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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Para o centro, direita volver


Francisco Louçã, 
in Expresso, 
30/11/2021

E, pronto, Rui Rio arrasou as previsões, o aparelho e as conveniências do seu principal opositor externo, o primeiro-ministro. Fica assim definido o quadro das eleições de janeiro, com um PSD a procurar somar votos do centro por via da polarização à direita, com o PS a procurar votos de centro usando a guerra contra as esquerdas, que procuram impedir aquele salto para o bloco central, com o PAN a oferecer-se tanto ao PS quanto ao PSD e com o CDS a lutar pela sobrevivência face ao Chega, que insinua um convite a Telmo Correia. Tudo no seu lugar, mas ainda sobram algumas incógnitas.




No PS, algumas vozes reclamam vitória com a anunciada aproximação ao PSD e citam as suas próprias pretéritas declarações, que já teriam sugerido esse entendimento, esperando que ele agora se concretize com um passe orçamental. Há nisto uma forte dose de autointoxicação. O PS já seguiu este caminho e foi há pouco tempo: depois da sua maioria absoluta (2005-2009), virou-se para acordos com a direita, consagrados com os famosos PEC, até Passos Coelho anunciar, com um à vontade que fez escola, que já era “tempo de ir ao pote”.

O resultado não foi entusiasmante. Ora, se isso é, ainda assim, o passado que passou, uma atual reedição de um entendimento do mesmo tipo entre o PS e o PSD, a que se tem chamado bloco central informal, com sustentação parlamentar mas sem coligação de governo, sofre agora de um risco maior. O facto é que essa convergência não tem projeto para o país e, sendo consagrado depois de seis anos de um governo cansado, parece mesmo aquilo que é, uma exasperada estratégia de sobrevivência.

O seu único programa é o poder pelo poder, a carreira, e isso nem sequer é ocultado. Veja o caso da saúde: o Governo rompeu negociações com os partidos de esquerda por não aceitar carreiras profissionais em exclusividade no SNS, entre outros temas. Fica agora preso a uma escolha impossível, ou continuar a degradação do serviço de saúde (mais quatro anos?) ou comprar a proposta do PSD, a começar por entregar a medicina familiar ao sector privado, com o milhão de clientes a quem falta médico no centro de saúde.

Acresce que este bloco central informal, se será defendido como a “estabilidade” da corrida para o centro, acentua a divisão dentro do partido do Governo e, fracassando, como está escrito nas estrelas, sublinha a viabilidade e mesmo a inevitabilidade da alternativa de Pedro Nuno Santos. Assim, a incógnita do atual governo é que a política com que pretende vencer agora conduz à certeza da sua derrota posterior.

No PSD a incógnita é diversa. Parece até mais pequena. Rio concorre para perder em janeiro, mas ganhou tempo. Ao dar o PS os próximos orçamentos, estende os seus prazos e fica à espera do desgaste ou até da eventual saída de Costa antes do final do mandato para um cargo europeu, assunto sempre rodeado de palpitante intriga. Por só ter de gerir o tempo, a sua escolha é a trincheira e é aí que tem sempre conseguido o que pretende: por isso, deve escolher se deixa morrer o CDS, que dificilmente elegerá um só deputado, ou se salva Rodrigues dos Santos e assim o tenta usar como um tampão contra Ventura. Para o efeito da polarização contra o PS, essa coligação é inútil e, de tão incredível, até perniciosa, imagine-se os comícios com os líderes dos dois partidos, que só sublinhariam a artificialidade da operação. No entanto, Rio hesita entre reconhecer o inevitável ou tentar usar o CDS como uma espécie de PEV do PCP. Assim, a incógnita do PSD é sobre o efeito de perder agora para esperar ganhar depois.

O resultado destas duas incógnitas é uma deslocação da política portuguesa, com o PS a procurar entrincheirar-se no centro e num acordo orçamental com o PSD e com o PSD a disputar a polarização da direita para atrair votos do centro. Tudo isto é jogo. Não há aqui Portugal.

Não há investimento, não há emprego com salário, não há segurança para as pessoas, não há saúde. Não há uma ideia ou uma proposta, há uma flutuação continuista. Não há chama nem entusiasmo, há resignação. O que assim nos é proposto é que caminhemos, cantando e rindo, para o pântano.

domingo, 28 de novembro de 2021

Por algum lado vai "derramar"

 

Diz o provérbio: "Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem". Vem isto a propósito do rol de decisões da Câmara do Funchal que deixam qualquer cidadão, minimamente atento, espantado com tantas promessas e celeridade na execução das mesmas. Obviamente que prometer não custa, mais complexa é a sua concretização. E também se sabe que muitos objectivos, agora divulgados à velocidade da luz, estão inscritos nos orçamentos plurianuais, portanto, que não são da responsabilidade do actual executivo. Dir-se-á, por isso, que há muito fogo de vista. Parece-me claro que poucos munícipes irão da história que o estendal diário fica a se dever ao executivo recém empossado. Vem tudo de trás, como é lógico. Na concretização do próximo orçamento, aí sim, a responsabilidade será de quem o apresentar e executar.


São vários os exemplos. Eis alguns: "360.000,00 euros em apoios sociais concedidos pela Câmara em 15 dias" - Dnotícias de 18.11.2021; "Câmara antecipa Festa e paga 2,7 milhões a fornecedores" - Dnotícias de 13.11.2021; "Câmara investe 400 mil em 11 ilhas ecológicas" - Dnotícias 24.11.2021; "Funchal investe 10 milhões para evitar perdas de água" - Dnotícias de 28.11.2021; "Funchal negoceia plano para pagar 36 milhões à ARM - Dnotícias 21.11.2021. "Funchal vai ter 21 papeleiras inteligentes (100.000,00 euros)". Dnotícias de 26.11.2021.

