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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Futebol: uma bolha de impunidade


Por
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 
29/04/2021


É difícil alguém tocar em qualquer coisa que tenha a ver com futebol sem se queimar. Porque o clubismo, que pode ser tão belo como qualquer paixão, não tem toldado apenas o raciocínio de quem lê (e muitas vezes de quem escreve), também tem toldado os seus valores morais. E o pior é que se instalou a ideia de que alguém só defende verdadeiramente o seu clube se fizer uma jura de amoralidade. Se for “ultra” e recusar que qualquer outra coisa se sobreponha ao amor ao clube. Deixo aqui claro: há, para mim, uma lista infindável de coisas acima do meu clube. Para além das mais íntimas, a Lei, a Justiça, o bem-estar das pessoas, todos os meus princípios morais, os interesses do país, a causa pública... E não sou menos sportinguista por isso.



Estou totalmente à vontade para falar da relação dos clubes com os jornalistas. Quando, no meu clube, se alimentou o ódio à comunicação social, fui claríssimo na minha posição. E não esqueço, mesmo que cada um aproveite o momento a que assistimos em Moreira de Cónegos para atacar o adversário, que as agressões ou intimidações a jornalistas já aconteceram em todos os estádios ou pavilhões dos principais clubes. Os telhados não são de vidro, são de cristal. Apesar de ter no seu legado o “mítico” guarda Abel e vários episódios muito pouco dignos na relação com a comunicação social, o Futebol Clube do Porto não tem o exclusivo. Nem dos atos, nem das palavras que os legitimam.

Não confundo críticas com ódio. Eu faço críticas à comunicação social. Muitas e com muita frequência. Não sofro de qualquer vício corporativo e defendo um escrutínio apertado de quem escrutina os outros. Mas aquilo que vemos é uma barreira de ódio que pretende enfiar adeptos fanatizados na bolha de influência das direções dos clubes, dos seus canais de televisão, dos relatos e análises que eles próprios autorizam dos jogos. Isto vem acompanhado por um discurso tóxico, de uma agressividade inaudita, que pretende transformar o que devia ser um prazer e um divertimento em mais uma fratura na sociedade portuguesa.

Não há, na estratégia de comunicação dos clubes, nenhuma diferença em relação a tudo o que podemos ver em trumps e bolsonaros: o discurso de ódio como forma de mobilização de apoiantes, a tentativa de os isolar em bolhas de informação controladas pelos poderes do clube, um apelo difuso à violência e uma cultura de desprezo por todas as instituições que não dominem.

Isto não impede que haja problemas graves no futebol nacional. Nenhum deles será resolvido por incendiários. Resolve-se com dirigentes desportivos capazes de conversarem entre si (o que passa por baixar a temperatura) para impor regras que beneficiariam a competição e, com ela, todos os clubes. Mas esse é outro debate.

Não vou escalpelizar o crime a que assistimos, com um empresário desportivo a alegadamente agredir um jornalista ou, na melhor das hipóteses, a impedi-lo de cumprir a sua função (que não depende de autorização de ninguém). O crime é público e não carece de queixa. É um atentado contra a liberdade de imprensa e, por isso, um atentado contra a democracia. A passividade inicial da GNR e as declarações de Pinto da Costa, que julga que o trabalho da imprensa pode ser “indevido” e interrompido pela força, apenas ilustram a impunidade reinante no mundo do futebol, que se tem transformado num Estado dentro do Estado. Também não vou desenvolver sobre as ligações de Pedro Pinho ao Futebol Clube do Porto. Elas são públicas e evidentes. As circunstâncias em que aquilo aconteceu e o pedido de desculpas do vice-presidente do FCP, Vítor Baía, não permitem desresponsabilizações. Nem é o Porto que me interessa especialmente neste texto.


Com mais ou menos historial, a violência ligada ao futebol é transversal aos principais clubes. E os exemplos de violência partem dos agentes desportivos para as bancadas, transformando-as em lugares infrequentáveis para muitas pessoas. Não precisamos de outra prova: mesmo sem público, temos violência nos estádios. O problema não são os adeptos, são os que lhe dão a violência como padrão de comportamento.

A comunicação social tem responsabilidade no que aconteceu. Foi ela que, em nome das audiências, alimentou o sensacionalismo e escândalo quotidiano em torno do futebol. E foi ela que albergou painéis de debate que ajudaram a este caldo de cultura. Que em vez de discutirem futebol, arregimentaram tribos de fanáticos que queriam ver sangue. Criando um padrão que tende a ser repetido noutros domínios da nossa vida coletiva. Não é por acaso que o pior que a política recebeu veio desse mundo. Muitos desses programas já saíram do ar, mas os seus efeitos perduram.

Não é possível ser difusor do ódio (não confundir com a crítica assertiva) e ficar a salvo dele. Claro que o jornalista agredido, com quem estou solidário, não é responsável por nada disto. Pelo contrário, é vítima. Os canais de televisão é que foram cúmplices deste clima irrespirável.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Salazar nasceu há 132 anos e Mussolini morreu há 76. Há dias assim…


Por estatuadesal
Carlos Esperança, 
28/04/2021





O céu está agora cinzento, o tempo incerto, alternado o sol e a chuva, numa primavera sob o medo da pandemia, ainda com receio doa recidiva do vírus que nos afastou dos amigos e da família.

A comunicação social, tão dada a evocar mortes, parece ter esquecido o nascimento do abutre de Santa Comba Dão, daquele pérfido seminarista que, segundo a Irmã Lúcia foi enviado pela Providência Divina, o organismo da Segurança Social Celeste que escolhe políticos sem recurso ao incómodo sufrágio popular.

Faz hoje 125 anos que nasceu o sinistro ditador que acreditava na bondade de Cerejeira e na eficácia de uns pontapés dados a tempo como profilaxia dessas ideias nefastas, que a Inglaterra exportava, de um exótico regime conhecido por democracia.


Não há notícia de missas de sufrágio, novenas de ação de graças ou orações por alma do ditador. Vergonha ou amnésia, os próprios herdeiros espirituais renunciaram à herança e envergonham-se de dar testemunho público da saudade pelo torcionário que tinha sobre a mesa de trabalho a fotografia de Mussolini.

E vejam lá, leitores, a ironia do calendário! Benito Mussolini, que assinou os acordos de Latrão, que também foi enviado pela Providência divina, segundo o Papa de turno com quem se obrigou a tornar obrigatório o ensino da religião católica nas escolas públicas italianas e a quem entregou um avantajado óbolo do tesouro italiano, Benito Mussolini – dizia –, foi executado no dia de hoje, há 69 anos, no Lago Como, quando tentava a fuga para a Suíça. Os guerrilheiros italianos travaram-lhe o passo.

A tarde continua cinzenta e incerto o tempo neste dia de pesadas efemérides, um nascimento e um óbito, de dois crápulas que jamais deviam ter nascido.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Indira Gandhi, a Índia e o Mundo

 

26 Abril 2021


Indira imprimiu na sociedade indiana um verdadeiro espírito de paz, apesar das guerras que teve de travar. Uma sociedade muito desigual onde as castas continuam a pesar. Este escrito é um curto apontamento sobre o grande contributo que Indira Gandhi, uma personalidade carismática, polémica, mas muito respeitada, prestou ao reconhecimento da Índia, como país, no Mundo Futuro, uma potência política e económica em construção.



O apelido Gandhi

Antes de prosseguir, interessa desfazer um eventual equívoco. Indira Gandhi não é familiar de Mahatma Gandhi, o activista da “desobediência civil e da não violência” e um dos maiores lutadores pela independência da Índia, desde muito cedo amigo de Nehru, pai de Indira. O seu apelido herdou-o do marido, o jornalista Feroze Gandhi, com quem teve dois filhos.

Indira Gandhi e os estudos

Indira Gandhi, filha única de dois combatentes pela independência, Nehru e Kamala, nasceu em Dezembro de 1917. Kamala não teve vida fácil. Como activista da independência chegou a estar presa. Mas sobretudo viveu afastada do marido pelos anos de prisão, nove ao todo. A juntar a estas privações, a tuberculose levou-a a ser internada várias vezes, na Índia e no estrangeiro, tendo, aliás, falecido em 1936, antes da independência, durante um tratamento na Suíça.

Indira Gandhi pertence à terceira geração familiar empenhada na independência. Conheceu, desde o nascimento, um ambiente “agitado” de grande nacionalismo e, não tenhamos dúvida, interiorizou esse grito de liberdade pela Índia, tanto que aos 12 anos encabeça uma marcha contestatária, contra o país colonizador, o Reino Unido.

Indira Gandhi, embora tenha começado os estudos na Índia, teve uma vivência alargada de formação no exterior, passando pela Suíça alguns anos, acabando em Oxford e Cambridge.

Neste período consegue, porém, acompanhar a mãe e Nehru da cadeia manteve com ela uma correspondência abundante, materializada em forma de livro.

A sua vida política iniciou-se cedo. Com 21 anos apenas ingressa no Partido do Congresso (1938). Em 1955, é eleita para o Comité do Trabalho Nacional e torna-se Presidente do partido do Congresso entre 1959 e 1960.

Durante o mandato do Pai como Primeiro-Ministro, Indira acompanha-o nas viagens oficiais. Suscita admiração pela sua presença reservada, eficaz e elegante.

Em 1964 eleita para o Parlamento assume pouco depois o cargo de Ministro da Informação e Radiodifusão sob a Presidência de Shastri, sucessor de Nehru.

