo delas. Uma das últimas que resta é a Efacec. É imperioso salvá-la.

Sabe quem produziu os transformadores que dão luz dia e noite a Las Vegas, a cidade do jogo mais conhecida em todo o mundo? Pois: a Efacec. Sabe como são conhecidos os transformadores de energia da Efacec? Como os Rolls Royce dos transformadores. Sabe quantas pessoas trabalham na Efacec, na quase totalidade engenheiros portugueses? 2500. Sabe que a Efacec compete com os maiores operadores mundiais nos mercados europeu e norte-americano e que com grande frequência sai vencedora dos concursos onde também estão presentes os gigantes do setor? Sabe quem é pioneira a nível mundial nas «smart grids» e nas redes elétricas para as cidades inteligentes? Pois, a Efacec.

A Efacec, como todas as grandes empresas do setor elétrico, passa por ciclos, que decorrem da evolução dos mercados e dos pesados investimentos que necessita de fazer para se manter na linha da frente da inovação. Por vezes, os ciclos dos mercados e de investimento estão desajustados e a empresa enfrenta dificuldades. Foi assim em 2015, em que a Efacec necessitava de um novo acionista, que trouxesse dinheiro fresco. Ele apareceu. Chamava-se (e chama-se) Isabel dos Santos. Sem ela, provavelmente a empresa hoje ou não existiria ou teria encolhido drasticamente. Até 2018, a empresa voltou a viver um excelente ciclo de crescimento. Em 2019, as coisas pioraram, devido a projetos que não tiveram o sucesso esperado. Mas a empresa continua a deter um enorme conhecimento e conserva um vasto potencial de saber acumulado e de experiência que lhe permitia seguramente dobrar mais esse Cabo das Tormentas.

Acontece que entretanto o poder político mudou em Angola, Isabel dos Santos caiu em desgraça e depois surgiu o Luanda Leaks onde a empresária é a pessoa visada. Ora muitos dos grupos que compram máquinas e soluções à Efacec não querem estar ligados a situações empresariais em que existe uma pessoa politicamente exposta e sujeita a processos jurídicos que podem levar à sua condenação em tribunal e ao arresto dos seus bens. É a nova moral existente no mundo dos negócios. E não lhes chega saber que Isabel dos Santos colocou a sua participação à venda, não dispõe de nenhum elemento no conselho de administração e mesmo os seus direitos de voto nas assembleias gerais lhe foram retirados pelo tribunal até que o processo esteja concluído (o que, como é óbvio, vai durar vários anos).

Para ajudar à missa, os bancos que operam em Portugal, em particular o consórcio que costuma financiar a empresa, com a Caixa Geral de Depósitos à cabeça, está numa postura hiperdefensiva porque o nome de Isabel dos Santos escalda – e, por isso, cortaram o crédito à Efacec enquanto a situação acionista não se clarificar. O problema é que o tempo urge e enquanto não surge um comprador, a solução deveria passar pela criação de um veículo financeiro que adquirisse a participação de Isabel dos Santos para depois a vender. E é aqui que as coisas encalham. O Governo entende que deve ser a banca a dar esse passo. A banca entende que deve ser o Governo a criar esse veículo. E enquanto este enredo não tem uma solução, a Efacec vê contratos que tinha assegurados ser cancelados, um de oito milhões nos Estados Unidos, no estado da Califórnia, e outro de quatro milhões em França. E há outros compradores normais da Efacec que já lhe fizeram saber que gostam muito da empresa mas que não poderão continuar a fazer negócio enquanto Isabel dos Santos permanecer na sua estrutura acionista.

Ou seja, neste momento a Efacec vê a sua tesouraria esgotar-se e assiste ao cancelamento dos seus negócios, enquanto os seus concorrentes esfregam as mãos de contentes.

Tanto quanto se sabe, os ministros Pedro Siza Vieira e Matos Fernandes estão particularmente atentos à situação, embora não tenham conseguido ultrapassar os obstáculos levantados pela banca. E haverá seguramente quem defenda que o mercado resolverá a situação. É verdade. Vai resolver mas mal. Daí que seja necessário outro tipo de intervenção para que não se verifique um desenlace fatal.

Portugal demorou quarenta anos a construir algumas marcas empresariais conhecidas e reconhecidas a nível mundial, como a PT, a Cimpor, a Galp, a EDP – e levou apenas cinco anos a dar cabo de algumas delas. A Efacec é uma das marcas portuguesas mais reconhecidas internacionalmente. A esmagadora maioria do seu negócio (e estamos a falar em mais de 80%) vem de mercados muito maduros e competitivos como a Europa ou Estados Unidos. A faturação em Angola está abaixo dos 5% e com tendência para diminuir. Será um crime contra a empresa mas sobretudo contra o país que uma empresa portuguesa com esta dimensão nacional e internacional seja deixada morrer devido a um problema acionista, que a banca não quer resolver e o Estado não consegue solucionar.   

Nicolau Santos
Jornalista especializado em assuntos económicos

terça-feira, 23 de junho de 2020

JÁ É TEMPO DE ACABAR COM ESTES JOGOS DE PODER...


Não quero discutir o valor do "negócio" em causa, sobretudo porque não conheço o processo. Não sei se é bom ou péssimo para a autarquia da Ribeira Brava, a aquisição pela Sociedade de Desenvolvimento da Ponta Oeste, do edifício onde estão instalados os serviços do município. Se custa 1,5 milhões de Euros ou qualquer outro valor, julgo existirem entidades fiscalizadoras e reguladoras do "negócio". Pronunciem-se.

A questão está, segundo li no Dnotícias, na alegada contrapartida: pagamos 1,5 milhões, mas fica acautelada a concretização de uma grande obra a inaugurar em data próxima das eleições autárquicas. "Trunfo na Manga", segundo o DIÁRIO. 

Não entendo (ou entendo) estes jogos no sentido da perpetuação no poder. Os políticos esquecem-se que o exercício de um cargo ou de função política constitui um serviço à comunidade, nunca um emprego. E assim sendo, deixem o povo decidir sem ilusionismos. Já é tempo, seja lá quem estiver no poder político, de ultrapassar esta doentia manipulação do voto dos eleitores. Eu sei que há quem decida pela sua própria consciência em função do trabalho realizado. Muitos, certamente, que se deixam ir nesta espécie de engodo. Sejamos todos ADULTOS.
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

O martelo de Thor


Por
José Pacheco Pereira, 
in Público, 
20/06/2020

Eu gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade, onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil, desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.


É um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.

