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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O injector castigado

 

José Gameiro, 
in Expresso, 
27/11/2020



Resposta do diretor de Minas.“Por se recusar a trabalhar mais de cinco dias e causar uma quebra da produção do sector, o prisioneiro Injetor deve ser detido durante 72 horas e não deve ser autorizado a ir trabalhar. Será colocado num pelotão com tarefas, em condições intensivas. O caso deve ser investigado. Irei notificar o engenheiro chefe de que há uma ausência de disciplina na produção. Recomendo a substituição do prisioneiro Injetor, por outro trabalhador.”Cito uma mensagem do diretor do Sector Golden Sping, Campo de Kudinov, para o diretor-geral das Minas.“De acordo com o seu pedido de explicações para a paragem de seis horas da quarta brigada de prisioneiros, no sector das minas de ouro, passo a reportar. A temperatura do ar, de manhã, era de 60° negativos. O nosso termómetro foi quebrado pelo supervisor, no entanto, foi possível medir a temperatura, porque uma cuspidela gela, antes de cair no chão. A brigada chegou a horas ao trabalho, mas não conseguiu trabalhar, porque o injetor de água quente, que aquece o solo, recusou-se a funcionar. Avisei diversas vezes o engenheiro da manutenção que o injetor já estava a operar mal, mas não foram tomadas medidas. O engenheiro recusa substituí-lo por um novo. Os trabalhadores ficaram parados muitas horas, sempre ao frio, porque não foram autorizados a fazer fogo de chão, nem a regressar às barracas. Escrevi a todas as autoridades, desde há cinco anos, esclarecendo que não podia continuar a trabalhar com um injetor destes. O engenheiro chefe não liga nenhuma e exige que a produção se mantenha.”

Estas mensagens são da obra “Contos de Kolimá”. O autor foi o escritor russo Varlám Chalámov, que cumpriu pena, por duas vezes, no total de 20 anos, a trabalhar 16 horas por dia, em minas de carvão e de ouro. Foi detido uma primeira vez por imprimir panfletos contra Estaline e uma segunda, mais longa, por atividades trotskistas, contrarrevolucionárias, sendo então enviado para a região de Kolimá, na Sibéria. Quando regressou a Moscovo começou a escrever os “Contos”, num total de duas mil páginas, publicados em seis volumes.

O absurdo do injetor que é detido não é, obviamente, suficiente para mostrar a violência da vida no Gulag. Muito menos para revelar a violência institucional que a raça humana, quando tem poder discricionário, é capaz de exercer sobre os seus. Mas serve para exibir a subserviência e a cobardia de quem, provavelmente, para salvar a pele e ter algumas benesses, é capaz de mandar prender uma peça mecânica, tão habituado a deter tudo e todos.

Muito se investigou sobre os limites de um grupo de pessoas, dirigentes e não dirigentes, nas suas capacidades de prender, torturar, matar e mandar matar. A Alemanha nazi, a União Soviética e os Balcãs, mais recentemente, foram os “laboratórios”, onde se tentou compreender até onde, em determinados contextos políticos, a raça humana é capaz de ir, na sua agressividade. Quando se pretendem justificar os Gulags, com as melhorias do nível de vida de um povo, usando a velha frase ‘os fins justificam os meios’, estão a tentar branquear-se os assassínios em massa, em zonas de oposição ao regime, assim como as execuções seletivas de possíveis concorrentes de Estaline.

Com o declínio da importância das humanidades e a instauração do capitalismo desregulado, iniciado por Reagan e Thatcher, o fosso entre ricos e pobres aumentou. E também se cometeram muitas atrocidades, em nome da democracia. Mas apesar desta evolução, nunca, nos países ocidentais, o essencial dos direitos fundamentais foi posto em causa. Não matamos e não prendemos injetores... De vez em quando, convém relembrar.

domingo, 29 de novembro de 2020

Autonomia em perigo

 

A Autonomia Político-Administrativa, porque é um processo em constante elaboração, por isso mesmo, construído peça a peça, que exige transparência, frontalidade e confiança de ambos os lados, há muitos anos que vem seguindo um caminho que corre sérios riscos. O maior dos quais o do bloqueio e até retrocesso, inclusive, em termos constitucionais. Bastará que na República, uns, assanhados, de consciência menos tolerante ou que não saibam separar os interesses do povo dos interesses partidários, resolvam travar aquilo que, por cá, parece ser um dado adquirido. Há quem tenha consciência disso, porém, o pé continua sempre no acelerador da reivindicação, da crítica mordaz, da malidicência, da ofensa e do aviltamento de personalidades. Até com os próprios do partido as coisas não são serenas. Tenha-se em consideração o que se passou, no parlamento nacional, no último debate do Orçamento do Estado. São marcas que vão sendo deixadas. O somatório poderá ser catastrófico.



Aliás, é uma falácia essa história do "contencioso das autonomias". Olhe-se para os indicadores do crescimento e para algum desenvolvimento e interroguem-se se tudo foi feito sem a República e a União Europeia? É claro que a ideia do "contencioso" vendeu, e muito boa gente continua, ainda, a acreditar que de um lado estão os bons e do outro os patifes. Todavia, hoje, tal produto, fruto da imaginação reivindicativa para esconder muitas outras fragilidades, tem poucos compradores. Porém, os vendedores não tomam consciência que esse  foi um tempo e que, hoje, não é um caminho gerador de confiança e de consecução de uma autonomia de poder mais consistente e de responsabilidades alargadas. Esta permanente prática política, obviamente, só distancia e remete os dignitários políticos para um plano secundário no espaço da negociação. 

Não é com o "chapéu na mão" e de cabeça curvada que devem agir, mas com qualidade, responsabilidade, bom senso e respeitabilidade. A via é essa, a da adultez política, ainda por cima quando a Região é pobre, assimétrica, muito dependente e com gravíssimos erros de percurso que conduziram a uma dívida, parte dela escondida, superior a seis mil milhões de euros. Ao contrário de verem em alguns representantes da Madeira músicos de uma só partitura, cansativa aos seus ouvidos, melhor seria que os representantes regionais, através da idoneidade pessoal e discursiva, os conquistassem pela simpatia e pelo mérito e sensatez das reivindicações. 

Pela via que escolheram e que teimosamente trilham, a próxima revisão constitucional (sabe-se lá quando!) pouco ou nada adiantará relativamente aos povos insulanos. Na República estão todos de pé atrás. E há tanto a debater em sede de revisão constitucional, desde logo em algumas matérias de "Reserva Absoluta de Competência Legislativa - Artigo 164º" e de "Reserva Relativa de Competância Legislativa - Artigo 165º". Em abstracto, é-me difícil aceitar o espartilho constitucional relativamente a várias matérias que deveriam se enquadrar no quadro autonómico. Entendo que, sob a bandeira portuguesa, a Nação, com os seus valores culturais comuns, pode e deve construir-se em sistemas diferenciados e articulados. E neste sentido, um país com três sistemas em quase todos os sectores é possível e desejável desde que a Pátria seja uma referência maior. Portanto, não é com tolas teimosias, azedume, ódio e bombardeamentos discursivos sem sentido que lá se chega. No caso da Madeira, o descrédito a que chegou a Assembleia Legislativa é paradigmático. Por isso, um outro caminho é desejável embora não seja fácil.

O problema é que existe uma história político-partidária que está a impedir essa possibilidade de uma alargada autonomia, uma história que aumenta o fosso por clara ausência de confiança e porque essa história está manchada por um diálogo politicamente perverso no plano externo e centrado na eleiçoeira política interna. Levará muitos anos a desconstruir a imagem criada. Só com sabedoria, idoneidade, inteligência política, respeitabilidade e profunda alteração na estrutura institucional da região, os madeirenses poderão almejar um grau de autonomia político-administrativa que garanta serem donos do seu destino enquanto povo insulano.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Ainda há vida além do Orçamento


Francisco Louçã,
in Expresso, 
27/11/2020

Quando escrevo estas linhas, ainda não se conhecem as votações finais do Orçamento. Mas parece evidente que o Governo tem maioria para o aprovar, mesmo que a sua fragilidade tenha estimulado uma catadupa de alterações cuja coerência é nula e cuja aplicação será episódica, preservando a condição de Costa: só se mexe no que for provisório, o que for estrutural é recusado. Em todo o caso, vale a pena perguntarmo-nos sobre a vida que vem depois deste Orçamento de manta de retalhos.



CRISE POLÍTICA NÃO HÁ, MAS HAVERÁ

Era óbvio desde há semanas que o Governo não tinha condições para precipitar uma crise. É certo que não foi sempre isso o que prometeu. Numa entrevista ao Expresso a 21 de agosto, o primeiro-ministro jurou a demissão se não tivesse maioria orçamental. Em setembro ainda andou pelas bocas do mundo a hipótese de forçar uma dissolução do Parlamento para eleições no Natal, ideia que o Presidente terá destroçado de uma penada. Em todo o caso, a ameaça durou menos de dois meses, e o próprio primeiro-ministro deu o dito por não dito e, a 19 de outubro, garantiu que “não viro as costas”. A jogada seria demasiado arriscada, ficando um Governo de gestão pendurado durante muitos meses e nem sendo certo que o Presidente aceitasse a inevitabilidade de eleições.