Neste rol aqui transcrito de forma sumária, obviamente que compreendo a efervescência política derivada da preocupação de querer demonstrar que agora é diferente, passo ao lado, da história de "deixar cair a Polícia Municipal e avançar com vigilância por vídeo" (07.11.2021), embora sejam aspectos diferentes, mas, de qualquer forma, constitui uma opção política legítima - Dnotícias de 17.11.2021, e passo ao lado, também, daquela historieta: "Câmara despacha 150 processos de obras particulares em 15 dias". Dnotícias de 07.11.2021. O que me preocupa são outros aspectos. Entre esses outros, por exemplo, li: "Aprovada a extinção da "derrama" no Funchal". Dnotícias de 12.11.2021, o que levou a CDU a falar da "Câmara prescindir de 5 milhões de euros" - Dnotícias de 27.11.2021. Isto é, a continuar assim, e este é um mero exemplo, com despesas superiores às receitas, parece-me óbvio que a Câmara do Funchal, tarde ou cedo, não irá apresentar contas equilibradas. Aliás, na última passagem do Dr. Pedro Calado pela Câmara, autarquia esta que, apresentava sempre "lucro", mais tarde, o executivo da coligação que venceu as eleições de 2013, veio a detectar mais de € 100.000.000,00 de dívidas. Nos últimos oito anos, mesmo com a torneira do financiamento fechada, a do governo regional, foi público que o anterior executivo reduziu em mais de 65% a dívida e pagar aos fornecedores, em média, a 14 dias. Relembro que só entre 2010 e 2013, sob a liderança do Dr. Miguel Albuquerque, o governo assumiu contratos-programa com a Câmara no valor de 20,8 milhões de euros. "Mudaram-se os tempos e as vontades". Ora, daqui para a frente não sei. Ou se calhar sei. A venda de "cabritos" continuará porque, parafraseando o provérbio, as "cabras", pastando no Orçamento Regional, possibilitarão alimentar o folclore político. É caso para dizer que, por algum lado vai "derramar"!

Para mim, apenas cidadão, já não levo muito a sério quem ganha os actos eleitorais. Cumpro o meu dever cívico de votar e ponto final. Do que não gosto é de assistir a uma certa fanfarronice diária, seja lá de que quadrante for, que, depois, acaba quase sempre por ser o cidadão a pagar. Não há almoços grátis. Portanto, será aconselhável prudência, boa governação e menos espectáculo mediático. E daqui a quatro anos o povo será, novamente, juiz.

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 27 de novembro de 2021

Na praia, sem peruca, com rabo de palha


Por estatuadesal
Clara Ferreira Alves, 
in Expresso, 
27/11/2021

É o nosso Wally. Onde está o Rendeiro? Há uma tragédia dentro da história que se tornou entretenimento e meme das redes. E a tragédia não é apenas a do banqueiro fugitivo em paragem incerta. A tragédia é coletiva e é de um país que por vezes perde o respeito próprio e transforma tudo numa anedota. Um país onde, a seguir à entrevista alucinada na CNN Portugal, com pedidos de indultos e indemnizações ao Estado português, o próprio Presidente da República responde em direto dizendo que há uma longa fila para indultos. Tudo isto se tornou não uma derrota da Justiça, mais uma, mas um segmento de comédia nacional, aquela comédia amarga que lemos em Eça de Queiroz, “O Primo Basílio”, “A Relíquia”, “O Crime do Padre Amaro”. Ou vemos nos filmes do Vasco Santana.



João Rendeiro foi condenado numa das sentenças a dez anos de prisão, entre outras penas, pelos crimes de branqueamento de capitais, evasão fiscal e abuso de confiança. Crimes que não nega, mas que no seu narcisismo deve considerar naturais à gestão de fortunas. Uma pena de dez anos é uma brutalidade, para crimes de colarinho branco. Em 1993, um padre católico acusado de pedofilia, ou “práticas sexuais impróprias com menor”, e acusado de homicídio, um crime de sangue, foi condenado a 13 anos de prisão. O padre Frederico, outro criminoso que se tornou fonte de anedotas e entretenimento, teria tentado “abusar” de um rapaz de 15 anos e, sem querer, ou por querer, empurrou-o por uma ribanceira, matando-o. O método forense e o processo judicial colocaram o padre no local do crime. Nesse tempo, ainda não se tinha desvendado o rol de crimes da Igreja Católica, e o padre passou ileso pelos corredores da consciência religiosa. Parece que na Madeira, onde o crime foi praticado, a pedofilia praticada por prelados era comum nas diversas hierarquias, e com a cumplicidade das mais altas, segundo a vox populi. As vítimas eram, como sempre, crianças pobres de famílias destituídas.

Temos aqui o que qualquer moral vigente considera o “crime horrendo” dos tabloides.

Em 1998, cinco anos depois da condenação, o padre Frederico teve direito a uma saída precária e aproveitou para fugir para o Brasil com a cumplicidade da mãe. Foi fotografado em Copacabana, no calçadão. A mãe, que me lembre, não foi perseguida nem humilhada por ter ajudado o filho. As redes sociais e a cauda de linchadores ainda não existiam, mas o padre Frederico teve uma vida regalada apesar dos crimes pelos quais foi condenado.

Em 2021, quando as penas por homicídio em casos de violência doméstica, crimes praticados no corpo das mulheres ou crianças, são relativamente ligeiras, e quando a tendência do direito penal é para punir com menos tempo, Rendeiro apanhou ao todo 19 anos de cadeia. Isto faz sentido? Faz, se analisarmos o fenómeno da ascensão social em Portugal. João Rendeiro continua a ser descrito como “filho de um sapateiro”. Este pecado imperdoável fez dele um milionário diferente de Ricardo Salgado, protegido pela dinastia de que era a cabeça e a providência, o distribuidor de fundos e de dinheiro, ao ritmo de milhões por mês, para manter o clã abastado e contente. João Rendeiro nunca teve uma das proteções nacionais que asseguram ou a impunidade ou o débil juízo moral.

Não teve a proteção de um partido. Se deu dinheiro para a campanha de Cavaco Silva à presidência ou o apoiou, isso não lhe conferiu a proteção do PSD. Não teve, como Armando Vara ou como os suspeitos Manuel Pinho e José Sócrates, ainda por julgar ao cabo de vários anos, a proteção do PS. Vara, aliás, acaba de ser libertado, ao abrigo da covid, tendo passado pouco tempo atrás das grades. Rendeiro não teve a proteção de uma instituição como a Igreja. Nem, julgo, a da maçonaria ou qualquer grupo ou associação secreta ou à luz do dia. Rendeiro era um operador solitário, um pistoleiro do dinheiro que dava aos clientes bom rendimento. O subprime deu cabo dele, como deu cabo de Salgado, ou continuariam ambos a movimentar-se em círculos das elites embora com pedigree diferente, e poder diferente.

A ascensão social em Portugal, por mais bem-sucedida que seja, tem de ser sustentada pela autoridade pessoal ou o autoritarismo. O exemplo maior do triunfo sobre as chamadas “origens humildes” é Salazar, claro. E o segundo caso, outro exemplo de triunfo social assente no poder político, é o de Cavaco Silva, recebido em ombros pela direita geracional clássica.

O cavaquismo tornar-se-ia um movimento poderoso de agremiados com lugares de prestígio em instituições portuguesas, o que quer dizer que Cavaco transcendeu não só as origens como fundou um clube privado e seleto, que confere proteção. E assim, o escândalo do BPN, que lesou muito mais Portugal do que João Rendeiro com o Banco Privado, passou como um caso camuflado e sem importância. Dias Loureiro, a figura política mais proeminente a seguir a Cavaco, foi ilibado de todos os crimes, a cabo de anos à espera. Quanto ao PS, é o partido que confere mais proteção direta e indireta, simplesmente porque entre católicos e maçons, e entre famílias e dinastias socialistas, a omertà funciona. Nunca ninguém viu nada ou sabe nada, dentro do PS. Tudo a leste do que quer que seja. Tudo inocentes de esquerda.

