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domingo, 28 de abril de 2024

Tudo tem o seu tempo. "Para tudo há uma ocasião certa. Há um tempo certo para cada propósito"

 

O problema deriva da ausência de percepção desse tempo, o que conduz ao desejo de eternização como se a finitude dos projectos ou da vida não existissem. E ali criam raízes e redes tentaculares que acabam sempre por deixar perniciosos rastos que prejudicam as instituições públicas ou privadas, gerando dano e ruína. Vivem no delírio da figura rara e insubstituível, também porque sabem dos "esqueletos arrumados nos armários", tarde ou cedo tornados públicos. Encontramos isso no exercício da política e no associativismo em geral.



São os políticos que se agarram como lapas à rocha do poder, permanecendo vinte, trinta, quarenta anos, alimentando-se dos fios entrelaçados em malha larga, por onde passam inconfessados interesses, até ao associativismo, seja ele qual for, onde acabam por ficar presos nos nós das redes de vantagens que urdiram. É evidente uma similitude entre uns e outros. Por mais vias rápidas, escolas ou centros de saúde que mandem construir, por maiores que tenham sido as percentagens em actos eleitorais, há sempre um momento para terminar o seu próprio tempo. No associativismo não é diferente. Por mais estádios que construam e títulos que conquistem, dentro e fora do país, por maior que sejam as suas medalhas de reconhecimento, também existe um tempo para estar e um tempo para partir. Em suma, atingem sempre o ponto onde se descobre, até, a falácia dos inimigos externos, melhor dizendo, as lutas do Norte contra o Sul ou as da Madeira contra a República. Todos acabam por morrer às mãos dos eleitores.

Aliás, a Democracia é vivificante quando alguns pensam que são insubstituíveis, deixando, por isso, de ter a percepção que a tolerância também se esgota e que o voto soberano acaba por convidá-los, compulsivamente, a olhar para os indicadores da porta de saída. É certo que ninguém pode apagar a História e o mérito que, eventualmente, possam ter num dado momento, só que há sempre um tempo em que todos os assumidos insubstituíveis morrem, em todos os sentidos da palavra, porque a gigantesca roda da vida continua imparável com novos personagens e roupagens. 

Trago sempre em memória Dom Manuel da Silva Martins, Bispo Emérito de Setúbal: "(...) as alternâncias são sempre boas. Por muito boa que seja a pessoa que está, a partir de determinada altura alternar é bom. Já tive essa experiência na minha vida. Fui professor, saí, entrou outro, foi óptimo; fui vigário-geral, saí, entrou outro, foi óptimo; fui bispo em Setúbal, saí, entrou outro, foi óptimo. A alternância é magnífica a todos os níveis e em todos os sectores porque traz novidade, dá esperança, imprime outro ritmo de vida".

É exactamente isso. Quando, décadas a fio, vejo políticos enredados na sua teia, tudo fazendo para manter uma cadeira e um palco, como se o exercício da política não fosse um serviço à comunidade, antes um emprego para vida, quando assisto, por exemplo, a directores de escola, dez, quinze, vinte e mais anos à frente de um estabelecimento, quando, no associativismo se perpectuam perdendo a noção da própria esperança média de vida, lá vem o dia que, ao contrário de serem lembrados, terminam o seu tempo com baba e ranho convencidos da ingratidão dos outros! Deviam antes ter presente que "para tudo há uma ocasião certa. Há um tempo certo para cada propósito" - Eclesiastes - o sentido da vida.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

25 de Abril - três notas



1. Miguel Sousa Tavares considerou que o Senhor Presidente da República está "fora de controlo" e com "incontinência verbal", tornando-se um "problema" para o país. Concordo. Nos últimos tempos assistimos a situações que não são fáceis de aceitar, quando se trata da principal referência do País: as declarações sobre o seu filho Nuno, sobre a Procuradora Geral da República, sobre o Primeiro-Ministro, sobre o ex-Primeiro-Ministro e, entre outras, sobre um acerto de contas com as ex-colónias portuguesas. Junta-se a isto aquele injustificável parágrafo do comunicado do MP que fez cair o governo e a complexa instabilidade daí gerada. Situações que criaram um generalizado desagrado quer entre os cidadãos quer do ponto de vista político. Um país a braços com tantos problemas por resolver e com o debate político tendencialmente extremado, ao Senhor presidente da República pede-se recato, bom senso e um extremo cuidado com o que diz.

2. O 25 de Abril não tem dono. Nem aos militares que o realizaram. Pertence ao Povo e a sua comemoração é do povo para o povo. Ora bem, que raio de mania esta que sempre que alguma coisa acontece, elementos do governo ou das autarquias têm de subir ao palco para falar ao Povo ali presente? É na "festa" da cebola, do pero, do limão, da castanha, da banana, da uva ou da lapa, eu sei lá... Não há encontro que um qualquer suba ao palco para ali "botar faladura". No espectáculo comemorativo do 25 de Abril, desta feita o Povo não gostou e, por isso, apupou! Escutei com desagrado a assobiadela, mas não deixo de admitir que foi a resposta a uma nova investida política, ainda por cima em um momento onde não deveria existir uma certa "apropriação" de uma data que não é de alguns... é de todos! Parem com essa obsessão, porque o Povo já começou a dizer que não aprecia.



3. Na passagem dos 50 anos de Abril de 1974, a Região deve um pedido de desculpas ao Padre José Martins Júnior. A Região e a Diocese, melhor dizendo. Durante, salvo erro, 42 anos, ele esteve suspenso "ad divinis" através de um maquiavélico processo perpetrado através dessa "santíssima" união da Igreja (Bispos Santana, Teodoro e Carrilho) e os sucessivos governos. Não foi julgado em Tribunal Eclesiástico por qualquer acto atentatório dos seus deveres, tampouco, julgado e condenado por qualquer "crime" cometido. De onde se conclui a perversidade política de uns e de outros. Repito o que há cinco anos aqui deixei: "(...) Eles conhecem todo o enredo montado, os interesses políticos que estiveram em jogo, as manobras de bastidores no sentido de abafar uma voz verdadeira e dissonante, perigosa para os desígnios do poder absoluto. Inventaram, conflituaram e espezinharam um Homem que utilizou a Palavra no sentido da construção de uma sociedade de justiça social em todos os quadrantes. Não pregou a fé e a caridade, mas as causas e os valores para uma vida feliz com direitos e deveres (...)". Como ele bem disse "(...) Ninguém pode servir a dois Senhores. Ou se serve a Cristo ou se serve o Poder (...)".