Desde então, os ministros anunciam e desanunciam intermitentemente uma crise, que se tornou uma espécie de bordão ocasional. O facto é que não haverá crise política neste inverno. Mas, como já conhece a forma como o Governo gere a coisa, percebeu que a ânsia de um terramoto salvífico está inscrita nas estrelas desde a noite daquele domingo de outubro de 2019, quando as televisões anteciparam o resultado eleitoral e confirmaram que o PS não tinha maioria absoluta. Por isso, o Governo preparará uma crise no fim de 2021, logo depois das autárquicas, se o puder fazer. Não é defeito, é feitio.

UM ANO DE ORDEM OU DE DESORDEM?

Tudo adiado por um ano, então. O problema é que o tempo é um padrasto amargo e não corre a favor desse jogo. A primeira razão funesta é a aproximação entre o PSD e o Chega, que Rui Rio abençoou na primeira ocasião. Em consequência, deixou de haver espaço para o bloco central e, se vai a eleições neste preparo, a direita ‘cheguificada’ fica incapaz de disputar a vitória. Entretanto, a vítima colateral é o PS, que, sempre longe da maioria absoluta, só poderá governar se fizer um acordo com a esquerda. Tudo o que recusou agora vai entrar pela porta principal. Pode provocar uma crise em 2021, que só volta a esta casa de partida.

Na verdade, o PS não cedeu agora em nenhuma das propostas essenciais da esquerda, mas já admite que terá de as negociar. Um exemplo é a constituição de carreiras de profissionais de saúde, a única forma de os ir buscar ao privado. A resposta até hoje foi que nunca isso acontecerá, mas também esta semana apareceu a promessa de se pensar no assunto, naturalmente desde que nada se faça para já. Outro é o caso das leis laborais. Na entrevista da semana passada a este jornal, Ana Catarina Mendes foi taxativa: “O PS tinha dito que [essas leis] não são para mexer, porque a legislação do trabalho não pode ser mexida todos os dias.” O “todos os dias” é aqui uma graça, algumas das medidas em causa têm 17 e outras 8 anos. Mas, no Parlamento, o PS já prometeu abrir a porta a mudanças nalgum dia, porventura esperando minimizá-las. Só que o desemprego e a falta de médicos vão ser cruéis para este tabu em cada dia de 2021, e não vejo como o PS governará no futuro se não abdicar dele.

Há ainda uma segunda razão para notar que o tempo não ajuda. Está registada no gráfico ao lado, com dados do relatório da Comissão Europeia da semana passada. Diz a Comissão que só há três países — Portugal, Bélgica e Finlândia — cujo Orçamento para 2021, retirando as medidas provisórias, opera um “impulso negativo” ou uma contração. Todos os outros aumentam o Orçamento estrutural, como é razoável numa situação de crise. Portugal volta a ser o bom aluno, e isso não é boa notícia. Vai sentir-se todos os dias nos serviços de saúde e nas limitações do investimento ou das políticas sociais. O facto é que mesmo o truque deste Orçamento, muitas medidas provisórias para depois chegarmos à austeridade, já está a ser testado pelo improviso e desleixo da resposta à segunda vaga da pandemia.

E HÁ O MONSTRO NO ARMÁRIO

Finalmente, há aquilo de quem não se pode dizer o nome, a banca. Nada de novo nas promessas: em novembro de 2008, Teixeira dos Santos dizia que “não é de esperar que haja impactos significativos a nível orçamental devido à nacionalização do BPN”, já lá vão mais de 5000 milhões; em agosto de 2014, Passos Coelho garantiu que “a solução anunciada pelo Banco de Portugal para o BES é aquela que oferece maiores garantias de que os contribuintes portugueses não serão chamados a suportar as perdas”, foram logo 4900 milhões; em março de 2017, António Costa garantia que a venda do Novo Banco à Lone Star “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas nem novos encargos para os contribuintes”, já lá vão cerca de 3000 milhões. Crescerá a fatura em 2021, e será preciso solucionar o Montepio, talvez decidir sobre fusões ou vendas de outros bancos. Sem proteger a banca, o Governo viverá em sobressalto.

Por isso, o Orçamento não precisava de uma panóplia de promessas, exigia soluções para a saúde e garantias de que não somos atropelados pelo desemprego. É precisamente onde falha. Se o Governo ou os partidos não percebem que a covid é um novo mundo, é melhor que olhem para as urgências dos hospitais e percebam onde não têm o direito de falhar.
O planeta, agora é que é?

Depois da desilusão, a ilusão. Biden tinha nomeado para a sua equipa um lobista do petróleo, levantando um coro de críticas, mas anunciou depois que o enviado especial para o clima será John Kerry, ex-secretário de Estado de Obama que assinou o Acordo de Paris. Os movimentos ambientalistas ficaram na expectativa. Mas é cedo para entusiasmos.

O problema é que a poluição não constitui um erro, é antes um sistema. O que move as indústrias poluidoras, em particular as mais poderosas, é a capacidade de imporem regras que facilitam a rentabilidade da produção no curto prazo. Não é de supor que abdiquem desses lucros. Por outro lado, há uma parte oculta da poluição. Segundo o “The Economist”, as 250 maiores empresas do mundo controlam as unidades mais poluidoras, que geram 86% das emissões, com destaque para os agentes financeiros globais (por exemplo, a BlackRock seria responsável por 10% desse total, a Vanguard por 6% e a State Street Capital por 3%). Acontece ainda que estes dados podem ser imprecisos. Ora, somente 4% dos ativos geridos pelo sistema financeiro são de atividades em que há registo de emissões. Dos outros não se sabe. Para mais, as empresas que aceitaram recorrer a modos alternativos de produção têm pouco peso: no índice S&P 500, só três empresas se dedicam a produção de energia renovável e, juntas, não chegam a 1% da capitalização total representada no índice.

Acresce que, mesmo quando foram impostas novas regras a alguns dos grandes poluidores na pandemia, não é certo que tenham impacto significativo. O Governo francês, por exemplo, determinou que a Renault e a Air France-KLM só teriam acesso a fundos de apoio se aceitassem um compromisso de redução de emissões. A Alemanha fixou regras parecidas. Só que se está para ver o que acontecerá quando a atividade normal for restabelecida. Ora, se é assim com estas empresas, como será com a finança mundial, que vive da absorção de rendas e não aceita a sua redução? Veremos se Biden quer impor novas regras e se Kerry as negociará com outros Governos. Até agora, só se tem perdido tempo.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Algoritmos desajustados


Por
23 Novembro 2020

Falta concertar melhor a gestão, recuperar a confiança perdida e não esquecer o País no seu todo. Parece que Portugal fechou e só resta a pandemia. Será que no ADN português só cabe um problema de cada vez?



Hoje apetece-me tocar em alguns aspectos que muita gente lá no íntimo já pensou e que fogem ao politicamente correcto.

O mundo, os países, as sociedades estão pejados de informação irrelevante sobre grande parte dos temas do dia-a-dia e não só, quase diria, de todos os temas. A cada minuto e com fins no mínimo falaciosos “fabricam-se” notícias e/ou opiniões facciosas e retorcidas ampliando a confusão nas nossas mentes. De todo o lado surgem os oráculos de feira, sempre prontos a pintar de muito negro a situação presente.

Portugal é um exemplo vivo. Basta olhar para um telejornal.

Quem no meio deste turbilhão de mentiras, de meias-verdades, de comentários enviesados conseguir um mínimo de lucidez e de equilíbrio, algum distanciamento, acaba por criar um ambiente de conforto, embora perpassado pela ansiedade da incerteza.

A pandemia veio baralhar ainda mais esta situação. Centrando tudo nela, afecta o “chip” de cada um de nós, perturbado que anda pela má carburação dos discos rígidos, algoritmos e chips das nossas instituições mais representativas: Presidente da República (PR), Assembleia da República, Governo, órgãos de Justiça, organismos ligados à saúde, meios de comunicação.

Muitos não resistem a entrar no jogo duvidoso, uns pela negativa, outros pelo exagero, em nada contribuindo de positivo para trazer à sociedade conforto e calma.

Olho para este ambiente com algum desespero e de forma politicamente incorrecta avanço, neste contexto, com um comentário sobre o PR e o Governo.

Presidente da República

1. Ainda não entendi, a tão pouco tempo das Eleições Presidenciais, a razão por que Marcelo Rebelo de Sousa não disse formalmente que vai candidatar-se, ou seja, que está na corrida para Presidente da República.

No meu íntimo “sei”, sempre foi para mim adquirido, desde o primeiro minuto que Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Belém, jamais hesitaria em ser candidato a um segundo mandato, a não ser que um tsunami, não consigo imaginar qual, o impedisse. Com selfies e beijocas, no momento presente mais limitadas, há a máscara, o lastro para um segundo mandato está estendido.

Portugal não é os EUA onde por vezes da candidatura ao segundo mandato sai derrotada. Mesmo assim é raro. Azar teve Trump, a pandemia trocou-lhe as voltas, pelas posições no mínimo disparatadas que foi tomando e retirou-o do pedestal bem contra a sua vontade.

Porquê esta postura de Marcelo Rebelo de Sousa?

Diz-se que a sua ambição é desmedida, que deseja para a história uma elevada votação em si, maior que a de Mário Soares. Quanto menos tempo de antena para os demais melhor para o ainda não candidato Marcelo Rebelo de Sousa.

Será este o pensamento que norteia Marcelo Rebelo de Sousa? Não coloco aspectos jurídicos. Nesse domínio Marcelo Rebelo de Sousa sabe melhor do ninguém o que anda a fazer. Mas cingindo-se apenas à legalidade em casos como este… alguma ética política fica pela gaveta.