Rendeiro não faz parte do clube, não faz parte de nenhum clube, o que quer dizer que se tramou ao ludibriar a gente que lhe entregou as fortunas. E acabou por trair o próprio advogado. À apreciação diferenciada destes crimes pelo jornalismo e pelo corredor de opinião criado chama-se na gíria, em inglês bias, em português viés.

Na tragédia pindérica, um deslumbrado foi apanhado na malha da Justiça e a seguir deixado à solta para fugir à Justiça, entidade abstrata e corporativa. A Justiça resolveu apertar a mulher de Rendeiro como se ela fosse uma criminosa igual ao marido. É o elo mais fraco. Nunca denunciaria o marido, e quem a conhece sabe que nunca apreciou a vida de opulência que o marido escolheu. Os media deliram com as descrições do choro em tribunal, o melodrama, a sessão adiada, um espetáculo degradante para entretenimento coletivo. Foi para casa com a ignomínia de uma pulseira eletrónica, Ricardo Salgado tem direito a veranear na Sardenha.


A mulher de Rendeiro é, a meu ver, uma vítima, alguém sem poder arrastada pela ambição do cônjuge, o foco do opróbrio. Se fosse uma criminosa, teria fugido com ele. O pormenor das “cadelinhas” é penoso, triste. Quem acha graça? Rendeiro nem se apercebeu do ridículo a que sujeitou a mulher, naquela tirada de autovitimização. Vai à praia, faz ginástica, não usa peruca nem rabo de cavalo.

Ao mesmo tempo que assistíamos a isto na CNN Portugal, na SIC-N tínhamos uma grande reportagem e um debate sobre os crimes e tramoias da gente da política, da construção civil e do futebol, envolvendo Vieira, autarcas e, claro, por cima, Ricardo Salgado. Ana Gomes disse que Portugal era, na União Europeia, depois de Malta e de Chipre, o país com mais dinheiro em offshores. E José Gomes Ferreira perguntou onde estava a Justiça para investigar os banqueiros que emprestaram dinheiro dos bancos a amigos, sem retorno, e receberam comissões por isso. Os bancos que tivemos de resgatar.

Onde está o Wally? Ainda bem que não foi ou que desistiu do Belize. Um criminoso desta escala não duraria muito no meio da alta criminalidade internacional. O Brasil é melhor. Boa praia. O padre que o diga.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A ciclovia


Li, no Dnotícias, o "post" do Dr. João Cunha e Silva, a propósito de ciclovias. Com toda a consideração pelo autor, democraticamente, no quadro do exercício da cidadania, resumo o meu pensamento a uma palavra: discordo. Aliás, em todo o texto, não há  uma linha que aprove. Por partes:



1. Obras. A esmagadora maioria das obras públicas causam sempre embaraços na cidade. No tempo do ex-vice-presidente do governo, houve momentos que a Região, particularmente o Funchal, assemelhava-se a um estaleiro. Pode-se mitigar as consequências, obviamente que sim, mas em função das características do Funchal e, portanto, da sua orografia, as obras são sempre motivo de constrangimentos. Pede-se, apenas, rapidez na execução associada a alguma paciência.


2. Infraestrutura de lazer. Não. Prioritariamente, as ciclovias não são destinadas ao lazer. Elas surgem por uma imperiosa necessidade ambiental, de sustentabilidade das cidades e de vida e vivência plena do espaço urbano. O automóvel é que "estrangula e estorva". E a prazo será cada vez mais assim.


3. Planeamento. Foi o que faltou. Desde 1976 para os dias de hoje, o perfil da cidade, sobretudo para oeste não foi devidamente equacionado. "A ciclovia não vai ter a lado nenhum", disse. Não vai porque não se assistiu ao ordenamento do espaço. Facilitaram e até o ex-presidente do governo, recordo-me, desejando colocar uma pedra sobre o assunto, relativamente à zona do Lido, disse que havia a necessidade de sacrificar uma zona... tinha sido aquela! Ponto final. Daí que, se não vai a lado nenhum, alguém que faça o "mea culpa"!


4. Sondagens e perda de eleições. Diz o autor do "post" que as eleições perdem-se quando existe "descontentamento" (...) que deriva "sobretudo pelo acréscimo exponencial de perturbações com o trânsito". É a velhíssima história na definição do conceito de político e de estadista: o político pensa na eleição seguinte e o estadista na geração seguinte. Da minha parte estou preocupado com a cidade que vamos deixar aos vindouros.

Comentário final

Em 2009 escrevi neste blogue vários textos sobre a complexa questão da mobilidade. Muito antes já tinha escutado e lido posições sobre esta matéria. Desde os primórdios da revisão do Plano Director da Cidade do Funchal. Todos eles convergentes no sentido do planeamento da cidade para os anos que estamos a atravessar. O jornalista Miguel Torres Cunha escreveu um texto no qual salientava: "(...) em 2005 existiam 103.340 viaturas com apólice de seguro - nos termos da lei é obrigatória - quando no final do ano passado esse número atingiu os 130.920 viaturas". Acrescentei: estão a entrar na Madeira oito a dez mil viaturas por ano. A solução que as entidades públicas têm encontrado tem sido a de descobrir novas vias de escoamento (finitas a prazo) e, sobretudo, a criação de novos locais de estacionamento públicos e licenciamento de parques privados. Certo é que não levará muito tempo e o Funchal tornar-se-á insuportável. Já o é em determinadas horas do dia e sê-lo-á cada vez mais. As actuais 130.000 viaturas, umas atrás das outras, dá para uma fila contínua entre Faro e Porto. Impressionante numa Região de tão pouco espaço.

Ainda em 2009 voltei a escrever sobre esta matéria, repetindo que a solução do problema passava, concretamente, por uma série de medidas:

a) A implementação do Park & Ride com a criação dos parques periféricos, com ligações rápidas e regulares ao centro do Funchal. Um excelente projecto que foi literalmente abandonado;
c) Limitação da circulação automóvel abaixo da cota 40;
d) Criação de ciclovias, para já nos três percursos planos do Funchal: Pontinha-Empresa de Electricidade; Mercado-Infante; Campo da Barca- final da Rua da Carreira;
e) Criação de uma rede de transportes escolares;
f) Limitação do estacionamento de superfície na baixa funchalense;
g) Implementação do metro de superfície aos concelhos limítrofes do Funchal. (possibilidade a estudar)

Agora é tarde para corrigir, embora muito possa ser realizado para atenuar as dores de uma cidade que respeite o ambiente. Mas sobre este assunto muito haveria a dizer. Urge, portanto, um debate profundo e sério que, aliás, vem sendo reclamado há muitos anos. Na qualidade de Vereador, na Câmara Municipal do Funchal, vezes sem conta tentei despertar a restante vereação para este problema. Pode alguém aceitar que a velocidade média comercial do transporte público (Horários do Funchal) seja de 16,1 km/hora (relatório de 2020)? E se assim acontece, e a culpa não é da empresa Horários do Funchal), quais as causas e de quem é a responsabilidade? Por aqui se vê o muito que há a fazer pela qualidade de vida no Funchal.