A pandemia de covid-19 funcionou como um martelo de Thor, mandou-nos uma pancada que ajudou a perceber melhor o que já cá estava antes. Anos de ostracismo dos velhos fez crescer lares por todo o lado, frágeis e sem defesas, em muitas zonas suburbanas, vive-se miseravelmente, trabalhadores estrangeiros como os nepaleses, africanos, ciganos, com formas diferentes de marginalidade e exclusão, vivem em guetos onde pouco mais do que a Igreja penetra, e a disciplina do confinamento foi facilmente substituída por actos como o daqueles imbecis que resolveram fazer uma festa em Lagos e infectar-se colectivamente.

Quando se vê a geografia dos últimos surtos na região de Lisboa, percebe-se esse mapa social.

O problema é que, mesmo quando podíamos pensar em aproveitar esta oportunidade para consertar ou melhorar alguma coisa do que está estragado, mais uma vez a ajuda europeia é ao lado, mais preocupada em manter a procura de sectores económicos da Europa do Norte do que em corresponder às nossas necessidades.

Diz-se que o dinheiro tem como objectivo a “transição digital” e a “economia verde”. A “economia verde” percebe-se, mas servirá apenas uma pequena parte das nossas actividades produtivas. A “transição digital”, para além de um slogan da moda, estou para saber o que é, e o que sei, principalmente na educação, deixa-me de pé atrás. Se se trata de transformar as nossas mercearias em mini-mini-Amazons, muito bem, como é muito bem que tudo o que possa ser tratado digitalmente na nossa pequena economia faça essa transição. Temos aí muito que andar, mas os negócios onde há baixa qualificação da mão-de-obra e péssima gestão não vão mudar pela “transição digital”.

Muitos dos nossos problemas são de natureza social, dependem de reacções entre pessoas, grupos e da distribuição de poder e, contrariamente ao deslumbramento tecnológico que por aí anda, isso não muda no mundo digital. Pelo contrário, o mundo digital revela uma grande capacidade de reproduzir as exclusões e de as transportar “de fora” para “dentro”.

As minhas dúvidas no mundo da educação são de outra natureza, e aí são mais graves. A pandemia e as aulas à distância revelaram uma enorme percentagem de estudantes sem acesso à Internet, e sem acesso a computadores, e aí a “transição digital” é um enorme benefício. Mas se se começar a entender que a comunicação digital e o acesso digital se farão pela retirada do ensino da relação com um mundo em que somos analógicos, e pensamos de forma analógica, e os nossos sentidos são analógicos, então, com muitas luzinhas e animações e virtualidades, entramos numa nova forma de escolástica muito pobre. Escrevo isto porque é um processo já em curso, com “gerações mais educadas” bastante incultas e ignorantes.

Ninguém liga nenhuma ao facto de uma certa forma de ignorância agressiva estar a crescer, e a como isso se está a tornar um grave problema social, e político.
Numa sociedade como a portuguesa, será um retrocesso civilizacional e um risco para a democracia. A dificuldade de separar a verdade da mentira, o crescimento das teorias conspirativas, as ideias contra a ciência, tudo isto está a ganhar terreno. O populismo moderno dá-lhes uma expressão política eficaz.

O meu retrato de Portugal é pessimista? Já era assim antes e não está pior. Nunca me iludi por nenhuma das coisas que andaram a deslumbrar-nos nos últimos anos, start-ups, turismo, todas as coisas em que éramos os “melhores do mundo”. Qual a utilidade de o dizer nestes tempos? Talvez se façam duas ou três coisas em que não se possa voltar para trás: um robusto sistema universal e gratuito de saúde, acesso universal à Internet, comboios que sirvam Portugal, o fim do “Jamaica” com casas decentes, etc.. Vão querer fazer cinco mil coisas, mas, se fizerem cinco, já valeu a pena a martelada do Thor.

domingo, 21 de junho de 2020

Presidenciais de 2021


FACTO

A propósito de uma sondagem entre presumíveis candidatos à Presidência da República, o Dr. Miguel Albuquerque surge com, apenas, 2,5% das intenções de voto. Perante o alegado resultado, o seu comentário foi imediato: estou duplamente “bastante satisfeito” (...) sobretudo por ver “o candidato do regime”, Marcelo Rebelo de Sousa (69,6%), aquém do resultado alcançado por Mário Soares na reeleição para o cargo, em 1991, onde obteve 70,35% dos votos. (...) “Eu sem fazer nada tenho 2 e tal por cento e o candidato do regime não chega ao Dr. Soares depois de andar tanto tempo em propaganda balofa”, regozijou-se. (...) Mesmo andando “por aí todos os dias em propaganda, ainda não chegou à votação do Dr. Soares e pelos vistos penso que não vai chegar”, vaticinou. - Fonte dnotícias.

COMENTÁRIO

É óbvio que o Dr. Miguel Albuquerque tem toda a legitimidade para assumir uma candidatura. Não pode é esquecer-se que é presidente do governo regional e, por inerência, Conselheiro de Estado. E neste particular é-lhe exigida, política e socialmente, uma atitude sensata, serena e distante de qualquer sentido mais ou menos ofensivo. Choca-me quando atira, por exemplo, que "o candidato do regime não chega ao Dr. Soares depois de andar tanto tempo em propaganda balofa”. A expressão "propaganda balofa" traz no seu bojo uma intenção política mais vasta e desadequada quando a Madeira precisa, urgentemente, de paz institucional. Não precisa de mais guerra e de provocações sem sentido. A comparação com Mário Soares, associada à mensagem de que Marcelo é um "candidato do regime", para além de desadequadas, ofende a inteligência dos portugueses que são soberanos nas suas escolhas.
Isto preocupa-me, simplesmente porque nem a primeira figura do Estado merece respeito por parte de pessoas com responsabilidades políticas. Não estamos em campanha eleitoral, Dr. Miguel Albuquerque! Pergunto: como é que vai enfrentar o Presidente da República em uma próxima visita a Belém, por assuntos de natureza regional ou, então, no quadro de Conselheiro de Estado? Tais situações só prejudicam a Região, disso não tenho a menor dúvida, porque, independentemente de todos saberem separar as situações, a verdade é que "quem não se sente não é filho de boa gente". 
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 20 de junho de 2020

Armindo Abreu


E assim se vão apagando aqueles que marcaram uma época em diversas áreas profissionais. Indiscutivelmente, Armindo Abreu deixou uma marca no jornalismo, pelo sentido do rigor, pelo seu profissionalismo, conjugado com a voz inconfundível que possuía.  Aprendi muito com ele, no jornalismo e na condução de programas na televisão. 


