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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O beijo

 

Já vai na ONU... como se não tivéssemos mais nada que nos preocupar do que com a história que enche páginas, telejornais, debates, comentários, redes sociais em polvorosa, movimentos diversos de defesa disto e daquilo, todos com os cabelos em pé, tudo por causa de um beijo dado no meio de um incontido momento de esfusiante alegria. Que ele devia ter evitado, não apenas pela posição que ocupa, mas pelo significado e repercussões públicas, obviamente que sim; que devia coibir-se pelo respeito à mulher-atleta, certamente que todos estaremos de acordo. Mas daí ao chinfrim que daquela acção resultou, parece-me exagerado. Um centímetro ao lado da boca e já ninguém falaria do assunto. A não ser que o passado da personalidade em questão seja pouco recomendável.



Os beijos de Eduard Klimt e a escultura de Rodin. 

Tenho o maior asco pela violência sobre as mulheres, o maior vómito pelas atitudes, sobretudo masculinas, que menorizam, sublinho, o valor da Mulher, em todos os campos, a maior repugnância contra situações que inferiorizam a Mulher no reconhecimento familiar, social, salarial e político, enfim, sintetizo, ambos os géneros, seja qual for a identidade sexual, merecem-me o maior respeito enquanto seres humanos.

Já vi fotografias, na prática desportiva, de homens beijando-se, mulheres beijando-se, homens e mulheres apalpando-se, situações que me podem levar a dizer que "não havia necessidade", porém, a expressão das emoções enquanto resposta do corpo aos estímulos (conquista de um campeonato do Mundo) deve, julgo eu, ser equacionada e enquadrada num espaço que não me parece ser de "agressão sexual", mas sim de esfusiante e incontrolável alegria. Repito, a não ser que o autor seja portador de um histórico condenável! Aí a história é outra, porque pode pressupor uma intencionalidade.

Mais grave e sobre o qual ninguém fala é o seu gesto obsceno a dois passos da Rainha Letícia. Essa situação pareceu-me de uma gravidade extrema: pelo gesto ordinário e ofensivo e pelo facto de saber que hoje nada escapa às câmaras que transmitem o acontecimento.

Por mim, aquela situação, não é que me passe ao lado, mas coloco-a na dimensão de um espectáculo mundial medíocre. E por falar de beijos, entre outros, prefiro apreciar o de Gustav Klimt que já por três vezes apreciei na galeria de Belvedere (Viena) ou, então, a monumental obra escultórica em mármore que tive a oportunidade de, recentemente, voltar a apreciar no museu de Rodin, em Paris. Esses sim, são beijos que espelham muito mais do que a atitude impensada de uma qualquer figura do futebol.

Regressando ao início, mais preocupado estou com a(s) guerra(s) que assolam o planeta, com a fome que grassa no mundo, com todos os que hoje estão confrontados com pornográficas taxas de juro na habitação, com os especuladores que fazem dinheiro com o nosso dinheiro, a banca, por exemplo, com os salários de miséria, com o negócio da droga, com o avassalador número de jovens que não estudam nem trabalham, com as políticas de governos que apenas olham para a manutenção do seu poder, com a corrupção, com a violência gratuita a todos os níveis, com as alterações climáticas, com a morte às centenas de migrantes, esses sim, entre muitos outros, parecem-me ser situações que deviam merecer um outro olhar acutilante da comunicação social.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

1,2% dos adultos têm 47,8% da riqueza mundial, enquanto 53,2% têm apenas 1,1%


Por
Michael Roberts [*]
Economista
22/Agosto/2023

Todos os anos, chamo a atenção dos leitores do meu blogue para os resultados do último Relatório sobre a Riqueza do Credit Suisse. Este relatório é elaborado pelos economistas Anthony Shorrocks (com quem me formei na universidade), James Davies e Rodrigo Lluberas. É o estudo mais completo sobre o património pessoal global e a desigualdade entre adultos em todo o mundo.