Injustificável, por isso, o que assumiu, recentemente, o actual presidente da Câmara: "Tendo em consideração o número crescente de moradias e residências que irão ser aqui construídas (Estrada Monumental), é preciso pensar em termos futuros", argumentou Pedro Calado, para quem não "faz sentido" priorizar um "circuito de ciclovia" em detrimento da circulação automóvel. O mais curioso é que "(...) A ciclovia no Funchal começou a ser construída em 2009, numa altura em que Miguel Albuquerque era presidente da autarquia e Pedro Calado vice-presidente, com uma extensão de 640 metros. Foi ampliada, cinco anos depois, em 1.850 metros, já com outra vereação, a mesma que pretendia agora acrescentar 2,5 quilómetros de percurso ciclável. O objectivo passava por encorajar a utilização regular da bicicleta, e, numa quarta fase, prolongar a ciclovia até ao centro da cidade, em mais sete quilómetros.

Por tudo isto, Caro Dr. João Cunha e Silva, estou totalmente em desacordo consigo. Ciclovias e transporte público, SIM!

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A memória é incómoda


José Pacheco Pereira, 
in Público,
20/11/2021

Nas últimas décadas, a natureza da relação de muitos dirigentes do PSD com a Maçonaria é diferente da dos maçons originais: está associada às possibilidades de carreira política e aos negócios, e muito pouco aos “bons costumes” da tradição maçónica.



O PPD/PSD sempre foi contra duas coisas: o comunismo e a Maçonaria. A natureza dessa oposição não é idêntica. O anticomunismo do PPD e do PSD é uma variante do antitotalitarismo, que é um dos fundamentos genéticos do partido, que se acentuou com a experiência portuguesa do PREC. O confronto com o PCP e a extrema-esquerda foi particularmente violento em Lisboa e no Sul do país e isso marcou o partido e reforçou o sentimento anticomunista. Embora tenha havido elementos do PSD (assim como do CDS) na chamada “rede bombista”, a responsabilidade da sua existência foi de outros sectores, dos militares spinolistas e dos exilados ligados à ditadura que organizaram em Espanha o ELP e o MDLP. Outro sector de resistência contra o PCP estava ligado ao PS e, por via do PS e de Mário Soares, a serviços de informação ingleses e americanos. Todos estes sectores comunicavam entre si.

O então PPD como partido não teve responsabilidade organizada nesses movimentos, apesar das declarações de Emídio Guerreiro, mas as suas “bases” participaram em vários actos de violência contra as sedes do PCP. Os documentos do muito pouco conhecido Serviço de Centralização e Coordenação de Informações do PPD, dirigido por Júlio Castro Caldas, mostram que o partido acompanhava os assaltos às sedes do PCP, mas não participava como organização. Já o mesmo não se passava com a organização conspirativa de antigos militares ligados a Eanes, em que o PPD participou com os seus contactos.

A natureza deste anticomunismo “de combate”, chamemos-lhe assim, mudou de carácter com o fim do PREC, altura em que este serviço foi extinto, mas permaneceu como um fundo na actuação do PSD, de novo acirrado pela violenta campanha do PCP e do PS contra Sá Carneiro, antes e durante o Governo da AD. Porém, anticomunismo e anti-socialismo não são a mesma coisa.

A hostilidade contra a Maçonaria acompanhou o anticomunismo, mas não é da mesma natureza. Vários elementos do PPD que vinham da sua origem eram da Maçonaria. O seu perfil era comum, vinham da oposição à ditadura ligados a movimentos e a grupos que participaram em todos os momentos de resistência, como a campanha de Humberto Delgado, e nunca desistiram do combate contra o regime, mas tinham relutância em aliar-se à oposição hegemonizada pelo PCP. Eram republicanos históricos, socialistas moderados, do “reviralho”, conservadores, anticomunistas e ligados à Maçonaria. Na fase inicial de constituição do PPD vários deles faziam parte das listas de pessoas a contactar preparadas por Sá Carneiro e Magalhães Mota, e alguns entraram para o novo partido. Foi o caso de Nuno Rodrigues dos Santos, que tentou trazer consigo para o PPD a Acção Democrata-Social, sem grande sucesso. Esses maçons, de uma geração mais velha do que a de Sá Carneiro, sempre foram muito respeitados no PPD e no PSD e tiveram cargos institucionais de relevo.

Mas a hostilidade à Maçonaria existia em muito dirigentes que tinham uma formação católica, e nas “bases”, em particular pela sua relação com o PS e pelo seu carácter “secreto”, mas também como herança do sentimento antimaçónico que vinha do Estado Novo. O PPD/PSD era um partido com forte implantação no centro e no Norte de Portugal, o país católico apostólico romano. No entanto, o programa do PPD/PSD manteve o partido como um partido laico, e essa laicidade foi sistematicamente reafirmada em todas as suas revisões.

Nos nossos dias, nas últimas décadas, a natureza da relação de muitos dirigentes do PSD com a Maçonaria é diferente da que tinham os maçons originais: está associada às possibilidades de carreira política, que dá uma relação horizontal, e aos negócios e muito pouco aos “bons costumes” da tradição maçónica. Embora haja alguns elementos no Grande Oriente Lusitano, muitos dos actuais maçons do PSD estão ligados às novas obediências maçónicas, que se viram envolvidas em sucessivos escândalos públicos. A Loja Mozart, com uma forte componente do PSD, é disso um exemplo. Isto muda o carácter e a identidade partidária do PSD.

É uma geração mais nova, que de um modo geral esconde a sua filiação maçónica e, quando saem notícias sobre o seu envolvimento, ou diz que só lá foi uma vez para ver como era, ou entrou e saiu logo, ou mente, dizendo que nunca foi, mesmo quando há provas evidentes da sua filiação. Nas distritais de Lisboa e Porto há um elevado número de novos maçons, que tem um peso no aparelho que nada tem que ver com o perfil dos velhos maçons que vinham da resistência à ditadura, e com biografias estreitamente ligadas a carreiras exclusivamente políticas. Actuam em grupo e patrocinam candidaturas no interior do partido, a nível concelhio, distrital e nacional, mantendo sempre o segredo da sua filiação maçónica.