Tenho gratas recordações do período que trabalhámos juntos. Ele profissional e eu um colaborador pontual da RTP. Trago em memória dois momentos marcantes: o primeiro, quando o "Domingo Desportivo" passou a ser transmitido em directo. Eu tinha já uma história de alguns anos de programas sujeitos a montagem prévia, mas faltava-me a experiência do directo. Essa responsabilidade, confesso, apavorava-me. A sua proposta foi a de apresentarmos juntos (uma peça para cada um) e sem teleponto. Ao final de um mês disse-me que agora era comigo. 
Um programa em um tempo difícil sobretudo pela pressão política. O poder ficava com urticária face aos temas que apresentávamos. E aqui surge a segunda história. Um político com responsabilidades deu-se à maçada de deslocar-se à RTP, julgo por duas vezes, para pedir que me pusesse a andar. E o meu Amigo Armindo Abreu fez ouvidos de mercador. Só mais tarde me relatou o sucedido. Foi profissional, independente, solidário e deu ali uma imagem de distanciamento, até porque estava por dentro do que era produzido. Estas duas situações demonstram, por um lado, o seu sentido de humildade, ao ter descido ao meu patamar de amador, por outro, segurança e respeito pelo trabalho dos outros, ao colocar o poder político no seu lugar.
Porque é em vida que devemos testemunhar a nossa simpatia, já tem alguns anos, disse-lhe, exactamente, o que aqui narro. Dei-lhe um enorme abraço de gratidão.
Amigo Armindo, fique em paz. 
Deixo aqui um abraço de solidariedade a toda a sua família.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A escola do insulto


Como é possível? Quarenta e seis anos depois de Abril os representantes do povo (?) abrirem a boca e deixarem sair as maiores alarvidades! Senhores deputados, não foi para isto que o povo vos elegeu. Estão aí sentados para discutir, na diferença, os problemas que a todos afecta. Estão aí para fiscalizarem a actividade do governo, para recomendar e para legislar no sentido do crescimento e  do desenvolvimento da Região. Não foram eleitos para darem nota ao povo de quem é capaz de dizer o maior e mais aleivoso e acintoso disparate. 


É uma história com dezenas de anos. Que fez escola! Há gente que entende que é com a arma da ofensa, com um arsenal de palavras impróprias, com um constante metralhar no sentido da desvalorização dos outros que se tornam credíveis. Pobre gente que segue tal caminho! Procedem assim porque lhes falta capacidade técnica, científica e política para o debate; falta-lhes humor e a fina ironia no combate político. Essas insuficiências, aliadas ao carácter, conduzem ao mais fácil: à desconversa, ao insulto, à injúria e a exageros no sentido da diminuição e aviltamento das figuras face às quais exista uma posição política distinta.

Um pouco, também, por isto, os eleitores afastam-se das urnas, metem todos dentro do mesmo saco, porque não sentem que valha a pena apostar na sua representação no primeiro órgão de governo próprio. Sempre foi assim, bastando uma paciente leitura do "Diário das Sessões". A agressividade dos últimos tempos e certas cenas de "bolinha vermelha" acabam por ser mimos quando comparados com as ofensas frontais e reles constantes das actas. Nem dão conta que a ofensa corresponde a uma clara defesa de quem a produz e a um fracasso pessoal e institucional.

Há uma crónica ausência de dignidade ou, melhor dizendo, de saber estar e, portanto, já não se trata de "uma casa de loucos" como já foi apelidada, mas de um órgão que perdeu o respeito por si próprio. Podem alguns vender a consciência, esquecer-se do que ontem disseram, manipular as situações em função dos seus interesses de vida ou de grupo, porém, no mínimo, não ultrajem nem transgridam relativamente à fronteira da boa educação. Porque a má educação redunda sempre em maus exemplos para a sociedade.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Centeno e o Banco de Portugal

Por
Nicolau Santos
Jornalista especializado em assuntos económicos

O PAN propôs e a Assembleia da República aprovou por maioria um diploma ad-hominem, cujo único objetivo é impedir que Mário Centeno seja o novo governador do Banco de Portugal. O caso é tanto mais estranho quanto não existe limitação idêntica em nenhum país da zona euro ou dos outros países da União Europeia e por há dez anos o Banco de Portugal ter à sua frente o pior governador da sua história. Donde vem tanta acrimónia contra o melhor ministro das Finanças que o país teve em 46 anos de democracia é um mistério. Talvez tudo decorra, contudo, da última palavra dos Lusíadas: inveja. E quando alguém se destaca são logo aos milhares as mãos dos medíocres que o tentam arrastar para o lago pantanoso onde vivem.


Ponhamos as coisas assim: Centeno foi ou não um grande, um enorme ministro das Finanças? Não há nenhuma resposta que seja «sim, mas…». Foi. Sem nenhum «mas». Centeno chegou às Finanças como um ilustre desconhecido. Foi recebido com muita desconfiança interna e externamente. A receita económica que propunha era claramente distinta da da troika, que tinha sido aplicada com entusiasmo e excesso de zelo pelo Governo PSD/CDS. O que Centeno propunha era continuar a reduzir o défice e diminuir a dívida, ao mesmo tempo que repunha rendimentos (pensões e salários), aliviava a carga fiscal directa e aumentava o salário mínimo. Disseram-lhe que não ia resultar. Que a economia perderia competitividade. Que haveria numerosas falências. Que o desemprego ia disparar. Em suma, que não havia alternativa à política económica que tinha sido seguida até aí. Não havia alternativa à TINA (There Is No Alternative).

No plano europeu, os seus pares receberam-no com ainda maior desconfiança e duas pedras na mão. Wolfgang Schäuble, o então todo poderoso ministro alemão das Finanças, tornou públicos os seus ácidos comentários. Que o novo Governo de Portugal estava a inverter a política económica seguida pelo Governo anterior que tão bons resultados estava a dar e que estava muito preocupado que o país tivesse de pedir um segundo resgate. Não o disse uma vez. Disse duas, a segunda em 2018. Que o preocupava mais esse segundo resgate que o Deutsche Bank, um dos maiores bancos alemães, envolto em vários escândalos financeiros, fiscais e de cartel com outras instituições financeiras.
Nessa altura, é bom lembrar, o país estava sob o Procedimento por Défice Excessivo e o rating da República era catalogado por três das quatro maiores agências de rating como «lixo». O défice fixava-se em 4,4%, a dívida externa pública em 131,5% e a taxa de desemprego em 12,4%. Em 2019, Portugal registou pela primeira vez um excedente orçamental, a dívida externa caiu para 117,7% do PIB e o desemprego quedou-se pelos 6,5%. Pelo meio, o país saiu do Procedimento por Défice Excessivo em 2018 e o rating da República voltou a ser positivo. Também pelo meio, o país voltou a crescer acima da média europeia desde 2016, algo que nunca tinha acontecido desde o início do século. Ao mesmo tempo, o sistema financeiro foi recapitalizado e limpou os balanços de muitos créditos de cobrança duvidosa que tinha acumulado nos anos de crise. A cereja em cima do bolo foi a reposição de salários e outros rendimentos e o aumento anual do salário mínimo, sem que a economia se ressentisse, quer em termos de competitividade, quer em termos de criação de emprego – além do alívio da carga fiscal direta.