Presidente durante 16 anos

Shastri morre em 1966. Indira é eleita Primeira-Ministra pelo partido do Congresso com o apoio dos «patrões» do Partido na ideia de que a poderiam manipular.

Um equívoco. Indira sabia ao que ia. Tinha vantagens sobre outros eventuais candidatos. Dominava bem os meios diplomáticos e a nível interno o prestígio da família Nehru. Não deixa, no entanto, de ser enigmático. Tanta longevidade em cargo de tanto poder e prestígio num país onde o estatuto da mulher em si era pouco prestigiante!

Terá sido o peso político da dinastia familiar, a luta abnegada e consequente pela independência do país, o fervor nacionalista, a classe social de Brâmane, o Carisma, a determinação na decisão?!

Presidente durante 16 anos enfrenta problemas bem agudos, internos e externos.

Indira toma posse do cargo no meio da maior crise, pós Independência. Crise alimentar gravíssima devido às más colheitas de 1965 e 1966, declaração de guerra ao Paquistão (1965), desvalorização da moeda (rupia), PIB real a crescer a taxas negativas (-2.6% e -0.1%). Uma situação destas penaliza sempre os mais desfavorecidos, os mais pobres, gera muito descontentamento e descrédito dos governantes.

Eleições 1967

Neste contexto, o partido do Congresso não obtém um bom resultado. Perde em oito Estados da União. Indira sai, no entanto, reforçada. Revelou-se uma brilhante oradora e conquistou o coração do povo indiano. Face à situação crítica de fome pede ajuda aos EUA que a nega pela recusa da Índia em apoiar a guerra do Vietnam.

Decide, então, intervir na economia com uma política de nacionalizações, começando pela Banca. “Os barões” do Partido “tremem”, mas a classe média e os mais pobres estão com Indira.

As nacionalizações desencadeiam reacções extremas. Indira contorna o Parlamento e passa a governar por decreto. Grande tensão no Partido e cisão, criando o seu partido do Congresso.

Eleições 1970

Indira ganha eleições e avança outra medida radical. Suprime os privilégios, “rendas perpétuas” garantidas aos Príncipes, aquando da independência. Estas medidas não passam no Parlamento. Indira dissolve-o.

Em 1971, a deterioração das relações no Paquistão entra num ponto de não retorno. O movimento independentista do Paquistão Oriental é alvo de uma repressão violentíssima. Mais de dez milhões de paquistaneses refugiam-se na Índia, país pobre, que não tem margem para acolher tantos refugiados.

Perante o “imobilismo” do Mundo ocidental, a Índia prepara uma intervenção militar aproveitando um ataque aéreo do Paquistão à Índia. Após duas semanas de combate a resposta indiana obtém todo o êxito. Os soldados indianos são acolhidos como heróis libertadores do Paquistão Oriental que se independentiza sob a designação de Bangladesh.

Outro acontecimento reforça o Carisma de Indira. Construção da primeira bomba atómica (1974) entrando para o clube dos países nucleares.

A nível internacional reforça a liderança no movimento dos Países não Alinhados, e assina o Tratado de Paz, Amizade e Cooperação com a URSS (1971).

Em 1975, Indira é acusada de corrupção e fraude eleitoral e a oposição pretende cassar-lhe os direitos políticos por seis anos.

Indira Gandhi declara o Estado de Emergência (recebe o apoio de Madre Teresa), impõe a censura e prende cerca de 600 adversários políticos.

Dois anos depois, convencida de que reunia condições para as eleições, decreta o fim do Estado de Emergência, liberta os presos políticos.

Perde as eleições contra uma ampla coligação desde a esquerda à direita hindu. E desta forma nasce o primeiro governo do partido “Janata”.

A travessia do deserto é curta. Logo em Janeiro de 1978 é eleita num Estado do Sul de grande influência do Partido do Congresso. Sua popularidade sobe. Em 1980 há eleições e Indira Gandhi torna-se de novo primeiro-ministro.

A vida não lhe correu bem. Primeiro porque a situação económica da Índia arrastava-se sem grandes melhorias e depois o movimento separatista Sikh toma o Estado do Punjab.

Indira arrasa o Punjab (800 mortos). Os Sikhs não lhe perdoam e planeiam o seu assassínio. Em 31 de Outubro de 1984 através de dois guardas pessoais Sikhs, Indira é baleada e morre.

Sucederam-se três dias de anarquia completa com milhares de mortos.

O que deixou Indira Gandhi à Índia

A consolidação da Índia como país no mapa Mundo do Futuro.

Uma marca de independência da Índia face aos dois blocos políticos da guerra fria. A aproximação à URSS ficou a dever-se ao não respeito do Ocidente pelo movimento dos não alinhados e ao apoio dos EUA na guerra com o Paquistão.

Imprimiu na sociedade indiana um verdadeiro espírito de paz, apesar das guerras que teve de travar.

Uma sociedade muito desigual onde as castas continuam a pesar.

Na economia, apesar do crescimento médio na ordem de 4,5%, não conseguiu reunir as condições de base do relançamento económico. A maior falha situou-se numa educação muito deficiente e nas infraestruturas físicas, designadamente transportes e electricidade. No entanto, as discrepâncias de então entre a Índia e a China, excepção à educação, não eram significativas em termos de desenvolvimento.

Dezasseis anos que, hoje e no futuro, marcarão a vida da Índia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Quando o debate político é feito com elevação...

 

Ontem assisti, na RTP-Madeira, a um especial informação sobre o 25 de Abril, com os convidados Dr. Mota Torres e Dr. Alberto João Jardim, respectivamente, ex-presidentes do PS-Madeira e do PSD-Madeira. Raramente sintonizo a RTP-Madeira, confesso, mas, desta vez, por lá passei e a interessante conversa prendeu-me de princípio ao final. Gostei.



Ao longo da minha vida no exercício da política, fui, muitas vezes, um severo e contundente adversário do Dr. Alberto João Jardim. Nunca apreciei as suas opções políticas e sobretudo a forma como tratava todos os que se lhe opunham. Ao longo de várias décadas, toda a oposição teve razões de sobra para, politicamente, combatê-lo. Ontem, porém, foi diferente, talvez porque os anos contam e o distanciamento da vida política activa constituem aditivos importantes para uma outra serenidade. Inclusive, considerou um acto de justiça pública, enaltecer os anos do Dr. Mota Torres à frente do PS, como anos "importantíssimos para a consolidação da democracia, da autonomia e do desenvolvimento regional". 

Do Dr. Mota Torres outra coisa não seria de esperar: tranquilidade e conhecimento actualizado dos dossiês. Ele, Mota Torres, que tantas vezes foi massacrado, esteve ali igual a si próprio, porque sempre entendeu que, na política, existem adversários e nunca inimigos. Por isso, a "conversa" entre os dois foi deliciosa, com o nível que só dois grandes senadores da política o poderiam fazer. 

Umas vezes concordantes, outras com posições diferentes, a "conversa" de ontem sobre importantes questões políticas atingiram uma dimensão que nada tem a ver com o que por aí vamos escutando. Assisti a um muito salutar e respeitoso posicionamento sobre diversas temáticas. Ao ponto do ex-presidente do governo, quando o jornalista deu por terminado o espaço de debate, ter exclamado: já!

Só uma palavra final, simplesmente porque ao Mota Torres ligam-me laços de Amizade. Trabalhámos juntos, fui seu secretário-geral e vice-presidente. Já uma vez aqui escrevi (2015) que "muito do meu pensamento político fica a se dever a esse Homem que uma parte do PS não compreendeu e que a Madeira não soube aproveitar. (...) Mota Torres é um Homem culto. Vi-o sempre nos caminhos da liberdade, da tolerância, da justiça social, da igualdade de oportunidades e do equilíbrio", nunca na busca de lugares ou de agressividades políticas sem sentido. Foi bom escutá-lo e sentir que, politicamente falando, está em forma. 

Parabéns aos dois.

Ilustração: Google Imagens.

Sócrates


Por estatuadesal
Porfírio Silva, 
in Blog Machina Speculatrix, 
16/04/2021




Creio que José Sócrates tem razões de queixa do sistema judicial, mas também creio que seria profundamente errado pretender que isso é tudo o que há a dizer sobre a matéria.

1. Sócrates não é o primeiro, e não será o último, a ter razões de queixa da justiça portuguesa. A detenção mediatizada do antigo primeiro-ministro, ser preso para ser investigado, as condições da sua prisão preventiva, os anos à espera de que seja feita justiça, as constantes fugas seletivas de informação do meio processual para alimentar as campanhas de ódio no espaço público, as reviravoltas da acusação e da pronúncia, dão, no seu conjunto, um retrato horrível daquilo que um poder do Estado pode fazer ilegitimamente contra um cidadão.

A transformação de um processo judicial numa arena de combate primitivo, para alimentar audiências, é o corolário de um sistema de justiça que parece incapaz de impedir que as suas fraquezas sejam aproveitadas para o espetáculo da erosão da própria justiça substancial. O que se está a passar com Sócrates já se passou, embora com espetáculos de menor duração, com outras pessoas. Há casos de, no mínimo, flagrante incompetência do sistema de justiça, que deixam marcas profundas e dolorosas na vida de muita gente e um ferrete na vida coletiva: basta lembrar a ignomínia de que foi vítima Paulo Pedroso, um dos mais competentes e brilhantes políticos portugueses.