A riqueza pessoal é definida como a propriedade de bens imobiliários e ativos financeiros (ações, obrigações e dinheiro) menos dívidas para todos os adultos do mundo. De acordo com o relatório de 2022, no final de 2021, a riqueza global atingiu 463,6 mil milhões de dólares, o que representa um aumento de 9,8% em relação a 2020 e muito acima da média anual de +6,6% registada desde o início do século. Deixando de lado os movimentos da taxa de câmbio, a riqueza global agregada cresceu 12,7%, tornando-se a taxa anual mais rápida já registada. A riqueza média por adulto aumentou para 87 489 dólares no final de 2021. Numa base país a país, os Estados Unidos adicionaram a maior riqueza familiar em 2021, seguidos pela China, Canadá, Índia e Austrália.


Este aumento da riqueza (imobiliário e ativos financeiros) não foi partilhado de forma equitativa. Pelo contrário, a quota de riqueza do 1% do topo mundial aumentou pelo segundo ano consecutivo, atingindo 45,6% em 2021, contra 43,9% em 2019. Esta situação é representada no relatório por uma pirâmide.



A pirâmide da riqueza mostra que 62 milhões de pessoas de um total de 4,4 mil milhões de adultos no mundo, ou apenas 1,2%, tinham 47,8% da riqueza mundial, enquanto 2,8 mil milhões de adultos (ou 53,2%) tinham apenas 1,1% – um nível de desigualdade impressionante. Enquanto os 1,2% do topo tinham uma riqueza média, após a dívida, de bem mais de 1 milhão de dólares cada, os 53% da base tinham bem menos de 10.000 dólares cada, pelo menos 100 vezes menos.

E dentro do grupo dos mais ricos, a desigualdade é igualmente gritante – com mais uma pirâmide. Existem 264 200 indivíduos com um património líquido superior a 50 milhões de dólares no final de 2021. São mais 46 000 do que os 218 200 registados no final de 2020, que, por sua vez, eram mais 43 400 do que em 2019. Estes aumentos são mais do dobro dos aumentos registados em qualquer outro ano deste século. Em conjunto, significa que o número de adultos com riqueza superior a 50 milhões de dólares aumentou mais de 50% nos dois anos de 2020 e 2021. Este recente aumento da desigualdade deve-se ao aumento do valor dos ativos financeiros durante e após a pandemia de COVID-19 – e são os ricos que detêm a maior parte dos ativos financeiros.


O aumento global da riqueza mundial reflete sobretudo o aumento da riqueza na China e a expansão da "classe média" no chamado mundo em desenvolvimento. Mesmo assim, a riqueza média deste grupo é de 33.724 dólares, ou seja, apenas cerca de 40% do nível de riqueza média mundial. A maioria das pessoas ricas e muito ricas continua a viver no chamado "Norte Global". Mas note-se que 7% das pessoas mais pobres do mundo vivem na América do Norte.


A desigualdade global aumenta ou diminui em resposta a alterações na desigualdade de riqueza dentro dos países: a chamada componente "dentro do país". Mas também é afetada por alterações nos níveis médios de riqueza dos países em relação à média global: a componente "entre países". Neste século, o aumento da riqueza das famílias nos mercados emergentes, nomeadamente na China e na Índia, reduziu as diferenças de riqueza entre países, pelo que a componente entre países diminuiu muito rapidamente. Este foi o fator dominante que determinou a tendência geral para a diminuição da desigualdade.


No século XXI, a riqueza mediana por pessoa aumentou de 1613 dólares em 2000 para 8296 dólares em 2021, um aumento anual de 8,1%. Mas este é o resultado do forte aumento da riqueza mediana na China, de 3133 dólares por pessoa para 26752 dólares em 2021 (12% por ano), ou de 7% da riqueza mediana da América do Norte em 2000 para 28% em 2021. A riqueza mediana da China por pessoa em 2000 era cerca do dobro da média mundial; atualmente é mais do triplo.