Contudo, entendo bem. Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de se apresentar. Está em campanha a custo zero e em ambiente de monopólio, pois na sua qualidade de Presidente em pleno, nem precisa de campanha, está sempre em campanha. Assim continua e comprime o espaço de propaganda das restantes candidaturas. Mas leal não me parece!

Quem pretenderá “atingir” mais com esta sua atitude? Admito que não seja a da ex-deputada europeia Ana Gomes. Tem o seu campo mais ou menos delimitado. Ana Gomes será a segunda candidatura mais votada. Quem será então? Deixo as pessoas conjecturar.

Com a nova arrumação da direita a partir do ambiente vulcânico dos Açores, as dúvidas serão muitas?! Noutros tempos, tempos de liberalismo, os Açores marcaram pontos de primeiro plano na política nacional. Noutros tempos, digo bem.

O Governo

2. O Governo de António Costa não tem tido uma gestão fácil. Este ou qualquer outro que lá estivesse teria sempre dificuldades tremendas em enfrentar a situação de pandemia, ainda mais num país como Portugal, com sérios apertos de natureza financeira e elevada dívida.

Conseguiu sair-se bem na primeira vaga da Covid-19, mas parece ter adormecido um pouco ao sol do Verão.

Diz o Governo que a segunda vaga não mandou carta a avisar da chegada. Chegou antes do previsto. Os CTT andam, de facto, um pouco mal frequentados, pelo menos é o que se ouve por todo o lado e não sei se com o País centrado na pandemia o problema da concessão a privados dos correios, que termina em breve, bem como outras questões importantes, não estão a passar ao lado da governação. É bom que quem de direito esteja atento e a trabalhar em soluções de futuro.

Mas a gestão da segunda vaga da Covid-19 não está a correr nada bem ao Governo. A grande crítica de fundo de que não houve planeamento atempado nos serviços de saúde gruda e colhe consenso alargado, o que isolou o Governo, embora com ruído a mais de certas instituições sempre presentes no palco, quando muitos talvez fossem mais úteis se presentes no serviço ao combate da pandemia.

Não vou entrar no domínio do planeamento da saúde, mas não posso deixar, embora de forma ligeira, de me referir às medidas de apoio às actividades económicas e às pessoas. Penso que tem faltado coerência e qualidade nas medidas. Decisões pouco amadurecidas na colagem aos problemas.

Por exemplo, ninguém percebeu a decisão inicial de fechar os restaurantes e deixar as grandes superfícies abertas, que se viram com a força toda e já queriam mandar no horário de abertura, seis e meia da manhã! Para além do abuso era sobretudo uma exploração dos trabalhadores, umas horas mais de trabalho sem vencimento.

Não foi uma questão de má comunicação, como disse o primeiro-ministro. Foi antes uma correcção de percurso e ainda bem, pois a decisão era um tiro no pé, mesmo acreditando que não fosse essa a intenção, traduzia-se num benefício das grandes superfícies em detrimento da restauração.

Mas os apoios específicos à restauração – 20% sobre a diferença nas receitas – têm duas grandes limitações. A primeira de natureza técnica e a outra de âmbito – deveria ser mais abrangente e duradoura.

Não consigo entender como os 20% têm por base de incidência um período anómalo, uma parte de tempo de 2020 de receitas zero. Tecnicamente não faz sentido. Devia incidir sobre um determinado período homólogo (por exemplo, a média das 12 semanas finais de 2019). Acho que o Governo não fez cálculos. Porque se o fizesse até veria que os valores a pagar eram baixos, devido à grande fuga na e-Factura.

Mas há modelos de países, nesta matéria, de possível adaptação a Portugal em cujos apoios se contemplam as rendas, comunicações, impostos, etc. A restauração necessita de injecção directa de dinheiro e a fundo perdido que lhe dê alívio de custos permanentes e, sobretudo, maior rapidez no pagamento. Da primeira vaga, nem tudo ainda está pago.

Assim não vamos lá e não se sustentam os postos de trabalho. E se, como li, com a vacina espera-se “uma invasão” de turistas, não haverá estruturas para os receber porque entretanto foram destruídas. Não creio muito nessa invasão, mas algo de moderado poderá suceder.

Por conseguinte, falta acertar as agulhas, concertar melhor a gestão, recuperar a confiança perdida e, cuidado, não esquecer o País no seu todo. Nunca mais se ouviu falar da estratégia para a economia que é fundamental, nem do hidrogénio verde, a não ser de forma negativa. Dos impactos na estrutura económica nada, nem da habitação, nem das ferrovias, nem da reindustrialização. Parece que Portugal fechou, só resta a pandemia. Será que no ADN português só cabe um problema de cada vez?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 22 de novembro de 2020

O réquiem americano



Por estatuadesal
Chris Hedges *
in Resistir, 
17/11/2020


Dos melhores textos publicados neste Blog. Para perceber de onde vêm os populismos, fascismos e outros hediondos "ismos". Lá como cá. Não basta criticar a mensagem, demonizar os mensageiros e ignorar a causa das coisas. Lá como cá é preciso ir ao cerne do mal mas, provavelmente, tal implicaria mudanças radicais na política e na economia que o sistema não comporta. Assim sendo, os "trumps" e os "chegas" deste mundo irão prosperando porque são a única esperança que resta aos descamisados anónimos, ignorados e pontapeados para a margem, mas animados pelo desespero dos sobreviventes.

Estátua de Sal, 22/11/2020



Bem, acabou. Não a eleição. A democracia capitalista. Por mais tendenciosa que fosse para os interesses dos ricos e mais hostil para os pobres e minorias, a democracia capitalista pelo menos oferecia a possibilidade de migalhas de reformas graduais. Agora é um cadáver. A iconografia e a retórica permanecem as mesmas. Mas é um elaborado e vazio reality show, financiado pelos oligarcas que controlam a sociedade – 1,51 mil milhões de dólares para a campanha de Biden, 1,57 mil milhões para a campanha de Trump – para nos fazerem pensar que há escolhas. Não há. O duelo entre o discurso palavroso e vazio de Trump e o de Biden com dificuldades de expressão foi concebido para mascarar a verdade. Os oligarcas ganham sempre. As pessoas perdem sempre. Não importa quem se senta na Casa Branca. Os EUA são um estado falido.


"O sonho americano ficou sem combustível", escreveu o romancista J.G. Ballard. "O carro parou. Já não abastece o mundo com suas imagens, seus sonhos, suas fantasias. Não mais. Acabou. Agora o que fornece ao mundo são os seus pesadelos".

Muitos dos seus participantes mataram a sociedade aberta da América. [NT] Foram os oligarcas que compraram o processo eleitoral, os tribunais e os media, os lobistas que redigem a legislação que nos empobrece e permite que se acumulem quantias obscenas de riqueza e poder irrestrito. Os militaristas e a indústria de guerra que drenaram o tesouro nacional para montar guerras inúteis e sem fim que esbanjaram cerca de 7 milhões de milhões de dólares e nos transformaram em párias internacionais.

Também os executivos que arrecadam em bónus e pacotes de compensação dezenas de milhões de dólares, que enviaram empregos para o exterior e deixaram nossas cidades em ruínas e nossos trabalhadores na miséria e desespero, sem um rendimento de subsistência e sem esperança no futuro. A indústria de combustíveis fósseis que fez guerra à ciência e optou por lucros em vez da iminente extinção da espécie humana. A imprensa que transformou as notícias em entretenimento acéfalo e de claques partidárias. Os intelectuais que se retiraram para as universidades para pregar o absolutismo moral da política de identidade e do multiculturalismo, enquanto viravam as costas à guerra económica que estava a ser travada contra a classe trabalhadora e ao ataque implacável às liberdades civis. E, claro, a classe liberal irresponsável e hipócrita que não faz nada além de falar, falar, falar. [NT: recordamos que "liberal" nos EUA, corresponde mutatis mutandis às várias tendências social-democratas na Europa]

Se há um grupo que merece o nosso mais profundo desprezo, são as elites liberais, aqueles que se colocam como árbitros morais da sociedade, mas abandonam todos os valores que supostamente possuem no momento em que se tornam inconvenientes. A classe liberal, mais uma vez, actuou como patéticos animadores e censores para um candidato e um partido político que na Europa seria considerado de extrema-direita. Mesmo quando os liberais eram ridicularizados e rejeitados por Biden e pela hierarquia do Partido Democrata, que com fanfarronice investia a sua energia política para apelar para os neocons republicanos, os liberais estavam ocupados a marginalizar jornalistas, incluindo Glenn Greenwald e Matt Taibbi, que interpelavam Biden e os democratas. Os liberais, seja em The Intercept ou em The New York Times, ignoraram ou desacreditaram informações que poderiam prejudicar o Partido Democrata, incluindo as revelações do computador de Hunter Biden. Foi uma demonstração impressionante de carreirismo cobarde e auto-exclusão.

Os democratas e seus apologistas liberais estão, a eleição ilustrou, alheios ao profundo desespero pessoal e económico que varre este país. Eles não representam nada. Eles lutam por nada. Mais uma vez esqueceram restaurar o Estado de Direito, a saúde universal, a proibição do fracturamento hidráulico, um New Deal Verde, a protecção das liberdades civis, a formação de sindicatos, a preservação e expansão de programas de bem-estar social, uma moratória sobre despejos e execuções hipotecárias, o perdão de dívidas estudantis, um controlo ambiental rígido, um programa governamental de emprego e rendimento garantido, a regulamentação financeira, a oposição à guerra sem fim e ao aventureirismo militar

Defender essas questões teria resultado num desmoronar de terras no Partido Democrata. Mas, como o Partido Democrata é um subsidiário integral de doadores corporativos, era impossível promover qualquer política que pudesse fomentar o bem comum, diminuir os lucros corporativos e restaurar a democracia, incluindo a imposição de leis sobre o financiamento das campanhas. A campanha de Biden foi totalmente desprovida de ideias e questões políticas, como se ele e os democratas pudessem vencer as eleições apenas prometendo salvar a alma da América. Pelo menos os neofascistas têm a coragem das suas convicções dementes.