Desculpar as falhas ou os enviesamentos da justiça com uma presunção sobre culpabilidade ou inocência é, apenas, uma inversão de valores própria dos métodos inquisitoriais, dos julgamentos populares ou das ditaduras.

2. Repito, pois, que não tenho dúvidas de que Sócrates tem razões de queixa da justiça portuguesa. E isso importa, já que tanto os inocentes como os culpados têm, todos, direito a uma justiça justa, para que tanto uma condenação como uma absolvição sejam justiça e não vingança (e nem sequer desleixo). Uma parte das questões que este processo suscita são questões de organização do Estado, que afetam potencialmente qualquer pessoa que possa cruzar-se com o nosso sistema de justiça, e, por isso, dizem respeito a todos. E devem ser tratadas como questões políticas em sentido geral, porque dizem respeito ao bem de todos e aos perigos que todos corremos. Contudo, nenhuma dessas questões deve ser tratada especificamente por existir um processo envolvendo Sócrates. Essas questões devem ser tratadas como necessidades de melhoramento da justiça portuguesa, por todos e para todos. Qualquer tentativa de modificar regras legais por causa de, ou em ligação com um caso concreto, seria o caminho mais curto para deslegitimar as políticas públicas de justiça. Qualquer tentativa de centrar o debate sobre a justiça nas ocorrências de um caso, concreto e individualizado, seria um método e um procedimento errado, que teria consequências desastrosas.

3. Pode ter havido intenção política de capturar Sócrates neste processo? Pode. Como pode ter havido em casos anteriores. Contudo, essa acusação não deve ser feita levianamente – porque já estamos cansados de acusações formuladas levianamente. O próprio Sócrates pode perfeitamente ter sido vítima de acusações formuladas levianamente e não curamos a doença espalhando mais veneno. Não devemos perder a esperança, contudo, de que, se Sócrates, ou qualquer outro, tiver sido, estiver a ser, ou vier a ser vítima de um processo politicamente motivado, o possamos vir a demonstrar. Sabemos que a história não está virgem desses casos – embora uma concreta acusação contra uma determinada pessoa não se resolva por analogia política. Invocar Lula e Moro é uma analogia apelativa, mas fazer dela uma dedução automática para outro caso ainda seria proceder pelo método dos julgamentos populares. Ora, não há julgamentos populares bons e julgamentos populares maus: são todos iníquos.

4. Um dos venenos que têm sido vastamente espalhados a propósito deste caso é a confusão entre critério ético e critério penal. Um comportamento suscetível de censura ética não é necessariamente um crime. Ao mesmo tempo, o facto de um comportamento não configurar um crime não nos dispensa de o avaliar eticamente. Querer misturar ética e código penal, seja para mais facilmente condenar, seja para mais facilmente absolver, é inaceitável. Os tribunais não fazem avaliações de natureza ética geral, mas cabe aos tribunais avaliar crimes. É inaceitável que se insista em misturar esses dois planos. E essa mistura tem vindo de vários lados: do lado dos que desculpam tudo que não seja crime, e também do lado dos que argumentam com a ética para defender uma determinada ação penal. E sobram os candidatos a avaliadores éticos muito vesgos, consoante a cor do alvo – o que constitui a pior manifestação de uma fraude à ética.

5. É perfeitamente possível que uma pessoa, vendo-se acusada em tribunal, se defenda admitindo um comportamento que não constitui um crime. O que não temos é de aceitar como normal, ou irrepreensível, qualquer comportamento que não seja criminalizável. Neste caso concreto, atendendo a declarações do próprio, é perfeitamente concebível que Sócrates tenha tido comportamentos que, não sendo crimes, são condenáveis. Condenáveis à luz de algum critério ético muito geral, ou condenáveis simplesmente à luz de escolhas de valores próprios de um determinado grupo humano. Mas, também no plano ético, a mera suspeita não prova nada.

O facto de Sócrates ter sido secretário-geral do PS, e de ter sido primeiro-ministro por indicação do PS, legitima que os socialistas tenham uma valoração dos seus comportamentos à luz daquilo que os próprios socialistas consideram coerente com os seus princípios políticos. Isso tem algum valor para uma condenação criminal? Não tem. Tem, não obstante, um valor ético. E ninguém nos pode pedir que prescindamos desse critério ético. Nem se nos pode pedir que deixemos o juízo ético para depois do juízo penal. Mesmo que os critérios éticos não sejam de aceitação uniforme ou universal (tal como as ponderações jurídicas são disputáveis).

6. A justeza do sistema de justiça, bem como a sua eficácia e eficiência, é aperfeiçoável. No caso de Portugal, tem vindo a ser aperfeiçoado. Por exemplo, a malha das prescrições tem vindo a ser apertada. Será preciso fazer mais, mas o que tem de ser feito é continuação do que já se tem vindo a fazer. É especialmente importante que continuemos vigilantes quanto à corrupção. A corrupção é o alimento do fascismo e dos seus monstros – mesmo sendo os fascistas e as suas metástases os principais beneficiários da corrupção, quando deitam a mão ao poder. Combater a corrupção é vital para defender a democracia.

Para quem exerce funções políticas, ou simplesmente funções de relevância pública, e não tira nenhum proveito pessoal disso no plano material – que é o caso da esmagadora maioria dos cidadãos que exercem essas funções – é simplesmente abominável que o seu trabalho seja conspurcado por alguns que confundem a coisa pública com outros caminhos que podiam ter seguido para enriquecerem legalmente. Evitavam de vir enriquecer ilegalmente para funções onde se pode empobrecer alegremente por dedicação à causa pública.

É inaceitável que alguns, na voragem de um comportamento incivilizado que faz do funcionamento da justiça um espetáculo de combate de morte, um espetáculo de ódios primários, se esqueçam como é decisivo para a democracia o combate contra a corrupção – coisa muito diferente de criar espantalhos à medida dos ódios políticos.

7. Nenhuma pessoa, nenhum socialista, tem o direito de querer que o PS se transforme num partido de uma causa individual, por mais justa que ela seja. Os socialistas têm o dever de honrar o património de um partido que sempre colocou o bem comum acima de qualquer causa particular. Também merece uma apreciação ética – aqui, uma apreciação negativa – a tentativa de emparedar um grande partido popular, que foi e continua a ser fulcral na construção e sustentabilidade da democracia portuguesa, tentando metê-lo no beco de um específico processo judicial, mesmo que dele seja preciso extrair consequências para a coisa pública. Os partidos não são um fim em si mesmos, os partidos são instrumentais – mas devem ser instrumentais exclusivamente para o bem comum.

sábado, 24 de abril de 2021

Traição aos valores de Abril

 

Oh grande Jorge Coelho! A dignidade acima de tudo: "a culpa não pode morrer solteira". E ele, pergunto, que culpa directa teve na queda da ponte? Mas era responsável político. Essa é que era a verdade. E foi-se embora. Mas há quem, desde sempre, não entenda este princípio e, portanto, desde contornar a lei com "contabilidade paralela", escondendo a verdadeira dívida da Região, até, no plano partidário, receber valores, sob empréstimo ou não, e não declará-los, passando por negócios, alegadamente legítimos, porém sob investigação por terem suscitado dúvidas, a tal culpa anda a morrer solteira! A dignidade esvai-se por ausência de respeito pelos próprios e, já agora, por quem os elegeu. O 25 de Abril de 1974 não representa isto!



A História, desde sempre, relata situações abusivas e condenáveis. Em todo o Portugal. E ninguém escapa: ministros, secretários de Estado, membros disto e daquilo, directores, forças armadas, magistraturas, autarcas, por aí abaixo até às minúsculas regiões autónomas, eu sei lá quantas histórias envergonham, por ganhos, alegadamente, ilícitos, ou por subtis ou descarados favorecimentos a grupos económicos, compra de favores, concursos públicos limitados que deixam um rasto de dúvidas, situações estas que impedem e até esmagam a sobrevivência de outros. Dos íntegros. Dos que não precisam de meia-hora para enrolarem o rabo à saída de uma porta. Atingiu-se um ponto que até um condenado e preso pode candidatar-se à presidência de uma autarquia e ser eleito. "Já pagou a sua dívida à sociedade", dizem ou aceitam. Esquecem-se que o exercício da política e as funções de natureza pública constituem um serviço à comunidade e não um emprego. E que esse serviço deve ser prestado por impolutos e incorruptíveis. Na sua essência, o 25 de Abril está carregado desta mensagem. Em vão? Talvez!

No meio de tanta chafurdice, ainda mais doloroso é pressentir que, na voz do povo, em conversa de café, ainda subsista aquela peregrina ideia de que "ele rouba mas faz". Perdeu-se a vergonha e a sensatez, por interesses pessoais, partidários, de governação ou outra qualquer. De resto, ouve-se amiudadas vezes, o que é inquietante, da boca dos prevaricadores, que a "consciência está tranquila" apesar das "mãos não estarem limpas". 

Portugal e as suas Regiões Autónomas não são um caso isolado. Por todo o lado o Homem desonrou-se. A corrida à riqueza, mesmo que mal explicada, os jogos subterrâneos tomaram conta do sentido da verticalidade, da idoneidade e coerência que um punhado de valores deveriam caracterizar a pessoa de bem. Por isso, é-me ininteligível que, no plano do funcionamento normal de uma sociedade, no tempo político e com a experiência vivida, continuemos a assistir a situações onde "a culpa morre solteira". Retirar consequências políticas é coisa rara. 