Por tudo isto, Centeno vai passar de patinho feio do Eurogrupo a seu presidente, por escolha unânime dos seus pares, com o antes muito crítico Wolfgang Schäuble a alcunhá-lo agora de Ronaldo das Finanças. E no momento da sua saída choveram os elogios públicos do presidente e do vice-presidente da Comissão Europeia (o também feroz crítico Valdis Dombrovski), dos atuais ministros das Finanças da Alemanha e da Holanda, da ministra espanhola da Economia e mesmo do seu antecessor no Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem.

Ora é a uma pessoa com este curriculum e esta folha de serviços a favor de Portugal que a Assembleia da República resolve montar uma perseguição pessoal e impedi-lo de ser o próximo governador do Banco de Portugal. Não faz qualquer sentido. O Banco de Portugal precisa de ter alguém à sua frente que prestigie o país e a instituição, coisa que manifestamente não teve nos últimos dez anos. Impedir Centeno de ocupar o lugar de governador do Banco de Portugal é de uma cegueira política absoluta. E não se vê no plano nacional quem possa ocupar a cadeira da Rua da Misericórdia com mais curriculum e prestígio do que Centeno – que, ainda por cima, é quadro da casa. Por isso, faz bem António Costa em lutar para que Centeno seja o próximo Governador do Banco de Portugal. Não só por Centeno nem pelo Banco de Portugal mas sobretudo pelo país.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Novo Banco



FACTO

Devido ao Covid-19 (?), o Novo Banco, depois de uma injecção de 850 milhões do Estado, por "empréstimo", melhor dizendo, do dinheiro de todos nós, divulgou que precisará de mais um reforço financeiro. 

COMENTÁRIO

Pergunta muito simples e directa: devido ao Covid-19 ou devido ao covil?
Sou cliente do "banco bom"? Treta. 
O Senhor Presidente da República ficou estupefacto? E nós?
O Novo Banco registou um prejuízo de 179,1 milhões de euros no primeiro trimestre. Por mim, ou é nacionalizado ou os accionistas que paguem o desvario. Aguardo pela auditoria da Deloitte.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Plano Estratégico para a Economia Portuguesa. Notas avulsas


Por
João Abel de Freitas,

Economista 
15 Junho 2020

O Plano tem de assentar num número muito restrito de áreas (clusters). Caso contrário, não passará de umas quantas generalidades bem escritas. 


1. O novo assessor para o Plano 


Ler nos jornais, ver e ouvir nas TV’s que a transformação da economia portuguesa se fará com um plano da responsabilidade do Gestor/Professor António Costa Silva é um puro devaneio. É alimentar o ruído de um combate político sem conteúdo. 

A este ou a outro governo tem de se reconhecer o direito de poder contratar assessores, sobretudo, se de qualidade, para determinadas tarefas. Mais razão ainda quando, nesta área específica da Cenarização/Prospectiva, não há “massa crítica” no aparelho do Estado. 

Esta área foi decapitada, em pessoas e estruturas, há alguns anos por razões de vária ordem, como a da sua “desnecessidade” [os estudos deviam ser dados a equipas do exterior], e nunca mais refeita. E, assim, quando necessário, não há estruturas nem técnicos qualificados a quem encomendar pensamento estratégico. 

Outro assunto diferente é se foi ajustada a forma de comunicar ao País essa contratação “pro bono”, uma situação que francamente não aprecio, pois, para mim, funciona o princípio de que todo o trabalho e, ainda mais no Estado, deve ser remunerado. Na minha opinião não foi. Mas não é o essencial. Uma simples “nota de pé de página” bastaria para marcar posição. 
Queimou-se tempo no fait divers, quando o que interessava era iniciar o debate sobre os aspectos fulcrais do desenho do Plano, designadamente a identificação e a selecção das áreas estratégicas [clusters], a sua escolha e priorização e ainda o tipo de organização ágil, eficiente e eficaz à sua implementação e uma gestão de transparência. 

[Como nota refira-se. Positivo será que o Plano aponte para a reconstituição das “falhas de Estado” em termos de prospectiva, planeamento e programação, eventualmente numa óptica de articulação com as Universidades e releve a componente de formação nestes domínios. Aliás, este problema da formação foi em tempos aflorado como uma necessidade técnica pelo actual ministro do Planeamento]. 


2. A responsabilidade do Plano 


Por muito mérito que tenha o Engenheiro António Costa Silva, por muito conhecimento acumulado que tenha por reflectir nesses temas há vários anos, como disse, e, por isso, rapidamente identificou as linhas mestras estratégicas, o Plano como instrumento que poderá ser de transformação da estrutura da economia portuguesa ou indirectamente da sociedade, o resultado final será sempre do Governo, porque assente nas suas escolhas político-económicas. 

É ao Governo que cabe seleccionar as áreas estratégicas, estabelecer as prioridades e definir o montante de financiamento por cada cluster seleccionado e as formas e requisitos de candidatura dos agentes que vão interferir na sua concretização. 

Será ainda interessante pensar na articulação desses fundos de financiamento com a captação de outras fontes de investimento, nacionais ou estrangeiras, de forma a alargar os impactos das transformações a operar. 

A aplicação dos montantes a fundo perdido terá de responder a certas linhas estratégicas da União Europeia como a transição energética, a transição digital e as alterações climáticas. Penso não decorrer daí qualquer embaraço, pois os clusters estratégicos de relançamento da economia portuguesa entrosar-se-ão bem nessas linhas. 
Neste contexto, o Plano é da inteira responsabilidade do Governo e será o Governo julgado pela competência que demonstrar ou não na sua concretização, pelos resultados que obtiver e pela transparência da sua gestão. 

Um exemplo. É ao Governo que compete formatar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) desenvolvendo as componentes que melhor entender. Definir a sua articulação com o sector privado. Dar uma grande robustez ao SNS em termos de recursos humanos e materiais. Lançar os desafios à Ciência e à produção da indústria portuguesa, pública e privada e estabelecer o funcionamento harmonioso entre as estruturas existentes e as novas que se justifiquem criar. 

Impõe-se, assim, um desenho aprofundado, rigoroso e o mais completo possível do “cluster da saúde” com as diferentes fileiras de bens e serviços e as respectivas fases de implementação. Um mapeamento final onde se cruzem actividades e regiões, incluindo as Regiões Autónomas. 

