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sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Javardices não escrutinadas

 

Enquanto madeirense sinto-me envergonhado com várias situações que estão a acontecer ou por aquelas que, a propósito, vêm a colação carregadas de aldrabice às escâncaras e de um intolerável mau gosto. Não sei para onde caminhamos. Já não são coisitas de somenos importância, que nos desagradam mas toleramos. São questões de princípios e valores que não podem, em circunstância alguma, serem carimbadas no passaporte da respeitabilidade, da dignidade e da honorabilidade. Atingimos o ponto de uma inaceitável bandalhice, indignidade e baixeza que coloca em causa a sociedade que desejamos: equilibrada, culta, respeitadora dos direitos e deveres da vida democrática.



Assiste-se ao aviltamento e a uma certa desvergonha só possível quando faltam referências maiores capazes, pelo seu exemplo, de repelir para bem longe tudo o que se enquadra no âmbito da porcaria. Já tivemos importantes referências políticas para quem olhávamos e escutávamos com atenção, mesmo que não concordássemos com o partido político que representavam. Um dos que guardo em memória, um Senhor, sublinho, o Doutor Adriano Moreira. E em todos os quadrantes políticos, ressalvo, ao longo da vida, acompanhei pessoas de uma elevadíssima respeitabilidade e idoneidade política e social. 

Estamos a cair, em acelerada velocidade, no lado oposto. Eu não entendo a lógica de quanto pior melhor; é-me difícil aceitar que se garanta a presença no hemiciclo de quem demonstrou, com imagens ao jeito de uma produção porno, não ter a mínima qualidade para nos representar; não consigo engolir, nos governos e nos hemiciclos, pessoas que não foram devidamente escrutinadas, desde alegados problemas com a Justiça até à participação em gravações de áudio e de vídeo, onde emergem conteúdos escabrosos, indignos e revoltantes.  

Mas não é apenas isto que é perturbador. Se o último acto eleitoral teve em vista a eleição de deputados representantes da vontade popular, como é possível suportar a mentira, a aldrabice nas palavras ditas, a subversão de tudo aquilo que devia ser total e rigorosamente transparente. É um que sublinha que disse que ia embora só para "pressionar" o eleitorado (era a fingir!); outro que afirma que a Pediatria é a sua opção e, portanto, prescinde da Assembleia; outro que diz que não contactou a Iniciativa Liberal na noite das eleições e agora sabe-se que não foi assim. Por aí fora...

Mas quero ser mais preciso. Através de um comentário deixado na minha página de facebook, espreitei este endereço: Jesus, Natal e Merdas.. - YouTube. Aguentei dois minutos e exclamei: este não é o meu mundo. Isto é execrável em qualquer parte do Mundo! O problema é que a maioria política na Assembleia e a tal pressuposta "estabilidade" esgota-se numa pessoa que não foi, certamente, escrutinada por quem devia. O líder do partido vencedor das eleições, não escrutinou (olhou apenas para o voto), a líder do PAN idem e, finalmente, pior ainda, o Senhor Representante da República não o fez com o cuidado que lhe competia, o que significa que todos concordaram com a javardice. Do meu ponto de vista, o Senhor Representante devia ter mandado realizar esse trabalho. É neste quadro que o exercício da política está a movimentar-se. Parece que qualquer coisa serve. Ora bem, alguém está a mais, por isso, seria bom para sanidade do sistema político que saltassem desta carroça desengonçada.

Ademais, ser Deputado está muito para além de votar os diplomas. Obrigatoriamente, têm de ser pessoas de qualidade e de conteúdo político (estudando os dossiês), técnico, cultural no sentido lato do termo e de reconhecimento social à prova de bala. Tudo o que sai deste quadro é grosseiro e, algumas vezes, nojento e patético.

Desculpem-me o tom deste texto, mas estou saturado de porcaria.

Ilustração: Youtube

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

"A Deputada é uma mulher"

 

A Senhora é Deputada do PAN, mas as críticas que sobre si e o seu partido recaem não são pelo facto de ser mulher. O problema, muito grave, é outro. Fundamentalmente, o de desconhecer a História da Madeira, o que tantos andaram "para aqui chegar". Se errou, em parceria com a líder do PAN ao nível nacional, foi por uma clara ausência de conhecimento, do antes, do depois da Revolução contra a ditadura e, finalmente, do estudo sobre os 47 anos de "democracia" de trela na mão.



Não é pelo facto de ser mulher. Quantas mulheres de mão cheia por aí participam em lugares de notável importância, não apenas no exercício da política, mas de uma activa cidadania. Perante essas mulheres curvo-me pela capacidade de visão, humildade e pela doação aos outros que demonstram ter. 

O seu problema, Drª Mónica Freitas, não é por ter nascido em 1995, quando a tal "Democracia" já tinha 21 anos. O seu problema é o de ter abdicado de grandes bandeiras que o PAN defende e, de olhos vendados, sucumbir ao primeiro convite que tem muito de venenoso. Se tivesse estudado, com independência, se tivesse escutado os "homens e mulheres grandes desta tabanca" (expressão que escutei no mato da Guiné, no tempo da guerra colonial) provavelmente teria dito, não, obrigado! Porque a ética jamais pode sucumbir. Saiba, Drª Mónica Freitas, que há gente que faz da política a sua profissão e, portanto, como se diz na vulgaridade das expressões, têm "muitos anos a virar frangos". Há gente que aquilo que apresenta na montra não está em conformidade com o que guardam no armazém. Então, na política... Olhe para a declaração do Dr. Miguel Albuquerque, para a sua "irrevogável" decisão de se demitir se não obtivesse uma maioria absoluta. O que aconteceu, Drª Mónica Freitas? Acabou por remar para terra! Terá tempo de ver todo o tipo de contorcionismos nesta "sui generis" Assembleia. O Dr. Jardim apelidou-a de "casa de loucos". Lembra-se? Talvez não.

Portanto, não é por ser mulher que a crítica ao seu acto cúmplice de uma velha política está, irremediavelmente, a envolvê-la. É por não ter estudado todo o processo. Inclusive, os dossiês do processo de governação, as promessas, os incumprimentos, as obras megalómanas, a colossal dívida. Mas considero que ainda vai a tempo. Isto ainda nem começou, nem saiu ao adro. Se se agarrar às verdadeiras bandeiras do PAN, se for MULHER de fibra e consciência à prova de bala, não lhe dou um ano para retirar este apoio a quem ganhou as eleições em minoria. Presumo isto, porque sentir-se-á, umas vezes subtilmente, outras, descaradamente, ultrapassada naquelas importantes bandeiras que são a essência do PAN. Eles dir-lhe-ão que já está no "programa de governo". 

Se assim não fizer, em 2027, estou convicto que não haverá PAN na Madeira. Passe os olhos pelo Youtube e tenha a paciência de escutar o que diziam, por exemplo, os deputados do CDS/PP antes da coligação e o que defendem hoje. Foram, infelizmente, absorvidos e, politicamente, aculturados. Por vezes, falam com mais convicção e em mais altos decibéis que os deputados do PSD. Até vi, na RTP-Madeira, na noite eleitoral, o líder do CDS cantar: "queremos Miguel a presidente", quando a sua postura devia ser comprometida (parceiro de uma coligação) mas discreta, de respeito pela importância histórica da Democracia-Cristã.  