Passaram-se 47 anos de ABRIL. Ainda tenho em mente, a bater-me consecutivamente, a frase do Padre José Martins Júnior: "O cravo que matou o medo, e os medos que matam os cravos" (...) E agora, volvidos 47 anos, 564 meses, 2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o MEDO???... "Perguntem ao vento que passa"... notícias dessa Alvorada que varreu a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!. 


Se há culpas relativamente ao prato que nos oferecem, essas são nossas, exclusivamente nossas, pois, enquanto povo, continuamos a permitir que a frase de John Dalberg-Acton (1834/1902) continue plena de actualidade: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". 

...

Porque esta é a noite do inesquecível Abril, deixo aqui o texto do Padre Martins Júnior. Li, reli e tanto descobri nas entrelinhas deste texto. Obrigado, Amigo Padre. É tempo de ouvirmos "Os Vampiros" do intemporal Zeca.


O CRAVO QUE MATOU O MEDO
E OS MEDOS QUE MATAM OS CRAVOS





Com o mesmo entusiasmo com que vivemos a Semana Azul do Mar, a Semana perfumada da Flor, a Semana universal de Tudo, assim também quero respirar a plenos pulmões a Semana Vermelha de Abril. E é esta que me domina de domingo a domingo, tal qual a Semana da Páscoa libertadora, desde Domingo de Ramos ao Domingo da Vida reconquistada.

Porque se os dias compõem as semanas, as semanas preenchem os meses e estes enfeixam os longos anos de uma vida, tudo somado só tem nome e identidade se em cada parcela constitutiva nascer e reverdecer a energia vital que lhes deu o ser. Numa palavra, o Abril histórico só existe se ele habitar os momentos do quotidiano, como os cravos revividos nos canteiros da nossa casa.

Por isso, iniciei anteontem este revérbero aprilino, evocando o enterro do machado da guerra em 1974, quando se estancou a hemorragia a que estavam condenados os jovens portugueses em território africano, ao serviço da ditadura colonialista. Hoje, quero reaver o estrebuchar de outro monstro que torturava gerações e gerações de homens e mulheres, à sombra da bandeira verde rubra de Portugal: o MEDO !!!

Reescrevo o monstro com maiúscula, como no título, porque tratava-se de um MEDO estrutural, trepidante vírus genético que serpeava no ventre das mães, grávidas de um Ser Vivo e grávidas desse monstro que se preparava para engolir a criança logo à nascença. Nascíamos todos sob o signo do MEDO. E mais flagrante e deprimente era o rebanho anónimo que nem dava por isso… A mudez perfeita sob o perfeito terror regimental! Medo de falar, de escrever, de sair à rua, de manifestar a sua dor, numa palavra, medo de respirar! A polícia política, disseminada por praças e becos, umas vezes fardada e espingardada, outras cavalgada, outras paramentada nas igrejas e confessionários, quase sempre, porém (a mais requintada e viperina) a polícia nua, sem armas, sem rosto e sem ruído! Pode afirmar-se, sem nesga de erro, que a “PIDE” foi a implacável “COVID/Salazarista”. Invisível, feroz e fatal!

Famosos e esplendorosos como os militares de Abril são todos os homens e mulheres, jovens, operários, intelectuais, que expiaram em lúgubres masmorras o crime de esconjurar esse MEDO visceral da nação portuguesa e devolveram ao Povo o direito de falar, de escrever, de manifestar os seus dramas, de proclamar as suas vitórias!

E agora, volvidos 47 anos, 564 meses, 2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o MEDO???... “Perguntem ao vento que passa”... notícias dessa Alvorada que varreu a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!

Verdade seja dita: se hoje posso escrever esta crónica, é sinal que algo mudou. Mas, sem armar ao trágico, bastar tactear pelas ruas e esquinas da cidade, entrar nos domésticos corredores desta terra e verificar que, afinal, os medos têm tomado conta dos cravos, esfrangalhando-os, amputando-lhes pétalas e seiva. Os medos dos mandantes, dos chefes, dos despedimentos, da fome iminente, medos (com minúscula) de falar, de contestar, de gritar a própria dor, enfim, o regresso ao silêncio, à cobardia, ao sado-masoquismo de outros tempos. Até na comunicação social! Jamais esqueci o desabafo de um jornalista (já lá vão três décadas) que às minhas observações nada lisonjeiras sobre uma das suas peças pró-governamentais, responde-me ao ouvido: “O que é quer? Isto é o meu ganha-pão”! E mais não disse.

Ironia das ironias – maldição sobre maldição, digo eu – assentou arraiais à nossa porta Sua Insolência a COVID, para consolidar o império dos medos quotidianos, veículo prestimoso de anestesiar os cérebros, a pretexto da saúde, e passar a outros medos de maior gravame, os medos estruturais que tolhem a fala e o ânimo das gentes.

Tempos de carestia, tempos de seca severa e austera!

É a hora de não deixar que os medos matem os cravos, a hora de cultivar o CRAVO que mata o MEDO!

21.Abr.21
Martins Júnior

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Super Liga Europeia: como a economia “trickle down” chegou ao futebol


Vicente Ferreira, 
in Blog Ladrões de Bicicletas, 
19/04/2021

O anúncio de ontem à noite chegou às capas de jornais um pouco por todo o mundo: 12 dos clubes mais ricos do planeta oficializaram a criação da Super Liga Europeia, uma prova que pretende funcionar como alternativa à atual Liga dos Campeões. Embora ainda não se conheçam todos os contornos, os clubes fundadores – Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Tottenham, AC Milan, Inter, Juventus, Real Madrid, Atlético de Madrid e Barcelona – terão direito a um lugar permanente na competição, havendo a possibilidade de admitir anualmente alguns convidados. O projeto conta com um empréstimo de €3,25 mil milhões da JP Morgan, como adiantamento de receitas futuras provenientes dos direitos de transmissão televisiva.



No comunicado oficial, os fundadores da nova competição dizem que a decisão surge “num contexto em que a pandemia agravou a instabilidade do atual modelo económico do futebol europeu”, embora, na verdade, as discussões para a criação desta prova já tenham alguns anos. A ideia passa por criar “um formato para que clubes e jogadores de topo compitam uns contra os outros de forma regular”, que possibilite uma “abordagem comercial sustentável […] para o benefício de toda a pirâmide do futebol europeu”. É aqui que o caso se torna interessante: os clubes responsáveis por este projeto prometem que os benefícios não serão apenas para si próprios, mas que acabarão por ser distribuídos e beneficiar todos os outros. É a lógica “trickle down” aplicada ao desporto. Esta ideia, que tem origem nos debates sobre a política fiscal do final do século passado, diz-nos que a redução dos impostos sobre os mais ricos tenderia a beneficiar a sociedade como um todo, pelo efeito de promoção do investimento e da criação de emprego. Alivie-se a tributação da riqueza e esta distribui-se naturalmente, dizia-se.

Só há um problema: a experiência dos últimos 50 anos mostra que esta ideia não funciona. Os economistas Julian Limberg, do King’s College de Londres, e David Hope, da London School of Economics, estudaram os cortes de impostos sobre os mais ricos aprovados ao longo das últimas cinco décadas em 18 países diferentes. Sem grande surpresa, a conclusão a que chegaram foi a de que estes cortes beneficiaram bastante o 1% do topo, mas tiveram efeitos negligenciáveis para o resto da sociedade. “Em média, cada diminuição considerável de impostos resulta num aumento de 0,8 pontos da fatia do 1% do topo”, lê-se no estudo. Por outro lado, “a evolução do PIB per capita e da taxa de desemprego não é afetada por reduções significativas dos impostos sobre os mais ricos”. É por isso que, nas últimas décadas, os países que mais reduziram a taxa de imposto aplicada ao 1% do topo foram aqueles onde a fração do rendimento nacional captada por este grupo mais aumentou. Por outras palavras, foi nesses países que o 1% do topo passou a arrecadar uma fatia ainda maior do bolo, como mostrou um estudo de Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Stefanie Stantcheva. Conclusão: estes cortes só acentuaram as desigualdades.

terça-feira, 20 de abril de 2021

A RODA DOS MILHÕES E A GANÂNCIA




A propósito da Superliga que os clubes de alegada grande riqueza financeira desejam, ontem, dois pensamentos bailaram na minha memória. Um de Eduardo Galeano (1940/2015) que, no Le Monde Diplomatique escreveu, tem já uns anos, um artigo a que deu o título: “Football, une industrie cannibale”; um outro de um artigo do Professor Doutor Manuel Sérgio, Filósofo, na edição de O Desporto Madeira de 27.11.03: "(…) O interesse do capitalismo vigente é querer democratizar na medida em que quer vender. O desporto como mercadoria, a cultura como produto vendável, segundo as leis do mercado, é tudo quanto o capitalismo sabe de cultura e desporto (…)".
Pensemos nisto!

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Do bicho humanizado ao homem animalizado – algumas notas


Por 
Amadeu Homem, 
14/04/2021)

Dizem que a humanidade acrescenta à pura animalidade qualquer coisa. Insiste-se muito na racionalidade e no livre-arbítrio. Claro que, com exceção de Kafka e de mais alguns autores malditos, ninguém fez ou faz um esforço sério para se meter na organização biológica de uma formiga, de um chimpanzé ou de um gato, senão com propósitos de simples curiosidade científica.