Isto muda o carácter e a identidade partidária do PSD.

Na génese do PPD, enquanto Sá Carneiro e os outros fundadores tentavam controlar e travar a entrada de membros da extinta União Nacional/Acção Nacional Popular – uma das funções do Serviço de Centralização e Coordenação de Informações do PPD era a investigação das biografias dos que pediam a filiação –, a nível local vários membros da extinta organização entraram no partido. O caso mais relevante foi no Porto.

(Continua)

José Pacheco Pereira é colunista do PÚBLICO




quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Emanuel, um Homem de profundas convicções

 

Hoje, ao fim da tarde, será apresentado um livro que, no essencial, homenageia o percurso de vida do meu distinto Amigo Dr. Emanuel Jardim Fernandes. Tenho, por ele, uma enorme simpatia, pelo Homem bom que sempre foi. Daí o larguíssimo leque de amigos que o rodeiam. Nesta sociedade, onde não abundam os valores sociais e onde as relações pessoais genuínas, despidas de interesses, não constituem uma marca consolidada, o Dr. Emanuel conseguiu transmitir a imagem da tolerância e da amizade verdadeira. Há poucos assim.



O exercício da política, tantas vezes fértil em posições extremadas que conduzem ao afastamento entre os seus actores, no seu caso, sempre deixou a admissão de outras formas de pensamento sem que daí resultassem ódios ou mágoas profundas. Mesmo durante aqueles catorze anos que liderou o Partido Socialista na Madeira, naqueles anos quentes e autocráticos, onde ser oposição era completamente diferente dos dias que correm. Aos ataques indignos, vindos, sobretudo, de quem deveria demonstrar serenidade e respeito, o Dr. Emanuel respondeu, eu diria, com a clemência das palavras. 

Nos anos oitenta, convidou-me para membro da Assembleia Municipal do Funchal e, mais tarde, com ele disputei, há trinta anos, umas animadas eleições internas para a liderança do PS. O seu prestígio foi determinante para a sua vitória. No próprio dia, lembro-me, abraçámo-nos e disse-me: "André, as nossas convicções são as mesmas, por isso, vamos ao trabalho". Recentemente, foi uma das escassas cinco pessoas que me telefonou, lamentando e colocando-se ao meu lado aquando do maquiavélico episódio que ditou o meu afastamento do PS. Ao contrário de outros, ele compreendeu a minha luta pela dignidade e defesa de princípios e de valores inegociáveis. O Emanuel é isto, aliás, sempre foi um Homem são, nos planos profissional e político. Não convivemos, não pertencemos a uma qualquer tertúlia, mas existe um respeito e reconhecimento bilateral que muito aprecio. Tão distantes quanto tão próximos.

O Emanuel pode não ter agradado a alguns, sobretudo no plano do exercício da política. Mas, pergunto, quem é que está livre da crítica, por vezes severa, sobre as estratégias e decisões assumidas? De um aspecto estou certo, é que ele fez política de oposição em tempo de "vacas magras" e num tempo, repito, conjunturalmente difícil, muitas vezes ofensivo da dignidade, de uma vozearia baixa, intolerante, perversa, de subtil perseguição e marcadamente sórdida.

Amigo Emanuel, enquanto cidadão, obrigado pelo que deu à sociedade. Foi Deputado regional, nacional e no plano europeu, portanto, merecedor do reconhecimento de "Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique", título que distingue a prestação de serviços relevantes a Portugal.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

E falam de "paz social"... Vê-se!


Já muito pouco estranho relativamente a certos comportamentos políticos. O que hoje li, no Dnotícias, a ser um facto indesmentível, constitui um gravíssimo atropelo a um direito constitucional e que, por via disso, deveria ser totalmente investigado. Diz o Sindicato de Professores da Madeira que "a Direcção Regional de Administração Escolar, delegações escolares e várias direcções de escolas, proibiram a afixação de informação sobre a greve, deram ordens para a retirada do material de divulgação da mesma, e dessiminaram informações de que esta seria uma greve ilegal".



Ora bem, o que diz a Constituição da República:

Artigo 57.º
Direito à greve e proibição do lock-out

1. É garantido o direito à greve. 
2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. 
3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

Não faço quaisquer considerações sobre os motivos que conduziram à paralização. Esse é um assunto dos sindicatos, dos seus associados e da correspondente decisão tomada em Assembleia Geral de Professores. De resto, confesso, que não estou dentro do assunto. Importa-me, sobretudo, é conhecer as artimanhas, se as houve, no sentido de tentar bloquear ou diminuir os efeitos da paralização. Porque essas sim denunciam, claramente, não apenas um grave atropelo à Lei em sede de negação de um direito de todos os trabalhadores, mas porque, por extensão, manifestam uma forma ininteligível de estar no exercício da política. Quando os trabalhadores, sejam de que sector for, convocam uma greve é porque foram esgotadas todas as etapas anteriores de negociação. 

E alguns apregoam que se vive em "paz social". Pudera! Está fácil de ver... Investigue-se.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Na senda do iconoclasta


Por
09 Novembro 2021

Não partilho a ideia de que apenas o sector privado potencia riqueza e emprego como certos partidos apregoam. O Estado é central nesta matéria e certamente que suprir “falhas de mercado” não será a sua acção mais nobre.



O Orçamento do Estado para 2022 tropeçou mortalmente na AR

1. No meu artigo anterior escrevi que “até veria com bons olhos a hipótese do chumbo”. E alertava para a encenação da grande catástrofe, a começar por Marcelo Rebelo de Sousa, que o chumbo do Orçamento do Estado (OE) acarretaria para o País, como se algo de “estonteante” fosse a Assembleia da República (AR) não aprovar um orçamento.

Afirmei ainda que um orçamento não ancorado numa estratégia de desenvolvimento não passa de um mero documento formal para formatar e gerir as receitas e despesas públicas e as cativações, e pouco acrescentava como instrumento de criação de riqueza, ou seja, pouco contribuindo para um esforço de transformação das estruturas do País, aquilo de que verdadeiramente se precisa.

2. O Governo, por seu lado, afirmou que não se demitia, se o OE caísse. Uma posição correcta em termos de gestão política e económica do País, na medida em que, desta forma, fica com maior e melhor margem de actuação.

Há quem aponte elevados riscos a esta situação por falta de controlo da AR. Não é bem assim, pois na ausência da AR por dissolução, Marcelo Rebelo de Sousa, na sua qualidade de Presidente, concentra em si muito mais poder sobre o Governo, podendo, em última análise (há quem não concorde), demiti-lo.