A Índia também registou um aumento da riqueza mediana por adulto, de 1005 dólares em 2000 para 3295 dólares em 2021, ou seja, 7% ao ano, mas em 2000 a riqueza da Índia por adulto era apenas 2% da da América do Norte; agora é apenas 3%; e os adultos da Índia continuam muito abaixo da média mundial. De facto, esse rácio caiu de 62% em 2000 para 40% atualmente. A Índia está a regredir relativamente, enquanto a China está a progredir relativamente.

E aqui está um ponto-chave que vale a pena considerar. Se é proprietário de uma propriedade para viver e, depois de saldar a sua dívida hipotecária, ainda tem mais de 100 000 dólares de capital próprio e quaisquer poupanças, está entre os 10% mais ricos de todos os adultos do mundo. Pode ser difícil de acreditar, mas é verdade, porque a maioria dos adultos do mundo não tem qualquer riqueza.

Quanto à desigualdade entre homens e mulheres, o relatório conclui que, dos 26 países que representam 59% da população adulta mundial, 15 países (incluindo a China, a Alemanha e a Índia, por exemplo) registam um declínio na riqueza das mulheres nos últimos dois anos.

Quanto aos super-ricos a nível mundial, existiam 62,5 milhões de milionários no final de 2021, mais 5,2 milhões do que no ano anterior. Os Estados Unidos acrescentaram 2,5 milhões de novos milionários, quase metade do total mundial. Este é o maior aumento do número de milionários registado em qualquer país em qualquer ano deste século e reforça o rápido aumento do número de milionários observado nos Estados Unidos desde 2016. Os EUA têm agora 39% de todos os milionários numa população de 350 milhões, enquanto a China tem 10% com uma população de 1,4 mil milhões.


Quanto à desigualdade de riqueza dentro dos países, no final de 2021, o coeficiente de Gini (a medida habitual de desigualdade) para a riqueza era um enorme 85.0 nos Estados Unidos (lembre-se de que 100 significaria um adulto possuindo toda a riqueza). De facto, nos Estados Unidos, todas as medidas de desigualdade têm registado uma tendência ascendente desde o início da década de 2000. Por exemplo, a quota de riqueza do 1% dos adultos mais ricos aumentou de 32,9% em 2000 para 35,1% em 2021 nos Estados Unidos.

E na China? Bem, o coeficiente de Gini da riqueza subiu de 59,5 em 2000 para um pico de 71,7 em 2016. Em seguida, diminuiu para 70,1 em 2021, próximo do valor registado em 2010 e cerca de 20% inferior ao dos EUA. A desigualdade de riqueza na Índia era muito mais elevada em 2000 e tem aumentado desde então. O coeficiente de Gini passou de 74,6 em 2000 para 82,3 no final de 2021. A quota de riqueza do 1% do topo passou de 33,2% em 2000 para 40,6% em 2021. Tal como os EUA, a Índia é para os muito ricos.

Em algumas economias capitalistas avançadas, a desigualdade de riqueza diminuiu na primeira década do século XXI, mas depois aumentou após a crise financeira global e a queda da pandemia. Em 2021, o Gini da riqueza tinha subido ligeiramente acima do seu nível de 2000, situando-se em 70,2 em França e 70,6 na Grã-Bretanha – aproximadamente o mesmo que na China.

O relatório fornece uma perspetiva global sobre a disparidade da riqueza entre países e regiões no seu mapa da riqueza mundial. Este mostra que os países com uma elevada riqueza por adulto (superior a 100 000 dólares) estão concentrados na América do Norte e na Europa Ocidental, bem como nas regiões mais ricas da Ásia Oriental, do Pacífico e do Médio Oriente, com alguns postos avançados nas Caraíbas.

A China e a Rússia são os principais membros do grupo de países de "riqueza intermédia", com uma riqueza média entre 25 000 e 100 000 USD. Este grupo inclui também os membros mais recentes da União Europeia e importantes economias de mercado emergentes na América Latina e no Médio Oriente.