Ficam de fora as zonas penumbrosas que respeitam ao problema de uma possível consciência animal. Como podemos facilmente pisar formigas, meter chimpanzés em jardins zoológicos ou domesticar gatos, ainda com maior vigor sentimos a legitimidade de sustentar que nós, os humanos, cume da criação divina ou da complexificação da matéria, possuímos diferenciações de superioridade que nos projetam para a galeria do excecional.

Vem isto a propósito de ter lido um texto sobre as estratégias de produção do riso na obra literária. Lá se falava que a atribuição de características humanas aos animais é um expediente divertido. Foi o que fez um Esopo ou um La Fontaine.

Mas não é menos verdadeiro que a transposição de reações animais para os seres humanos apenas arranca – quando arranca… – um sorriso tímido, comprometido, vagamente culpado. Kafka escreveu a "Metamorfose", narrativa incómoda por trazer até nós o sofrimento de um bicho que herdou certas características humanas anteriores a uma mutação operada a partir do humano. Esse facto incomoda-nos, deprime-nos, parece aviltar-nos. Pergunto-me se a “vaidade do Eu” – e de um eu exclusivamente humano – não desempenha aqui o papel determinante.

Por outro lado, lendo as aventuras do Homem da Mancha, achamos piada a Sancho Pança, ao seu largo ventre de animal primário, ao seu rifoneiro castiço, a esse “viver à flor das vísceras”, ao realismo cru das suas avaliações. Gostamos dele complacentemente, é um facto. Já não nos incomoda; apenas nos diverte. Não nos embaraça porque morfologicamente, constitutivamente, é igual a nós, sem mutações de metamorfose.

Mas, embora lhe devotemos alguma ternura, fica esta complacência misturada com a defesa do nosso reduto de gente letrada e mais polida; gente que sabe que os moinhos atacados pelo Quixote, sendo apenas vulgares moinhos, possuem junto da mente do atacante a figuração mental de gigantes. E também saberemos que por detrás desses gigantes aflora a sublimação do Ideal, a flor sagrada dessa defunta Cavalaria andante. Sancho não sabia nada disto. E, por tal, gritava, aflito, para o seu amo: – Senhor, senhor, não são gigantes, são moinhos!

Agrada-nos imaginar que também nós, nas condições em que nos fosse possível transfigurar a realidade, desafiaríamos os leões e confiscaríamos o elmo de Mambrino. Na maior parte dos casos, a verdade é que não seríamos capazes de nada disso – e não apenas pelo facto do elmo de Mambrino ser uma ficção airosa. O Ideal é uma bela coisa quando temos de sacrificar pouco por ele...

Voltemos ao riso que se move na zona indecisa que vai da animalidade tornada humana à humanidade feita animal. E confessemos que nos é bem mais agradável privar com o Coelho apressado de Lewis Carroll (animalização com hábitos humanos) do que com o bicharoco imundo da Metamorfose de Kafka (humanização que se animalizou sem retorno à forma inicial).

Somos seres ambíguos, é o que é. Mas nessa ambiguidade, quão decisiva será a supuração do nosso narcisismo?

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Os três julgamentos de Sócrates. E uma sentença exemplar


Por estatuadesal
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
16/04/2021


Desde que o sorteio determinou que, ao contrário da vontade justiceira de quase todos — incluindo do juiz Carlos Alexandre —, a instrução do Processo Marquês caberia a Ivo Rosa, desencadeou-se sobre este juiz a mais feroz campanha de desacreditação pessoal a que já assisti. E não apenas nos media que servem de caixa de ressonância ao DCIAP e ao Ministério Público (MP), mas nos próprios meios judiciais, com destaque para o Tribunal da Relação de Lisboa — o mais desprestigiado e manchado dos tribunais portugueses —, onde desembargadores, muito aquém tecnicamente de Ivo Rosa, se deleitaram em contrariar decisões instrumentais dele, fazendo-o, por vezes, em termos de deliberada e pública humilhação.




O ambiente estava, pois, preparado para que, ocorrendo qualquer outra decisão instrutória de Ivo Rosa que não aquela que o MP, os justiceiros dos media e a opinião pública há muito tinham estabelecido como a única aceitável, Ivo Rosa fosse levado ao cadafalso e erigido até em coveiro não só da justiça mas do próprio regime democrático. Não espanta que o faça a turbamulta dos abaixo-assinantes que acham que se pode sanear um juiz por petição popular, como nas ditaduras, ou os sectores da direita e extrema-direita que usam a corrupção como pretexto propagandístico e a incapacidade da justiça de ser eficaz e pronta como sinal da inviabilidade do sistema democrático. É uma agenda política que só os idiotas e os ingénuos não enxergam. O que me espanta é que gente que tinha obrigação de se guiar por outros padrões, menos imediatistas e menos histéricos, até mesmo gente com formação jurídica não tenha resistido também a cavalgar a onda populista em lugar de se dar ao trabalho de estudar com atenção o quadro jurídico em que se movimentou o juiz. Por todos, cito Marques Mendes e a sua frase de uma extrema gravidade: “Este juiz é um perigo à solta.”

Ora, este juiz produziu uma “sentença” exemplar. Mas, para melhor a compreender, é preciso notar que José Sócrates, de facto, estava e está a ser julgado em três planos diferentes, mas que, por via das funções que exerceu e no período em que as exerceu, se confundem no Processo Marquês: um julgamento político, um julgamento criminal e um julgamento ético.

No julgamento político (de que Ivo Rosa não se ocupou, nem se podia ocupar, no seu despacho instrutório), Sócrates era acusado de ter levado o país à ruína, e só por isso muitos gostavam de o ver na prisão. Concordo que a governação de Sócrates contribuiu para levar o país à ruína, mas entendo que é uma desculpa de má consciência colectiva sustentar que o fez sozinho, que foi a sua governação sozinha que acrescentou 60 ou 70 mil milhões à dívida do Estado. Aliás, quando o FMI é chamado por Sócrates, em 2011, não era apenas o Estado que estava falido, mas o país inteiro: famílias, empresas, bancos, tudo estava endividado por anos sucessivos em que, por muito que isso custe ouvir, de facto todos tinham vivido acima das suas possibilidades. Quanto ao endividamento público, o facto é que Sócrates, o despesista, foi reconduzido em eleições pelo mesmo povo que agora o acusa de ter arrui­nado o país, e, nessa altura, houve uma única voz que, em vão, chamou a atenção para o que se estava a passar: Manuela Ferreira Leite — que, sintomaticamente, perdeu as eleições e perdeu o PSD. E recordo que, quando, em 2009, Teixeira dos Santos, alarmado com o crescimento do défice e da dívida, quis puxar o travão, vieram “instruções superiores” de Bruxelas para fazer exactamente o contrário — o que conduziria ao colapso das finanças públicas de Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda e Itália. E enfim, para quem já não se lembre, houve o célebre PEC IV, quando a nova orientação de Bruxelas passou a ser a inversa. Lembram-se o que era, na sua essência, o PEC IV, que Bruxelas já tinha aprovado? Era um plano justamente para tentar conter o caminho para o abismo, cortando na despesa pública, subindo alguns impostos e tentando assim evitar a chamada da troika. Votaram contra o CDS e o PSD, porque, chumbado o plano, caía o Governo e lhes cheirava a poder; e votaram contra o PCP e o BE, mesmo sabendo que estavam a abrir caminho à direita e à troika. A versão de Sócrates culpado único da ruína do país tem mais de catarse geral do que de verdade histórica.

O julgamento criminal de José Sócrates era, assim, o único de que agora se devia ocupar o despacho de pronúncia. Não sendo tecnicamente um julgamento, funcionou, de facto, como um julgamento em primeira instância e foi eloquente para que muitos, que tenham estado atentos e de boa-fé, possam ter percebido, finalmente, o fundamento das acusações. Em suma, o MP assentou toda a fase investigatória e toda a acusação em duas presunções: todo o património de Carlos Santos Silva — o dinheiro que transferiu da Suíça, a casa de Paris, etc. — era, de facto, de José Sócrates; e, sendo de Sócrates, só podia ter-lhe advindo de corrupção. A partir daqui, o MP prendeu Sócrates, Santos Silva e o motorista José Perna; prendeu para investigar. E pôs-se à procura dos corruptores, pelo chamado método de “pesca de arrasto” (a certa altura, o “Correio da Manhã” noticiou que todos os negócios entre o Estado e privados durante os anos de governação de Sócrates estavam sob suspeita do MP). Finalmente, fixou-se em três — Vale do Lobo, Grupo Lena e PT/BES —, e à roda de cada um deles elaborou as tais construções a que Ivo Rosa chamou “fantasiosas”, seguramente sedutoras e tentadoras (sobretudo para quem se atreveu a tentar fazer o julgamento de todo o regime num só processo), mas que tinham todas elas um pequeno problema: total ausência de provas, directas ou indirectas, e até mesmo de indícios de crime suficientemente fortes para justificarem uma ida a julgamento. Quem se tenha dado ao trabalho de ler, ainda que ao de leve, as mais de 4000 páginas da acusação, verificou que ali não havia uma confissão, um testemunho, uma escuta, um documento, um papel que pudesse sustentar qualquer uma das teses do MP, a não ser a “convicção” de Paulo Azevedo de que a OPA da Sonae à PT falhou não porque uma maioria de accionistas achasse o preço barato mas porque Sócrates estava a soldo do BES (apesar de não ter usado a golden share do Estado para votar contra a OPA) e o testemunho comprado de Helder Bataglia (a quem antes o MP conferira o estatuto de bandido internacional), cuja falta de credibilidade Ivo Rosa demonstrou facilmente.