Não é por ser mulher, repito. E isso compreenderá, brevemente, após a lua-de-mel, quando violarem os seus princípios e valores programáticos. Aí, restar-lhe-á salvar o PAN de ser engolido por uma máquina que, como vulgarmente se diz, "não brinca em serviço". E salvar o PAN corresponderá ao que o povo ditou nas urnas: não quer maioria absoluta nos próximos quatro anos.

Para além disso, a História deste processo, tarde ou cedo, será do conhecimento de todos. Por exemplo, o que esteve na origem na substituição das listas. Isto está muito mal explicado. Que interferências existiram, se existiram? Será que as negociações já vêm de algum tempo? Enquanto cidadão eleitor é legítimo que me passe isto pela cabeça, quando o líder do partido vencedor assumiu que em 24/48 horas estaria tudo resolvido. Não sei. Um dia se saberá.

Ilustração: Google Imagens / Dnotícias

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Carta Aberta à líder do PAN - Inês Sousa Real


Por
Violante Saramago Matos
Bióloga


A senhora não me conhece. Nunca nos cruzámos. O mais provável é que nunca o façamos. O que não me impede de lhe dirigir esta carta aberta que tornarei pública, depois de a enviar para o mail do seu partido, (geral@pan.com.pt., conforme informação do respectivo site).

Ouvia-a ontem à noite, 24 de Setembro, depois do apuramento dos resultados eleitorais no Funchal. Ouvi-a e indignei-me. A senhora abençoou uma coligação/acordo com o PSD, em nome da ESTABILIDADE GOVERNATIVA!

Qual estabilidade governativa?

A que permitiu que, depois de 47 anos sempre com o PSD a governar a Região, tenhamos das mais baixas escolaridades?

Ou a que tem alimentado uma série infindável de interesses e que levou a um PAEF, em resultado de uma dívida oculta – que todos pagámos – de 6 mil milhões de euros?

A que fez desta Região a que maior risco de pobreza tem? Ou a que nos dá o poder de compra mais baixo? Ou a que tem os mais altos impostos? Ou, ainda, a que aposta na construção de habitação de luxo para estrangeiros?

A que alimenta atentados ambientais diários, que permite extracção de inertes dos leitos das ribeiras e areia do fundo do mar, com tudo o que isso significa de usufruto privado de bens naturais públicos, de reposição milenar? Ou a que não respeita planos de ordenamento do território?

Ou a que resolve os problemas do pastoreio abatendo cabras a tiro? Ou a que não resolve as questões da floresta porque não tem qualquer medida nem plano de gestão?

A que não tem estratégia para as pescas ou a que aposta na aquacultura – sem, reconhecidamente nunca a monitorizar? Ou, ainda, aquela que não hesita em apostar em crimes ambientais como a pavimentação da estrada das Ginjas, na Laurissilva madeirense – Património Natural da UNESCO? Ou, talvez, aquela que se prepara para a construção de um inacreditável projecto – o teleférico sobre o Curral das Freiras?

A que, em Março deste ano, levou ao abate a tiro de gatos no Pico do Areeiro com o pretexto de que se asselvajaram e eram um perigo para a freira da Madeira? Gatos que foram abandonados, como acontece a tantos animais nestas serras e que, isso sim, deviam ter sido recolhidos. Afinal, e vem mesmo a propósito, fala daquela estabilidade governativa que ainda não resolveu o CRO – Centro de Recolha Oficial de animais regional? Ah! Mas, agora me lembro, o Provedor do Animal na Madeira era do PAN. Depois ‘resolveu juntar-se ao PSD’. Nada que não se repita!

É desta estabilidade governativa que fala, minha senhora? E não cora? E não sente, sequer, um nervosinho por tanto oportunismo e tanta hipocrisia?

Ou nada disto tem a ver com os objectivos do PAN?

"Obrigada por nos darem uma oportunidade de fazer diferente, por nos fazerem acreditar que é possível fazer política de outra maneira" (…) "esta eleição é de todas as pessoas que se identificam com as causas e que querem vê-las representadas no Parlamento" – disse a sua deputada no discurso que leu no telemóvel, consigo ao lado a aplaudir. Sugiro que o encurte para: “Obrigada por nos darem uma oportunidade de atraiçoar as pessoas que votaram em nós.”

Boa tarde!

Identifico-me: chamo-me Violante Saramago Matos, tenho 75 anos e de Madeira e desta estabilidade governativa, levo já 43. Já vi muita coisa, mas o seu descaramento revoltou-me.

Funchal, 25.09.2023

Desprestigiante para nós "animais" e para a "natureza"

 

Há situações geradoras de uma enorme perplexidade política. Pelo menos aqui na Região Autónoma da Madeira, onde há 47 anos consecutivos apenas uma força política tem tido a responsabilidade de governar. E sempre com confortáveis maiorias absolutas, à excepção dos últimos quatro anos onde se tornou necessária uma coligação com um partido que, hoje, não se sabe qual o seu verdadeiro peso eleitoral (PSD/CDS).



E eis chegado o momento que o povo entendeu retirar essa maioria absoluta (mesmo coligada). Para muitos, concluídos os resultados finais, da direita à esquerda, as legislativas regionais de 2023, foram de enorme explosão de alegria. Finalmente, no passado Domingo, abriam-se as portas para um novo tempo, de melhor vivência democrática e de onde podia emergir a possibilidade de experimentar outras formas de governação. 

A minha perplexidade reside aí. Durante anos e anos acompanhei o lamento, os desabafos de incontidas fúrias pela quase impossibilidade de romper com a monumental teia de interesses pacientemente tecida. Assisti ao valor do cartão partidário ser mais importante que a competência. Assisti ao crescimento de fortunas "mal explicadas" e a "obras inventadas". Porém, chegado o momento que um acto democrático decidiu que tudo devia ser diferente, logo surge quem entenda permitir a continuação do mesmo formato político. Trata-se de uma venda a pataco. 

Desprestigiante para nós "animais" e para a "natureza". No essencial, o que se está a passar resume-se no que me dás e no que te ofereço em troca. Lamentável. 

Nem conta dão do sinal expresso nas urnas pelos eleitores, tampouco que vão ter de engolir, entre muitas situações, o orçamento, o plano de investimentos, as contas da região, a estrada das Ginjas, a praia Formosa, tudo ou quase tudo. Exactamente o que aconteceu com um partido da coligação que, antes, vociferava contra tudo (vide youtube) e, hoje, apresenta-se "domesticado" em toda a linha. Muitas vezes mais papista que o papa!

Não é que não seja legítimo a quem ganhou as eleições, de forma clara, querer integrar mais um ou dois partidos na governação, através de acordos de incidência parlamentar ou mesmo através da atribuição de uma qualquer secretaria ou direcção regional. O problema não é esse. O problema reside em aceitar o que antes foi veemente condenado. E mesmo que não tivesse sido abertamente sentenciado, a leitura histórica da situação política madeirense aconselharia prudência no respeito pelos demais. O problema é matar, por interesses particulares e menores, a oportunidade de gerar o novo que as urnas ditaram, matar os discursos em alta-voz que 47 anos é tempo demais na governação. Trata-se de uma venda aos bocados. A minha perplexidade reside aí, porque estou face a uma PANtomina (no sentido figurado: uma mentira bem elaborada, logro), política de muito mau gosto.