A direita e o Presidente

3. Marcelo Rebelo de Sousa não foi bem sucedido por “gafes” de sua pressa. Certa direita (e comentadores) não perdoa ao Presidente a reunião, dita de cortesia, com Paulo Rangel. A cortesia nem sempre colhe. A reunião foi entendida como um apoio velado a Rangel, candidato a líder do PSD, em detrimento de Rui Rio.

Cada presidente “é o que é”. Marcelo o disse, um pouco na desculpa de ter recebido Rangel. Ficou a suspeita de intromissão na vida interna do PSD, e convenhamos não é mesmo missão do Presidente. Apesar de Marcelo ser “o que é” e ter saído das fileiras políticas do PSD não se lhe permite tudo.

Outro novo Governo precisa-se

4. O OE2022 caiu. Foi um bem para o País.

Acaba-se, assim, com um ambiente de degradação em movimento há bastante tempo, onde as culpas são de muitos, não podendo deixar de se assinalar a completa ineficácia em vários domínios ministeriais. Certamente, este segundo “modelo” da “geringonça” (desde o início em estado de divórcio latente!) não terá sido o apropriado. Não dava confiança aos parceiros e trazia muito ruído quando algumas situações se agudizavam.

Bem mais útil ao País, à sua economia, o chumbo agora, do que adiá-lo por um ano, como muitos admitiam como certo.

Daqui a um ano já estariam em fase de implantação vários projectos de investimento no domínio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e outros fundos e a crise política traria, então, grande perturbação, atrasos e paralisações com efeitos preocupantes no interior e exterior do País.

Interromper um processo em curso é sempre mais nefasto que na fase inicial de arranque em que os atrasos até são de pouca monta e fáceis de recuperar. Os dinheiros do PRR não resolvem todos os problemas do País, mas darão uma grande ajuda se bem aplicados e há indícios de que, em áreas importantes como a habitação e o hidrogénio, estão a ser contratualizados projectos com bons alicerces.

Eleições a 30 de Janeiro

5. Não havia “viabilidade” para avançar com outras hipóteses para resolver a crise política criada. Urge arejar o ambiente da gestão política do País. Acabar com as incertezas. Abrir um ciclo novo.

Um segundo orçamento para quê? Devaneios que a nada levariam e apenas degradariam ainda mais o ambiente. Menos ainda a ideia peregrina que ouvi, de pelo menos um partido, da gestão por duodécimos.

A única forma objectiva, nas circunstâncias criadas, é avançar para eleições. E aguardar resultados.

Cenários pós-resultados eleitorais

6. Tudo dependerá do decorrer do processo eleitoral, das pontes que se forem criando, da linguagem de confronto mais ou menos civilizada, do equacionamento de linhas-chave de desenvolvimento e das medidas apontadas para ultrapassar as sequelas da Covid-19.

Sobre governos possíveis não pretendo elaborar. Mas permito-me algumas reflexões.

Necessário é que certas linhas mínimas de desenvolvimento sejam abordadas porque prementes e determinantes do futuro de Portugal. Que problemas como a descarbonização da economia, a transição digital da sociedade não sejam núcleos de informação e debate e de tomadas de posição nas eleições não é crível. Seria uma campanha pobre demais.

Não consigo entender que sendo a energia um problema central, estruturante e por toda a parte se fale e discuta o mix das fontes de energia, não se coloque nas eleições o tema do hidrogénio e das energias renováveis ou mesmo o lítio, tendo Portugal francas potencialidades neste domínio, apesar da questão estar enviesada de raiz e de reconhecer dificuldades de a recuperar sem litígios.

Também não entendo porque não se clarifica o que se designa de reindustrialização, nos tempos presentes e futuros. Certamente, não estaremos a pensar na construção e reparação naval ou na electromecânica pesada!

É fácil falar de emprego, de contratualização laboral, saúde, etc., e deixar de lado os assuntos económicos. Entendo que deve ser prestada a atenção devida à ligação entre estes dois domínios. Não nos podemos esquecer que o País necessita de criar riqueza e emprego para melhorar a vida das pessoas, por exemplo, para que os salários se aproximem rapidamente da média da Europa.

Não partilho a ideia de que apenas o sector privado potencia riqueza e emprego como certos partidos apregoam. O Estado é central nesta matéria e certamente que suprir “falhas de mercado” não será a sua acção mais nobre. Sobre isto recomendo a leitura de a “Economia de Missão”, de Mariana Mazzucato, recentemente editado em Portugal.

Penso que foi nesta falta de sintonia, por ausência de debate, sobre estes dois pólos (economia e social) que a “geringonça” se foi desconjuntando.

Possível nova “geringonça”?

O País ficaria bem servido por mais quatro anos. Mas só com novos objectivos, onde os assuntos económicos e os sociais sejam colocados ao mesmo nível de prioridades. E com um modelo diferente de “geringonça” onde uma maior responsabilidade de todos esteja patente. Sem isso, não vale a pena ensaiar.

Agora tudo depende do processo eleitoral, da vontade mostrada pelos potenciais parceiros na campanha. O passado acabou e há ou pode haver Futuro. E para ser claro, sem um PS forte e as esquerdas com mais de 50% dos votos não se pode sonhar. E o sonho comanda a vida.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Via verde!

 

Li que estava criada uma "linha verde" entre a Câmara Municipal do Funchal e o governo da Região Autónoma da Madeira. Considero tal medida excelente. Aliás, nem necessário seria divulgá-la, pois se se trata de um objectivo, esse, desde sempre, deveria ter sido a prática comum em todos os concelhos. A Região é muito pequena, com cerca de 800 km, com mais vias rápidas que a Noruega, parece-me assim óbvio, até, que a própria divisão administrativa que remonta a 1835, deveria ser reequacionada.



A 31 de Maio de 2011 escrevi neste blogue: "(...) Mas, percebo as razões que determinam que o PSD queira manter esta divisão administrativa que data de 1835. Porque esta divisão serve os interesses do partido do poder. A máquina está montada e oleada qb, entre câmaras e juntas de freguesia, as ligações umbilicais às instituições locais estão na perfeição, desde a casa do povo aos clubes, da banda de música às instituições de solidariedade social, genericamente, da paróquia em sentido lato a tudo o resto. Mexer nisto, nesta espécie de "máfia boazinha", é colocar em causa equilíbrios que podem ser fatais. E isso o poder não quer. Melhor é deixar tudo como está, o caciquismo, o controlo sobre as pessoas, o trabalhinho e o favorzinho. Mexer, significa, porventura, perder lugares de natureza política e isso também não interessa.(...) A este próposito, não deixa de ser curiosa a declaração do "(...) Professor Marcelo Rebelo de Sousa que considerou a Região, com alguma deselegância institucional, é verdade, "uma grande autarquia", embora perceba o contexto e o sentido. Reduzir o número de Câmaras (11) e de Juntas (54), obviamente que não tem interessado. E a Madeira não tem as características de 1835, aquelas que configuravam o espaço territorial de há 186 anos!