A classe liberal funciona numa democracia tradicional como uma válvula de escape. Torna possível as migalhas de reformas graduais, que amenizam os piores excessos do capitalismo. Propõe passos graduais em direcção a uma maior igualdade. Pretendem dotar o Estado e os mecanismos de poder de supostas virtudes. Também servem como cão de fila para desacreditar os movimentos sociais radicais. A classe liberal é uma componente vital dentro da elite do poder. Em suma, oferece a esperança e a possibilidade, ou pelo menos a ilusão, de mudança.

A rendição da elite liberal ao despotismo cria um vácuo de poder preenchido por especuladores, exploradores de guerra, gangsters e assassinos, muitas vezes liderados por demagogos carismáticos. A elite liberal abre as portas aos movimentos fascistas que ganham proeminência ridicularizando e insultando os absurdos da classe liberal e os valores que pretendem defender. As promessas dos fascistas são fantásticas e irrealistas, mas suas críticas à classe liberal são baseadas na verdade. Uma vez que a classe liberal deixa de funcionar, abre uma caixa de Pandora de males impossíveis de conter.

A doença do trumpismo, com ou sem Trump, está, como a eleição ilustrou, profundamente enraizada no corpo político. Tem expressão em enormes segmentos da população, ridicularizados pelas elites liberais como "deploráveis", de uma alienação e raiva legítimas que republicanos e democratas orquestraram e agora se recusam a tratar. Porém, o trumpismo, como a eleição mostrou, não se limita aos homens brancos, cujo apoio a Trump na verdade diminuiu.

Dostoievski viu o comportamento da inútil classe liberal da Rússia, que satirizou e criticou no final do século XIX, como presságio de um período de sangue e terror. O fracasso dos liberais em defender os ideais que professavam levou inevitavelmente, escreveu ele, a uma era de niilismo moral. Em Cadernos do Subterrâneo , retratou os sonhadores estéreis e derrotados da classe liberal, aqueles que sustentavam ideais elevados, mas nada faziam para defendê-los. A personagem principal leva as ideias falidas do liberalismo ao seu extremo lógico. Ele foge da paixão e do propósito moral. É racional. Acomoda-se a uma estrutura de poder corrupta e moribunda em nome de ideais liberais. A sua hipocrisia condenou a Rússia como agora condena os Estados Unidos. É a desconexão fatal entre convicções e acção.

"Eu nunca consegui tornar-me coisa alguma: nem mau nem bom, nem um canalha nem um homem honesto, nem um herói nem um insecto", escreveu o Homem do Subterrâneo. "E agora estou a viver a minha vida no meu canto, zombando de mim mesmo, com o consolo rancoroso e totalmente fútil de que é impossível um homem inteligente tornar-se seriamente alguma coisa, e apenas os tolos se tornam alguma coisa. Sim, senhor, um homem inteligente do século XIX deve ser, e moralmente é obrigado a ser, principalmente um ser sem carácter; e um homem de carácter, uma figura activa – é fundamentalmente um ser limitado."

A recusa da classe liberal em reconhecer que o poder foi arrancado das mãos dos cidadãos por empresas, que a Constituição e suas garantias de liberdade pessoal foram revogadas por decreto judicial, que as eleições nada mais são do que espectáculos vazios encenados pelas elites governantes, que estamos no lado perdedor da guerra de classes, deixou-os falando e agindo de maneiras que não correspondem mais à realidade.

A "ideia da vocação intelectual", como Irving Howe salientou no seu ensaio "This Age of Conformity" de 1954, "a ideia de uma vida dedicada a valores que não podem ser realizados por uma civilização comercial – gradualmente perdeu seu fascínio. E é isso, ao invés do abandono de um determinado programa, que constitui a nossa rota. "A crença de que o capitalismo é o motor inexpugnável do progresso humano, escreveu Howe, "é alardeada por todos os meios de comunicação: propaganda oficial, publicidade institucional e escritos académicos de pessoas que, até há alguns anos, eram os seus principais oponentes."

"As pessoas verdadeiramente sem poder são aqueles intelectuais – os novos do realismo político – que se prenderam aos assentos do poder, onde renunciam à liberdade de expressão sem ganhar qualquer significado como figuras políticas", escreveu Howe. "Pois é crucial para a história dos intelectuais americanos nas últimas décadas – bem como para a relação entre "riqueza' e 'intelecto" – que sempre que são absorvidos pelas instituições credenciadas da sociedade, não apenas perdem as suas tradições rebeldia, mas de uma forma ou de outra, deixam de funcionar como intelectuais".

As populações podem suportar a repressão dos tiranos, enquanto esses governantes continuarem a administrar e exercer o poder com eficácia. Mas a história humana demonstrou amplamente que, uma vez que aqueles em posições de poder se tornam redundantes e impotentes, mas ainda assim mantêm as armadilhas e privilégios do poder, são brutalmente descartados. Isso foi verdade em Weimar, Alemanha. Foi verdade na ex-Jugoslávia, um conflito que cobri para o New York Times.

O historiador Fritz Stern em "The Politics of Cultural Despair", um livro sobre a ascensão do fascismo na Alemanha, escreveu sobre as consequências do colapso do liberalismo. Stern argumentou que os alienados espiritual e politicamente, aqueles deixados de lado pela sociedade, são os principais recrutas para uma política centrada na violência, ódios culturais e ressentimentos pessoais. Muito dessa raiva, com razão, é dirigida a uma elite liberal que, embora fale a linguagem "Eu sinto a vossa dor" do liberalismo tradicional, os vende.

"Eles atacaram o liberalismo", escreve Stern sobre os fascistas emergentes à época na Alemanha, "porque lhes parecia a premissa principal da sociedade moderna; tudo o que eles temiam parecia brotar daí; a vida burguesa, o manchesterismo , o materialismo, o parlamento e os partidos, a falta de liderança política. Eles sentiam no liberalismo a fonte de todos os seus sofrimentos. Era um ressentimento de solidão; o seu único desejo era por uma nova fé, uma nova comunidade de crentes, um mundo com padrões fixos e sem dúvidas, uma nova religião nacional que unisse todos os alemães. Tudo isso, o liberalismo negou. Consequentemente, odiavam o liberalismo, culpando-o por torná-los párias, por desenraizá-los de seu passado imaginário e de sua fé".

Nós estamos prontos para isso. O sistema de saúde com fins lucrativos, projectado para ganhar dinheiro – e não para cuidar dos doentes – não está equipado para lidar com uma crise nacional de saúde. As corporações de saúde passaram as últimas décadas fazendo fusões e fechando hospitais, cortando o acesso a cuidados de saúde em comunidades por todo o país para aumentar a receita – isto, tal como quase metade de todos os trabalhadores permanecem inelegíveis para auxílio durante uma doença e cerca de 43 milhões perderam o seu seguro saúde patrocinado pela empresa. A pandemia, sem assistência médica universal, que Biden e os democratas não têm intenção de estabelecer, continuará a fazer estragos fora de controlo. Trezentas mil mortes previstas para Dezembro. Quatrocentas mil em Janeiro. E quando a pandemia acabar ou uma vacina estiver disponível com segurança, centenas de milhares, talvez milhões, terão morrido.

As consequências económicas da pandemia, o subemprego crónico e o desemprego – perto dos 20% quando os que pararam de procurar trabalho, os que foram licenciados sem perspectiva de recontratação e os que trabalham a tempo parcial abaixo da linha da pobreza forem incluídos nas estatísticas oficiais, significará uma depressão diferente de tudo que vimos desde os anos 1930. A fome nas famílias dos EUA já triplicou desde o ano passado. A proporção de crianças americanas que não recebem o suficiente para comer é 14 vezes maior do que no ano passado. Os bancos alimentares estão saturados. A moratória sobre execuções hipotecárias e despejos foi suspensa, enquanto mais de 30 milhões de americanos pobres enfrentam a perspectiva de serem postos na rua.

Não há mais controlo sobre o poder corporativo. A inevitável agitação social fará com que o Estado, não importa quem esteja na Casa Branca, use os seus três principais instrumentos de controlo social – extensa vigilância, prisões e polícia militarizada – apoiada por um sistema legal que rotineiramente revoga o habeas corpus e o devido processo legal, para esmagar implacavelmente a dissidência.

Pessoas de cor, imigrantes e muçulmanos serão responsabilizados pelo declínio da nação e visados pelos fascistas. Os poucos que continuarem a desafiar o Partido Democrata denunciando os crimes do Estado corporativo e do império serão silenciados.

A esterilidade da classe liberal, servindo os interesses de um Partido Democrata que os ignora e despreza, alimenta os sentimentos generalizados de traição que viram quase metade dos eleitores apoiar um dos presidentes mais vulgares, racistas, ineptos e corruptos da história americana. Uma tirania americana, com o verniz ideológico de um fascismo cristianizado, irá, segundo parece, definir a descida histórica do império à irrelevância.