Neste 25 de Abril teria sido o momento de assumirem um "mea culpa". Andaram quarenta anos a triturá-lo, a mantê-lo em lume brando, mesmo sem qualquer PIDE, contra a vontade do povo da Ribeira Seca, perseguindo um Homem culto, de uma enorme sensibilidade e humanidade. Tomara que muitos líderes seguissem o seu exemplo, o exemplo de um Homem cujo "pecado" foi o de se ter colocado ao lado do Povo, seguindo o ideário do 25 de Abril.

Já que o poder político nunca o fará, Bispos Teodoro e Carrilho peçam perdão!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Presidente da Comissão Europeia em mar revolto


Por 
João Abel de Freitas, 
Economista

Von der Leyen está metida num processo de contornos claramente duvidosos, de contratação pela UE de um seu correligionário de partido, o eurodeputado Markus Pieper, a quem atribuiu um alto cargo bem remunerado.



Entre 6 e 9 de Junho, vão ser eleitos os 720 deputados do Parlamento Europeu. A presidente da Comissão europeia, Ursula von der Leyen, manifestou vontade, junto do seu grupo parlamentar europeu –PPE –, de continuar a liderar a Comissão por mais cinco anos.

Até aqui, tudo legítimo. Porém, face a acontecimentos vários e de natureza diversa será que reúne condições para o cargo?

Notas retidas da comunicação social para um melhor juízo

1. Ursula von der Leyen deveria esforçar-se por apresentar um núcleo de ideias fortes de credibilização dessa vontade e uma análise crítica sobre os domínios que correram bem e menos bem no seu primeiro mandato. Muitos foram os que correram menos bem na política, gestão e estratégia, devido ao seu apego sectário aos interesses económicos e políticos do seu país de origem, a Alemanha, com relevo para a energia e à sua manifesta dependência acrítica dos EUA, designadamente, a aceitação sistemática de sanções económicas desadequadas aos interesses europeus, mas benéficas aos EUA.

Von der Leyen apresentou-se na Roménia, em Março último, na reunião do PPE, onde a sua candidatura foi apresentada e aclamada, com um discurso vazio e, quando uma ou outra ideia surgia era de colagem à direita radical (grupo Meloni) como o tema da imigração, onde até o PSD português se demarcou dessa posição.

2. Acontece que, nos últimos tempos e, sobretudo, nos últimos meses, a vida de Von der Leyen, na Comissão, não anda a correr-lhe de feição.

Para além do “Pfizergate”, suspeitas de corrupção e conflito de interesses em torno da compra de vacinas, aquando da Covid-19, situação em investigação na Procuradoria Europeia, surge o “Piepergate” a ensombrar ainda mais a sua imagem. É motivo para referir o velho ditado: “uma desgraça nunca vem só”!

A presidente Von der Leyen está metida num novo processo de contornos claramente duvidosos (há quem denomine “escândalo”), de contratação pela UE de um seu correligionário de partido (CDU alemã), o eurodeputado Markus Pieper, a quem atribuiu um alto cargo bem remunerado – o de representante da Comissão Europeia para as Pequenas e Médias Empresas (PME). O processo, conhecido na comunicação social como “caso Piepergate”, tem sido comentado em vários jornais, incluindo o “Expresso” (10 abril 2024).

Markus Pieper foi o escolhido, apesar de haver outras duas candidaturas, com melhor avaliação para o cargo, nas três comissões de selecção, sendo uma de consultores externos. A diferença de pontuação não era assim tão somenos, mas da ordem de 30%, segundo revela “La Matinale Européenne”.

Markus Pieper não era um eurodeputado qualquer, mas o secretário da delegação da CDU alemã no PE, um político de peso com influência no seio da democracia-cristã alemã e no próprio PPE.

3. As entorses de processo são de elevada monta e pouco se compreende a cooperação extrema de Ursula von der Leyen, a não ser lendo os jornais. E, aqui, podemos evoluir para uma “teoria de compra” de elevado cargo político bem remunerado.

Enquadramento mínimo do processo

4. A criação do cargo foi anunciada por Von der Leyen, no seu discurso institucional da União, em Setembro de 2023. Poucos dias depois, é aberto concurso, fixando-se o dia 25 de Outubro como data limite para a entrega de candidaturas.

Apresentam-se: Markus Pieper, eurodeputado da CDU alemã, Martina Dlabajorá, eurodeputada europeia liberal da República Checa e Anna Stellinger, directora geral adjunta da Confederação das empresas suecas, encarregada dos assuntos internacionais e europeus.

Depois do crivo nas comissões de selecção, as três candidaturas são convidadas para uma outra entrevista com Von der Leyen, o comissário Thierry Breton, responsável pelas PME e Johannes Hahn (comissário da Administração), equipa escolhida pela presidente da Comissão.

Na base da entrevista, Breton recomenda Martina Dlabajova para o exercício do cargo. Alguns dias mais tarde, na reunião do colégio de comissários de 31 de Janeiro de 2024, estando Breton ausente em missão, nos EUA, Von der Leyen avança com a nomeação de Markus Pieper para representante da Comissão Europeia nas PME.

Refira-se, segundo escreve “La Matinale Européenne”, o que está em causa é uma troca de apoio ao segundo mandato de Von der Leyen. Thierry Breton foi apanhado de surpresa na volta dos EUA.

Uma parte do Colégio de Comissários, quando tomou conhecimento deste processo sui generis, decidiu contestar abertamente a decisão de Ursula von der Leyen, através de carta (27Março 2024) a exigir uma reanálise da situação. Entretanto, a candidata checa também apresenta recurso.

Todos estes procedimentos, uma vez conhecidos, aliados a outros comportamentos políticos recentes de Von der Leyen nomeadamente as posições de exagero de defesa de tudo quanto vem de Israel colocam Von der Leyen em situação muito crítica. E, assim, é de se interrogar como pode Von der Leyen continuar na corrida a um segundo mandato?