Um passo abaixo, o intervalo de "riqueza de fronteira" de 5 000 a 25 000 USD por adulto é um grupo heterogéneo que abrange países densamente povoados, como a Índia, a Indonésia e as Filipinas, bem como a maior parte da América do Sul e os principais países subsarianos, como a África do Sul. Os países asiáticos em rápido desenvolvimento, como o Camboja, o Laos e o Vietname, também se incluem nesta categoria.

Os países com uma riqueza média inferior a 5.000 dólares constituem o último grupo, que é dominado por países da África Central.


O bloco imperialista é constituído pela América do Norte, a Europa e o Japão, a que se junta a Austrália. Tal como o bloco imperialista domina o comércio, o PIB, as finanças e a tecnologia, detém quase toda a riqueza pessoal.

Ver também:



Este artigo encontra-se em resistir.info

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Alto... isto é um assalto!


A história é simples: o cliente A do banco X procedeu a uma transferência para a empresa B do banco Y. Acontece que se enganou no IBAN. Detectado o erro, o cliente A solicitou ao seu banco para cancelar a transferência e proceder ao estorno. Por esta actuação, ao cliente do banco X foram-lhe cobrados € 40,00 e o "respectivo imposto de selo". Total: € 41,60!



Vamos lá ver, quero ser mais claro: o cliente sou eu e banco X é o Novo Banco. Presumo que esta forma de actuação está generalizada (conluiada) a toda a banca. Ora bem, não admira, pois, que a banca, diariamente, lucre mais de dez milhões. Trata-se de mais um facto que demonstra um claríssimo ASSALTO aos clientes. 

No meu caso, igual a tantos outros, nem me valeu deles ser cliente há mais de 50 anos. Mais ainda, ter sido, repito, como outros, um cliente que não procedeu à transferência de depósitos aquando da vergonhosa má gestão do BES que levou à ruína de muitos clientes e à estrondosa queda do Banco Espírito Santo. Ali permaneci, pelo entendimento que os empregados precisavam de manter os postos de trabalho.

O erro cometido devia ser interpretado como um serviço prestado ao cliente (no âmbito da solidariedade entre as instituições bancárias), até porque, por um lado, são certamente escassos erros deste tipo (ninguém anda, intencionalmente, a se enganar no IBAN), por outro, porque todos os meses o banco cobra uma taxa designada por "manutenção de conta". Mas não, nós clientes somos números, sem história, que mesmo que reclamem, como vulgarmente se diz, tais vozes entram nos ouvidos dos banqueiros a 100 e saem a 200! Ninguém põe cobro a este e tantos outros abusos de uma banca gananciosa que nem um mínimo de respeito tem pelos contribuintes que, em vários casos, a salvou da bancarrota. Tenham, por favor, um mínimo de vergonha!

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 13 de agosto de 2023

Praia Formosa - a tempo de defender o interesse público



Pergunto: que consequências advirão do facto de ter sido colocado à discussão pública o investimento que a "Ponta de Lança - Sociedade Imobiliária, SA pretende operacionalizar na Praia Formosa? Zero, talvez seja a resposta, porque a decisão política está tomada. Tudo o resto constituirão acertos marginais.



Por um lado, porque por ausência de um conhecimento substantivo desse projecto e de uma consistente alternativa para aquele espaço, será naturalmente reduzido o número de cidadãos a fazerem ouvir a sua voz com credibilidade técnica e científica; por outro, porque quem o deseja, encontrará sempre floreados discursivos e contrapartidas que darão a entender que a sua é a melhor solução.

De resto, é a própria história de processos semelhantes que assim confirma e me conduz a esta leitura. Para que assim não acontecesse, necessário seria uma outra cultura de cidadania. Que nós não temos! As vozes que se fazem ouvir, sobretudo através de organizações de defesa do ambiente e dos cidadãos em geral, acabam, infelizmente, esmagadas pela força dos interesses dos grupos económicos e decisores políticos.