Se se tornasse necessário partir para um novo acto eleitoral, pois partíssemos, sem medo, devolvendo a palavra ao povo. A Democracia é isso mesmo. Mas aí, compreendo, eventualmente podia ser pior, não é, porque o povo não admira a mentira, não aceita jogos de conveniência e repudia quem diz que vai embora e depois fica!

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

"A porca da política"

 

O exercício da política que deveria constituir-se em actos de sublime nobreza, está hoje pelo ralo abaixo. Dir-se-á que sempre foi assim. A minha percepção é que resvala em acelerada velocidade. A mentira é avassaladora. Enganar os eleitores, tenho essa convicção, constitui o primeiro passo das mentes que nos rodeiam. Já não tenho paciência para certos quadros da vida real.



Não quero comentar os resultados por respeito à decisão do povo chamado a decidir. Mas há pelo menos duas situações que me desagradam enquanto cidadão: 

1ª Foi várias vezes repetido, pela boca do Dr. Miguel Albuquerque, que se demitia caso a coligação PSD/CDS não obtivesse uma maioria absoluta. Ele não salientou que se demitiria caso não conseguisse formar governo. Foi muito claro, vou-me embora porque "não vou engolir sapos, nem vou fazer coligações com partidos anti-autonomistas - Observador / 06 de Setembro de 2023. Presumo que esta posição ajudou a determinar o sentido de voto de muitos eleitores.

2ª Na noite eleitoral de ontem apagou, completamente, aquilo que tinha dito aos eleitores, ao jeito de quem diz "eu estava a brincar!" E mais, adiantou que elaborará uma proposta dentro de 24 a 48 horas, não tendo sido claro se a putativa solução seria de incidência parlamentar ou de integração numa coligação a três. Sublinha o Dnotícias de hoje: "O futuro faz-se agora a três". O director do Diário tem razão: "(...) Por este andar, antes de bater com estrondo no rochedo, na próxima paragem a "arca de Noé" arrisca-se a ir ao fundo". Pedro Nunes, comentador da emissão televisiva do DN caracterizou tudo isto de "fossadinha". É isso.

Ora, estamos aqui perante duas situações que, enquanto cidadão, me arrepiam. Por um lado, a demissão que não se concretiza, o que significa faltar à palavra. Se é assim neste caso, questiono, em tantos outros como será?; por outro, todos sabemos que não é em uma ou duas horas que se soluciona um problema de governação estável. Os partidos têm posicionamentos ideológicos próprios e têm os seus programas diferenciadores naquilo que os caracteriza estruturalmente. Quando é admitido que em 24 a 48 horas estará tudo resolvido, isto significa que, antes do acto eleitoral, existiram conversações/negociações sobre os quadros que, eventualmente, pudessem resultar das eleições. Nem houve o pudor de assumir que "amanhã iniciaremos contactos". Foi logo à primeira: temos solução e vamos apresentá-la.

Deduz-se daqui que o eleitorado foi, novamente, levado ao engano. Votou sem conhecer todos os dados do processo: as eventuais conversações, os acordos, as cedências, os arranjos parlamentares ou de integração no governo, enfim, tudo o que devia ser claro e muito, muito transparente. De facto, uma "fossadinha" nas costas dos eleitores. 

Significa isto que faltam no exercício da política referências de honestidade e integralidade. É o poder pelo poder numa espécie de vale tudo. E está cada vez pior.

Ilustração: Google Imagens   

terça-feira, 19 de setembro de 2023

BRICS em dificuldades ou as dificuldades dos BRICS


Por
João Abel de Freitas, 
Economista


O Ocidente está em perda lenta e cada vez tem mais dificuldades em trabalhar com os países do Sul Global. A UE, com as suas divisões internas, com relevo para a energia, não ganha peso específico.



Diferenças e dificuldades inerentes


Os BRICS surgem da confluência de um (re)sentimento comum, profundo e alargado do Sul Global, o de que os países do Ocidente se conjugam para lhes vedar espaço e condições de participação na governação política do Planeta nos termos em que entendem ser seu direito.

Nas suas três configurações até agora (quatro países primeiro, depois cinco e 11 a partir de 1 de Janeiro de 2024), os BRICS sempre foram constituídos por países muito heterogéneos, diferentes em quase tudo, na ideologia, economia, sistema e organização política, graduação de posicionamento e de contestação face ao Ocidente.

Apesar disso, têm desenvolvido iniciativas conjuntas e até apresentam obra, pelo menos um Banco de Investimento (NDB, com sede em Xangai), a funcionar bem e a cimentar-se na concessão de empréstimos de investimento aos países emergentes, na base de princípios específicos que o distinguem do Banco Mundial (BM), o banco da ONU.

Recuando no tempo, há a registar mudanças substanciais nas suas relações bilaterais. Por exemplo, a China/Estados Unidos tiveram um período de proximidade na colaboração económica coincidindo com conflitos gravosos, ideológicos, entre a China/Rússia (URSS) e, caso bem mais recente, Arábia Saudita/Irão, em que nem relações diplomáticas havia.

Houve e haverá sempre múltiplos domínios de não afinidade e de discordância pública, não camuflada, entre os BRICS. Para além dos graus de desenvolvimento diferenciado e até do diferente nível de participação da China e Rússia em Instituições da ONU, estes alguns dos exemplos que tipificam dificuldades intrínsecas de peso.

Até que ponto, estas dificuldades poderão traduzir-se em efeitos críticos ou agravarem-se agora com o alargamento?

O travão mestre de desinteligências consequentes tem sido o diálogo e a diplomacia persistentes, a não ingerência interna no país de cada membro e, de algum modo, a estruturação informal de funcionamento também tem facilitado. Toda esta complexidade acarreta dificuldades nas decisões, arrastando-as até à obtenção de consensos.

Os BRICS em dificuldade


São sobejamente conhecidos os problemas de fronteira entre a China e a Índia e até entre a China e a Rússia, presentemente atenuados, devido ao estado de graça existente. Muito recentemente, a China divulgou o seu mapa-padrão de fronteiras que veio acicatar uma série de contestações em vários países vizinhos, entre eles, a Índia.

Em tudo isto há muito de histórico e de situação real no terreno ocupado há vários anos. Em certos casos, faz lembrar Olivença (direito português sobre território, gerido e ocupado por Espanha) mas com mais conflitualidade.

Problemas deste teor agravam-se quando se sabe haver uma competição subjacente pela liderança do Sul Global. China e Índia disputam esse terreno. Quaisquer fagulhas ateiam o fogo. Na disputa pela liderança do Sul Global, há muitos trunfos na mesa.

A China dispõe de estruturas consolidadas e investimentos bem espalhados, quem não conhece a nova rota da seda e os respectivos efeitos e a sua grande penetração em África, para além de uma rede diplomática consistente.

A Índia apresenta maiores potencialidades de crescimento, tendências demográficas facilitadoras e um apoio do Ocidente nesta disputa. A análise da Cimeira do G20 (9 e 10 de Setembro último) mostra bem o que se afirma.