Será mesmo que o PPE, face a todos estes imbróglios, arrisca continuar a apoiar Ursula von der Leyen, correndo o risco de uma derrota no futuro Parlamento Europeu quando foi eleita para o anterior mandato pela margem de 12 votos apenas?

O que farão agora os partidos portugueses, PSD e CDS? Não está em causa a origem partidária de Ursula von der Leyen, pois sendo o PPE o grupo esperado como o mais votado tem esse direito de proposta.

Finalmente, a 16 de Abril último, o eurodeputado alemão demite-se no dia exacto em que ia assumir o cargo, porque é desautorizado no PE por uma votação maioritariamente contra a sua nomeação (382-144). Que enxovalho político para Von der Leyen!

Neste processo de nomeação e de ‘desnomeação’, as acusações mútuas também ocuparam grandes espaços na comunicação europeia, nomeadamente na francesa, dada a denúncia do comissário francês, responsável pelas PME.

Os deuses devem estar loucos

5. Quando a situação política europeia está a rumar fortemente para a direita radical, situações como esta são uma via verde. Os laivos de corrupção e influência são fortes e a solução só pode ser o afastamento da candidatura de Von der Leyen. Vários nomes correm nos meandros dos jornais.

Que haja bom senso para credibilizar a próxima Comissão Europeia, tanto mais que vêm aí tempos difíceis! Não é imaginável ver, lado a lado, nos comandos do Mundo Ocidental, Von der Leyen, depois de imagem tão degradada, e Trump. Mas tudo pode acontecer. A acontecer tudo isto, não passa de uma “comédia”, deprimente e triste. Um retrocesso. Como diz o filme: “Os deuses devem estar loucos”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

GUERRA COLONIAL. A HUMILHAÇÃO IMPOSTA PELA DITADURA - MEMÓRIAS DE UM TEMPO


Estava eu na Guiné-Bissau. Um mês depois de ter casado recebi a guia-de-marcha. Em 1972 o mundo parecia desabar sobre os meus sonhos de vida. Imaginam, certamente, o que alimenta e atormenta o pensamento, a todo o momento, a possibilidade de um não regresso. E milhares lá ficaram. No avião militar sentei-me ao lado de um Tenente-Capelão. Inicialmente, desconhecia a sua patente e missão. Falámos sobre a cretina estupidez daquela guerra sem sentido, depois, sobre um Deus que é amor e a função dele, Capelão, face à contradição entre a guerra e o amor aos outros. Recordo-me, na descida para o aeroporto de Bissalanca, com os meus olhos a verter algumas lágrimas de uma saudade que ainda ali começara, ele ter tirado do bolso do camuflado um estilhaço de obus que tinha a configuração de uma Cruz. Com alguma imaginação, ele via ali a personificação de Cristo. Disse-me, apontando para o estilhaço: “vês, não tenhas medo, porque Deus também aqui está”. Mais tarde vim encontrá-lo em S. Luzia. Aos Domingos celebrava a Missa das 19 horas, onde o General Spínola, pontualmente, entrava, em passo vigoroso, capela adentro.



Fui colocado em Guileje, a nove quilómetros da fronteira com a Guiné-Conakry. Dizíamos que, face à extensa floresta, era a coroa na cabeça de um padre! Por ali passava o famoso “corredor de Guileje” que alimentava, através da fronteira sul, as tropas de Nino Vieira, mais tarde presidente da República da Guiné. Comandei um pelotão açoriano, todo ele de Rabo-de-Peixe. Gente pobre, fantástica e amiga. Ainda hoje desconfio que eles percebiam o meu medo e, por isso, protegiam-me. Na nossa relação havia uma cumplicidade em que falávamos não falando! Sobretudo no mato ou nos ataques ao aquartelamento, onde a ameaça e o receio estavam sempre presentes.

Aquele lugar era tão inóspito e isolado que ao fim de dez/onze meses as companhias tinham de rodar. Talvez como compensação, seguimos a picada de Guileje até o porto de Gadamael (“o percurso da morte”) e de LDG para Bissau, depois Nhacra, a cerca de 30 km. Foi aí que, passadas umas semanas, fui designado para trabalhar no Quartel-General, no Comando Geral das Milícias. Era liderado pelo então Major Carlos Fabião. Eu tinha a responsabilidade de controlo administrativo de todos os pelotões de milícia da Guiné. Mas, mais importante que esta tarefa foi o facto de ter conhecido e trabalhado, durante alguns meses, com o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, responsável pela Acção Psicológica no teatro operacional. Na prática, com humor, uma vez disse-me: o nosso Alferes controla os pelotões de milícia e eu distribuo os rádios pré-sintonizados. Eram rádios em que os nativos só podiam escutar a estação oficial e, naturalmente, toda a nossa propaganda.

Com Otelo fiz muitos serviços na escala do Quartel-General: ele como oficial de dia e eu como subalterno. Estávamos em 1973, “vésperas” do 25 de Abril. Só mais tarde percebi o total secretismo da operação que ele gizou no quadro da Revolução de Abril. Nessas noites de serviço, propícias a conversas mais distendidas, nunca me falou do nosso país, do atraso estrutural, da guerra colonial e da necessidade de uma mudança política. O silêncio era uma regra de ouro. Uma só vez, quando a páginas tantas de uma conversa referi a expressão “faz-se isto e faz-se aquilo”, subtilmente, saltou-lhe a aliteração: “pois, os fascistas”. Confesso que, no contexto da nossa conversa, não percebi o que, de facto, queria dizer.

Mas era sensível que ali, na Guiné, a guerra estava perdida. Em 1973, logo no início do ano, assassinaram Amílcar Cabral e, em Setembro, o PAIGC declarou, unilateralmente, a independência. Entretanto, cercaram e tomaram Guilege, onde tinha estado, após uma violenta saída das tropas portuguesas. Aliás, toda a zona sul era intensamente flagelada e a norte era desesperante a concentração das tropas do PAIGC. Sinais evidentes, entre muitos outros, do eminente colapso militar. O livro de António Spínola, “Portugal e o Futuro”, ele com um passado alinhado com frentes políticas extremamente conservadoras (para ser brando nas palavras) acabou por consubstanciar a preocupação de uma guerra perdida.