A pandemia em curso tem demonstrado o papel insubstituível do SNS. 

A população portuguesa viu na prática como, apesar de algumas falhas, foi o SNS que esteve na linha da frente de combate ao vírus e não há alternativa e, por isso, toda esta experiência e ensinamentos têm de se materializar no seu desenho futuro. A grande dependência externa do país em equipamento e material, bem como a falta de meios humanos têm de constituir um alvo essencial. O papel da Ciência, o papel das empresas, tem de ser repensado e articulado. 

A programação das necessidades de emprego qualificado e específico não pode deixar de ter um lugar relevante. Há, assim, muitos alvos a ponderar e a entrar em várias das fases da programação. 

Toda a gente considera, penso eu, o cluster da saúde como fundacional e prioritário e, sem dúvida, determinante em termos económicos e sociais, pelo impacto na vida e bem-estar das pessoas, no emprego, na dinamização da economia e na criação de riqueza e, por tudo isto, tem de integrar forçosamente o Plano de transformação da sociedade e economia portuguesas. 


3. As características do Plano 


O Plano de transformação da economia por uma nova economia não pode querer “abarcar” todas as áreas e sectores do país. Há muitos que funcionam por si. 

O Plano tem de assentar num número muito restrito de áreas (clusters). Caso contrário, não passará de umas quantas generalidades bem escritas. Mais um relatório bonito, bem encapado, para ficar no fundo da primeira gaveta. Uma obra actualizada de consulta para discursos. O caminho estratégico não pode ser esse, mas o da escolha selectiva. 
Meia dúzia de clusters já é muito. 

Num país com a nossa implantação geográfica (o mar de um lado e a Espanha do outro), a ferrovia e os portos têm de constituir pontos a contemplar. Como vamos sair para o mar e penetrar na Europa em termos competitivos e como ponderar esta relação portos e ferrovia? 

Por outro lado, a Covid-19 trouxe-nos a realidade do teletrabalho e o ensino à distância antes do tempo esperado, e aqui se abre uma outra frente, a das infra-estruturas das telecomunicações e do digital. A componente infra-estruturas, no seu todo, a física e a digital, ganha outra dimensão e espaço no desenho da nova economia para o País. 

O aproveitamento de recursos naturais como o lítio e outros minérios numa perspectiva de transição energética e mobilidade eléctrica (o automóvel eléctrico), certamente articulando aqui vários clusters, constitui um outro foco. E atenção acabe-se com a velha sina de Portugal enquanto país pobre e sem recursos. Os nossos recursos, incluindo os de origem marinha, têm uma dimensão bem qualificada para a nossa dimensão. 

Outros domínios há, sempre secundarizados, como a Ciência e a Cultura, que terão necessariamente de entrar numa estratégia de ruptura com a estrutura económica predominante, não só pelo impacto na nova economia do futuro para a qual partimos com atraso, como também pelos seus efeitos sociais, de emprego e pela criatividade. 

A Cultura e a Ciência fornecem criatividade e inovação, duas linhas estratégicas cada vez mais determinantes na transformação da economia e das mentalidades. E, certamente, esta aposta na criatividade e inovação pode levar-nos longe e a ultrapassar definitivamente o desenvolvimento pelos baixos salários. Todos dizemos e escrevemos isto tantas vezes, mas, na realidade, sem mudanças, continuaremos nessa pegada! 


O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sábado, 13 de junho de 2020

Uma breve nota


A Professora Conceição Pereira faleceu. Esta triste notícia foi muito comentada. De alguns quadrantes surgiram os elogios à figura que marcou, politicamente, todos estes anos de democracia e Autonomia. Porém, genericamente, assisti a um silêncio de pessoas e instituições políticas que, pelo menos na morte e sem hipocrisias, tinham o dever de se curvar perante quem, como poucos, por convicção, lutou na defesa de princípios e valores humanistas e civilizacionais. Uma coisa é discordar, mesmo que profundamente, das suas posições; outra, é ter consciência que a Democracia se constrói e se fortalece com os contributos de todos. E Conceição Pereira foi, indiscutivelmente, uma lutadora credível. Guiou a sua vida em função da sua própria experiência, percebendo, desde muito cedo, através da leitura da conjugação de múltiplos sinais, que o percurso político para a felicidade dos outros, não era juntar-se aos que falam da solidariedade, mas que não a praticam. A sua fortuna foi a da credibilidade e a do amor. 

Compreendo que é muito fácil estar do lado do poder; muito mais difícil é posicionar-se ao lado dos mais frágeis, junto das imensas margens; fácil é ignorar a História e sentar-se à mesa dos interesses; muito mais difícil é nascer com valores, sofrer e lutar em um tempo de ditadura. Por isso, não estranho, mas entristecem-me certos silêncios. Está enraizado na mentalidade política de alguns partidários. Não estranho, até porque já assisti, tem já uns anos, na Assembleia, ao chumbo de um voto de pesar. Nem na morte existe tolerância! 

E não estranho, também, certos comportamentos, quando, no quadro político, o combate ideológico bastas vezes é contra as pessoas e não pelas propostas que transportam e apresentam. Infelizmente, subsistem traços de alguma raiva, rancor e ira contra quem se atravesse no caminho, quem diga "não vou por aí", quem, teimosamente, analise o outro lado das situações, quem denuncie e quem diga aos "reizinhos" que há gravíssimas assimetrias e que há fome de muitas coisas! 

Mas, curiosamente, registo que brotam do Povo as vozes da solidariedade pelo passamento de figuras que deixam exemplos de humildade e de luta pela felicidade dos outros. Recentemente, foi com o Padre Mário Tavares e agora com a Professora Conceição Pereira. Li tantos comentários de sentidas condolências que acabam por testemunhar o agradecimento pela vida de doação à causa dos outros. 
Nutria por ambos consideração e estima. A Democracia deve-lhes. A construção da Autonomia também. Esconder os que lutam não credibiliza nem uma nem a outra. Logo que tenham um vagar lembrem-se deles, embora preferisse que tal acontecesse em vida.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

CONCEIÇÃO PEREIRA - MORREU UMA MULHER VALENTE E FEMINISTA


Só agora soube do falecimento da Senhora Profª Conceição Pereira. Li a "Carta do Leitor" da cidadã e política Senhora Dona Guida Vieira. Está tudo ou quase tudo. Um abraço solidário a toda a família daquela Mulher Exemplo.