A competição apresenta-se aguerrida e as dificuldades de a gerir, de um lado e do outro, conciliando-a com o avanço e entendimento do trabalho no seio dos BRICS torna-se um processo bem complexo, tanto mais agora com 11 países-membros e outros importantes na porta de entrada.

Esta situação requere que os BRICS tenham de montar uma estrutura inovadora e eficiente mais formal, muito digitalizada com órgãos de Gestão para várias áreas, provavelmente bem descentralizada. Bem será que não caiam na armadilha de criar “máquinas” pesadas e burocráticas, tipo União Europeia ou ONU.

Na 15ª Cimeira na África do Sul, em quase todas as intervenções se afirmou que os BRICS continuarão fiéis aos princípios de origem: aprofundamento da cooperação económica, comercial e financeira, para impulsionar o desenvolvimento económico e adesão à equidade e justiça para melhorar a governação mundial.

Xi Jinping, na sua intervenção, avançou cinco ideias-base para um desenvolvimento a prazo de alta qualidade dos BRICS:

Uma cooperação pragmática nos setores da economia digital, desenvolvimento sustentável e cadeia de abastecimentos.

Parques de novas incubadoras de inovação científica e novas plataformas para a utilização dos dados dos satélites, com o objetivo de impulsionar e facilitar a cooperação entre os países membros dos BRICS.

Reforço da cooperação da segurança política, pois a segurança é um pré-requisito para o desenvolvimento.

Alargar a cooperação na educação com realce para o ensino profissional, ensino digital e trocas culturais.

Aproveitar o potencial do Novo Banco de Desenvolvimento, para acelerar o surgimento de uma nova ordem financeira internacional, mais equilibrada e inclusiva, na prática de um verdadeiro multilateralismo.

Posições do Ocidente


Várias são as teses. Extremando-as, há quem anteveja o prosseguimento dos BRICS em posição “zombie”, enquanto outros apontam para o seu reforço no xadrez político mundial.

Para Jim O’Neill, o criador do acrónimo BRIC (2001), o então economista chefe do Banco Goldman Sachs, a situação apresenta-se complexa. Para ele, o Ocidente perdeu uma oportunidade de “bloquear” o aumento da influência do peso dos BRICS quando apontou para a reforma do FMI (BRICS 15% dos votos) para dar o peso devido à China, que tinha tido um papel preponderante na resolução da crise financeira asiática de 1997/8. Trump, entretanto, boicotou o processo e Biden faz o mesmo. Agora no G20 fala do tema, sem apontar nada de concreto.

Jim O’Neill diz que, perante esta situação, é natural que as economias emergentes se entendam para exigir mudanças, embora reconhecendo que os avanços nos BRICS têm sido lentos devido, sobretudo, à conflitualidade China/Índia (o principal travão de um percurso mais dinâmico). O Ocidente começa a mostrar inquietude com a existência deste grupo de países, sobretudo com os alargamentos futuros.

Como muitos analistas comentam, o Ocidente está em perda lenta, apresentando cada vez mais dificuldades em trabalhar com os países do Sul Global, e a União Europeia com as suas divisões internas, em vários domínios, com relevo para a energia, não ganha peso específico e apresenta-se como o maior perdedor. O caso de França em África é o exemplo cabal e até há quem veja nisso uma mãozinha (luta por matérias-primas) dos EUA.

Porém, não há dúvidas: a rivalidade China/Índia e o seu (des)entendimento constituirão um dos elementos mais determinantes do percurso futuro da geopolítica mundial.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 17 de setembro de 2023

Crápulas do BCE!


Por
Marco Della Luna, 
in geopol.pt
11/09/2023
estatuadesal



Com a guerra da Ucrânia, os EUA aniquilaram politicamente a UE e separaram-na da Rússia. Portanto, agora Washington já não precisa da UE


O BCE foi criado, pelos seus estatutos, com base em pilares precisos:

  • não ajudar os estados através da compra dos seus títulos de dívida pública, não ser condicionado pelos governos e não condiciona-los,
  • regular a criação de moeda, evitar uma inflação superior a 2% ao ano.

Fez tudo ao contrário, com efeitos perniciosos: ao aplicar a Estabilidade Financeira de Mario Draghi e outros, criou a dívida "go go" (Q.E.), dívida que agora nos cai em cima; comprou cerca de um terço da dívida pública, o que constitui uma ajuda aos estados; fez cair pelo menos dois governos (Papadopoulos, Berlusconi) e enviou avisos a alguns governos para manterem certas linhas de política económica, sob pena de não comprarem a sua dívida pública, o que constitui uma chantagem política; quando as tensões inflacionistas surgiram, não devido a um excesso de procura, mas a deficiências nas estruturas da oferta, reagiu de forma imprópria, aumentando as taxas, desencadeando a recessão e a crise de insolvência, e, no entanto, não travou a inflação.

Lembram-se de quando o Financial Times, apresentando-o como um corajoso inovador de grande envergadura, exaltava Mario Draghi e o seu "whatever-it-takes", ou seja, a sustentação da bolha do mercado especulativo através da criação e injeção de quantidades imprudentes de dinheiro sem financiar a economia real? Mario Draghi estava simplesmente a aplicar a política dos governos dirigidos pelos bancos que, depois do escândalo e do desastre do crédito hipotecário de alto risco e da alavancagem insana, em vez de punirem os banqueiros responsáveis por esse comportamento e impedirem a sua repetição com reformas adequadas, os recompensaram, descarregaram os prejuízos sobre os contribuintes e os trabalhadores, e recriou, com uma enorme e continuada emissão monetária a taxas zero ou negativas, as condições para uma repetição multiplicada da sujidade destrutiva que enriqueceu enormemente precisamente a classe de banqueiros a que Mario Draghi pertence e com a qual o Financial Times parece concordar. Essa classe, para voltar a citar Mario Draghi, é constituída pelas pessoas que podem fazer coisas, enquanto a população em geral só as pode sofrer.

Esses mesmos senhores não fizeram um milésimo de nada para salvar a Grécia de uma catástrofe (provocada por outros banqueiros) e de um saque que também custou milhares e milhares de vidas. De pé! Sim, sobre os cadáveres dos outros.

Criaram o sistema de branqueamento da dívida pública, em que, depois de 2008, socorreram os bancos na condição de estes comprarem dívida pública ilimitada e depois a usarem como garantia para o RePo ao BCE.

Drenaram capital de investimentos produtivos para financiar tudo o que era improdutivo e falso, como títulos do Estado, imobiliário especulativo, economia verde.

Não permitiram que os défices temporários alterassem a fiscalidade.

Tornaram mais rigorosos os parâmetros de solvência, dando a quem já tem, e conduzindo assim a economia numa direção hiper-cíclica, monopolista ou oligopolista, na melhor das hipóteses.

Fizeram do euro um ativo de pleno direito, como uma ação da empresa da UE, da oniróide narrativa ideológica supremacista europeia, e, portanto, tão escasso e deflacionário quanto o ouro.