No dia 25 de Abril, entrei no QG pelas oito da manhã. Estávamos de prevenção. Foi aí que tomei conhecimento do que se tinha passado em Lisboa. Não demorou muitas horas e o madeirense General Bettencourt Rodrigues, empossado como Governador-Geral da Guiné, após a saída do General António Spínola, viajava para Lisboa por não concordar com a Revolução em curso.

Regresso ao princípio: tive medo e tive sorte. Lembro-me sempre da Cruz do Capelão. Quando me confronto com treze anos de guerra, onde 90% da população jovem foi mobilizada para um conflito que fez cerca de 10 000 mortos em combate e acidentes, aproximadamente 20 000 inválidos, cento e trinta mil a sofrer de stress pós-traumático e, ainda, 100 000 vítimas entre civis das colónias, a pergunta que coloco é tão simples quanto esta: para quê? Um país subdesenvolvido, paupérrimo e analfabeto, “orgulhosamente só”, dava-se ao luxo de gastar 33% do Orçamento do Estado e, a preços de 2018, 21,7 mil milhões de euros no esforço de guerra. A maldade, a frieza e o desprezo pela vida daquela dupla, de péssima memória, António Oliveira Salazar/Marcelo Caetano, foi tal que mais de 3 000 militares permanecem enterrados algures em Angola, Moçambique e Guiné. Recordo que durante os primeiros seis anos da guerra colonial, o Estado só pagava o regresso de militares vivos. Quem desejasse a trasladação, teria de pagar 12 mil escudos. Vergonha é a única palavra que me ocorre.

Ora bem, ao invés da Escola transmitir conhecimentos que não interessam nada para vida, os professores deviam fazer descobrir o nosso passado recente para que Abril se cumpra, com o conhecimento desse tempo de obscurantismo, indigno e desumano, a fim de gerar a capacidade necessária para enfrentar o futuro político, económico, financeiro, social e cultural.

domingo, 21 de abril de 2024

A ruína moral do Ocidente


Por
Miguel Sousa Tavares,
in Expresso, 
19/04/2024
A Estátua de Sal 





Certamente que todos dormiremos mais descansados se, no seu exercício de “legítima defesa”, Israel destruir as instalações nucleares dos aiatolas. Mas dormiremos mais descansados ou mais pacificados de consciência sabendo a bomba nuclear nas mãos dos fanáticos ortodoxos de Israel, que se declaram “o povo eleito”?



1 de Abril — parece mentira mas não é —, Israel consumou um feito jamais visto, que me recorde, na história diplomático-militar dos tempos modernos: atacou uma instalação diplomática de um outro país na capital de um país terceiro, matando oito funcionários dessa instalação através de um míssil disparado de um avião da sua Força Aérea. Morreram nesse ataque ao Consulado-Geral do Irão em Damasco, na Síria, um comandante do Quds, a guarda revolucionária iraniana, e sete outros agentes da organização, e o edifício ficou destruído. Normalmente ou quase sempre, tais acções de execução de agentes inimigos no estrangeiro são levadas a cabo pelo Kídon, uma secção da Mossad, que as executa após receber luz verde do próprio primeiro-ministro israelita. Mas são feitas de forma tão discreta quanto possível, através de execuções a tiro, por meio de carros armadilhados ou por envenenamento, com cuidado para evitar vítimas civis — a maior parte das vezes com sucesso, mas outras vezes fracassando e até tomando inocentes por alvo. Mas agora tudo foi feito de forma espectacular e ostensiva e nem sequer visando um alvo particularmente importante. Tratou-se, para lá de qualquer dúvida legítima, de um acto de guerra e de um acto de pirataria internacional sem precedentes. Todavia, chamado a condenar o ataque de Israel no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o bloco ocidental opôs-se a qualquer condenação. Imaginem o que aconteceria se Putin tivesse disparado um míssil contra o Consulado da Ucrânia em Varsóvia...

A 14 de Abril, o Irão ripostou, que era aquilo que Israel obviamente esperava e desejava da sua acção em Damasco — e daí tê-la feito de forma tão ostensiva. Nada fazendo, o regime iraniano via ameaçada a sua fraca popularidade interna e desautorizada externamente a sua aura de único país islâmico que mantém um conflito insolúvel com Israel. Mas também não podia arriscar nada que desenca­deasse uma resposta em grande escala de Telavive e que trouxesse os americanos de volta, sem rodeios, para o apoio total a Israel. Sabendo que Washington já tinha enviado um porta-aviões para a zona, diversos caças e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o Irão fez uma coisa insólita: avisou previamente os Estados Unidos do ataque, mas garantindo que ele apenas visaria instalações militares e seria mais simbólico e para salvar a face do que verdadeiramente ameaçador. Fez o mesmo aviso aos países árabes sunitas vizinhos de Israel e, depois, com as televisões do mundo inteiro a seguirem em directo, despachou uns 400 drones que demoraram seis horas a tentar chegar ao destino, umas dezenas de mísseis de cruzeiro e alguns mísseis balísticos. Como resultado, escavou um buraco numa base área do Neguev e feriu uma jovem beduína numa zona sem sirenes nem protecção antiaérea, cuja casa as autoridades israelitas aproveitaram para mandar destruir. Após o que Teerão declarou a operação terminada, com êxito.

Foi um festim para Israel e os seus “aliados”. Imediatamente, Damasco ficou esquecido, e o que passou a vigorar em todos os noticiários e declarações, como acto primeiro do casus belli, foi o “ataque em grande escala do Irão a Israel”. Há dezenas de anos que Israel usa esta estratégia política em relação aos palestinianos: promove uma nova ocupação de terras, destruição de casas ou repressão sangrenta num posto de controlo e depois, perante uma tímida resposta, invoca um direito de legítima defesa perante um ataque de que terá sido alvo. Fez agora o mesmo com o Irão, que, não sabendo como reagir, optou perla opção mais estúpida. Depois, o Iron Dome proporcionou um show televisivo em directo, um ensaio práctico muito mais útil do que os realizados frente aos pobres rockets do Hamas e um pretexto para Biden pedir ao Congresso mais dinheiro para Israel, visto que o dinheiro dos contribuintes (e eleitores) americanos estava a ser bem empregue. Em terceiro lugar, permitiu a Israel experimentar a doce sensação de gozar da solidariedade amedrontada de países como a Jordânia, a Arábia Saudita ou os Emiratos, num regresso ao espírito dos Acordos de Abraão, estilhaçados pelo sanguinário ataque do Hamas em 7 de Outubro de 2023 e o subsequente genocídio palestiniano em Gaza. E, finalmente, se dúvidas porventura ainda houvesse em alguns ingénuos espíritos, permitiu a Israel convocar, além do esperado e indefectível apoio militar e político dos Estados Unidos, o apoio igualmente empenhado dos outros suspeitos do costume: França, Inglaterra, Alemanha, eternos campeões dos direitos humanos, grandes vendedores de armas a Israel, inescapáveis cúmplices morais do genocídio de Gaza.