Assim, chamado a julgar segundo a lei e a sua consciência, como está estabelecido, o juiz começou por verificar que todos os crimes de corrupção estavam prescritos, conforme parece ser o caso, e os outros caíam por lhes serem dependentes e instrumentais. Se tivesse ficado por aí, teria sido mau para todas as partes. Porém, ele deu-se ao trabalho de analisar a substância das acusações, mesmo que isso não vie­sse a ter resultados jurídicos práticos. O que disse foi: “Mesmo que os crimes não estivessem prescritos, eu não levaria estes arguidos a julgamento, porque não há indícios de que tenham praticado os crimes de que são acusados.” É a sua opinião, que explicou porquê, fundamentadamente e tendo considerado não apenas os argumentos de uma parte mas de ambas. Pode estar errado, e certamente que haverá opiniões diferentes, mas cumpriu o seu papel de juiz.

Restava, enfim, o julgamento ético de José Sócrates, e foi aqui que Ivo Rosa surpreendeu tudo e todos. Ele podia ter ignorado a questão, visto que os tribunais não julgam a ética, mas o direito. Ou podia, como muitos juízes fazem, não ter condenado por razões éticas, mas ter dado um sermão de moral ao arguido. Mas Ivo Rosa foi por um terceiro caminho. Começou por contabilizar o que Sócrates recebeu de Santos Silva, em dinheiro e em espécie, quando e depois de ser PM: 1,8 milhões, e não apenas os 600 mil que ambos reconheciam. E, depois, disse o que todos pensamos: não tendo sido provado nem indiciado que o dinheiro do amigo fosse seu, também não acreditava que o dinheiro que ele lhe deu fosse apenas empréstimos; não acreditava que, para lho pedir, tivesse Sócrates de recorrer a intermediários e de falar de “livros”, “fotocópias”, “envelopes” ou outras palavras de código; não acreditava que ele fosse arrendatário e pagasse renda pela casa de Paris; não acreditava que a sua mãe tivesse um milhão de contos em notas guardado em casa, etc., etc. É minha convicção, disse o juiz, que o senhor foi corrompido pelo seu amigo, durante anos e a troco da sua influência como PM. Esse crime está prescrito, mas não os de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. E, por esses, responderá em juízo.

E eis como a retumbante e inevitável vitória de Sócrates sobre o Ministério Público se transformou numa inesperada e humilhante derrota às mãos do juiz que diziam feito com ele.

Completamente sozinho, trabalhando em silêncio e em segredo, como não é habitual, ostracizado pelos seus pares, perseguido pela imprensa justiceira e pelos chacais à solta nas redes sociais, Ivo Rosa prestou um inestimável serviço à Justiça e ao Estado de Direito. Podem agora afadigar-se em destruir o seu trabalho até não ficar pedra sobre pedra, arrastar durante anos ou décadas a Operação Marquês nos tribunais até já ninguém se lembrar que questão lateral é que se discute, podem não querer ver as lições gritantes que se deveriam tirar desde já da forma como tudo foi conduzido desde o princípio e podem linchar o juiz na praça pública ou queimá-lo subtilmente em fogo lento corporativo. Mas nada apagará o serviço que ele prestou ao país.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Sócrates: porquê tanto ódio?


Por estatuadesal
Maria Antónia Palla, 
in Público, 
15/04/2021


(Este texto, escrito pela mãe de António Costa, remeteu-me para aquilo que considero ser das piores vilanias e primitivismo da natureza humana: apedrejar até à morte alguém caído em desgraça. Como no circo romano a turba quer ver sangue e urra o seu desagrado quando Imperador ergue o polegar e poupa a vida ao gladiador. Mais deplorável ainda é ver que, muitos dos que mais querem esquartejar Sócrates, foram dos que mais lhe puxaram o lustro aos sapatos Vuitton e lhe poliram os botões dos fatos Armani quando ele teve poder.
Estátua de Sal, 15/04/2021)



Desde a sua chegada a Portugal, José Sócrates tem sido objecto de um tratamento impensável num país que recuperou a Democracia após meio século de ditadura.

Quando, no dia 21 de Novembro de 2014, José Sócrates desembarcou do avião que o trouxera de Paris e encontrou a polícia à sua espera, bem como os meios de comunicação social que haviam sido avisados da sua chegada, era fácil a qualquer observador concluir que o espectáculo estava montado.

O desenrolar da acção seguir-se-ia. O ex-primeiro-ministro ficou detido com o argumento de que a sua libertação comportava o perigo de fuga. Argumento bizarro, porque não parece lógico que alguém que pretenda fugir à justiça do seu país regresse a ele de livre vontade.

Até essa altura, eu não nutria especial simpatia por Sócrates. Daí ter aceite ser mandatária nacional da candidatura de João Soares a secretário-geral do PS, em 2005. O seu adversário era José Sócrates, que saiu vencedor com considerável vantagem.

Posteriormente, foi durante um seu Governo que, em 2006, foi encerrada a Caixa de Previdência dos Jornalistas, à qual, como presidente, dediquei dez anos da minha vida e que constituiu para a classe jornalística uma considerável perda, sem que o Sistema de Saúde em Portugal tenha retirado qualquer benefício dessa decisão.

Não tinha, pois, qualquer razão pessoal que motivasse a minha mudança de opinião a respeito do ex-primeiro-ministro. Foi o meu conceito de liberdade e de justiça que, por imperativo de consciência, me levou a manifestar a José Sócrates a minha solidariedade.

Desde a sua chegada a Portugal, Sócrates tem sido objecto de um tratamento impensável num país que recuperou a Democracia após meio século de ditadura.

O período de prisão preventiva que lhe foi imposto ultrapassou o que era normalmente aplicado no antigo regime. O condicionamento de libertação mediante imposição de pulseira electrónica foi mero propósito de humilhação. Não contavam com a personalidade e a coragem de um homem que, ao vexame a que o queriam sujeitar, preferiu permanecer na prisão. O seu orgulho pessoal acabou por vencer a cobardia dos que pretenderam domesticá-lo.

Durante sete anos, lutou pelo que considera a sua verdade. Resistiu ao isolamento social. Enfrentou sucessivas campanhas de manipulação da opinião pública. Finalmente fez-se alguma justiça. E aí os seus adversários perderam a cabeça.Há alguns séculos atrás gritariam “Sócrates para a fogueira!”. Agora dizem-no de forma mais sofisticada. Mas queimam à mesma uma pessoa, destruindo o seu passado, infectando o seu presente, roubando-lhe o futuro

Nunca, na minha longa vida, assisti em directo a manifestações de ódios tão profundas como as que tenho observado através das televisões. Entrevistas, debates, só com pessoas da mesma opinião. O contraditório não existe. As regras mais primárias do jornalismo foram enterradas.

Há alguns séculos atrás gritariam “Sócrates para a fogueira!”. Agora dizem-no de forma mais sofisticada. Mas queimam à mesma uma pessoa, destruindo o seu passado, infectando o seu presente, roubando-lhe o futuro.

O que está, quem está por detrás desta demência? Até onde se irá parar? Detentores de um poder que julgam eterno, não lhes chega liquidar um homem. Atingem agora o juiz que cumpre o seu papel.

O juiz Ivo Rosa, na observância da lei, deu como prescrito o que tinha de ser prescrito. Sobre ele abatem-se já os gritos histéricos de jornalistas e comentadores de serviço, sedentos de popularidade, clamando contra a prescrição do crime, passado o limite do tempo de investigação.

Na opinião destes visionários do mal, todos nós, a partir de denúncia de um particular ou do próprio Estado, estaríamos sob a ameaça de prisão perpétua, acusados de crimes para os quais não se encontravam provas. A Ditadura chamou-lhe “medidas de segurança”.

Haverá melhor contributo para o regresso a um passado que sonhamos enterrado na História?

No dia 27 de Abril de 1974, quando me sentei em frente da minha velha máquina para contar aos leitores a Revolução que os meus olhos viram, bati o texto e acabei assim: “Agora que temos a liberdade, o que vamos fazer com ela?” Passaram 47 anos. Continuo à espera da resposta. Como os contestatários de Maio de 68, direi que “não sei o que quero, mas sei o que não quero”. De uma coisa estou certa: Justiça sem compaixão não é Justiça.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Jornalismo

 

Existe muita documentação sobre o tema que trago para reflexão. Não sou jornalista e nunca o fui. Apenas colaborei em empresas de comunicação social, mas sempre soube separar o que entendia ser uma colaboração, da verdadeira formação e responsabilidade de ser jornalista. Fui um amador que lia muito e tentava transmitir qualquer coisa. De resto, aprendi com muitos que, detentores de carteira profissional, construíram a sua vida escrevendo, opinando, entrevistando e liderando um sector que considero vital em uma sociedade livre e, necessariamente, democrática. 



Por aí passei e que bons foram esses anos de permanente aprendizagem. Olho lá para trás e hoje sublinho que não seria o que sou, refiro-me à minha leitura da vida, se não tivesse participado no jornalismo, na rádio, na televisão e nos jornais. Por isso, adquiri uma compreensão das situações, obviamente com todas as minhas continuadas limitações, que me permitem de forma serena e distanciada, uma certa crítica face àquilo que vou assistindo.