A economia da UE não conheceu infra-estruturas nem empreendedorismo generalizado, mas apenas o sonho de estar perto da fonte mágica de dinheiro que compra tudo ao mundo sem fazer nada, apenas vendendo acções do sonho europeu. Mas, nessa altura, faz sentido reduzir a população, porque quanto menos pessoas a partilharem, mais ricos são, por isso não há problema em promover tratamentos de saúde contraproducentes e relações amorosas estéreis, e cães em vez de crianças; até ao esquecimento, quando o mundo já não aceitar a ação de um delírio louco e suicida.

Recorde-se que a chamada unidade europeia é um projeto não europeu, mas norte-americano, impulsionado e financiado pela CIA, destinado a impedir uma integração económica com a URSS. Com a guerra da Ucrânia, aniquilou politicamente a UE e separou-a da Rússia. Portanto, agora Washington já não precisa da UE.

Cortou as pernas à Alemanha, sabotando o Nord Stream, e agora corta-as à França, desestabilizando o seu império colonial africano e demolindo a sua imagem moral. Cortou também as pernas ao euro, ao reduzir a sua quota-parte de utilização no comércio internacional em benefício do dólar.

Peça traduzida do italiano para GeoPol desde a revista Italicum

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Os lugares comuns do Professor Cavaco - o Presidente que não se curvou perante a morte do Nobel Saramago

 

Há pessoas que não se enxergam. Pessoas que não percebem que tudo tem o seu tempo e que elas já tiveram o seu. O Doutor Cavaco Silva, político profissional, é um deles.



Não sei como explicar, ou melhor, escrever o meu pensamento relativamente a esta figura que fez uma grande parte da sua vida como político. Sobretudo porque ela dá a entender que, de quando em vez, precisa de um palco talvez para que não o esqueçam. Paradoxalmente, sem a memória do seu tempo político. Depois, não tem noção do que pensam dele. Ainda há dias, o jornalista Luís Osório, referindo-se a Cavaco Silva, escreveu:

"É uma pessoa pouco recomendável (...) voltou a aparecer. Às vezes, um livro. Outras vezes, um ajuste de contas. Contra pessoas, contra a esquerda, contra a má moeda, contra qualquer política menos ele próprio – o homem não se cansa de ajustar contas com o seu ressentimento (…) Para diabolizar António Costa. Para espetar uma faca no pobre Rui Rio. Para dar prova de vida. (...) "O homem que beneficiou de alguns privilégios conhecidos, mas que continua a pairar como se lhe devêssemos alguma coisa, como se lhe tivéssemos de ir comer à mão. (…) O homem que não fez nenhuma declaração aquando da morte de José Saramago, nem uma palavra. Uma vergonha, uma canalhice. Porque Cavaco era Presidente da República"!

O livro acabo de publicar por Cavaco Silva, "O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar" - reflexões sobre o que deve ser o comportamento do primeiro-ministro" para que o seu Governo "tenha sucesso", constitui um repositório de lugares-comuns. Dou alguns exemplos:

"O Presidente deve adotar uma conduta marcada pela isenção e independência"; relativamente aos partidos, que "não interfira no combate político e não atue como força de contrapoder relativamente ao Governo, antes lhe garanta cooperação institucional". Que um primeiro-ministro deve "evitar responder em público" às críticas presidenciais, mesmo quando as "considere injustas ou erradas". Deve, defende, "reservar-se para manifestar o seu desacordo" numa reunião semanal entre os dois ou "através de um telefonema pessoal, podendo então sublinhar o risco de o Presidente ser utilizado como ‘arma de arremesso’ na luta entre partidos". Outros conselhos de Cavaco Silva aos primeiros-ministros é que tenham uma "interpretação alargada do dever de informação" ao Presidente e que não coloquem “obstáculos aos pedidos” para se reunir individualmente com ministros", sendo, ainda, "exemplar na discrição do teor das conversas". - 24.Sapo.

Hoje, no Expresso, o escritor Bruno Vieira Amaral, depois de ler o "livrinho de receitas", coloca, em título, com ironia qb : 

"Um primeiro-ministro que siga os conselhos de Cavaco transforma-se num bom primeiro-ministro ou acorda no corpo de Aníbal Cavaco Silva?"

Regresso a 2017. Miguel Sousa Tavares, no Expresso, escreveu: 


"Bem pode Cavaco Silva desfilar o rol de grandes do mundo que conheceu em vinte anos no topo da política portuguesa: nenhum desses grandes o recordará nem que seja num pé de página de memórias e a nossa história não guardará dele mais do que o registo de uma grandiloquente decepção".

Não resisto e vou ainda mais atrás, estabelecendo uma comparação. Deixo aqui algumas frases interessantes do Professor Doutor Cavaco Silva e do Almirante Américo Tomaz, ambos Presidentes da República, o primeiro em tempo democrático; o segundo, do tempo da ditadura:

Cavaco Silva (nos Açores): "Ontem, reparava no sorriso das vacas que estavam satisfeitíssimas, olhando para o pasto e verificando aquele que começava a ficar mais verdejante".


Cavaco Silva: "Como nos vamos livrar deles (funcionários públicos)? Reformá-los não resolve porque deixam de descontar para a CGA e diminui as receitas de IRS. Só resta esperar que acabem por morrer".


Cavaco Silva: "Quando, no dia 13 de Maio, surgiu a notícia de que finalmente a 7.ª avaliação (Troika) tinha sido mandada para trás das costas e que estava aberto o caminho para a extensão das maturidades, a minha mulher disse-me: 'Ó meu caro – ela [Maria Cavaco Silva] trata-me de outra forma – isto é com certeza influência de Nossa Senhora de Fátima, porque hoje é dia 13".


Conclusão: equivalem-se.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Eleições: o reforço da democracia


Por
Liliana Rodrigues
Doutorada - Universidade da Madeira

Com eleições em breve, seremos todos chamados a escolher que modelo político e de desenvolvimento queremos para a Madeira. Vivemos em democracia e, por isso mesmo, é permitido a todos dizerem o que pensam. Será sempre bom relembrar que nem todos aqueles que dizem o que pensam são democráticos.



O modelo democrático, com todas as suas fragilidades, continua a ser forma de governo que permite a liberdade de ser e de se fazer representar. A sua origem é grega, melhor, nasceu na Cidade-Estado de Atenas, no séc. VI a.C. O modelo democrático de governação, ainda que num registo empobrecido no que diz respeito à participação de todos na vida pública, estava alicerçado na conceção educativa de paideia.

A paideia tinha por objetivo fundamental a formação humana e livre nutrida de experiências sociais, culturais e antropológicas. Esta visão distinguia-se do modelo da Cidade-Estado rival: Esparta. Aqui vivia-se numa lógica totalitária de se ser e estar.

O modelo espartano educava para o conformismo. A criança, aos sete anos, era retirada da família e até aos dezasseis anos recebia uma educação militarizada. Era a guerra como fim último da educação. Mas até os guerreiros mais hábeis de Esparta serviram de entretenimento aos romanos, em 451-404 a.C.

Estas visões sociais marcaram até hoje diferentes povos e culturas. Não tenho dúvidas de que quem se expressa em nome da liberdade e da igualdade compreende bem os perigos das prisões a céu aberto. Tivemos a experiência e temos memória social da ditadura. Também não tenho dúvidas de que quem persegue os seus adversários (em alguns casos pessoas que militam na sua própria família política) e quem os desconsidera na sua integridade pessoal é porque não tem argumentos suficientemente sólidos para sequer se governar a si mesmo.