Mas tudo isto, de passagem, para falar da designada "via verde". Está na moda. Até o candidato do PSD à liderança do partido, o Dr. Paulo Rangel, veio falar da "via verde" entre os governos da Madeira e da República, esquecendo-se que existem Leis que regulam as relações institucionais. Mas, tudo bem! Faz parte do jogo eleitoral. Quantos por aqui passaram, recordo, de todos os quadrantes políticos, que de outras maneiras sublinharam que, agora sim, iremos implementar a estrada do diálogo permanente, distante de qualquer "quid pro quo". Todos. Mas isso, repito, infelizmente, faz parte do folclore eleitoral. Dou de barato.

O que lamento é que a Câmara Municipal do Funchal e o governo regional da Madeira, agora com a mesma cor política, passem uma esponja sobre o passado recente e decidam criar a tal "via verde", quando foi público e notório, ao longo dos últimos oito anos, o mais desastroso divórcio entre as duas instituições. Os vereadores da oposição (PSD) fizeram o seu trabalho e o governo fez o seu, de descarado condicionamento financeiro. Isto foi claro aos olhos de qualquer pessoa. O que me leva a concluir duas coisas: primeiro, quem não está comigo, contra mim está; segundo, não é o interesse público que determina as relações, mas o interesse político-partidário, até porque a memória das pessoas é normalmente curta.

Não aceito esta forma de fazer política. A tal "via verde", numa região como esta, limitada no espaço, onde quase todos se conhecem no plano do exercício da política, deveria implicar uma maior seriedade e transparência nas relações institucionais, cujo objectivo deveria ser sempre o bem-estar de todos. É-me aberrante que o povo seja sempre vítima dos jogos de poder pelo poder. A via verde, rosa, laranja, azul, amarela, vermelha ou qualquer outra deveria constituir a normalidade institucional e não apenas quando interessa. Aliás, correspondendo ao princípio da subsidiariedade, embora respeitando a genuína identidade de cada partido político. 

Como testemunhava o "cartoon" da edição de hoje do Dnotícias: "via verde... isso não é aquela coisa das portagens que depois mandam a conta para casa?" Nem mais.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

"Embarcar em tontices"



FACTO

Declarou aos trabalhadores o secretário regional da Economia, Dr. Rui Barreto: "(...) Depois de normalizar as coisas, há sempre uma tendência para criar agitação, para desestabilizar e para criar confusão (...) não embarquem nisso (...) há um valor que não tem preço, que é o valor da paz social (...)". Fonte: Dnotícias, página 11, edição de hoje.


COMENTÁRIO

Dois aspectos chamaram-me à atenção: "tontice" e "paz social". Ora bem, a "tontice" pode constituir um subtil "ataque" às estruturas representativas dos trabalhadores. Não me parece legítimo que o governo as coloque em causa, tampouco que seja gerador de "medos". É a nossa Constituição que prevê tal possibilidade. É um direito. O jogo democrático assenta exactamente nesse debate entre quem está legitimado para governar e as organizações, também legítimas, que emergem da sociedade, laboral ou não. Portanto, não é "tontice" o acto de discordar sobre qualquer matéria. E quando as instituições discordam, desde que de forma sustentada, as partes acabam por perder qualquer coisa para que todos fiquem a ganhar. O silêncio, ao jeito de come e cala-te, não é benéfico para qualquer das partes. Aliás, tenho ainda presente a voz de fundo do secretário da Economia, então na qualidade de Deputado do CDS/PP. Quantas vezes, de forma convicta, permitam-me a palavra, "atirou-se" ao governo regional por discordar das decisões então assumidas. Não se tratou, certamente, de tentativas de "agitação, para desestabilizar e para criar confusão". Foi o seu direito de discordar. Agora, os tempos são outros, eu sei, parece-lhe que tudo está bem! Não "embarquem nisso" disse. Mas a "tontice" levou-me a procurar o significado de "tonto". Um deles é o de embriagado que, entre tantas situações, também pode ser pelo poder.

Quanto à "paz social", o Senhor secretário da Economia sabe, ora se sabe, que não pode haver "paz social" quando existem 32,9% de pobres, milhares no desemprego, emigração forçada, milhares que sentem que "em cada mês falta mais mês", empresários aflitos, e dezenas de instituições que mitigam a fome que por aí anda.

Apesar de convições políticas, sociais, económicas e culturais, muito distintas entre nós os dois, creia o Dr. Rui Barreto que mantenho a mesma atitude de consideração pessoal. Foi, apenas, o meu desabafo, sincero, porque as palavras não são neutras e porque rejeito ser "tonto".

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Onze teses sobre uma crise que ninguém desejou


Por estatuadesal
Pedro Adão e Silva,
in Expresso Diário, 
27/10/2021

1. A ideia de que há sempre racionalidade na ação política está bastante sobrevalorizada. Objetivamente, ninguém desejou a precipitação desta crise, que aliás não foi antecipada, e ela é mais o resultado agregado de opções (racionais) que foram sendo tomadas e que, a certa altura, tornaram o desfecho inevitável (e irracional);



2. O que esteve agora em causa não foi o conteúdo do Orçamento do Estado. De facto, por força da pandemia e com suspensão das regras europeias, o Governo goza de alguma margem de manobra que, até aqui, inexistiu. Além de que, se considerarmos que um orçamento é tanto mais à esquerda quanto mais generoso for na política fiscal e de rendimentos, a proposta para 2022 é, inequivocamente, a mais à esquerda já apresentada. A sua rejeição tem motivações políticas, que não surgiram de rompante no pós-autárquicas;

3. A primeira motivação profunda para a crise é estrutural e remete para a cultura política e o quadro institucional que enforma os debates em Portugal. Com um sistema eleitoral proporcional, desenhado para não formar maiorias de um só partido, e num contexto de crescente fragmentação da representação parlamentar, o desejável era que os partidos se empenhassem na formação de coligações pós-eleitorais. A ideia de governos minoritários é peregrina e condena a estabilidade política e, fundamental, diminui a possibilidade de compromissos em torno de soluções para as políticas públicas. Com governos minoritários, toda a discussão se transfere para o momento do debate orçamental, com aspetos aliás absurdos. Este processo, por um lado, descentra a discussão e avaliação da proposta orçamental propriamente dita; por outro, contamina reciprocamente o debate orçamental e o debate sobre políticas públicas. O modo como, nos últimos anos, se discutem questões de regulação laboral como contrapartida orçamental tem sido paradigmático disto mesmo;about:blank

4. Com uma proposta de Orçamento apresentada pelo Governo, à qual depois os partidos no Parlamento fazem uns quantos enxertos, promove-se a precariedade política. A pressão, do lado do Governo, para apresentar um Orçamento fiel aos seus princípios identitários e, do lado das minorias de suporte, para terem ganhos de causa, tenderá a ser, por definição, crescente e encerra em si as sementes do fim de qualquer solução política. A principal aprendizagem destes anos tem de ser precisamente que não é possível alimentar ilusões de que há espaço sustentado para governações à vista. À esquerda ou à direita, a responsabilidade tem de passar sempre pela construção de programas acordados, capazes de preservar as diferenças das partes, mas que garantam um chão-comum. A incapacidade de negociação, a sua transferência para uma janela de tempo curta (entre a apresentação da proposta de OE e a sua votação na generalidade) e o sistemático jogo de passa-culpas entre partidos ficarão como um sinal de imaturidade política dos vários protagonistas e do regime;

Com governos minoritários, toda a discussão se transfere para o momento do debate orçamental, com aspetos aliás absurdos.