No momento em que as opiniões públicas nestes países começavam a mobilizar-se para exigir dos seus Governos o fim da venda de armas a Israel, o ataque do Irão veio mesmo a calhar para abafar o assunto, fazer esquecer o massacre em Gaza ou outros temas inconvenientes, como o assassínio de sete civis estrangeiros da carrinha da organização humanitária World Kitchen. Como que por magia, Israel passou de agressor a agredido, de carrasco a vítima. E aqueles, os grandes defensores dos direitos humanos, que em seis meses não conseguiram encontrar razões suficientes para forçar Israel a parar com o morticínio de palestinianos, nem sequer para a sua condenação, agora, sim, estão revoltados com o ataque dos inofensivos drones dos aiatolas e a ofensa aos israelitas. Eles que, em seis meses, não conseguiram encontrar quaisquer razões para castigar Israel ou os seus governantes com sanções que prejudicariam os seus comuns negócios, agora, sim, vão estudar sanções ao Irão. (Mas não se admirem se, por debaixo da mesa, os mesmos, os mesmíssimos que vão aprovar as sanções, venham a montar um sistema para as contornar e até para poderem vender armas aos aiatolas, porque tudo isto é demasiado complicado para a nossa vã inteligência). E, juram eles, tentam segurar a mão de Israel, na sua justa e terrível represália (perdão, legítima defesa) sobre o Irão. Mas, no limite e além do palavreado hipócrita, deixarão que Israel faça o que quiser, como sempre. Porque confiam que a Rússia não intervirá, e assim o “louco bom”, Netanyahu, pode ser deixado à solta, porque o “louco mau”, Putin, tem a Ucrânia com que se ocupar: mesmo a calhar. E se, mesmo assim, aquilo explodir numa guerra regional e a Europa ficar sem petróleo, como em 73, paciência, dos fracos não reza a história. E teremos sempre o amigo americano para nos ajudar, como fez com o gás, substituindo-se aos russos, depois de fazer explodir os Nordstream e duplicar o preço que os europeus pagam pelo gás.

A 14 de Abril, Israel e os seus aliados não apenas detectaram no ar e destruíram 99% dos engenhos de morte enviados do Irão — também detectaram previamente e destruíram 99% das opiniões ou notícias capazes de contrariarem a versão única de mais uma vitória dos bons sobre os maus, da derrota de um ataque não provocado à “única democracia do Médio Oriente”. Uma democracia que, em seis meses, liquidou, nas suas casas, nas ruas, nas escolas, nas mesquitas e nos hospitais, 35 mil civis, dos quais 16 mil crianças, e em cujo governo há um ministro que propôs resolver o problema dos 2,3 milhões de palestinianos encerrados em Gaza com uma bomba termonuclear e outro que, mais simplesmente, jurou que “os palestinianos não existem”. Se não tivéssemos visto as imagens de quarteirões inteiros em Gaza destruídos com bombas de uma tonelada fornecidas a Israel pelos defensores dos direitos humanos, dos hospitais transformados em campos de batalha, das crianças com olhares esgazeados de fome, ainda poderíamos acreditar, talvez, que isto seria uma guerra da liberdade contra o terrorismo. Se não conhecêssemos a história, poderíamos acreditar que eram os justos a triunfar sobre os usurpadores da “Terra Santa”. E certamente que todos dormiremos mais descansados se, no seu exercício de “legítima defesa”, Israel destruir as instalações nucleares dos aiatolas. Mas dormiremos mais descansados ou mais pacificados de consciência sabendo a bomba nuclear nas mãos dos fanáticos ortodoxos de Israel, que se declaram “o povo eleito”? Qual é, afinal, o critério moral que nos distingue dos outros? Perguntem às crianças de Gaza, perguntem à rosa de Hiroxima.

Eu fiz jornalismo durante mais de 40 anos. E em todas essas décadas, seguindo a política nacional e internacional, tive muitas vezes de me conter para não confundir a hipocrisia com a própria natureza da política. Mas sempre acreditei que, no fim, seria a independência e a liberdade do jornalismo a prevenir e a evitar que isso acontecesse.

Porém, e como já o escrevi a propósito da guerra na Ucrânia, e agora o volto a escrever a propósito da guerra de Israel em Gaza, nunca tinha visto o jornalismo tão submisso à narrativa oficial, tão disposto a abdicar do contraditório e tão avesso a fazer as perguntas ocultas, as perguntas essenciais.

Isso, mais ainda do que esta miserável geração de líderes políticos, é o que mais me faz descrer no triunfo das democracias, enquanto resultado de regimes escolhidos por povos informados e livres. Oxalá eu possa estar enganado!

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Dr. Rui Nepomuceno

 

Partiu da vida terrena o meu Amigo Dr. Rui Nepomuceno. Por ele sempre nutri uma enorme consideração e estima. Hoje, lamento que as circunstâncias das nossas vidas não tivessem proporcionado uma convivência mais assídua. Muito teria eu aprendido com o homem culto, o advogado de excelência e o historiador que deixa obra para os vindouros. Lamento, repito. Só damos conta disso tarde demais. Infelizmente.



De tempos em tempos cruzávamo-nos e lá ficávamos a conversar. Para mim era uma delícia colocar na nossa breve mesa de diálogo as preocupações sociais, o que estávamos a (des)construir, as preocupantes assimetrias, as margens que não auguravam um futuro promissor e lá nos despedíamos até um próximo reencontro.

Um dia, a propósito de um julgamento sobre matéria educativa, dei conta que o meu advogado não se encontrava presente. Quase entrei em pânico. Circunstancialmente, passava pelo corredor do Tribunal, o Dr. Rui Nepomuceno. Abeirei-me e pedi ajuda. Não me recordo dos pormenores de há quase trinta anos. Sei que ele pediu ao Juiz um compasso de espera, inteirou-se do problema em causa, leu o processo quase transversalmente e assumiu a minha defesa.