Não é que eu escreva de forma exemplar (por uma questão de princípio não acompanho o último AO), mas tendo não errar. Escrevo e deixo os meus textos a "marinar", relei-os duas e três vezes e, só depois, publico. Encontro sempre falhas na concordândia, verbos mal conjugados, palavras mal digitadas, pontuações incorrectas, enfim, faço esse esforço porque entendo que a Língua não deve ser atraiçoada. Mas, confesso, falta-me muito, no plano da ciência da Língua, para atingir o plano que tanto gostaria.  

Estou a desviar-me do que aqui me traz. São três os pontos fundamentais desta reflexão:

Primeiro, a comunicação social escrita, onde dou conta, não de gralhas, porque, infelizmente, essas acontecem, mas de imperfeições na definição do essencial, sequência das ideias e até erros, naturalmente por falta de revisão. Sei o que isso é, porque também desempenhei a função de revisor. Tantas vezes se olha e não se vê o erro. E há textos de opinião que, de opinião, nada têm. Sei que os quadros redactoriais são curtos, a informação é muita e os horários limitados. E múltiplas são as tarefas. Mas, convenhamos, há que ter mais cuidado. E se isto refiro é porque aprecio os textos que dão prazer em descobrir o parágrafo seguinte. Desisto quando isso não acontece. Passo à frente. Que me perdoem a franqueza, os jornalistas e os articulistas.

Segundo, refastelado no sofá, gosto de assistir a uma boa partida de futebol. Ontem, confesso que o narrador do jogo Porto-Chelsea levou-me a tirar o som da televisão. Ao contrário do comentador, sereno e perspicaz, alertando para os pormenores que o espectador não descortina, o narrador seguia o jogo com um entusiasmo tal, como se o espectador fosse cego. Situação que é recorrente. A todo o momento parecia-me que ele também fazia parte dos 22, tinha a bola e desejava rematar. Imaginei-me sentado em um estádio com um sujeito atrás a businar-me os ouvidos com aquilo que eu estava a seguir. Meu caro narrador, rádio é uma coisa, aí transmite-se a emoção, televisão é outra completamente diferente! A RTP tinha um "livro de estilo" (julgo que assim se designava) pelo qual se guiavam. Lá chegará o momento (não sei se já é tecologicamente possível) em que o espectador, com o seu comando, separa o áudio dos comentadores e narradores do som ambiente. 

Terceiro, as entrevistas. São várias as técnicas e não vou aqui desenvolvê-las. Nem eu sou a pessoa indicada para isso. Apenas, enquanto espectador, no caso da televisão, considero que esse momento, em todas as situações, mas sobretudo quando se trata da presença de convidados de quem se espera poder perceber um dado assunto, compreendê-lo e até aprender, constitui um momento, repido, de extrema relevância. O entrevistador nunca deve assumir protagonismo. Deve ser discreto. O convidado é, naturalmente, a figura principal. Daí que, quem conduz a entrevista, deve estudar o tema, amadurecer as questões e, serenamente e com inteligência, colocá-las com frontalidade e esperar a resposta, não a por si desejada, mas a do convidado. É muito discutível, pelo menos para mim, a tese de que um jornalista, no quadro de um alegado contraditório, suspenda a sua isenção. Talvez, por isso, bastas vezes assisto a entrevistas durante as quais o entrevistador fala em cima do entrevistado, corta-lhe o raciocínio, adianta-se e quase exerce a função de defesa das suas próprias convicções. Isto é, convida e ofende!

Há tempos li um texto, a propósito de uma entrevista, em que o autor dizia que aquele momento deveria servir para ser passado aos alunos da Licenciatura em Jornalismo, como exemplo e sob a designação "de como não entrevistar". 

Mas, atenção, de jornalismo nada percebo. Quem estudou, obviamente, está a léguas de mim. Apenas desabafei.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Só amamos as batalhas difíceis


Por 
José Sócrates, 
in Público, 
12/04/2021


O processo Marquês nunca foi um processo judicial, mas um processo político. Foi concebido e executado para me afastar do debate público e para impedir a minha candidatura a Presidente da República, que a direita dava como certa. Teve igualmente como objetivo criminalizar as políticas do Governo que liderei e, desta forma, legitimar as políticas de austeridade do governo que me sucedeu. Em dois pontos constituiu um sucesso absoluto – o PS perdeu as eleições legislativas e o candidato Marcelo Rebelo de Sousa pôde ser eleito sem que o PS apoiasse qualquer candidato presidencial, o que aconteceu pela primeira vez na democracia. No entanto, como tantas vezes aconteceu na história, o golpe, vítima do seu próprio êxito, escapou das mãos dos seus artífices. A extrema-direita viu nele a oportunidade para julgar o regime e a democracia – afinal de contas era um antigo primeiro-ministro acusado de corrupção. De certa forma, o processo Marquês, e as diversas cumplicidades que com ele se estabeleceram, constituiu um marco importante no nascimento e afirmação do primeiro partido da extrema-direita no Portugal democrático.



O processo teve também uma longa preparação. Antes dele houve duas outras tentativas de criar um processo judicial contra mim – o Freeport e as chamadas “escutas de Belém”. Ambas foram desmascaradas e ambas falharam. A primeira teve origem no gabinete do primeiro-ministro de então; a segunda na casa civil do Presidente da República. Quando decidiram tentar de novo, asseguraram-se que toda a gente estaria a seu lado – um Governo, uma maioria, um Presidente e uma procuradora-geral. Faltava um juiz. A obrigação legal do sorteio foi então substituída pela “atribuição manual” e o jogo foi viciado. Agora o juiz era o seu juiz, escolhido por quem nada quis deixar ao acaso. Eis a trapaça, agora denunciada na decisão instrutória. Eis o escândalo de que ninguém parece querer falar.

Nada disto tinha tradição na política portuguesa. A instrumentalização do combate à corrupção para combater o inimigo político é mais própria de outras latitudes. Na verdade, o Governo Passos Coelho foi o primeiro em democracia a iniciar esta caça ao homem. Após as eleições, a primeira preocupação foi a de criminalizar as políticas do Governo anterior, única forma que encontraram de legitimar as suas. A ministra da Justiça da altura deu o tom – “acabou a impunidade”. A partir daí valeu tudo: inquérito sobre gastos dos gabinetes, inquérito sobre as PPP, inquérito sobre a EDP, inquérito sobre a PT, sobre o TGV, sobre a diplomacia económica na Venezuela, sobre a Parque Escolar, estas últimas devidamente acondicionadas no chamado processo Marquês. Escapou alguma coisa? Talvez o Magalhães, o inglês na primária, as Novas Oportunidades. Muito por onde escolher.

Quando chegou a primeira imagem da detenção, estava tudo a postos. O clima de ódio instalado, a televisão da lei e da ordem atribuída à Cofina e o futuro chefe da extrema-direita com emprego – o de comentador principal da Operação Marquês. A televisão dá-lhe visibilidade e o líder do partido a oportunidade de se lançar na política. Depois de um pequeno teste numa campanha municipal e de uma primeira fala sobre ciganos, fica absolutamente claro que a direita salazarista nunca deixou de existir e fica igualmente claro o que quer ouvir. Chega de uma direita tímida e civilizada. Depois de Trump e de Bolsonaro chegou o momento de afirmação – violência, ódio e intolerância. A moderação e o civismo democrático são filhos do politicamente correto e é preciso acabar com isso. O momento simbólico dá-se quando os polícias se manifestam em frente à Assembleia da República e cantam o hino nacional voltados de costas para o Parlamento. Aplaudem freneticamente o deputado de extrema-direita que é também o único a discursar aos manifestantes. Têm agora à sua frente tudo aquilo com que há anos sonharam – ordem, pátria, autoridade, os eternos ontem.

A esquerda, pelo seu lado, finge e finge e finge: o Partido Comunista considera as reivindicações dos polícias justas; o Bloco de Esquerda critica o Governo por ter sido tão indiferente a essas legítimas aspirações; e o Partido Socialista lembra tudo o que fez pela organização policial. Os manifestantes sentem imediatamente o cheiro da covardia e garantem que doravante serão os donos das ruas. A manifestação, na verdade, nada tem a ver com reivindicações profissionais. Ela pretende, isso sim, afirmar uma nova cultura política, a caminho de um estado policial.

Neste longo período, que tem agora mais de dez anos, a crise, o terror, os refugiados e os imigrantes criaram o ambiente propício para endurecer as leis, dar mais poderes às autoridades e enfraquecer as liberdades individuais. Como sempre, a caçada foi feita de arrasto, sem distinguir culpados e inocentes. O que importa é mostrar serviço: acusar, difamar, insultar. Tudo é suspeito, tudo é criminoso, até se provar que não é. Eis o caminho que despertou a memória histórica da inquisição e a cultura penal por detrás dela – o julgamento passa a ser feito por quem acusa e o direito de defesa e a presunção de inocência, bases do direito moderno, transformam-se lentamente em presunção pública de culpabilidade. A “morosidade insuportável” dos julgamentos acabou. Nós, procuradores e polícias, faremos a nossa própria justiça – já não precisamos de juízes independentes e imparciais. Foi este o caldo cultural que esteve no bojo do processo Marquês, que o permitiu e que o impulsionou. E ao qual a esquerda – toda a esquerda – assistiu em silêncio.