5. Há, contudo, um problema que vai para além da fraca cultura política de negociação. Mesmo com a recomposição à direita, visível no crescimento de forças políticas iliberais, as assimetrias programáticas permanecem substantivamente maiores à esquerda do que à direita. O PS tem como linha vermelha a disciplina orçamental e os compromissos europeus (no que é acompanhado por uma larguíssima maioria dos portugueses) e o BE e o PCP discutem possibilidades que vão invariavelmente para além destes constrangimentos. Em algum momento, os partidos à esquerda vão ter de ser capazes de superar este bloqueio;about:blank

6. Quer isto dizer que o BE e o PCP têm tido posições irracionais? Não, considerando a cultura política dominante e o quadro institucional, os incentivos para a rutura estavam todos presentes e as posições obedeceram a uma racionalidade própria. A questão era saber quando é que deixava de ser sustentável suportar opções políticas que não eram as suas e que, durante muito tempo, se limitaram a ser toleradas;

7. O PCP move-se por critérios distintos dos outros partidos e a frente eleitoral é apenas uma das várias formas de presença social que o partido valoriza. Está aliás longe de ser a prioritária. Para além do mais, um século passado da sua fundação, o PCP continua a alimentar o sonho de um encontro adiado com a História. Se atentarmos na linguagem utilizada nos últimos dias, vemos que o partido recuperou as referências e as expressões que alimentaram a sua retórica no passado. Há, também, a questão da sucessão, que carece de unidade interna e não era compatível com divergências em torno do tipo de relação com “o Governo minoritário do Partido Socialista”;

8. O BE, por sua vez, levou a cabo uma aprendizagem muito particular do chumbo do PEC IV. Na interpretação dos bloquistas, o que terá ficado demonstrado é que, mesmo depois de grandes perdas eleitorais (que o partido certamente antecipa nas próximas legislativas), é possível recuperar. Se assim é, estando esgotada a solução atual do ponto de vista das ambições programáticas, é momento de regressar ao sonho antigo de sorpasso, liderando a esquerda, ou, complementarmente, reativar o entrismo, desta feita procurando influenciar o posicionamento do PS, no pós-Costa, com uma nova liderança, assente numa frente de esquerda, que traduza politicamente a polarização social que é crescente nas democracias europeias;

O PS tem como linha vermelha a disciplina orçamental e os compromissos europeus e o BE e o PCP discutem possibilidades que vão invariavelmente para além destes constrangimentos. Em algum momento, os partidos à esquerda vão ter de ser capazes de superar este bloqueio.

9. O PS partirá para as legislativas com uma grande dificuldade: não é claro que tipo de solução o partido pode oferecer, mesmo que volte a vencer as eleições. Se afastarmos o cenário de uma maioria absoluta (uma inviabilidade aritmética e política), ao PS resta regressar ao diálogo com a esquerda. Ora, mesmo que o conjunto da esquerda seja de novo maioritária, a probabilidade é que se assista a um recuo do voto somado no PS, BE e PCP. Se assim for, por que motivo será a esquerda capaz do entendimento pós-eleitoral de que não foi capaz nestes últimos dois anos? Os últimos dias de debate e o que se seguirá na campanha só acentuarão o clima adversativo e a troca de acusações. Num sistema mais fragmentado e polarizado, o PS só é politicamente viável com entendimentos à esquerda e a acrimónia à esquerda é, como tal, objetivamente contraproducente;

10. A crise, na verdade, é prematura até para quem aparenta beneficiar deste desfecho, o conjunto da direita. Se a próxima campanha for, em importante medida, uma avaliação de quem é capaz de oferecer estabilidade e soluções de governabilidade, o desafio à direita passa muito pela estratégia de coligações. PSD/CDS/IL coligados, não só isolam o Chega (no que será um poderoso antídoto a todos que criticam a aproximação da extrema-direita xenófoba ao arco da governação), como mostram que a direita democrática é capaz de concentrar votos, promovendo uma maioria. Há, contudo, um sério problema de tempo. Com CDS e PSD envolvidos em disputas internas, só depois de 4 de dezembro teremos um quadro de lideranças estabilizado e resta muito pouco tempo para o desenho de programas e listas comuns. Uma direita fragmentada e marcada por divisões intestinas será menos mobilizadora e menos contrastante com a oferta do PS. O PSD em particular ganhava se pudesse esperar mais seis meses ou mesmo um ano por uma crise;

PSD/CDS/IL coligados, não só isolam o Chega como mostram que a direita democrática é capaz de concentrar votos, promovendo uma maioria.

11. No fim, sobra um berbicacho para o Presidente. Em sete vezes que a legislatura foi interrompida (e tal nunca aconteceu por chumbo do OE), com a exceção de 1987, em todos os casos, ocorreu uma mudança de partido do Governo. Desta feita, podemos estar face a uma disfuncionalidade, pois enquanto o PS não tem uma solução política muito diferente da atual para oferecer, (ainda) não há uma alternativa constituída do outro lado do espetro político. Acima de tudo, não há uma alternativa consolidada no eleitorado. Se desta feita, a vontade de mudança não se confirmar (o que aconteceu sempre, designadamente em 1987, quando Cavaco Silva conquistou uma maioria após a dissolução e, em 2005, quando José Sócrates alcançou o mesmo resultado), o Presidente será corresponsabilizado pelo pântano político. Até ver, os portugueses não desejam eleições antecipadas e, independentemente das suas preferências de voto, nos estudos de opinião, revelavam que desejavam que a legislatura chegasse até ao fim. Se nada se alterar profundamente (e as campanhas eleitorais servem para promover mudanças no quadro político), Marcelo Rebelo de Sousa também não sairá beneficiado da crise. Talvez isso explique a proatividade que tem demonstrado, procurando evitar uma crise que não terá ganhadores.