Agradeci-lhe através de carta essa sua atitude. Passados uns dias, respondeu-me. Guardo essa preciosa carta como uma memória e uma referência do Homem bom que ele sempre foi. Aquela desprendida atitude, sem qualquer tipo de exigência, marcou-me profundamente, pelo que hoje, na sua partida, curvo-me perante a sua grandeza de Homem, esse sim, "que se tem afirmado pela firmeza, altruísmo e sinceridade da sua prática como Homem e como político". 

Um grande abraço de solidariedade à sua Mulher Drª Aida Nepomuceno (e restante família), distinta Colega com quem tive o prazer de trabalhar na antiga Escola dos Ilhéus. 

Obrigado, Dr. Rui Nepomuceno e até sempre.

sábado, 13 de abril de 2024

Será a Agenda Verde Europeia uma das principais causas do declínio económico e social da UE?


Por
João Abel de Freitas 
Economista

A situação está adormecida por algumas cedências e recuos dos Governos nos vários países e alguns subsídios, mas pronta a reaparecer a qualquer momento.



1. A Agenda Verde foi “imposta” aos Estados-membros pela Comissão Europeia, em Julho de 2021. Doze textos, com milhares de páginas e, uma ambição desmedida: “liderar a transição ecológica e energética”, a nível mundial e, transformar-se no primeiro Continente, livre de emissões de CO2 até 2050.

A experiência da vida ensina-nos a duvidar. E começo por não se acreditar que tenha havido muitas pessoas (incluindo altos responsáveis) a ler e a pensar sobre estes milhares de páginas!

Ficou o registo, no entanto, de que quase metade dos 26 comissários europeus tinham muitas incertezas sobre a eficácia da Agenda, onde tanta ambição era um fim com sabor a propaganda, onde as metas de descarbonização enunciadas dificilmente poderiam ser atingíveis (indústrias pesadas, transportes pesados, marítimos e aéreos) e onde muitos pressupostos económicos e tecnológicos não estavam reunidos para dar sustentabilidade à sua realização, designadamente na área da energia, elemento primordial de qualquer Agenda Verde, digna desse nome.

Duvido ainda de programas de muitas páginas. Normalmente, este tipo de trabalhos esconde o pouco domínio que os próprios construtores têm do assunto, um conjunto de ideias confusas que não sabem como as explicar nem como prosseguir. Por isso, rodeiam-se de floreados palavrosos.

2. O IFRI – Institut français des relations internationales, uma instituição de referência em questões internacionais, no panorama francês e internacional, criado em 1979, levanta, desenvolve e aponta grandes riscos quanto à implementação da Agenda Verde da Comissão Europeia.

Desde logo, nas ambições desmedidas e irrealizáveis assentes em pressupostos demasiado frágeis, como se referiu. E mais, afirma que na Agenda não foram consideradas as consequências económicas, sociais e financeiras, nem se os países-membros eram detentores de instrumentos adequados de todo o tipo para a realizar.

Aliás, o descontentamento recente dos agricultores, que atravessou toda a Europa, é uma prova do que se acaba de referir, pois a enorme contestação do mundo agrícola virou-se para o Green Deal (Agenda Verde europeia) como a principal causa dos seus problemas. A situação está adormecida por algumas cedências e recuos dos Governos nos vários países e alguns subsídios, mas pronta a reaparecer a qualquer momento.

Esta análise crítica da Agenda Verde europeia consta de um relatório com menos de 40 páginas, um relatório alarmante, de Janeiro de 2024, sob a designação How Can the Green Deal Adapt to a Brutal World.

Aliás, o relatório do IFRI não só coloca questões pertinentes sobre a fundamentação inicial da Agenda Verde, quanto acentua que, com ela, se multiplicaram “os constrangimentos às empresas e populações” e, hoje, ainda se encontra em maior degradação, pois não internaliza as profundas alterações que ocorreram ao longo dos últimos três anos no ambiente geopolítico, comercial e financeiro.

As mudanças no ambiente geopolítico e comercial, como a guerra entre os países europeus e a Ucrânia, a crescente oposição entre o Ocidente e o Sul global, a deterioração da situação económica e financeira mundial, a nova geografia da energia, a inflação, o enfraquecimento das cadeias de valor, tornam a Agenda Verde ainda mais surreal e vulnerável.

Estas mudanças – refere o relatório – “exigem uma reavaliação estratégica e ajustamentos significativos do Pacto Verde” e continua: [a situação é preocupante: “embora o passado da UE nos diga que foi feita prova de coesão face a crises, esta tendência actual poderá ser perturbadora”. A UE corre o risco de ser submersa por várias crises em simultâneo. Ela terá gastado mais de 600 mil milhões de euros em importações de energia em vez de os alocar à transição energética. Os governos terão gastado outro tanto na atenuação das crises energéticas. Estes são números alarmantes.

Mas a Comissão Europeia continua a insistir no seu prosseguimento, aprofundando muitos anti-corpos internos contra a Agenda, apesar das contestações crescentes como se referiu dos Agricultores, mas que se estendem a toda a sociedade, aos industriais, opinião pública e Governos.

No meio de toda esta confusão, a Comissão Europeia apressou-se pela voz de Von der Leyen a propor uma nova meta de baixa de emissões de CO2 para 2040, quando os apelos vão no sentido de uma pausa de reflexão em várias áreas. Mais um passo contranatura!

União Europeia a descarbonizar por péssimas razões

3. A União Europeia está mesmo a descarbonizar, de forma altamente perigosa.

O perigo reside – acentua o IFRI – porque a descarbonização é decorrente não de políticas eficazes (advindas do Pacto Verde), mas do facto da UE descarbonizar através do encerramento das suas indústrias com utilização intensiva em energia (como as indústrias químicas), das baixas taxas de crescimento, do aumento da dependência das importações, do enfraquecimento e falência de instituições e dos mercados fragmentados.

Os preços da energia são um factor determinante que retira competitividade à economia europeia face a outros espaços económico-políticos como os EUA, China, Índia. A Europa entrou em perda lenta no contexto mundial.