No final, anotemos o essencial. Primeiro, todas as alegações contidas na acusação – a fortuna escondida e a corrupção – caíram com estrondo. Segundo, fica agora absolutamente claro que, durante o meu mandato como primeiro-ministro, não foi identificada nenhuma conduta contrária aos deveres do cargo. Nunca. Pronto, este foi o primeiro passo.

No entanto, o juiz de instrução não resistiu à tentação de criar novas acusações. Pronuncia-me por um crime de que nunca estive acusado e do qual nunca me pude defender. Transforma o alegado “testa de ferro” em “corruptor” sem comunicar aos visados esta alteração de factos. Passei sete anos a defender-me da mentira da fortuna escondida e no final ouço, pela primeira vez, que há indícios (que alguns imediatamente transformam em provas e em sentença transitada em julgado) de um crime que já prescreveu. Essa acusação é tão injusta e falsa como as outras e dela me defenderei mais à frente.

Por agora, que fique claro que as acusações de corrupção no TGV, na diplomacia económica com a Venezuela, em Vale do Lobo, na PT e na ligação aos interesses do BES eram fantasiosas, incongruentes e sem nenhuma lógica, para usar as expressões do juiz. E, todavia, tive que as ouvir todos os dias reproduzidas nas televisões como se fossem factos provados. E, todavia, foi por elas, com base nelas, que foi decretada a prisão, pormenor que os moralistas de turno decidiram pôr de lado, por inoportunidade.

Bom, a batalha foi longa e dura, mas a solidão do combate deu-lhe uma beleza singular. Houve momentos em que parecia nada mais existir, a não ser essa vontade interior que “mantém acordada a coragem e o silêncio”. Não, não esqueço a ignomínia, mas celebro a oportunidade de vencer esta etapa. E vencerei a próxima porque nunca cometi nenhum crime. Para alguns esta foi a vitória possível. Talvez. Seja como for, só amamos as batalhas difíceis.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Poderá a Índia tornar-se uma nova China?


Por
João Abel de Freitas, 
12 Abril 2021


Dados do Banco Mundial mostram que o PIB da Índia é bem menor que o da China, cerca de 5,7 vezes, o que se traduz em riqueza criada por habitante bastante mais baixa: 1.648€/ano contra 9.164€.



Ano 2020, ponto de partida. Vejamos a situação comparada entre os dois países na base dos indicadores: População, PIB e PIB por habitante.

A população da Índia em 2020 aponta para 1,37 mil milhões de habitantes e a da China 1,4 mil milhões. Para uma ideia mais precisa da sua dimensão no Mundo, os dois países em conjunto representam aproximadamente 36% da população. E, segundo projecções dos serviços da ONU, a Índia ultrapassará a população da China na segunda metade da década em curso. A população (n.º) não será, então, problema.

Quanto ao PIB, a realidade é bem mais problemática. A Índia em 2020 atingiu 2.252.197M€, enquanto a China em 2019 chegou a 12.809.322M€. O PIB da Índia é, assim, bem menor que o da China, cerca de 5,7 vezes, o que se traduz em riqueza criada por habitante bastante mais baixa (1.648€/ano contra 9.164€).

Ainda para reflexão anotamos que, segundo o Banco Mundial, 41,5% da população activa na Índia vive da agricultura contra 24,7% na China, 26,7% do sector industrial contra 39% e 32,3% dos serviços contra 36,3%. E a riqueza da classe rica (1%) da Índia é superior à da metade da população. Não se afasta muito do padrão de apropriação da riqueza a nível mundial.

Alguns dados histórico-económicos

A Índia tornou-se independente no ano de 1947, dois anos antes da Revolução Popular da China (1949). A independência da Índia foi um processo longo, de lutas bem difíceis e um número elevado e indefinido de mortes. Entre as muitas lutas, ficou bem conhecida na história a Revolta dos Cipaios (1857-1859), considerada o primeiro movimento de independência da Índia.

Tratou-se de um levantamento popular armado contra o domínio britânico, realizado por soldados hindus e muçulmanos contra o alistamento obrigatório de jovens no exército da “Companhia Britânica das Índias Orientais”. O levantamento, que não alastrou a todo o território, terminando com a execução dos revoltosos e a extinção da Companhia.

Na sequência deste movimento, é criado um Vice-Rei para a Índia e, em 1877, a rainha Vitória coroada Imperatriz da Índia. Esta reorganização político-administrativa corresponde ao início da colonização profunda da Índia, traduzida na implantação de instituições-tipo britânicas, como colégios mistos, estradas, correios, clubes aristocráticos e bem importante, a introdução do factor “língua inglesa” que, de algum modo, deu um contributo a uma unificação maior num território com mais de 200 dialectos, um território sempre alvo de grande cobiça de diferentes povos, devido às suas riquezas naturais e grande fertilidade dos solos.

A penetração colonial da cultura e tradições inglesas não ofereceu grande resistência dado a Índia não dispor de um governo centralizado e a existência de castas, como factor de divisão da sociedade, facilitou o processo. As classes nobres aceitaram bem a colonização. Certas instituições davam-lhes algum estatuto.

Com a colonização passaram a existir duas Índias: uma de governação britânica e outra, a dos Principados, cerca de 200, administrados por famílias nobres.

A partir de 1920, Gandhi e Nehru, advogados de profissão, formados em Universidades inglesas, começaram a liderar o movimento de independência com o apoio da burguesia indiana e do partido do Congresso (constituído em 1885, por gente com ensino superior). Nesse contexto, foram várias vezes presos.

Gandhi batia-se pela desobediência civil ao poder colonial inglês e pela não-violência. Desobediência civil e não-violência tornaram-se, assim, as armas de rejeição e de prova dos que se batiam contra o domínio inglês.

O Reino Unido, que saíra enfraquecido da Primeira Guerra Mundial, perdeu ainda mais poder e influência no Mundo em favor dos EUA, na Segunda Guerra. Nestas condições, eram grandes as fragilidades para manter a Índia e tenta uma independência negociada.

O ambiente na Índia era instável e conflituoso. Muitas rivalidades religiosas vieram a marcar todo o processo. Por outro lado, debatiam-se na sociedade indiana duas tendências políticas para a independência.

Gandhi defendia a criação de uma Índia Unitária e Ali Junnah batia-se pelo Estado Independente do Paquistão. O Reino Unido apoia a segunda posição. E assim, em 1947, os ingleses reconhecem a independência da Índia que se concretiza com alguma turbulência. De forma sumária, a herança colonial inglesa deixa um país dividido em dois: a Índia e o Paquistão.

A União Indiana passou a ser governada por Nehru como primeiro-ministro na base do partido do Congresso e maioria hinduísta. O Paquistão de maioria islamita é governado por Ali Junnah. Entretanto, em 1948, Gandhi é assassinado por um elemento hinduísta radical que não aceitava juntar num mesmo país, hinduístas e muçulmanos.

A Índia de Nehru

Nehru, um lutador pela independência e alguns anos de prisão pela causa, torna-se primeiro-ministro da Índia em 1947 mantendo-se como primeiro condutor da governação da Índia independente até 1964, ano da sua morte.

O tipo de desenvolvimento económico protagonizado por Nehru não se encaixava na linha de Gandhi, defensor sobretudo de investimentos na agricultura e na sua reorientação.

Nehru, pelo contrário, apostava na grande indústria, no planeamento económico e na intervenção do Estado na economia, aliás com alguns traços de semelhança com a URSS. No entanto, nunca rompeu com as bases do capitalismo. As empresas não foram nacionalizadas. Praticou, contudo, uma espécie de “condicionamento industrial” como imperou, aliás, em Portugal. Os investimentos das empresas estavam sujeitos a autorização administrativa do governo.
Sob a governação de Nehru, o país não cresceu acima de 3% ao ano, o que era limitado para um país que arranca de uma situação atrasada e pobre, embora em domínios como o da construção de barragens os sucessos tenham sido assinaláveis.


Nehru notabilizou-se em termos mundiais pela sua política de não-alinhamento na Guerra Fria, tendo sido um dos fundadores e dirigentes com Nasser, Tito, Sukarno e Nkruma do movimento dos países não-alinhados que atingiu grande projecção mundial.

Com a morte de Nerhu, a sua filha Indira Gandhi sobe quase de imediato ao poder estabelecendo-se assim a dinastia da família na governação por longo tempo, através do Partido do Congresso.

Indira Gandhi segue, em termos económicos, as pisadas do pai: desenvolvimento de uma indústria nacional, defesa do não alinhamento na Guerra Fria e Estado secular, traves mestras que marcaram a linha de rumo de Nehru desde a independência. Esta linha de rumo acaba por ser alterada com a inflexão liberal da economia do país em 1990.

Não estamos numa resposta directa ao título do artigo. Estamos a carrear informação para quem ler este e os próximos escritos desenhar a sua própria resposta. Neste, deixamos alguns traços da evolução da Índia que se julgam importantes para o contexto, pois, em nosso entender, “tudo condiciona tudo” e a independência do país constituiu, sem dúvida, um factor marcante.

Termina-se, assim, este texto relembrando: há quem defenda que o Mundo se encontra num intervalo de 200 anos em que a “balança” da governação pendeu para o Ocidente.

Na verdade, entre o ano 1 e o de 1820, as duas grandes economias mundiais foram sempre as da China e da Índia. Muitos estudiosos que analisam este período de domínio do Mundo pelo Ocidente consideram-no como uma anomalia histórica em declínio natural. Será, necessariamente, assim?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.