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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Porque hoje é Sábado... tudo está a funcionar!


Triste sina a dos insulanos da Madeira. Quando escutei as declarações do Senhor Representante da República sobre uma eventual crise política, em função de uma "moção de censura" apresentada por um partido, passou por mim aquele notável poema de Vinicius de Moraes, "O Dia da Criação".


Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
(...)
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
(...) porque hoje é Sábado, amanhã é Domingo!


A variante política do Senhor Representante da República traz um pouco os sons e o canto de Vinicius:

"(...) Continuamos a ter barcos no porto, aviões a aterrar, os hotéis a funcionar, os percursos pedestres a funcionar, a economia e os nossos restaurantes a funcionar, está tudo a funcionar (...)".

Talvez seja a minha consciência social que não esteja a funcionar e, talvez, "não há como o tempo para passar". O problema é que não passa, ilustre Representante da República (que mal que isto me soa no quadro da Autonomia). A pobreza está a tornar-se paisagem, os processos, alegadamente criminais, estão aí aos olhos de todos, muitos empresários andam aflitos, milhares de jovens não estudam nem trabalham, a escola virou armazém, 84% dos professores desejam aposentar-se e poucos desejam lá entrar, o sistema de saúde soçobra, a economia paralela cresce, o biscate substituiu a vontade de trabalhar com deveres e com direitos, as dependências, químicas e outras, estão de vento em popa, matando lenta mas seguramente jovens e menos jovens, os suicídios tomaram proporções alarmantes, a violência, não apenas no seio das famílias, galopa sem freio, as assimetrias culturais são arrepiantes, o turismo, pelo que se lê, tem muito que se lhe diga, porém, tudo está "funcionando regularmente", embora sejam evidentes as tonalidades sombrias e trágicas da vida política insulana.

Com todo o respeito que nutro pela figura do Senhor Juiz Conselheiro, politicamente, é-me difícil aceitar a sua tarefa Constitucional. A quem me pergunta se estou bem, normalmente, com o pouco humor que tenho, respondo: funciono! Mas isso sou eu. Só que, o drama é este, para o colectivo "o tempo está a passar" o que obriga a que ninguém assobie para o lado, não confunda o bem-estar de uns com o da generalidade da população, tampouco com declarações que "fogem a essa dura realidade". O tempo exige distanciamento, coragem, inteligência, frontalidade, capacidade de decisão e nunca a aplicação de uma espécie de penso rápido nas feridas que são, notoriamente, profundas e dolorosas. O apelo à "serenidade" apenas traz no seu bojo a continuidade da dor. Mas, enfim, mesmo que a "moção de censura" me passe ao lado, como enaltece Vinicius...

Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
E há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado (...)

Hoje, Segunda, serenamente, vou escutar o "Dia da Criação". Como sublimação ou mecanismo de defesa, bálsamo e sensação de alívio. 

Ilustração: Google Imagens.

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