Aliás, é público que já existe, através dos promotores, uma aquisição do espaço (com sinal verde da autarquia), um projecto e até venda antecipada de apartamentos, mesmo antes de qualquer debate, manifestação pública e licenciamento da obra. Certamente, muitos apartamentos já foram adquiridos para depois serem vendidos de forma especulativa. Mas esse não é o problema central.

Ora, neste quadro, colocar o projecto à discussão pública não passa de uma claríssima farsa. Aliás, o próprio presidente da Câmara já afirmou que deseja que a obra tenha início em Setembro próximo. Para mim está tudo dito ou definido. Tudo isto sem serem do conhecimento público questões essenciais, entre muitas outras, as de impacto ambiental, os imprescindíveis estudos de natureza geológica e uma aprofundada previsão do que eventualmente poderá acontecer aos milhares de m2 "oferecidos para usufruto da população", na sequência das alterações climáticas e do provável avanço do mar para terra. Mas destas importantes especialidades eu nada sei, portanto, não devo dar opinião, pelo que importante seria, defendo, que tudo fosse devida e cientificamente esclarecido.

Dirão alguns: apesar de todas as reservas, pela montagem fotográfica, ficará melhor do que agora a Praia Formosa apresenta. É uma leitura! O problema, porém, não me parece ser esse, mas, de uma vez por todas, a Praia Formosa, sempre adiada, dispor de um projecto para a cidade, para os seus cidadãos e não um espaço cobiçado por uns quantos com fins claramente especulativos, do qual irá restar, apenas, umas franjas para a população se, posteriormente, determinadas zonas não forem concessionadas.

Porque não acredito na seriedade deste tipo de consultas públicas, tampouco na implementação de um referendo, penso que o mais avisado seria, na salvaguarda do interesse público, não sei se existe ou não esta figura jurídica, a implementação de uma acção judicial, no sentido de tentar travar (para melhor conhecimento de todos) aquilo que parece ser um "caso" de duvidosa transparência, onde prevalecerá a força de uma maioria política aberta aos interesses de uns poucos.

Ilustração: Google imagens / Formosa Bay - Pestana Residences & CR7

Inferno, purgatório e céu...



Sigo com muita atenção praticamente tudo, e muitas vezes releio, o que escrevem. Refiro-me a dois eminentes Padres madeirenses: Martins Júnior e José Luís Rodrigues. Aprecio a acutilância discursiva de quem serve o seu Povo, que o respeita e o convida a ver o outro lado das coisas. Aprecio quem se furta a lengalengas. Porque há sempre um outro lado, por vezes não descortinável, que só a sabedoria os desvenda com a simplicidade das palavras.



Foi o que me aconteceu esta tarde ao ler o texto do Padre José Luís sobre as Jornadas Mundiais da Juventude. A páginas tantas...

"(...) Enfim, esperava, ainda espero homilias frescas, curtas e incisivas como foram as do Papa Francisco. É tempo de uma vez por todas de se deixar de falar do céu e passarmos a falar da realidade concreta da vida, como disse o Papa Francisco no discurso que fez aos universitários quando citou Santo António. (...)"

Pois é. Sempre preferi ler os dignitários da Igreja à luz da PALAVRA contextualizada com a vida real. Sou do tempo do medo do inferno, do purgatório, do pecado, até através do pensamento, e vivo agora o tempo do Céu! Prefiro que dele não falem, mas que optem pelo discurso simples, construído por palavras fáceis de entender, por palavras libertadoras que coloquem em sentido "todos, todos, todos" os que infernizam a vida de uma imensa legião de pobres e de "remediados" como se dizia no tempo da ditadura.

De facto, não é preciso falar do Céu. Fundamental é fazer cumprir a PALAVRA doa a quem doer.