[NT] Cumpre recordar que esta "sociedade aberta" vivia a discriminação racial e era doentiamente anticomunista. Isto acontecia tanto internamente como externamente devido aos horrores das guerras e outras intervenções imperialistas. É aliás o que se depreende do texto de Chris Hedges.

[*] Jornalista ganhador de um Prémio Pulitzer, passou quase duas décadas como correspondente na América Central, Médio Oriente, África e Balcãs. Fez reportagens em mais de 50 países e trabalhou para The Christian Science Monitor, National Public Radio, The Dallas Morning News e The New York Times, do qual foi correspondente estrangeiro durante 15 anos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Porque não podemos desistir de nos indignarmos


Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
20/11/2020
Miguel Sousa Tavares




1 Uma das muitas coisas que a minha mãe me ensinou em vida foi a olhar bem para a cara das pessoas para adivinhar o que se ocultava atrás delas. Lembrei-me bem disso quando olhava para a cara de Tomás Correia, o ex-presidente do Montepio, quando via as suas estudadas roupas e a sua pose de banqueiro presumido, as suas falinhas mansas de engana-tolos e, no final, o seu desesperado esbracejar para se manter agarrado a um lugar que parecia e imaginava vitalício. Estava ali, à frente daquela espécie de banco mutualista, graças a uma curiosa aliança entre socialistas, maçons e católicos, para além de gente de todas as proveniências e influências — como ficou bem demonstrado na lista de ‘notáveis’ que veio a público apoiar a última recandidatura do Dr. Tomás Correia ao Montepio, decerto retribuindo alguma ‘atenção’ deste recebida a seu tempo.

Porém, já então se adivinhava, mesmo para quem estava de fora, que havia um incêndio a arder em lume brando na casa e que quem de direito uma vez mais fechava os olhos, fingindo não ver nada nem cheirando nada. O Montepio aguentava-se no azul por misericórdia de um crédito fiscal de 800 milhões a favor do Estado, que lá se mantém e que, adivinhem, obviamente nunca será pago. Mas nem seria preciso ser um atento supervisor para, sem sequer cumprir o dever de meter o nariz nas contas da prestimosa agremiação, chamar o Dr. Tomás Correia e, seguindo o ensinamento da minha mãe, dizer-lhe: “O senhor vai-se embora porque a sua cara não me inspira confiança.” Ele acabou por sair, é certo, empurrado por todos os lados, mas com anos de atraso e imagino que bem reformado. E lá deixando homem por si, com o apoio da maioria dos sócios.

Agora, um grupo de associados, valendo-se da sua pretérita condição de minoritária oposição à gestão de Tomás Correia, veio apelar ao Governo para que acorra ao Montepio, onde se verificam, dizem-nos, “dissonâncias financeiras”. Isto, é: está em muito maus lençóis, suponho. Ao que parece, a diferença destas para as “dissonâncias financeiras” que o Novo Banco, sempre escudado nos contribuintes, apresenta invariavelmente todos os anos (acaba de anunciar um novo recorde de 800 milhões, antes mesmo de fechar o ano), são, apesar de tudo, favoráveis à gestão do Montepio: o Montepio perde dinheiro porque não sabe como o há-de evitar; o Novo Banco perde dinheiro vendendo património e, quanto mais vende, mais perde. Se o Novo Banco é um autêntico case study de gestão bancária a nível planetário e um motivo de eterna anedota em matéria de contratos públicos nas Faculdades de Direito, o Montepio era um caso tão previsível como adivinhar a data do Natal todos os anos.

Pelo que, e não existindo desta vez algum contrato escondido de sacrifício dos contribuintes no altar da banca, a solução é evidente e nem merece conversa: deixem-no entregue à sua sorte. Lamento muito pelas excelentes entidades cujas poupanças ficarão a arder. Não duvido que elas existam e que o seu dinheiro tenha custado a poupar. Mas, por isso mesmo, deveriam ter-se ocupado em tomar conta dele antes. Mas, se não o fizeram quando o deviam ter feito, agora os 600.000 sócios do Montepio, as dezenas de notáveis que vieram jurar em público que o Dr. Tomás Correia era um banqueiro de primeira água, os seus amigos de avental e de sotaina, tenham a decência mínima de não vir pedir a um país exangue e a um Estado forrado de dívidas que pague a sua irresponsabilidade.

2 No dia 11 de Março passado, o ucraniano Ihor Homeniuk, de 40 anos de idade, casado e pai de uma rapariga de 14 anos e de um rapaz de 9, entrou em Portugal pelo Aeroporto da Portela, com um visto turístico. Quinze horas depois, morria numa sala do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do mesmo Aeroporto, após ter sido espancado até à morte e em termos de uma cobardia e selvajaria inomináveis, às mãos de três agentes do SEF e perante a cumplicidade e a passividade de mais nove outros elementos. O motivo: ser suspeito de um crime cometido por milhões de portugueses ao longo das últimas décadas, qual era o de querer emigrar para onde encontrasse melhores condições de vida. Desde então, a quadrilha de assassinos (surpreendentemente mantida apenas em prisão domiciliária, com a justificação da covid), remeteu-se a um pacto de silêncio e ao mesmo silêncio se remeteu a directora do SEF, Cristina Gatões.

Esta senhora directora do SEF, como é evidente, não tem a mais pequena condição de dignidade para se manter um dia que seja a mais no cargo que ocupa

Durante oito meses, a responsável máxima por um serviço que durante 15 horas se entreteve a matar à pancada um cidadão estrangeiro não achou necessário dar uma palavra ao país. Uma tentativa de explicação, um pedido de desculpas, uma nota de nojo e de estupefacção, uma garantia de que aquilo não era o habitual nos serviços que dirigia. Mais: nem sequer entrou em contacto com a família da vítima, nem, aparentemente, se incomodou a abrir uma investigação, de alto a baixo aos serviços do SEF no Aeroporto de Lisboa. Ou a instaurar um processo disciplinar e expulsar da função pública aqueles senhores. E agora, que finalmente quebrou o silêncio numa entrevista a Cândida Pinto, da RTP, revelou ainda que nunca falou com os implicados no crime pois que “primeiro quero que lhes sejam assegurados tudo o que são direitos enquanto arguidos”. Ou seja, está mais preocupada com os direitos dos criminosos do que com os da vítima, que já cá não está para os reivindicar, e vai esperar anos até ao trânsito em julgado da sentença judicial para tentar saber de viva voz junto deles como é que aquilo foi possível. Para perceber que cultura de bestialidade e de impunidade era essa que se vivia, ou viverá ainda, no aeroporto de Lisboa, que a sua directora desconhecia e que permitia a três polícias dispor a seu bel-prazer da vida de um ser humano e enxovalhar Portugal aos olhos do mundo. “Achei importante — diz ela agora — manter-me prudentemente em silêncio enquanto as investigações se faziam.” Achou importante? Importante para quê? Para nos deixar mais sossegados, para nos tirar da lista negra do Comité da Tortura da União Europeia? Para ensinar aos senhores do SEF que o nível de um Estado de Direito se começa a medir exactamente pela forma como um estrangeiro é recebido nas fronteiras de um país? Ou para que do seu uivante silêncio os restantes elementos do SEF concluíssem que, antes do mais, ela estava solidária com os direitos de defesa dos assassinos, assim evitando a contestação interna? Para quê e para quem era importante o seu prudente silêncio?

Esta senhora, como é evidente, não tem a mais pequena condição de dignidade para se manter um dia que seja a mais no cargo que ocupa. Quanto mais não seja, pela resposta que deu a essa mesma pergunta: “Nunca poderia demitir-me porque era uma responsabilidade à qual não poderia fugir. Abandonar não adiantaria nada.” Adiantaria, sim, minha senhora. Lisboa ficaria prudentemente mais limpa.

3 Ainda a tempo, porque, de facto, há coisas que não podem passar em vão. A propósito dos atentados de Nice, em que um muçulmano tunisino, recém-desembarcado na Europa via Lampedusa, matou, degolando, três mulheres que rezavam na catedral, twitou D. Manuel Linda, bispo do Porto (sim, os bispos também já pregam no Twitter): “O atentado não é a luta do Islão contra o Cristianismo, é o resultado dos preconceitos daqueles europeus que não só não fomentam o diálogo intercultural e inter-religioso como estão sempre de dedo em riste a acusar as religiões.” Esta afirmação é infame, não há outra palavra para a definir. Não só o bispo não tem uma palavra de horror e de compaixão para com três fiéis que foram degoladas porque rezavam a Deus (tanto que, depois teve de acrescentar novo tweet a dizer que condenava os ataques), como inocentou o assassino que matou por ódio religioso e acusou da barbárie aqueles que, não tendo religião, jamais alguém poderá acusar de matar por tal motivo. E esquece ou ignora que em França existem mais de mil mesquitas ou madraças onde os muçulmanos ensinam e exercem livremente a sua fé, muitas vezes, porém, fazendo delas escolas de incitamento ao ódio e ao terrorismo. O mundo pode estar de pernas para o ar, mas ainda é suposto um bispo ter a cabeça na terra e a palavra no Evangelho. Eis um bom exemplo que ele dá do tal fanatismo religioso que quer que não se acuse.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Anda confuso com o acordo entre PSD e Chega? Rui Rio também


Por estatuadesal
David Dinis, 
in Expresso Diário, 
19/11/2020

Ao fim de duas semanas a ironizar no Twitter, Rui Rio foi à TVI para explicar o que aconteceu nos Açores, o que aconteceu com o Chega, o que aconteceu com o PSD ou mesmo com a direita. O exercício foi útil, embora ligeiramente confuso. Primeiro porque percebemos que Rui Rio responsabiliza o representante de Marcelo nos Açores pelo acordo. Segundo porque percebemos, em alternativa, que Rui Rio acha que o acordo foi bem feito - pelo que o subscreve na íntegra e sem pestanejar. Confuso? Se preferir a primeira versão, aconselho que entre no link acima. Se quiser perceber a segunda, é seguir por este texto, onde em apenas quatro frases conseguirá perceber melhor como Rui Rio o justifica.



