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sábado, 12 de julho de 2025

Padre José Martins Júnior

 

O Padre José Martins Júnior é intemporal. Faz hoje um mês que deixou a vida terrena. Fará um ano, dez, vinte ou cem, mas continuará presente. Saibam os que vivem trazê-lo em memória, estudando-o e dele falarem sobre os princípios e os valores que o animaram em vida. 



Não foi um autor com dezenas de obras publicadas e com uma eficaz máquina promocional. Não foi best seller de vendas. Foi, apenas, um Homem culto, multifacetado, capaz de múltiplas, profundas e inter-relacionadas sínteses. 

Sempre o trouxe comigo como um Teilhard de Chardin (1881/1955) dos nossos dias, padre jesuíta, teólogo e filósofo, cuja obra continua a ser uma referência de estudo. Chardin foi proibido de leccionar e de divulgar os seus trabalhos e até se exilou; a Martins Júnior suspenderam-no "a divinis", durante mais de 40 anos, perseguiram-no de diversas maneiras, porém não se exilou. Manteve-se, ali, na Ribeira Seca, imperturbável aos interesses que se desenvolviam debaixo dos seus olhos de actor-observador. Curiosamente, ambos morreram de forma súbita.

Chardin, em Maio de 1981, por ocasião da comemoração do centenário do seu nascimento, teve a sua obra reconhecida pela Igreja através de uma carta enviada pelo Cardeal Agostino Casaroli, secretário de Estado do Vaticano, ao reitor do Instituto Católico de Paris. A carta afirma: "Sem dúvida, o nosso tempo recordará, para além das dificuldades da concepção e das deficiências da expressão dessa audaciosa tentativa de síntese, o testemunho da vida unificada de um homem aferrado por Cristo nas profundezas do seu ser, e que teve a preocupação de honrar, ao mesmo tempo, a fé e a razão, respondendo quase que antecipadamente a João Paulo II: "Não tenham medo, abram, escancarem as portas a Cristo, os imensos campos da cultura, da civilização, do desenvolvimento". Espero, por um outro rol de razões, que a obra de Martins Júnior também seja reconhecida, tal como a do Padre Teilhard de Chardin. 

José Martins Júnior foi arquitecto, sem o ser, do "Homem Novo" e da sua transformação espiritual; foi engenheiro, sem o ser, na construção e ajustamento das relações entre os humanos, tendo em vista o bem-estar e a felicidade; foi advogado, sem o ser, na persistente defesa dos mais vulneráveis e dos seus direitos, foi sociólogo, sem o ser, porque apostou na ciência social e foi filósofo, sem o ser, porque "amante da sabedoria" não apenas no quadro da teologia. Foi professor e Mestre da Palavra ao contextualizá-la com a vida real. Ele que um dia disse: "rezar é fácil; difícil é pensar", sem alardes, semeou pensamento, profundas mas esmiuçadas reflexões e, pacientemente, soube esperar pelos resultados. E obteve-os porque a quem tocou foi sensível a transformação. Não foi, certamente, distribuindo estampas de santinhos, homilias vazias de conteúdo e absurdos actos de confissão que libertou as amarras da Igreja que serviu; não foi, aceitando com naturalidade e obediência os seculares vícios do Vaticano, que definiu o rumo a dar à Palavra; e não foi, aliando-se ao carreirismo eclesiástico, que defendeu os valores do Cristianismo. Preferiu o chão e não a ostentação, por isso foi o verdadeiro bispo e cardeal do povo. 


José Martins Júnior foi um Homem de ciência (aos 86 anos caminhava para a conclusão do Doutoramento) não porque qualquer grau académico enchesse o seu ego, o seu eu, mas porque, tal como um dia me disse, "o estudo é libertador e torna-nos mais humildes".  Tenho presente o Osservatore Romano (2025), associando-se às comemorações dos 70 anos da morte de Teilhard, quando publicou um artigo, "Teologia de um sacerdote muitas vezes incompreendido" (...) de reconhecimento da incontornável importância do pensamento de Teilhard para a Igreja, de hoje e do futuro, como o teria sido para a Igreja da sua época, se na altura ele tivesse sido escutado".

Estou certo que o Padre José Martins Júnior será sempre recordado, primeiro, pelo povo que o escutou, depois, pela hierarquia que, infelizmente, escolheu outros caminhos que não a da obra do Homem Novo que está por construir e "inaugurar".

Ilustração: Arquivo próprio.

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