Obrigado Padre José Luís pela sua reflexão.

domingo, 6 de agosto de 2023

"Caminhar contracorrente"

 

Terminaram as Jornadas (JMJ). Muito mais do que o "espectáculo" televisivo, meticulosamente montado e com muita treta pelo meio, interessou-me seguir as palavras de Francisco, o Papa "que veio do fim do Mundo". Há muito tempo que o faço, distante dos rituais, mas pelo apreço que tenho pela profundidade das suas intervenções ditas de forma simples, incisivas, dirigidas para dentro e para fora da Igreja, o seu pensamento que traduz e contextualiza a Palavra, pelo apreço que mantenho pelo Homem que espeta o dedo, "sem medo", nas feridas políticas que sangram, não com paleios fúteis, mas com a determinação que "os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de extrema pobreza e estruturas económicas injustas, que originam as grandes desigualdades".



Nestas Jornadas, presumo que intencionalmente, Francisco deixou muitas entrelinhas que fazem corar de vergonha quem, por dever e obrigação pastoral, devia mostrar-se independente, afastando-se das atmosferas bafientas para desafiar tantos que, por egoísmo, estreiteza de ideias e porventura inconfessados interesses, infernizam a vida de "todos, todos, todos". Falam da Palavra mas não as interpretam em função das circunstâncias que a rodeiam. Inaceitável!

Circunscrevo-me à Diocese do Funchal, a esta região minúscula de Portugal. Aqui sempre vivi e acompanhei os seus líderes. Com alguma atenção, com as devidas excepções que a regra quase sempre impõe, tenho, obviamente, uma leitura, mesmo que mínima, de todo o espaço nacional. Mas não quero generalizar. Fico-me por aqui e, portanto, não vou lá atrás. Fico-me, apenas, pelos Bispos do período democrático desta Região: D. Francisco Antunes Santana (1974-1982); D. Teodoro de Faria (1982-2007); D. António José Cavaco Carrilho (2007-2018); D. Nuno Brás da Silva Martins (2018-). E, naturalmente, interrogo-me sobre o que fizeram e o que deixaram portador de futuro. No essencial, que razões os levaram a não assumirem um claríssimo compromisso com a Palavra, a não serem os percursores do discurso de Francisco, antes terem optado pela rotina embrutecedora, estupeficadora e cristalizadora de uma Igreja que antes devia ser libertadora, agregadora e frontal relativamente aos "falsos crentes".

Ficaram, grosso modo, pelos rituais, pelo martírio do medo, do pecado e até pela perseguição a quem pensasse de uma forma diferente à luz da Palavra do Evangelho. Exemplo maior o que fizeram ao Padre José Martins Júnior. Foi necessária uma resiliência de quase 50 anos, um estoicismo de quem sempre interpretou que o sentido da Igreja é para "todos, todos, todos", na sua absoluta negação de ser funcionário e pela convicção que "é um escândalo ir à igreja e depois odiar os outros". Cinquenta anos de perseguição e de maledicência e ainda não lhe pediram perdão, sublinho! Mas outros andaram e andam por aí, uns que, voluntariamente, deixaram a sua vocação, porque desencantados com catalogações políticas diversas e cansaço por violação das suas consciências, outros que continuam, embora olhados de esguelha, porque animados do sentimento do Papa Francisco, de que "é preciso perder o espírito de resistência à mudança". Curvo-me perante estes, os que já faleceram e alguns de infinita coragem.

Caiu o pano das Jornadas. Tempo agora para "todos" olharem para dentro e deixarem de brincar aos santinhos e aos rituais. É a Palavra, a Mensagem que interessa. E isso impõe ser frontal, dizendo não e apontando que há muito reizinho nu. É tempo de colocar muita gentinha em sentido, doa a quem doer e sem deles falar. Sem joguinhos político-partidários, sempre escondidos mas sempre com o rabo de fora, para que "todos, todos, todos" sintam, na esteira do Papa Francisco que "ser cristão não se reduz a cumprir mandamentos" (...) e que "a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração."

Ilustração: Google Imagens.