Estou de acordo, estou a dar a cara”

Depois de dizer que foi feita “uma barulheira” para “abafar a verdade”, depois de ter dito que “não há nenhum acordo nacional, tudo se passou na região autónoma”, e também que estava a “servir de advogado do PSD dos Açores”, Rui Rio acedeu que o novo presidente do Governo Regional, que por acaso foi vice-presidente da sua direção no PSD, teve a “cortesia” de o manter “informado” das negociações com André Ventura. E que o SMS de Ventura a negociar o comunicado final “foi mandado para mim” (para ele, Rui Rio). E , mais, que ele próprio concorda com todos e cada um dos pontos negociados - pelo que subscrevia o acordo. Ficou, assim, esclarecida a “barulheira”. Ou melhor, ainda não, porque é preciso entender com que pontos do acordo Rui Rio concorda. Siga para a frase seguinte.

“Há pessoas que podem estar com rendimento mínimo e que não trabalham porque não querem”

O líder do PSD explica assim porque aceita e subscreve a proposta do Chega para “reduzir a subsídio-dependência” nos Açores, sendo necessária por isso uma “maior fiscalização” do rendimento mínimo. E, disse ele, ficou convencido depois de, numa visita que fez a Rabo de Peixe, o concelho mais pobre do arquipélago, ouvir “um pescador” dizer que “as pessoas não querem vir ao mar”. Nos Açores, anote, 30% dos que têm direito a este apoio social têm menos de 18 anos. Muitos deles são mulheres. E ir ao mar, lembre-se, nem sempre tem “ir e voltar”.
A juntar a isto, Rui Rio diz concordar também com a exigência de Ventura de reduzir o número de deputados e de "combater a corrupção". Entendida a “barulheira”? Ainda não, é preciso perceber que tipo de partido entende Rui Rio que é o Chega. Siga para a frase seguinte.

Racista? Xenófobo? “O Chega é uma federação de descontentes”

“Existe pela negativa”, disse apenas Rui Rio, não entrando na discussão sobre as propostas de prisão perpétua, de castração química, as de confinar os ciganos, ou as (intermitentes) de proibir casamento entre homossexuais. “Não é bem um partido cimentado, o tempo vai obrigar o Chega a ser um partido pela positiva”. A convicção de Rui Rio de ontem é, porém, contrastante com o que o próprio Rui Rio assumia em junho, quando ainda exigia ao Chega que se moderasse: “Se o Chega continuar numa linha de demagogia, de populismo, da forma como tem ido, há aqui um problema, porque aí não é possível um entendimento com o PSD. Face ao que o Chega tem sido, descarto conversar”. Afinal, conversa. Entendida a “barulheira?” Talvez, mas ainda é preciso perceber o que mudou - se é que mudou - em Rui Rio, ou no Chega.

“Senão só o PS é que pode governar”

Durante a entrevista, os jornalistas da TVI confrontaram Rui Rio com as suas próprias palavras, ditas há dois anos num debate com Santana Lopes, onde afirmava que, se o PS vencesse eleições sem maioria, devia ser o PS a governar - “com acordos parlamentares”. Mas Rui Rio, que não se lembrava de ter dito isso, mudou de ideias. Seja para aplicar nos Açores (“ao fim de 24 anos de PS no poder? Não me peça tanto!”), seja para aplicar na Assembleia da República, depois das próximas legislativas (“o que defendo é que quem conseguir uma maioria parlamentar deve governar”). A razão, assumida pelo próprio: “Senão, só o PS é que pode governar”.

Entendida a “barulheira?”. Agora sim. Só falta uma pequena correção: se a direita, sem o Chega, conseguisse uma maioria parlamentar, também poderia governar - mas aí de cabeça levantada e sem espaço para “barulheiras”. Mas para isso, claro, era preciso conseguir convencer os eleitores de que tinha projeto e equipa que o merecessem. Ou então levar a sério aquela outra frase de Rio Rio, dita também ontem na TVI, mas já sobre o próximo Orçamento: “Não quero chegar a primeiro-ministro de qualquer maneira”. Ainda bem que se nota.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Um desabafo e uma proposta

 

Não existe imposto que não arrelie. Normalmente consideramos exagerado, e muitos deles o são, inquestionavelmente. Alguns, para além do desajustamento, irrita-nos, porque não encontramos a contrapartida do mesmo. Um exemplo: o "imposto único de circulação". À partida deveria ser o contributo necessário para o cidadão dispor de bons pavimentos de circulação automóvel (e não só). A verdade é que não é assim, isto é, pagamos o imposto e continuamos a circular, em muitos casos, no meio de remendos. Sempre foi assim, porque os cidadãos são, demasiadamente, tolerantes. Mas não é a discussão dos impostos em geral que aqui me traz. Apenas um, em jeito de desabafo e também de proposta, porque este é o mês de voltar a pagá-lo.



O Imposto Municipal de Imóveis (IMI). Esse, é flagrantemente desonesto. É imbecil, irritante e estúpido. Quem construiu, tantos, sabe-se lá com que sacrifícios, pagou todos os impostos, desde a compra do terreno à construção, as taxas e taxinhas, promoveu postos de trabalho, pagou ou paga o empréstimo bancário, enfim, esfola(ou)-se para garantir o seu espaço familiar em moradia unifamiliar ou em propriedade horizontal. Depois, flagrante e ostensivamente, vem o imposto anual que constitui uma barbaridade. O cidadão edifica e, depois, torna-se uma espécie de eterno inquilino do município. Contas redondas, um cidadão que pague € 480,00 por ano, paga à autarquia € 40,00 mensais para habitá-la. Fará algum sentido? 

Trata-se de um imposto, repito, irritante. Doe pagar este imposto. A questão está em perceber qual é a contrapartida que o município concede ao contribuinte por tal pagamento? Rigorosamente nada. No meio da injustiça há instituições isentas de pagamento. Existem uns e outros! E o descaramento é tal que, hoje, paga-se a vista, o conforto, a localização, eu sei lá...

Então, porque não basta o desabafo crítico e porque sei que este é um imposto, apesar de ridículo, dificilmente revogável, deixo uma proposta: todos os edifícios precisam de manutenção interior e exterior. De oito em oito anos, que fosse calculada uma percentagem sobre o valor global pago pelo contribuinte durante esses anos e, para efeitos de manutenção, deduzido no valor do imposto a pagar no(s) ano(s) seguinte(s). Apesar de mínimo seria uma contrapartida. Compreendo as dificuldades orçamentais dos municípios, mas correcta, seria a revogação deste estúpido imposto. Em nome da decência.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

No desespero, não estamos todos no mesmo barco


Por estatuadesal
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 
16/11/2020
 
Independentemente dos abusos a que assistimos nas manifestações de empresários e trabalhadores da restauração, não nos devemos desviar do essencial. E o essencial não são os oportunistas que organizaram a descida da Avenida da Liberdade e se colaram àquelas pessoas no Rossio, liderados por um menino de gestão que tem um primo que tem um hotel, que por acaso é do Chega e que “sozinho” organizou uma manifestação “apartidária”. Esses são os abutres do costume.


O fundamental também não são algumas das exigências que podemos considerar excessivas, entre as quais está seguramente a ideia de que o Estado deve qualquer apoio a empresas que não pagaram os impostos que deviam - como se a solidariedade só tivesse um sentido. O importante também não é os protagonistas que mais aparecem, cuja situação será das que menos me preocupa. O fundamental é que há um sector (não é o único) que está a desabar e que isso terá repercussões devastadoras na economia e no emprego.

Não estou seguro de que o "meio confinamento" de fim de semana seja uma medida sensata. Já o disse: a ausência de números fiáveis, resultado da saúde pública ter sido sempre o parente pobre de um sistema hospitalocêntrico, torna arriscado este tipo de escolhas. E é considerável a probabilidade de o mal causado ser maior do que se pretende prevenir, por não sabermos ao certo que parte dos famosos 67% resultam de contactos familiares fora do agregado familiar.

Esta pandemia é, para quem queira mais do que procurar um culpado, uma boa lição de política. O hábito de resumir tudo a “vontade política” esbarra com aquilo que a política realmente faz: escolhas que têm quase sempre consequências negativas. A infantilização da nossa comunidade, viciada na “denúncia” e com pouco hábito de reflexão coletiva, imagina que basta a ação de políticos honestos e informados para que tudo corra pelo melhor. Isso não existe. Neste caso, a escolha é entre deixar os cuidados intensivos chegar ainda mais depressa ao seu limite ou destruir a economia. É algures entre as duas coisas que estará a escolha menos errada. Quanto pior for a informação com que os decisores trabalham maior a probabilidade de erro. Coisa que o político que “não gosta de gabinetes” mas de “obra feita” nunca percebeu. Nem os eleitores que o apreciam.