"Conheci a Conceição em 1975 quando ela veio de França onde foi emigrante antes do 25 de Abril de 1974. Era 14 anos mais velha do que eu e eu sempre a vi como alguém que me inspirava um grande respeito, sobretudo, quando ela contava como foi ser empregada doméstica num País estrangeiro e depois chegar a professora. Eu que desde pequena queria ter sido professora via nela algo de inspirador e valente.
Ela vinha com uma grande vontade de organizar o sindicato das empregadas domésticas. Fez muitos contactos e reuniões. Passou por situações incríveis mas os Lobys foram tão fortes que afastaram as mulheres desse tipo de organização. Mais tarde ela foi uma das grandes impulsionadoras da existência do Sindicato dos Professores da Madeira, e sua dirigente representante na FENEPROF. Acho que nunca lhe foi prestada a devida homenagem por este trabalho.

Ajudou a fundar o Departamento de Mulheres da USAM, ( União dos Sindicatos da Madeira) em 1979 tendo sido eleita sua dirigente com outras companheiras de luta da altura onde me incluo, a Assunção Bacanhim e a Clarisse Canha. Este Departamento teve um papel fundamental na negociação com o Governo Regional em coisas como o planeamento familiar, a escola a tempo inteiro, a rede de creches e jardins de infância, lares para acolher pessoas sós e doentes, etc...Sem dúvida que estas conquistas, que hoje são tudo questões adquiridas, foram alcançadas com muita luta, inteligência e negociação e a Conceição fez parte delas.

Um dia num Projecto ligado a “Memórias e Feminismos” eu fiz parte do grupo que fez uma entrevista com a Conceição, a sua história de vida era tão vasta e tão multifacetada, que lhe demos a ideia de escrever um livro com a história da sua vida que mais tarde ela editou em 2017.
A Conceição também tinha outra característica que era a de fazer poemas e quadras. Há muitas lutas importantes que as mulheres realizaram na Madeira que ela cantou-as em versos que foram incluídos em várias obras já editadas por ela e por mim. Conseguimos perceber através desses versos a sua sensibilidade para com, e quem, a rodeava e a preocupava. Por vezes participava nas manifestações e reuniões e dias mais tarde voltava com os versos que tinha feito, que têm um valor histórico porque corresponderam a muitos acontecimentos reais.
Era também uma mulher muito alegre adorava cantar e dançar. Fazia fantoches todos feitos à mão para fazer pequenos teatrinhos para as crianças. Quando organizávamos passeios e eventos recreativos ela tinha sempre ideias e uma grande preocupação que era recolher fundos, nem que fosse através de rifa enroladas. Tinha sempre uma posição de humildade perante o dinheiro e sei que ajudou muitas gente sempre que podia.
Desde a fundação da UMAR que ela fez parte da sua direção nacional a representar a Madeira. Eu e as outras companheiras tínhamos muita actividade sindical e ela era a nossa representante em tudo o que fosse falar da mulher. Recordo um debate televisivo difícil, que foi sobre a legalização da prostituição, onde ela, de forma didática e muito serena, explicou a posição da UMAR, e conseguiu que a escutassem com respeito, sobre um tema que ainda hoje é muito difícil. Era uma mulher corajosa e acompanhou a um telejornal, uma mulher vitima de violência doméstica, de cara tapada, tendo sido a primeira vez que isso aconteceu na Madeira. Ficou amiga dela, toda a vida.
A Conceição tinha uma forma de ser um pouco rude e às vezes dura. Quando achava que a razão estava do seu lado não movia nada e fechava-se nas suas ideias mas isso nunca a impediu de participar e intervir nem que fosse através das cartas do leitor do DN Madeira onde era assídua e firme a defender as suas posições mesmo que fossem contrárias às da maioria das pessoas. Ela acreditava que era possível um mundo novo. Ela acreditava nas ideias do feminismo para alcançar esse mundo e sempre as defendeu de forma clara e directa.
A Conceição combateu o sistema capitalista por o considerar um sugador do suor de quem trabalha. Combateu os “poderosos” os donos disto tudo porque queria um mundo diferente e mais feliz. Tenho a certeza que as suas ideias irão ser seguidas por muitas feministas que se têm juntado à nossa causa e que desta forma ela nunca morrerá.
Prefiro falar desta mulher do que dos cargos institucionais a que concorreu ou que conquistou, porque esses passaram, mas esta mulher foi realmente a que ficou."
Guida Vieira

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Dia de Portugal


Aqui fica a intervenção do Cardeal madeirense D. José Tolentino de Mendonça, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2020. 

O QUE É AMAR UM PAÍS

Pode ler aqui na íntegra a intervenção de José Tolentino Mendonça ...Agradeço ao senhor Presidente o convite para presidir à Comissão das comemorações do dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Estas comemorações estavam para acontecer não só com outro formato, mas também noutro lugar, a Madeira. No poema inicial do seu livro intitulado Flash, o poeta Herberto Helder, ali nascido, recorda justamente «como pesa na água (...) a raiz de uma ilha». Gostaria de iniciar este discurso, que pensei como uma reflexão sobre as raízes, por saudar a raiz dessa ilha-arquipélago, também minha raiz, que desde há seis séculos se tornou uma das admiráveis entradas atlânticas de Portugal.
É uma bela tradição da nossa República esta de convidar um cidadão a tomar a palavra neste contexto solene para assim representar a comunidade de concidadãos que somos. É nessa condição, como mais um entre os dez milhões de portugueses, que hoje me dirijo às mulheres e aos homens do meu país, àquelas e àqueles que dia-a-dia o constroem, suscitam, amam e sonham, que dia-a-dia encarnam Portugal onde quer que Portugal seja: no território continental ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, no espaço físico nacional ou nas extensas redes da nossa diáspora.
Se interrogássemos cada um, provavelmente responderia que está apenas a cuidar da sua parte - a tratar do seu trabalho, da sua família; a cultivar as suas relações ou o seu território de vizinhança - mas é importante que se recorde que, cuidando das múltiplas partes, estamos juntos a edificar o todo. Cada português é uma expressão de Portugal e é chamado a sentir-se responsável por ele. Pois quando arquitetamos uma casa não podemos esquecer que, nesse momento, estamos também a construir a cidade. E quando pomos no mar a nossa embarcação não somos apenas responsáveis por ela, mas pelo inteiro oceano. Ou quando queremos interpretar a árvore não podemos esquecer que ela não viveria sem as raízes.

Camões e a arte do desconfinamento

Pensemos no contributo de Camões. Camões não nos deu só o poema. Se quisermos ser precisos, Camões deixou-nos em herança a poesia. Se, à distância destes quase quinhentos anos, continuamos a evocar coletivamente o seu nome, não é apenas porque nos ofereceu, em concreto, o mais extraordinário mapa mental do Portugal do seu tempo, mas também porque iniciou um inteiro povo nessa inultrapassável ciência de navegação interior que é a poesia. A poesia é um guia náutico perpétuo; é um tratado de marinhagem para a experiência oceânica que fazemos da vida; é uma cosmografia da alma. Isso explica, por exemplo, que Os Lusíadas sejam, ao mesmo tempo, um livro que nos leva por mar até à India, mas que nos conduz por terra ainda mais longe: conduz-nos a nós próprios; conduz-nos, com uma lucidez veemente, a representações que nos definem como indivíduos e como nação; faz-nos aportar – e esse é o prodígio da grande literatura - àquela consciência última de nós mesmos, ao quinhão daquelas perguntas fundamentais de cujo confronto, um ser humano sobre a terra, não se pode isentar.