Em debates, em panfletos, em entrevistas e, mais recentemente, nas intermináveis adições a grupos de WhatsApp (sou só eu que considero um abuso ser “adicionada” a grupos sem o meu aval?), o discurso político não tem sido capaz de alimentar o sentimento de responsabilidade social. Vale-nos o sentido de cidadania dos eleitores que percebem quanto vale uma casaca virada.

Recentemente, demo-nos conta de um caso paradigmático nesta campanha às legislativas regionais da Madeira: um líder partidário desafia outro candidato para um acerto de contas na rua. É caso para dizer: “que o poder não caia na rua”. “Fascismo nunca mais”.

Vivemos numa altura em que o modelo democrático está à prova. Vale tudo, em especial nos dependentes das redes sociais, esse lugar de possibilidade de se ter um diário pessoal. Mas até daí decorrem responsabilidades civis e criminais.

É urgente a participação de todos na vida da região. Quanto menos as pessoas participam, menos o consenso é legítimo. Dia 24 de setembro vote. A sua participação tem importância no reforço da democracia.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 12 de setembro de 2023

As inaugurações vão multiplicar-se para "desgosto da população"


Continua a dar-me a ideia de uma estrutura partidária insegura e despojada de princípios, quando, em plena campanha eleitoral, decide, aliás como sempre aconteceu, manter inaugurações, festas, almoços, jantares, viagens e outros, sabendo que utiliza meios desproporcionais aos restantes candidatos. A lei parece-me difusa, mas, do meu ponto de vista, não é minimamente aceitável.



Constitucionalmente, o contrato com o povo é por um período de quatro anos. Atingido o fim da legislatura tudo devia regressar ao patamar inicial. Por uma questão de bom-senso e respeito pelos demais concorrentes. Mas não, até inauguram na véspera de um acto eleitoral. A mim e à generalidade da população estou convencido que tais situações não influenciam o sentido de voto. Mas muitos são capazes de serem levados, não pelo discurso e pelo exame político de quatro anos, mas pela circunstância pontual.
Considero que neste campo não temos, ainda, uma vivência democrática amadurecida, respeitadora de princípios e de valores. Pessoalmente não gosto desta promiscuidade política. O governo deve continuar a governar, obviamente que sim, mas abster-se de actos e de toda a envolvência dos mesmos, locais e comunicacionais, de tal forma que surja aos olhos do povo como uma estrutura partidária, coligada ou não, no mesmo patamar de todos os outros. Sempre defendi isso e cada vez mais considero um a excrescência democrática o que se está a passar.

A propósito: que pensará o CDS/PP relativamente a estes expedientes, face aos quais sempre fez um combate frontal?
Ilustração: Google Imagens/ DN

sábado, 9 de setembro de 2023

Bilhardeiro(a)

 

Há um regionalismo madeirense que atribui o significado ao que se passou no recente Conselho de Estado: bilhardeiro ou bilhardeira, aquele(a) que tem uma apetência especial pela intriga. Já não bastavam as transcrições integrais do que se passa nos inquéritos e audições da Justiça, em processos alegadamente em "segredo", ao mais alto nível do Estado, o comportamento bisbilhoteiro parece que se tornou norma. Desprestigiante.



Não me interessa saber quem foi o bilhardeiro(a) que soprou à comunicação social que as figuras x ou y não abriram a boca no decorrer da reunião. Isso parece-me ser de somenos importância. Como disse o pedagogo austríaco Shlomo Rubin, "gosta-se da bisbilhotice, mas odeia-se o bisbilhoteiro". E eu não aprecio nem a bisbilhotice tampouco odeio a figurinha bilhardeira. Corto o mal pela raiz. Aliás, ao longo da vida participei em tantas reuniões onde preferi o silêncio. Entendi que, com essa opção, estava a falar não falando. 

Ora, mais grave e a ter em atenção não é a existência do bilhardeiro(a), mas a composição do Conselho de Estado. Não é recente a minha posição sobre esse importante órgão de audição do Presidente da República. Penso que é nessa composição que reside o problema. Com as devidas excepções de pessoas de um mérito excepcional, estadistas que ali se sentam pensando na geração seguinte e não na eleição seguinte, aquele órgão está extremamente partidarizado com pessoas de reconhecimento muito discutível. Gostaria, isso sim, que o Conselho de Estado tivesse uma menor representação partidária, directa ou indirecta. Com as óbvias excepções, claro, sem presenças por inerência de cargos, mas pelo mérito pessoal, de tal forma que para ele olhássemos como um corpo de referências maiores do país, uma estrutura de rectaguarda capaz de, com sabedoria, ajudar a guiar o mais alto representante do povo. Infelizmente o que se denota é que, naquele Conselho, alguém corresponde ao pensamento do escritor Apparício Torelly (1895/1971), de pseudónimo Barão de Itarará, quando enalteceu que "todo o homem que se vende recebe muito mais do que vale".

Compaginando, Aristóteles (322 aC) terá dito que o "sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz". Ora, por um lado, o bilhardeiro(a) vendeu-se e, por isso mesmo pouco vale; por outro, os que não falaram, no actual contexto político, podem ter sido sábios. 

Através de bilhardeiros o país não vai longe. Aqueles, porque perversos, estimulam, enquanto contrapartida, os comentadores do nada, que desvalorizam e descentram as preocupações vitais que dizem respeito ao bem-estar do povo. Tornou-se regra a marginalização do importante e, entre a confidencialidade a que estão obrigados e a intriga, o bilhardeiro prefere a última. Entre a regra que impõe o sigilo e o bufar com interesses pessoais, pedindo para eles próprios a não divulgação da origem da fonte, o bilhardeiro vende-se por pouco, na esteira de Sttau Monteiro - in "Angústia para o jantar": 

"O homem vende-se por pouco. Um Volkswagen, um andar no Areeiro, uma mulher que só casa pela Igreja, ou a amizade dum tipo importante, são suficientes para que se esqueça do que tem de mais íntegro e de mais seu. Por vezes o negócio é mais subtil, menos aparente, e o homem vende-se para ver o seu nome no jornal, para viajar à custa do seu semelhante ou ainda para ter acesso a certos círculos que o deslumbram. A transacção nunca é rápida. O homem vende-se aos bocados, a prestações, dia a dia. Muitos, ao fim dum tempo, já nem sabem que estão a se vender: atingem uma posição que os obriga a defender interesses contrários a tudo o que sempre sustentaram, e são comprados por essa posição. Continuam, em voz alta, a defender os mesmos princípios de sempre, mas secretamente guerreiam os ideais que dizem ter e fazem o que podem para evitar a sua concretização. A grande maioria dos homens, porém, vende-se por cobardia".

Ora bem, o bilhardeiro é um cobarde!