Vivemos, na primeira vaga, num quase consenso. A crise começou logo a sentir-se em vários sectores, mas havia a convicção generalizada de que isto ia passar mais ou menos depressa. Agora, quando começa a ficar claro que a pandemia não acabará a tempo de salvar os que vivem as situações mais dramáticas, as posições deixaram de depender de divergências de opinião, mesmo que influenciadas pelo contexto de quem as tem. Passaram a ser uma luta pela sobrevivência. É difícil pedir a quem perde o emprego ou tudo o que tinha que ignore o seu drama pessoal em nome de um bem comum, que é sempre mais abstrato e, neste caso, com uma enorme margem de dúvida. Não é egoísmo, é desespero. E num país pobre, vai ser ainda mais difícil responder a este desespero.

Na primeira vaga, parecia que estávamos todos no mesmo barco. Com a pandemia e a crise, o barco está a afundar-se, aqui e em quase todo o lado. E fica cada um no seu bote, dependente das suas circunstâncias. É o preço que pagamos por sermos um dos países mais desiguais da Europa e um Estado Social demasiado curto, ao contrário do que nos vendem há anos.
Não tenho como dizer a quem vive uma tragédia pessoal que se esqueça de si e dos seus e pense primeiro nos outros. Essas pessoas têm direito a estarem cansadas. Porque o seu cansaço resulta de um caminho para o abismo sem fim à vista.

À crise económica sucede uma crise social. E a elas sucederá uma crise política, que serão os mais irresponsáveis a aproveitarem primeiro. Por isso, é fundamental que não se instale um ambiente de censura social à crítica, que apenas favorecerá quem não olha a meios para ter ganhos políticos. Com sentido de responsabilidade e não promovendo uma desobediência que num momento como estes se paga com vidas e apenas daria argumentos para limitar liberdades, não se pode entregar a divergência aos “aldrabões pela verdade”. Os que realmente querem ajudar com a sua crítica não seguem o caminho fácil de negar a origem do problema. Já os negacionistas organizados apenas querem lucrar com a tragédia sem ter de discutir as soluções.

É difícil, em momentos como estes, ouvir a razão. Mas os que vivem as situações mais dramáticas não se devem entregar nos braços de quem usa a sua tragédia para instalar um caos que tornará tudo ainda mais demorado e penoso. Os restantes, sobretudo os que com toda a fadiga não vivem dramas destas dimensões, que baixem o dedo acusador. O desespero não desculpa tudo, mas exige a nossa capacidade de ouvir quem grita.

domingo, 15 de novembro de 2020

América - "Preparem-se para o fim da democracia"

 


"Há uma dinâmica de medo, desconfiança e raiva", leio no Courrier Internacional, edição de Novembro, através de um artigo publicado no The New York Times. Em um outro artigo, de Thomas Fuller, fala-se de umA corrida às armas: 

"(...) Na loja de armas da estrada principal em Sandy, a Rapid Fire Arms, o proprietário, Brian Coleman, vendeu 4,5 milhões de munições desde Março, quando a chegada da pandemia impulsionou as vendas. A procura de armas e munições aumentou ainda mais, contou Brian, quando os protestos em Portland se tornaram  violentos, semanas após a morte de Georges Floyd, sob custódia policial, em Minneapolis. 

"É sempre assustador quando vêm comprar de vez em quando, mas não tanto como ultimamente", confessou Coleman. " Há uma procura tão grande que as pessoas levam tudo o que conseguem". Coleman que este ano já vendeu milhares de armas, prevê que 70% dos clientes dos últimos meses nunca tinham comprado uma arma na vida.

É por isso e outras razões que o articulista Farhad Manjoo que a democracia poderá estar ameaçada. Por outro lado, ele fala de um "culto autoritário crescente" (...) durante quatro noites de celebração ao partido de Donald Trump, tive um vislumbre aterrador da outra face dos Estados Unidos da América, um culto autoritário crescente, e não quero ficar aqui muito tempo para ver se as minhas tristes premonições se tornam realidade".

sábado, 14 de novembro de 2020

Injectar lixívia em política


Por estatuadesal
Pacheco Pereira, 
in Público, 
14/11/2020

Um dos principais argumentos dos defensores do acordo com o Chega é a similitude entre a unidade da direita sob a direcção do PSD e os vários acordos do PS com o BE e o PCP. Se “eles” o podem fazer, por que é que “nós” não podemos? Sim, admitem, o Chega é pestífero, mas não o é mais o PCP ou o BE, com quem o PS se aliou para governar? O Chega é racista e xenófobo, e o PCP e o BE não são contra a Europa e a NATO, e amigos dos ditadores comunistas? Por aí adiante...



Esta comparação não tem qualquer fundamento nem factual, nem social nem histórico nem de ciência política, faz parte apenas de uma narrativa política autojustificatória para 2020. É o equivalente aos absurdos de Trump com a hidroxicloroquina ou o injectar lixívia nas veias para “limpar” o corpo do coronavírus.

Para nos colocarmos em 2020 e não em 1917, ou em 1933, ou em 1975, façamos uma distinção entre a tradição e o programa genético dos partidos e aquilo que é hoje o seu “programa activo”. O “programa activo” é o que um partido faz de facto, como actua, como recruta, como cresce ou diminui, o que é que o torna um sucesso ou um falhanço, que imagem tem na sociedade e junto dos seus militantes, “o que é que o faz/os faz mexer”, ou seja, a identidade prática do partido. A tradição, a história, o conteúdo programático original são muito relevantes e estão sempre presentes, mas, para analisar o que é a actuação, o carácter, a “natureza” de um partido, sem ser de forma a-histórica, ou seja, no presente, o “programa activo” é mais relevante porque toma em linha de conta a factualidade da sua actuação. Esta diferenciação não é nova e já foi usada para a história do PSD, distinguindo entre o conteúdo programático e a “história não-escrita”, ou seja, a história do partido como fonte de identidade.

Voltemos à equivalência Chega/BE ou PCP. São o BE e o PCP partidos “revolucionários” cujo objectivo é derrubar a democracia, substituindo-a por uma ditadura do proletariado ou um eufemismo como a “democracia avançada”? Se tivermos em conta a tradição dos vários grupos esquerdistas que formaram o BE e a génese e a história do PCP, a resposta é sim. Ambos têm origem na tradição comunista de raiz marxista-leninista. Mas de há muito que quer um, quer outro têm “programas activos” bem longe dessa tradição. Não vemos nem o PCP nem o BE preparar-se para a revolução, inevitavelmente armada e violenta, nem a organizar um sector militar clandestino nem a cumprir nenhuma das explícitas obrigações de um partido comunista traduzidas nas célebres 21 condições da Internacional Comunista. E sempre foi claro desde Lenine que estas condições são para cumprir, sob pena de estarmos a falar de partidos que se “social-democratizaram” ou se “aburguesaram”.


Nem o PCP nem o BE, cuja composição agrupa várias tradições esquerdistas, do maoísmo ao trotskismo, e que têm génese no leninismo organizacional, o fazem. E toda a panóplia de elementos complementares, seja a abolição da propriedade, a luta de classes, o anticapitalismo, é isso mesmo, de elementos complementares, que não são exclusivos do comunismo, mas partilhados pelo anarquismo, pelo fascismo, pelo nacional-socialismo, pelo socialismo radical. E só a deslocação excessiva das classificações políticas para a direita considera que sindicatos, greves, manifestações, combate aos despedimentos ou mesmo propostas anticapitalistas (que o PAN e a Iniciativa Liberal também fazem) são “revolucionárias”.

No caso do Chega, a solução para o problema é simples: “pedófilos castrados já”, o que podemos traduzir sem perda de sentido, acabe-se, castre-se o “sistema político”, ou seja, a democracia que produz pedófilos e criminosos.

Pode-se perguntar se isto acontece por oportunismo, para disfarçar a sua natureza aceitando as regras democráticas... Se é assim, já dura há muito tempo para que seja um disfarce. O tempo conta para o “programa activo” porque ele condiciona hábitos, práticas organizacionais, recrutamentos, processos, culturas. E isso muda quase tudo.

Vamos ao Chega. Como é um partido novo, o programa e as propostas estão ainda próximas do “programa activo”, mas existe uma diferença de conveniência entre o discurso oficial e o discurso real, aquele que recruta, move os militantes, dá identidade ao partido. E esse é claramente racista, xenófobo, violador dos direitos humanos e antidemocrático. Podem-se apontar muitos exemplos, mas, por economia de espaço, fico-me pela pedofilia, uma das bandeiras do Chega, que levou mesmo a manifestações de rua.

Corrupção e pedofilia são um par no discurso do Chega, mas as faces que são apresentadas nos cartazes são apenas de políticos, excluindo qualquer referência, quer a empresários ou a banqueiros, no caso da corrupção (“Portugal é um mar de corrupção: Duarte Lima, Vara e Sócrates”, diz um cartaz), quer a padres, no caso da pedofilia. O Chega entende que há uma ligação entre pedofilia e corrupção e essa ligação é o “sistema político”: “Pedofilia é igual a podridão do sistema político”, diz um cartaz.

Esta obsessão com a pedofilia e com a castração é reveladora, porque no discurso do crime e da ordem, que é vital no Chega, não são todos os crimes que contam. Por exemplo, a violência doméstica, que mata muitas mulheres por ano, não é crime para o Chega. Na verdade, nem é o crime nem a injustiça nem a pedofilia nem a corrupção que contam, mas a sua correlação com a política democrática. A solução para o problema é simples: “Pedófilos, castrados já”, o que podemos traduzir, sem perda de sentido, por acabe-se, castre-se o “sistema político”, ou seja, a democracia, que produz pedófilos e criminosos.