E se a União Europeia mudasse de agulhas

4. A União Europeia precisa urgentemente de mudar de agulhas. Poderia aproveitar o período até às eleições de Junho para colocar meia dúzia de ideias fortes em discussão, entre elas, sem dúvida, a do Pacto Verde que poderia servir de pivot na ligação com outros domínios internos onde a economia, a ciência e a tecnologia devem sobressair, tendo as pessoas e as empresas no centro.

Por outro lado, a União Europeia tem de conquistar peso político próprio no ambiente geopolítico internacional. Para isso, precisa de uma estratégia sua e não de uma política importada. Se olharmos para o ambiente complexo das duas guerras, Ucrânia e Hamas-Israel, temos de admitir que a União não teve e continua a não ter acção própria. Desempenha um papel titubeante, a reboque dos EUA.

Estou convicto de que estou a falar sobre o impossível.

As eleições para o PE vão se transformar numa ladainha, em todos os países e não só em Portugal, sobre questiúnculas nacionais. O que é muito perverso. Os verdadeiros problemas passam ao lado.

O campo eleitoral fica, assim, aberto às direitas radicais

5. Indo por este caminho, não sendo a campanha das eleições europeias o espaço de debate dos problemas europeus, as populações sentem-se naturalmente mais distantes e cada vez percebem menos as coisas simples do que é ser Estado-Membro.

De uma forma geral, as pessoas apenas sabem que há fundos financeiros e muitas vezes desconhecem as implicações decorrentes desses fundos. Muitos políticos também se comportam como se não soubessem, o que até, em muitos casos, é verdade.

Um equacionamento de fundo das questões, que o IFRI bem levanta no seu relatório, poderia começar por um debate sério agora nas eleições europeias. Sem conhecimento dos problemas não há mudança a não ser no sentido para uma situação pior ou do caos. E quanto menos conhecimento e informação houver, maior é o caminho que se abre às direitas radicais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

É mais do que um embuste. É enganar os portugueses


Por
João Vieira Pereira© Expresso

"O Expresso errou. Pior, publicou uma notícia falsa. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores. A publicação desta notícia seguiu as regras e procedimentos que exigimos antes da publicação de uma notícia. Não contávamos era com o facto do primeiro-ministro ter, no Parlamento, ludibriado os portugueses


O Expresso publicou em manchete na sua última edição o seguinte título: “Montenegro duplica descida de IRS até ao verão”. A notícia começou a ser desenvolvida a partir das declarações do primeiro-ministro proferidas na abertura da discussão do programa do Governo. Luis Montenegro disse aos portugueses que ia fazer de imediato uma redução de IRS que teria um impacto de 1500 milhões de euros. Com base nesta afirmação, o Expresso fez perguntas ao gabinete do Ministro das Finanças e contactou várias fontes. Ninguém desmentiu o que tinha sido dito no Parlamento, ninguém corrigiu a informação.

Mais: o Expresso esteve atento a cada palavra do primeiro-ministro no debate. Primeiro disse isto: “Aprovaremos na próxima semana uma proposta de lei que altera o artigo 68º do Código do IRS, introduzindo uma descida das taxas sobre os rendimentos até ao oitavo escalão, que vai perfazer uma diminuição global de cerca de 1500 milhões de euros nos impostos do trabalho dos portugueses face ao ano passado, especialmente sentida na classe média”.

Mas, na dúvida, pelo menos um deputado questionou o primeiro-ministro sobre o montante da redução. Confessando a sua “desilusão” com o programa de Governo, em particular sobre a dimensão da descida do IRS, Rui Rocha (líder da Iniciativa Liberal), afirmou que “o alívio do IRS em nenhum caso representa um alívio superior a 10 euros. Fica sempre abaixo desse valor”. Na resposta, Luis Montenegro, contrariou-o: “Na próxima semana vamos materializar a baixa de IRS para 2024. Vamos fazer com que o esforço fiscal dos portugueses sobre os rendimentos do trabalho seja desagravado em 1500 milhões de euros o que vai perfazer que aquele exemplo que deu não é realista. Vamos estar cinco, seis, sete [vezes], consoante os escalões, muito acima”, garantiu o primeiro-ministro.

Afinal o Expresso errou. Pior. O Expresso publicou uma notícia falsa. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores. A publicação desta notícia seguiu as regras e procedimentos que exigimos antes da publicação de uma notícia. Não contávamos era com o facto do primeiro ministro ter, no Parlamento, ludibriado os portugueses.

A redução de IRS que Luis Montenegro anunciou com pompa e circunstância, a redução de impostos que andou na campanha eleitoral a defender, é afinal falsa. São apenas pequenos ajustes sobre a redução já anunciada por António Costa no Orçamento para este ano. Os 1500 milhões de euros são apenas €170 milhões, porque 1330 milhões de euros foram já implementados pelo anterior governo.

Luís Montenegro apresentou uma redução de impostos que não passa de um embuste.


A verdadeira redução de imposto é contrária à ideia que o primeiro ministro vendeu no Parlamento. É contrária à ideia do que andou durante toda a campanha eleitoral a anunciar. Só tenho uma palavra para descrever tudo isto. Fraude.

Contudo, no final do dia, quem errou foi o Expresso. Por ter sido ingénuo a acreditar nas palavras do primeiro-ministro de Portugal. Mais uma vez, peço desculpa aos nossos leitores. Não voltará a acontecer."

segunda-feira, 8 de abril de 2024

A Justiça está sem controlo


Separação de poderes, obviamente que sim. Porém, no quadro de um regime verdadeiramente democrático, nenhum poder pode ficar em roda livre. Não pode ser "coisa" de alguns, mas uma preocupação de toda a sociedade. O sentimento que tenho é que o poder judicial está em autogestão. Ninguém o controla. É entre os seus pares, grosso modo, que as regras se definem. O poder legislativo tende a não se imiscuir na esfera judicial (a tal história de "à política o que é da política, e à justiça o que é da justiça), porém o que se constata, em vários casos, é a tendência para a Justiça imiscuir-se na esfera política. Não que alguém esteja acima da Lei, mas pela oportunidade e o modo como as situações acontecem. Têm sido tantos os casos mediáticos. Suspeita-se, cria-se o alarme (entre outros, veja-se o caso Dr. Rui Rio), prende-se para investigar, depois ilibam-se, derrubam-se governos legítimos, ignora-se o segredo de justiça e, sem provas concludentes, colocam-se pessoas na lama e com a sua vida, não apenas a política, em suspenso. Apenas porque se "suspeita"! Lamento.