Ilustração: Google Imagens

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Sejam livres

 

As considerações que aqui vou deixar ressoam-me como um desabafo vindo das entranhas. Os anos vão passando, com a sensação que, agora, maior é a sua velocidade, mas também, analisando pelo lado positivo, trazem e acumulam experiências vividas, leituras mais profundas, análises que produzem sínteses interligadas e consistentes, a separação do trigo do joio, a valorização do que é importante em detrimento da "espuma dos dias", o sentido de tolerância e acrescentada responsabilidade para compreender os outros. Sinto isso, embora a insignificância da minha existência impossibilite a concretização de pensamentos mil sobre o que por aqui andamos a fazer e, sobretudo, a aceitar, de forma tranquila, sem qualquer sobressalto de cidadania.  



Eduardo Galeano (1940/2015), notável escritor uruguaio, escreveu de forma incisiva: "Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus". E acrescentou: "A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la". Pois, é isso. O problema é que mesmo dominando-a nas suas traves-mestras, a realidade da sofisticada engrenagem político-social é tão omnipresente e castradora que conduz a frenar qualquer ímpeto. A sensação que fica é a de içar uma bandeira e, na avenida, olhar para trás  e sentir-se só.

Dir-me-ão que, no plano da vida e da vivência democráticas, as angústias sentidas podem ser resolvidas. Têm solução. É na leitura política e no voto secreto, no silêncio daquele metro quadrado, uma esferográfica pode ser portadora do mundo que desejamos. Teoricamente é por aí que os passos deviam ser dados. Na prática, não é bem assim. Infelizmente, sublinho, para uma esmagadora maioria. Parafraseando o título do romance do açoriano João de Melo, "Gente feliz com lágrimas", essa maioria maltratada, muitas vezes espezinhada e atirada para as margens, é enganada e conduzida segundo a liturgia de uma minoria que domina todos os passos do controlo social, fazendo crer aos demais a dimensão e a bondade das suas decisões. O voto acaba, naquele dia solene, por sucumbir aos acenos do paleio ilusório, das palavras vãs e à momentânea lembrança de uma qualquer dádiva recebida que atenuou mas não resolveu o âmago dos problemas. 

Não fomos educados para a verdadeira liberdade; não fomos educados para os direitos e para os deveres. Fomos, genericamente, aculturados e moldados por uma maldita herança de subserviência onde imperam medos sem fim. O medo da mudança, por exemplo. Porque a escola deu e continua a oferecer definições, conceitos e soluções, jamais a capacidade de pensar e de conjugar, culturalmente, tudo o que se passa diante dos nossos olhos de actores/espectadores. De tal forma que ainda há quem fale no "senhor governo", sinal evidente de servilismo, de submissão aos interesses de uns outros. O chapéu na mão, ontem, foi, aos poucos, substituído pelo nariz colado aos joelhos. O baile pesado assim permanece. Pior que ontem, assevero, porque hoje essa apropriação do comum dos eleitores é consentida, sendo ténues os sinais de uma revolta de dentro para fora, da base para o topo. Como algumas datas históricas assim evidenciam.

Daí o meu desabafo. Há uma resignação, uma submissão à vontade inteligente mas perversamente criada, uma sucessiva abdicação inconsciente face alguns pontos determinantes da Constituição, que poderiam levar a uma vida harmoniosa, jamais a uma sociedade tão desequilibrada, assimétrica e dependente, onde poucos podem ser felizes. É por isso que subsiste, ainda, a terrível ideia de que não vale a pena lutar, a peregrina imaginação do insubstituível e o assustador conceito de que "roubam mas fazem"! 

Prefiro respirar em ambiente democrático, solto de pensamento, estraçalhando amarras, acenando-lhes com um "Zé Povinho" de Bordalo quando, no plano discursivo criam sucessivas atmosferas de engano. Não vou, jamais irei, pela "cultura da aparência" desenvolvida por Galeano. Até porque essa cultura de rebanho, assente na aparência, como um dia me disse o meu Amigo Engº Arlindo Oliveira, vestiu-nos de smoking mas deixou-nos descalços!

Sejam livres.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

15ª Cimeira dos BRICS: elevadas expectativas e resultados


Por

Apesar de diferenças profundas e até de alinhamentos internacionais distantes, foi possível um consenso que poderá proporcionar aos BRICS uma viragem na dinâmica de mudança a nível global.



Esta 15.ª Cimeira, que se realizou em Sandton, arredores de Joanesburgo, entre 22 e 24 de Agosto último, mereceu a atenção de muitos países, políticos, empresas e pessoas, inclusive do mundo ocidental, com relevo para os EUA.

Os políticos dos países ocidentais e a maioria dos países do Sul Global – bem evidente no número de convidados presentes e na manifestação, ao longo da preparação da Cimeira, de mais de 40 países em se associarem aos BRICS e 22 a oficializar a sua adesão –, a verdade é que poucos lhe foram indiferentes.

Sente-se, desde há muito, um grande descontentamento no Sul Global acerca do comando e não partilha da gestão política do Ocidente sobre os destinos do Planeta Terra. Há um entendimento generalizado de que a sua representatividade é cada vez menor e em perda, na política, na economia, na ciência e tecnologia, no social, na cultura, em tudo.

Mas o domínio quase absoluto do Ocidente em Instituições mundiais como a ONU e seus Organismos (FMI, Banco Mundial, OMC…) continua sendo a causa desse descontentamento transversal que, por outro lado, gera um sentimento agregador e de laços crescentes entre países com interesses tão diversificados.

Aquando da primeira Cimeira dos BRIC (16 de Junho de 2009, ainda sem a África do Sul), foi acordado um tipo de cooperação no sentido de um trabalho continuado por um mundo multipolar, “mais democrático e mais justo”, na luta pela reforma das instituições mundiais, de maneira a que as economias emergentes venham a obter espaço e melhores condições de influência.

Nesse sentido, com avanços e recuos, os BRICS têm vindo a trabalhar com muita diplomacia entre si e com terceiros e, em cada cimeira anual, renovado e afinado o papel a desempenhar, sobretudo, nas relações internacionais, colocando as Nações Unidas como ponto focal, prosseguindo, por exemplo, a defesa da Índia para membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, dada a sua dimensão mundial. Não se trata de fazer saltar alguém do Conselho, mas de um alargamento negado.

Três palavras marcam o processo desta Cimeira


Três palavras apenas – Alargamento, Desdolarização, Multipolaridade – caracterizam esta 15ª Cimeira e o seu processo de preparação que entra, sem dúvida, na história futura dos BRICS, que, aliás, desde a sua origem, com mais ou menos ênfase, têm formatado as etapas de percurso.

Alargamento

A transição de cinco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para onze BRICS, a partir de 1 de Janeiro de 2024, acrescentando a Arábia Saudita, Argentina, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão, é uma decisão de importante significado.

O tema do alargamento arrastava-se, desde a entrada da África do Sul, mas com mais premência a partir de 2017. Foi alvo de profunda reflexão e negociações, pois muitas eram as reservas, sobretudo, por parte da Índia e Brasil. O receio de perda de influência era a razão dominante.

Este acordo é produto de uma diplomacia persistente e de equilíbrio, desenvolvida entre os países dos BRICS, com realce para a Índia e China, de algum modo, em constante desafio. Um bom sinal de que, apesar de diferenças profundas e até de alinhamentos internacionais distantes, tenha sido possível um consenso que poderá proporcionar aos BRICS uma viragem na dinâmica de mudança a nível global.