Nos seus “programas activos”, o BE e o PCP caminharam para a democracia, o Chega caminha para fora dela e a força da sua inegável vitalidade vem daí. Os eleitores do Chega não são inocentes, sabem muito bem em que votam e o que votam.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Falta de espelho ou de memória?


Sinceramente, já é tempo de exercer a política de uma forma mais adulta. Seja com que governo for e seja qual for a sua natureza político-partidária, genericamente, o discurso político tornou-se insuportável. Enquadro nesta caracterização tudo o que possa ser considerado como ausência de espelho ou de falta de memória. Trata-se de uma situação transversal, face à qual, qualquer cidadão, no mínimo, acaba por sentir um claro desconforto. O que ontem era uma verdade incontornável, defendida com unhas e dentes, hoje, é posta no arquivo morto do pensamento. E nós, cidadãos, vamos assistindo a guerras de paróquia, que nada adiantam, e que apenas assentam no desejo de desgastar o adversário político. Bem comum? Mas qual bem comum?



Os exemplos são muitos, desde o discurso político de ontem, particularmente feroz sobre quem legitimamente governava, que hoje se tornou absolutamente dócil, meloso, rastejante, de ideologia vendida aos bocados, embora saibam que o poder é sempre finito; até às situações mais delicadas que ontem, no interior do mesmo partido, foram motivo de desentendimento e queixa e que, hoje, os mesmos argumentos são literalmente esquecidos, apenas porque interessa estrangular quem, também, foi legitimamente eleito.
Guerras sem sentido, sem elegância e sem ponderação, onde sobressai, para quem é espectador, apenas o interesse pelo poder a qualquer preço. Bem comum? Mas qual bem comum?
Há orquestras bem afinadas, na República e na Região, em muitos casos abusivamente reivindicativas, acompanhadas de um coro disciplinado, sem fífias, que toca, canta e repete letras e sons conhecidos, na expectativa que os cidadãos, em uníssono, também sejam levados, inconscientemente, a cantarolá-los. Nem conta dão que essa é a via da descredibilização. Simplesmente porque "os cidadãos não são parvos nem andam a tirar documentos para estúpidos".
Este exercício da política cansa e torna-se desesperante. Não é o interesse pelo desenvolvimento que está em jogo, mas os interesses das teias criadas em redor dos diversos poderes. Bem comum? Mas qual bem comum?
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Biden versus Trump – a força dos votos pode não chegar


Soixante-Huitard, 
12/11/2020

Para a maioria dos leitores Joe Biden será, após tomar posse em 20 de Janeiro, o 46º Presidente dos Estados Unidos. Mas acreditar absolutamente que isso virá a acontecer, que no final a Lei prevalecerá, nem que seja necessário usar a força para expulsar Donald Trump da Casa Branca, não é prudente uma vez que opinião contrária têm os maiores peritos na Lei Eleitoral e na Constituição, estando todos de acordo que as ameaças à Democracia que Trump representa não têm precedente, e que a crise Constitucional que se aproxima será de tal gravidade que a Nação, acabado o ciclo eleitoral, poderá não ter um Presidente eleito segundo a vontade popular expressa nas urnas.



Estará Trump a puxar da pistola?

Mas Trump avisou repetidamente que jamais reconheceria qualquer resultado eleitoral que lhe fosse adverso: Já nas eleições de 2016, em que derrotou Clinton, e recentemente em Julho ao ser perguntado se respeitaria o resultado recusou-se a responder. Esta questão não é meramente hipotética: Já foi respondida em 2016 quando Trump, ao perder o voto popular para Hillary Clinton, (por uma diferença de mais de 2.900.000 votos ), alegou serem todos esses votos de imigrantes ilegais, logo todos fraudulentos. Num comício no Ohio proclamou: “Senhoras e Senhores: vou fazer uma declaração importante: Prometo solenemente a todos os meus eleitores e apoiantes, bem como ao povo Americano, que aceitarei sem reservas o resultado desta eleição Presidencial…se….eu ganhar !”

Desde 2016 se conhecia que os votos pelo correio favoreciam em grande percentagem os candidatos do Partido Democrata. Sabia-se também que a votação não presencial aumentaria muito devido à pandemia, como veio a verificar-se. Cedo Trump, e o Partido Republicano, lançaram uma campanha minuciosamente preparada para deslegitimar esses votos, ao mesmo tempo que os seus apoiantes eram instados a votar presencialmente. Foi criada assim uma maneira fácil de distinguir entre votos potencialmente favoráveis e os que não eram. Durante o passado Verão Trump produziu uma barragem de ataques diários contra o voto postal, ao mesmo tempo que prosseguia, por vários métodos e em várias frentes, a supressão do direito ao voto das minorias étnicas.

O que se assiste agora é a primeira fase desse plano destinado a impedir a tomada de posse de Joe Biden, com os Republicanos a contestarem os resultados eleitorais em todos os Estados ganhos pelos Democratas por escassa maioria.

Esta acusação de fraude em larga escala é totalmente fictícia, e os pretextos usados pelos Republicanos para anular votos validamente expressos não têm qualquer mérito legal como se comprova num relatório do Brennan Center for Justice, uma organização não partidária, que estima que os votos fraudulentos nas eleições realizadas nos últimos anos não representam mais do que 0.0025% do total. Um outra investigação, feita pela Loyola Law School, encontrou apenas 31 casos de votos com fundamento para serem anulados, entre todos os registados nas eleições efectuadas nos Estados Unidos entre 2000 e 2014.

O que se pretende é prolongar por todos os meios a contestação dos resultados até ao meio-dia de 20 de Janeiro, o que é possível devido a ambiguidades na Constituição, mas cuja 20ª Emenda é clara ao prescrever que o mandato do Presidente em exercício terminará impreterívelmente naquela data e aquela hora. Mas, chegado esse momento, se os preceitos Constitucionais não tenham sido cumpridos, Biden não poderá tomar posse e Trump continuará Presidente, com todas as vantagens, poderes e prerrogativas do cargo.


O interregno que decorre entre a eleição e a tomada de posse tem por Lei a duração de 79 dias. Nessa Lei está estipulado que na primeira Segunda-Feira, depois da segunda Quarta-Feira de Dezembro, ou seja, este ano a 14 de Dezembro, todos os 538 membros do Colégio Eleitoral, já anteriormente nomeados, reunirão nos respectivos Estados para votar no candidato que tiver reunido a maioria dos votos nesse mesmo Estado. A 3 de Dezembro, o novo Congresso saído das eleições reunirá pela primeira vez, (Senado e Câmara dos Representantes), para a 6 de Janeiro, em nova reunião plenária, nomear formalmente o candidato que, tendo conseguido o número mínimo de 270 do Colégio Eleitoral, será o novo Presidente dos Estados Unidos, e cuja tomada de posse deverá ocorrer, como se disse, a 20 de Janeiro do mesmo mês.

Mas, se estes procedimentos têm sido respeitados desde o Séc. XIX, nomeadamente que os membros do colégio eleitoral devem ser nomeados em cada Estado segundo o resultado das eleições realizadas nesse mesmo Estado, a Constituição, no seu Artº II, estipula porém que essa nomeação “possa ser feita da maneira que a Legislatura, (Estadual), entender”. Este poder, que o Estado pode “reapropriar-se do poder de nomear ele próprio os membros do seu Colégio Eleitoral”, foi recentemente reafirmada num acordão do Supremo no caso Bush v. Gore.

Tomemos o exemplo do Arizona, Estado onde Governador, Governo e Assembleia Legislativa são do Partido Republicano. Nada impede portanto que os membros do Colégio Eleitoral nomeados sejam Republicanos, que votarão em Trump, embora a eleição no Estado tenha sido ganha por Joe Biden.


Se multiplicarmos o exemplo do Arizona em todos os Estados que o Partido Republicano controla, e onde a margem da vitória dos Democratas seja mais estreita, quanto mais tempo Trump prolongar a contestação dos resultados eleitorais maiores serão as hipóteses de ver os Democratas do Colégio Eleitoral serem substituídos por Republicanos.

À medida que o dia 20 de Janeiro se aproxima a luta, por enquanto politica, torna-se mais dura e o seu palco muda-se para o Senado e para a Câmara dos Representantes. Se, como tudo indica, os Republicanos mantiverem o controlo do Senado, e os Democratas o da Câmara dos Representantes, os cenários possíveis são todos dantescos, com golpes e contra-golpes mas sempre com o mesmo desfecho: No dia 20 de Janeiro não haverá consenso sobre quem será Presidente, logo não haverá tomada de posse.

Nas ruas reinará o caos e a violência semeada pelas muitas milícias armadas de extrema-direita. Trump, que continua com os seus poderes intactos, declara a Lei Marcial , anula as eleições e a América não será mais uma Democracia.

Se o leitor achar este final demasiado terrível para ser credível, eu espero que tenha razão. Afinal os Estados Unidos não são a Rússia de Putin, o Brasil de Bolsonaro ou a Turquia de Erdogan, e um regime ditatorial seria “Bad for Business”. E alguns ténues sinais vão nesse sentido: A FoxNews e o Wall Street Journal já vão criticando Trump, sinal que Rupert Murdoch, esse magnata dos media, já vai fazendo contas à vida. Não seria uma bela Ironia se a Democracia acabasse por ser salva pelo grande capital?