Li um desabafo entre muitos outros exemplos: Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República, escreveu esta semana que "o Parlamento foi dissolvido, realizaram-se eleições e nada as autoridades competentes se dignaram esclarecer sobre a iniciativa que esteve na origem de todos esses desenvolvimentos". Daí ter assumido uma séria crítica à Procuradoria-Geral da República (PGR), pela ausência de substantivas informações sobre o processo no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) "que visa o ex-primeiro-ministro, António Costa, cinco meses depois da divulgação do comunicado de imprensa que levou ao pedido de demissão do então chefe do Governo e desencadeou a crise política que culminou com a queda do Executivo socialista e a eleição de um novo elenco governativo".

Na sua página de facebook o socialista assinalou que, "o próprio visado nunca foi ouvido. Há quem possa achar que isto é o decurso normal da Justiça, no seu tempo próprio. Para mim, é uma violação grosseira de princípios básicos do Estado de direito, incluindo o desrespeito pela separação de poderes, o desprezo pelo direito dos cidadãos à informação essencial para as suas escolhas cívicas e uma ofensa aos direitos fundamentais de qualquer pessoa, seja qual for a sua condição privada ou pública". Concordo.

Ao contrário do que é normal quando publicamente aparece, quase sempre com um ar distante e enfadado, a Senhora Procuradora-Geral da República, na tomada de posse do novo governo, sempre que a câmara televisiva por ela passava, o ar grave deu lugar ao riso, presumo que não era de satisfação, no mínimo de boa disposição. Esquisito, ou será impressão minha?

segunda-feira, 1 de abril de 2024

O ataque brutal ao PS durante oito anos


Por
Alfredo Barroso,
in Facebook, 
31/03/2024





Este é o sexteto de direita que venceu as eleições legislativas, depois de Marcelo PR ter derrubado o Governo de maioria absoluta do PS. É essa gente que tem a estrita obrigação de autosustentar-se, criando, se necessário, uma aliança do tipo «caranguejola» ou mesmo «dona elvira». Mas ao menos tenham vergonha e não se ponham a "pedir batatinhas" ao PS, lá porque acolheu como deputados o Francisco Assis e o Sérgio Sousa Pinto...


Políticos de direita e extrema-direita, e o jornalismo ‘de reverência’, atacaram brutalmente o PS, o Primeiro-ministro António Costa e os seus governos durante oito anos, mas desejam um PS ‘manso’ para ajudar a aguentar este Governo do PPD-PSD mas, o atual PS, deve ter a coragem de responder ‘com a mesma moeda’ a esta direita agora no poder, não para se ‘vingar’, mas para sobreviver a um dos piores ataques à democracia desde há 50 anos.

Políticos e jornalistas sem escrúpulos, que “in illo tempore” atacaram com a mesma brutalidade MÁRIO SOARES, aproveitam-no agora, que está morto, para invocar a sua tolerância e generosidade democráticas em proveito deste Governo dito ‘falsamente’ da AD (e que ameaça ser tão mau como o de Pedro Santana Lopes). Querem, assim, exautorar, depreciar, desprestigiar a(s) esquerda(s), caso o PS não se sinta atraído pelos ‘cantos de sereia’ desta Imprensa oportunista e sem escrúpulos que, junto com um Presidente da República irresponsável, instável e “dissolvente”, andaram com a direita e as duas extremas-direitas (a do CHEGA e a da IL) ao colo, mas agora querem ver-se livres duma delas (a do CHEGA), que lhes “saiu pela culatra”, apelando à boa-vontade e ao “sentido de Estado” que nunca tiveram enquanto o PS esteve no poder.

Este PS continua a ter no seu seio uma “ala liberal” que nada tem a ver com o socialismo democrático, e é a favor da reconstituição do ‘bloco central’. Sei bem, por experiência própria (fui o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do IX Governo constitucional, de 1983 a 1985), o que significou, para o PS, a coligação de Governo com o PPD-PSD, partido que - já com Cavaco Silva na chefia e em ‘aliança’ com o PR Ramalho Eanes - decidiu desfazer a coligação com o PS e derrubar o Governo a meio do seu mandato. Desde então, eu (que até fui defensor da coligação com o PPD-PSD, então liderado por Mota Pinto) jurei a mim próprio que jamais defenderia outra aliança com o partido que já foi de Cavaco, de Durão Barroso e de Passos Coelho, e que agora é de um dos acólitos de Passos Coelho no tempo da brutal política de ‘austeridade’ e ‘empobrecimento’ deliberado (sim, mesmo deliberado!) de Portugal e dos Portugueses.

O que o PS tem de fazer é aquilo que Pedro Nuno Santos prometeu e ainda não cumpriu: oposição. Uma oposição clara - e sem hesitações ditas ‘patrióticas’ mas de facto ‘hipócritas’, ‘cínicas’ e ‘oportunistas’. Em democracia, é o que se espera e reclama duma oposição democrática (pelo menos enquanto Portugal não estiver em estado de 'pré-guerra' com a Rússia, como querem o imbecil Presidente da França e o idiota chefe do Governo da Polónia). Espero que não sejam esquecidos os insultos que alguns ‘barões’ do PPD-PSD agora membros do Governo – sobretudo o incrível novo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel – dirigiram ao PM António Costa, aos seus Governos e, aliás, ao próprio Pedro Nuno Santos.

Nenhum militante, adepto ou mero eleitor do PS compreenderá que seja este partido o sustento do Governo de Montenegro. E convirá recordar que foi, sobretudo, o CHEGA que nasceu duma 'costela' do PPD-PSD e que esvaziou o CDS-PP. Por isso, é com a ajuda do CHEGA de André Ventura que este PPD-PSD de Montenegro terá de se haver para se manter no poder.

Essa de que terá sido o PS a ‘dar corda’ ao CHEGA, já pertence ao ‘anedotário político nacional’. Foi a direita que gerou a extrema-direita, e não o PS. Que isso fique bem claro!

Campo d’Ourique, 
31 de Março de 2024