Se é verdade, como escreveu Wittgenstein, que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo», Camões desconfinou Portugal. A quem tivesse dúvidas sobre o papel central da cultura, das artes ou do pensamento na construção de um país bastaria recordar isso. Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito. É não conformar-se com os limites da linguagem, das ideias, dos modelos e do próprio tempo. Numa estação de tetos baixos, Camões é uma inspiração para ousar sonhos grandes. E isso é tanto mais decisivo numa época que não apenas nos confronta com múltiplas mudanças, mas sobretudo nos coloca no interior turbulento de uma mudança de época.

Que a crise nos encontre unidos

Gostaria de recordar aqui uma passagem do Canto Sexto d’Os Lusíadas, que celebra a chegada da expedição portuguesa à India. Os marinheiros, dependurados na gávea, avistam finalmente «terra alta pela proa» e passam notícia ao piloto que, por sua vez, a anuncia vibrante a Vasco da Gama. O objetivo da missão está assim cumprido. Mas o Canto Sexto tem uma exigente composição em antítese, à qual não podemos não prestar atenção. É que à visão do sonho concretizado não se chega sem atravessar uma dura experiência de crise, provocada por uma tempestade marítima que Camões sabiamente se empenha em descrever, com impressiva força plástica. Digo sabiamente, porque não há viagem sem tempestades. Não há demandas que não enfrentem a sua própria complexificação. Não há itinerário histórico sem crises. Isso vem-nos dito n’Os Lusíadas de Camões, mas também nas Metamorfoses de Ovídio, na Eneida de Virgílio, na Odisseia de Homero ou nos Evangelhos cristãos.
No itinerário de um país, cada geração é chamada a viver tempos bons e maus, épocas de fortuna e infelizmente também de infortúnio, horas de calmaria e travessias borrascosas. A história não é um continuum, mas é feita de maturações, deslocações, ruturas e recomeços. O importante a salvaguardar é que, como comunidade, nos encontremos unidos em torno à atualização dos valores humanos essenciais e capazes de lutar por eles.
Mas à observação realística que Camões faz da tempestade, gostaria de ir buscar um detalhe, na verdade uma palavra, para a reflexão que proponho: a palavra «raízes». Na estância 79, falando dos efeitos devastadores do vento, o poeta diz: «Quantas árvores velhas arrancaram/ Do vento bravo as fúrias indignadas/ As forçosas raízes não cuidaram/Que nunca para o Céu fossem viradas». A leitura da imagem em jogo é imediata: as velhas árvores reviradas ao contrário, arrancadas com violência ao solo, expõem dramaticamente, a céu aberto, as próprias raízes. A tempestade descrita por Camões recorda-nos, assim, a vulnerabilidade, com a qual temos sempre de fazer conta. As raízes, que julgamos inabaláveis, são também frágeis, sofrem os efeitos da turbulência da máquina do mundo. Não há super-países, como não há super-homens. Todos somos chamados a perseverar com realismo e diligência nas nossas forças e a tratar com sabedoria das nossas feridas, pois essa é a condição de tudo o que está sobre este mundo.

O que é amar um país

O Dia de Portugal, e este Dia de Portugal de 2020 em concreto, oferece-nos a oportunidade de nos perguntarmos o que significa amar um país. A pensadora europeia Simone Weil, num instigante ensaio destinado a inspirar o renascimento da Europa sob os escombros da Segunda Grande Guerra, de cujo desfecho estamos agora a celebrar o 75º aniversário, escreveu o seguinte: um país pode ser amado por duas razões, e estas constituem, na verdade, dois amores distintos. Podemos amar um país idealmente, emoldurando-o para que permaneça fixo numa imagem de glória, e desejando que esta não se modifique jamais. Ou podemos amar um país como algo que, precisamente por estar colocado dentro da história, sujeito aos seus solavancos, está exposto a tantos riscos. São dois amores diferentes. Podemos amar pela força ou amar pela fragilidade. Mas, explica Simone Weil, quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura.

O amor a um país, ao nosso país, pede-nos que coloquemos em prática a compaixão – no seu sentido mais nobre - e que essa seja vivida como exercício efetivo da fraternidade. Compaixão e fraternidade não são flores ocasionais. Compaixão e fraternidade são permanentes e necessárias raízes de que nos orgulhamos, não só em relação à história passada de Portugal, mas também àquela hodierna, que o nosso presente escreve. E é nesse chão que precisamos, como comunidade nacional, de fincar ainda novas raízes.


Nestes últimos meses abateu-se sobre nós uma imprevista tempestade global que condicionou radicalmente as nossas vidas e cujas consequências estamos ainda longe de mensurar. A pandemia que principiou como uma crise sanitária tornou-se uma crise poliédrica, de amplo espetro, atingindo todos os domínios da nossa vida comum. Sabendo que não regressaremos ao ponto em que estávamos quando esta tempestade rebentou, é importante, porém, que, como sociedade, saibamos para onde queremos ir. No Canto Sexto d’Os Lusíadas a tempestade não suspendeu a viagem, mas ofereceu a oportunidade para redescobrir o que significa estarmos no mesmo barco.

Reabilitar o pacto comunitário

O que significa estar no mesmo barco? Permitam-me pegar numa parábola. Circula há anos, atribuída à antropóloga Margaret Mead, a seguinte história. Um estudante ter-lhe-ia perguntado qual seria para ela o primeiro sinal de civilização. E a expectativa geral é que nomeasse, por exemplo, os primeiríssimos instrumentos de caça, as pedras de amolar ou os ancestrais recipientes de barro. Mas a antropóloga surpreendeu a todos, identificando como primeiro vestígio de civilização um fémur quebrado e cicatrizado. No reino animal, um ser ferido está automaticamente condenado à morte, pois fica fatalmente desprotegido face aos perigos e deixa de se poder alimentar a si próprio. Que um fémur humano se tenha quebrado e restabelecido documenta a emergência de um momento completamente novo: quer dizer que uma pessoa não foi deixada para trás, sozinha; que alguém a acompanhou na sua fragilidade, dedicou-se a ela, oferecendo-lhe o cuidado necessário e garantindo a sua segurança, até que recuperasse. A raiz da civilização é, por isso, a comunidade. É na comunidade que a nossa história começa. Quando do eu fomos capazes de passar ao nós e de dar a este uma determinada configuração histórica, espiritual e ética.
É interessante escutar o que diz a etimologia latina da palavra comunidade (communitas). Associando dois termos, cum e munus, ela explica que os membros de uma comunidade – e também de uma comunidade nacional – não estão unidos por uma raiz ocasional qualquer. Estão ligados sim por um múnus, isto é, por um comum dever, por uma tarefa partilhada. Que tarefa é essa? Qual é a primeira tarefa de uma comunidade? Cuidar da vida. Não há missão mais grandiosa, mais humilde, mais criativa ou mais atual.