Há quem refira que os critérios de escolha dos países entrantes não são claros. Por exemplo, porquê a Argentina e não o México ou a Etiópia em vez do Quénia? E porque não a Indonésia, questiono-me? Mas, segundo li, este país terá preferido aguardar. Também há quem defenda que os conselheiros que participaram nos critérios alinharam numa escolha de prudência e equilíbrio.

Na realidade, com os seis novos países, os BRICS+ ganham dois pesos pesados da área monetária e financeira (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), uma quota seis entre os dez maiores produtores de petróleo, passando os BRICS+ a dominar o mercado mundial. E numa visão geográfica e de cultura reforçam a representatividade do Norte de África e Médio Oriente embora recebam uma “conta” conflito nas águas do Nilo, entre Egipto e Etiópia. Em termos culturais, inserem-se bastante mais no Mundo Islâmico.

No caso da Argentina correm o risco de integrar um país, tipo Bolsonarista, caso as eleições presidenciais em curso tenham um mau desfecho.

Desdolarização

A desdolarização é um tema bem amplo. Em termos globais, significa reduzir o peso do dólar (moeda EUA) nas trocas económicas e no mercado monetário e financeiro, por exemplo, nas reservas nos bancos centrais, em que o dólar continua a ter um peso determinante.

Falou-se muito da moeda comum, durante a preparação da Cimeira, sabendo-se, no entanto, que as condições existentes não comportam esse caminho para já. Ficou-se pelo incentivo às trocas com o recurso às moedas locais, o que está a acontecer a ritmo lento, até porque as trocas comerciais entre países BRICS pouco têm progredido. O que de melhor tem acontecido é no campo da energia com o petróleo, gás e mesmo carvão em que muitas transações já se fazem em moedas nacionais.

Um grande papel poderá ser desempenhado pelo Banco BRICS (sigla NDB) que começou recentemente a fazer empréstimos em moeda local, em rands (África do Sul), em reais (Brasil) e com a rupia (Índia) em estudo. Em moeda chinesa (renminbi) já funciona há mais tempo. O objectivo do Banco, segundo Dilma Rouseff, é atingir, nos empréstimos, 30% em moeda local, segundo entrevista ao “Financial Times”.

Dois pormenores interessantes. As moedas dos actuais BRICS começam por R: Real, Rublo, Rupia, Renminbi e Rand e o alargamento aconteceu, primeiro, no Banco que tem capital de fora dos cinco BRICS: Bangladesh, Egipto e Emirados Árabes Unidos.

Multipolaridade

Os BRIC, desde sempre, que se batem pela multipolaridade. Vêem na existência de vários polos um instrumento de maior equilíbrio e de incentivo a uma negociação, onde a diplomacia deve desempenhar um papel maior, sobretudo, em questões determinantes, como a paz. Para que tal se dê, os polos e as instituições multilaterais têm de ser robustos e ágeis.

António Guterres interveio na Cimeira, como convidado especial dos BRICS na qualidade de Secretário-geral da ONU e, no seu curto discurso, reconheceu temas que os países do Sul Global e BRICS defendem como “as estruturas da governança global do após Segunda Guerra, do tempo da Guerra Fria, excluírem muitos países”, e vincou o facto de “as estruturas de governação global de hoje refletirem o mundo de ontem”, para concluir que, se não se proceder a reformas, a fragmentação mundial pode suceder. Esta, a grande questão.

A 15ª Cimeira deu alguns passos com prudência, designadamente o alargamento, que pode trazer alguma turbulência interna nos BRICS. Fica nas mãos da ONU dar outros no acesso aos países do Sul Global. Mas será que virão a tempo? Ou as roturas tornar-se-ão um problema inevitável?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Por uma questão de princípio...

 

Na passada semana, certamente para melhor posicionar-se na grelha de partida das eleições presidenciais, o Dr. Marques Mendes assumiu estar a pensar na sua candidatura à Presidência da República. Durante a semana li várias abordagens feitas por articulistas e comentadores. É óbvio que a figura em questão está no seu direito de anunciar a sua ambição, de forma subtil ou não, no tempo que, estrategicamente, entende ser o melhor. Pese embora tal eleição só tenha lugar em 2026. Faltam dois anos e meio. Eu sei que ainda não é candidato, apenas fez a primeira aproximação, como quem apalpa o terreno eleitoral, ressalvando "se for útil para o país". Sublinho uma vez mais que está no seu direito. Porém, ao "propor-se" também devia arcar com as consequências da sua posição, obviamente amadurecida.



Ora, ontem, vi-o, novamente, na SIC, a comentar a actividade política. Desde logo, ele é Conselheiro de Estado, um "órgão político de consulta do Presidente da República, por ele presidido". E um Conselheiro de Estado, desde logo, sustento, devia manter um distanciamento que oferecesse garantia de reserva e independência. O Conselho de Estado não é uma instituição de somenos importância. 

Isto é, ao Domingo assisto a um "conselheiro" a manifestar-se, às vezes directamente, sobre uma dada actuação, inclusive do Presidente da República e, na Segunda-feira, vejo-o sentado na mesa do Conselho de Estado, como se as suas opiniões já não fossem conhecidas. Aliás, vejo "conselheiros", por claros posicionamentos partidários, hoje, baterem forte no governo através de um dado comentário e, no dia seguinte, apresentarem-se à volta da mesa do Conselho de Estado, onde deles seria esperar distanciamento, independência e respeitabilidade. Enfim, são vários os casos. 

Considero que esta miscelânea não é minimamente saudável para a vivência democrática e respeito pelas instituições. Um Conselheiro de Estado deve ser uma referência, uma personalidade para quem se olhe e nos conceda segurança. Estar sentado em três cadeiras (a de comentador, a de conselheiro e a de pré-candidato), nas barbas do Presidente da República, parece-me ser, no mínimo, de pouca elegância. Por isso, embora esteja no seu direito de querer traçar o seu futuro político, repito, devia arcar com as consequências da sua atitude, saindo de Conselheiro e de comentador.

Entendo assim porque sempre entendi desta forma. Em 1993, por convite do Dr. Mota Torres (PS) fui convidado para ser candidato às eleições autárquicas, concretamente, à presidência da Câmara Municipal do Funchal. Passados uns dias decidi aceitar. Nesse tempo, de um só canal, enquanto colaborador, eu tinha a responsabilidade de coordenação e de apresentação de vários programas de Desporto. Era uma pessoa conhecida dos eleitores. Pois bem, no dia que decidi aceitar tal convite, dirigi-me ao director da RTP-Madeira, Senhor Armindo Abreu, a quem solicitei a minha imediata saída de apresentador de programas. Situação que agradeceu e elogiou, colocando um ponto final na responsabilidade que tinha. Por uma questão de princípio entendi que não fazia sentido continuar a promover a minha imagem, sabendo os eleitores que eu seria candidato. E ali, sublinho, a minha função não era sequer a de comentar situações de natureza político-partidária.

Repito, respeitando o pensamento de quem assim não entenda, baseando-se no facto de ser um candidato a candidato, para mim, constitui um princípio ético do qual não abdico e que qualquer cidadão devia respeitar. Não é aceitável querer estar sentado em três cadeiras distintas! Seja lá quem for e a origem partidária.

Ilustração: Google Imagens.