Celebrar o Dia de Portugal significa, portanto, reabilitar o pacto comunitário que é a nossa raiz. Sentir que fazemos parte uns dos outros, empenharmo-nos na qualificação fraterna da vida comum, ultrapassando a cultura da indiferença e do descarte. Uma comunidade desvitaliza-se quando perde a dimensão humana, quando deixa de colocar a pessoa humana no centro, quando não se empenha em tornar concreta a justiça social, quando desiste de corrigir as drásticas assimetrias que nos desirmanam, quando, com os olhos postos naqueles que se podem posicionar como primeiros, se esquece daqueles que são os últimos. Não podemos esquecer a multidão dos nossos concidadãos para quem o Covid19 ficará como sinónimo de desemprego, de diminuição de condições de vida, de empobrecimento radical e mesmo de fome. Esta tem de ser uma hora de solidariedade. No contexto do surto pandémico, foi, por exemplo, um sinal humanitário importante a regularização dos imigrantes com pedidos de autorização de residência, pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. O desafio da integração é, porém, como sabemos, imenso, porque se trata de ajudar a construir raízes. 

E essas não se improvisam: são lentas, requerem tempo, políticas apropriadas e uma participação do conjunto da sociedade. Lembro-me de um diálogo do filme do cineasta Pedro Costa, «Vitalina Varela», onde se diz a alguém que chega ao nosso país: «chegaste atrasada, aqui em Portugal não há nada para ti». Sem compaixão e fraternidade fortalecem-se apenas os muros e aliena-se a possibilidade de lançar raízes.

Fortalecer o pacto intergeracional

Reabilitar o pacto comunitário implica robustecer, entre nós, o pacto intergeracional. O pior que nos poderia acontecer seria arrumarmos a sociedade em faixas etárias, resignando-nos a uma visão desagregada e desigual, como se não fossemos a cada momento um todo inseparável: velhos e jovens, reformados e jovens à procura do primeiro emprego, avós e netos, crianças e adultos no auge do seu percurso laboral. Precisamos, por isso, de uma visão mais inclusiva do contributo das diversas gerações. É um erro pensar ou representar uma geração como um peso, pois não poderíamos viver uns sem os outros.
A tempestade provocada pelo Covid19 obriga-nos como comunidade, a refletir sobre a situação dos idosos em Portugal e nesta Europa da qual somos parte. Por um lado, eles têm sido as principais vítimas da pandemia, e precisamos chorar essas perdas, dando a essas lágrimas uma dignidade e um tempo que porventura ainda não nos concedemos, pois o luto de uma geração não é uma questão privada. Por outro, temos de rejeitar firmemente a tese de que uma esperança de vida mais breve determine uma diminuição do seu valor. A vida é um valor sem variações. Uma raiz de futuro em Portugal será, pelo contrário, aprofundar a contribuição dos seus idosos, ajudá-los a viver e a assumir-se como mediadores de vida para as novas gerações. Quando tomei posse como arquivista e bibliotecário da Santa Sé, uma das referências que quis evocar nesse momento foi a da minha avó materna, uma mulher analfabeta, mas que foi para mim a primeira biblioteca. Quando era criança, pensava que as histórias que ela contava, ou as cantilenas com que entretinha os netos, eram coisas de circunstância, inventadas por ela. Depois descobri que faziam parte do romanceiro oral da tradição portuguesa. E que afinal aquela avó analfabeta estava, sem que nós soubéssemos, e provavelmente sem que ela própria o soubesse, a mediar o nosso primeiro encontro com os tesouros da nossa cultura.
Robustecer o pacto intergeracional é também olhar seriamente para uma das nossas gerações mais vulneráveis, que é a dos jovens adultos, abaixo dos 35 anos; geração que, praticamente numa década, vê abater-se sobre as suas aspirações, uma segunda crise económica grave. Jovens adultos, muitos deles com uma alta qualificação escolar, remetidos para uma experiência interminável de trabalho precário ou de atividades informais que os obrigam sucessivamente a adiar os legítimos sonhos de autonomia pessoal, de lançar raízes familiares, de ter filhos e de se realizarem.

Implementar um novo pacto ambiental

A pandemia veio, por fim, expor a urgência de um novo pacto ambiental. Hoje é impossível não ver a dimensão do problema ecológico e climático, que têm uma clara raiz sistémica. Não podemos continuar a chamar progresso àquilo que para as frágeis condições do planeta, ou para a existência dos outros seres vivos, tem sido uma evidente regressão. Num dos textos centrais deste século XXI, a Encíclica Laudato Sii’, o Papa Francisco exorta a uma «ecologia integral», onde o presente e o futuro da nossa humanidade se pense a par do presente e do futuro da grande casa comum. Está tudo conectado. Precisamos de construir uma ecologia do mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação, que tenha expressão jurídica efetiva nos tratados transnacionais, mas também nos estilos de vida, nas escolhas e nas expressões mais domésticas do nosso quotidiano.

Uma viagem que fazemos juntos

Camões n’Os Lusíadas não apenas documentou um país em viagem, mas foi mais longe: representou o próprio país como viagem. Portugal é uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos. E o maior tesouro que esta nos tem dado é a possibilidade de ser-em-comum, esta tarefa apaixonante e sempre inacabada de plasmar uma comunidade aberta e justa, de mulheres e homens livres, onde todos são necessários, onde todos se sentem - e efetivamente são - corresponsáveis pelo incessante trânsito que liga a multiplicidade das raízes à composição ampla e esperançosa do futuro. Portugal é e será, por isso, uma viagem que fazemos juntos. E uma grande viagem é como um grande amor. Uma viagem assim - explica Maria Gabriela Llansol, uma das vozes mais límpidas da nossa contemporaneidade -, não se esgota, nem cancela na fugaz temporalidade da história, mas constitui uma espécie de «rasto do fulgor» que exprime a ardente natureza do sentido que interrogamos.

Cardeal José Tolentino de Mendonça
Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, 10 de junho de 2020