Memórias de Abril (3)
Por
Henrique Sampaio*
Quer no Arquipélago dos Açores quer na Madeira, o período posterior ao 25 de Abril de 1974, é profundamente marcado, por um lado, por movimentações populares visando assegurar direitos e conquistas a que a ditadura do Estado Novo tinha vedado o acesso a diferentes sectores profissionais, e por outro, quase em simultâneo, a tentativas várias por parte dos sectores mais reaccionários de manutenção dos seus privilégios, através designadamente do recurso à ameaça separatista.
Com efeito, ao mesmo tempo que os trabalhadores dos meios urbanos e os camponeses se organizam, transformando os sindicatos corporativos em organismos reivindicativos ou criando associações de classe representativas, instrumentos fundamentais para o desencadear de lutas de âmbito laboral e não só; primeiro nos Açores e posteriormente na Madeira vão surgir movimentos de cariz independentista que nos anos subsequentes se caracterizarão pelo recurso à violência bombista e não só.
Nos Açores, como recorda Carlos Enes, no livro “A violência da FLA quase tomou conta da Ilha”, o designado MAPA (Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano) “manifestou-se a partir da ilha de São Miguel através de um texto de quatro páginas policopiadas, com a assinatura de uma comissão micaelense em organização e com data de 7 de Maio de 1974”. Um texto onde já transparecia qua a opção independentista poderia vir a estar em cima da mesa, uma vez que o MAPA advertia: “Não tenhamos ilusões: para se pensar como ilhéu é preciso nascer ilhéu e viver-se como ilhéu (…) Não sejamos ingénuos: Possuir ilhas é hoje um luxo a que ninguém se pode dar”.
Enes, natural da ilha Terceira e licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, acrescenta que “tanto neste documento como noutros que se seguiram, vai ficando clara a intenção de afastar as ilhas do processo democrático instaurado no país, abrindo a porta para a dependência dos Estados Unidos da América” – a este propósito, refira-se que Victor Cruz, um dos fundadores do MAPA, era funcionário do consulado americano. De resto, como sublinha Enes “depois da saída do primeiro documento do MAPA, a revista Newsweek publicou um artigo, que foi transcrito pel’A Capital, onde se afirmava que os separatistas haviam pedido auxílio político e financeiro aos EUA”.
Inexistente na Terceira e nas outras ilhas, em Ponta Delgada, no primeiro dia do ano de 1975, o MAPA seria alvo de uma manifestação de protesto que congregou forças de esquerda, a que se seguiram outras acções que conduziram ao encerramento da sua sede, no mês de Março.
Na Madeira, porventura surpreendentemente, quem primeiramente alude a uma hipotética «autodeterminação do Arquipélago» é o MDM (Movimento Democrático da Madeira). Na edição de 15 de Junho de 1974, o “DN” local refere que a Assembleia do referido movimento - cujos principais fundadores foram os drs. Fernando Rebelo e António Loja , futuros, respectivamente, governador civil e presidente da Junta Geral -, “considerando a necessidade de um processo com vista à consecução da autodeterminação (autonomização autêntica ou independência em confederação) do Arquipélago, delibera que seja criada uma comissão para o estudo sobre as reais possibilidades sociais, económicas e políticas do Arquipélago, no sentido da determinação dos limites duma autonomia autêntica do Arquipélago” – entretanto, e ainda antes, a 31/5/74, em reunião, o MDM deliberara que o novo jornal do movimento teria o nome de «Madeira Livre». Uma publicação que não surgiu, mas, como é sabido, anos volvidos, o PPD/Madeira editaria um jornal, precisamente com aquele nome, «Madeira Livre», dirigido pelo seu líder par(a)lamentar, Jaime Ramos (parafraseando o jornalista, Fernando Pessa, «e esta, hein?». MDM que, também, reclamou junto da Comissão Nacional encarregue da elaboração do projecto de Lei Eleitoral que a mesma “preveja a constituição de partidos de defesa regional numa base de autodeterminação”.
MDM que, em 19 de Outubro de 1974, voltaria ao assunto, emitindo um comunicado em que admitia a “independência, pela via da autodeterminação”. Desta feita, instalar-se-ia a polémica entre as diferentes forças políticas, tendo o PS local reagido violentamente, inclusive denunciando que o aludido comunicado fora assinado por “dois estrangeiros” (os signatários não eram naturais da Madeira), enquanto o PPD declarava que poderia também vir a agitar a bandeira da independência: “a mais ampla autonomia ou até a independência são, também, desideratos que o PPD se proporá alcançar se for a solução que melhor satisfaça os verdadeiros interesses de todos os madeirenses” – um outro movimento sem expressão popular, denominado MAIA, que tinha sido entretanto criado, advogava também a independência. Integravam-no, entre outros, os drs. José Maria da Silva, José António Camacho e Crisóstomo de Aguiar que posteriormente adeririam ao PPD, chegando a ocupar funções de relevância, quer parlamentares, quer governativas. Aguiar ficaria particularmente conhecido por ter proposto a criação de uma moeda regional, designada a «pataca».
O mesmo jornal, o “DN” da Madeira, igualmente em Outubro (dia 27), citando a então existente agência de notícias Lusitânia, revelaria que, há cerca de um mês, elementos do movimento «autonomista» açoriano ter-se-ão deslocado, secretamente, à Madeira, mantendo reuniões com os «autonomistas» madeirenses.
Ao contrário do que eventualmente seria expectável, tendo em conta a circunstância de ter sido candidato pela oposição nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, o mandato de Fernando Rebelo como governador civil seria particularmente contestado por diferentes sectores populares, quer citadinos quer rurais. Uma contestação que decorreu em grande parte, não só da inércia na tomada de decisões que respondessem favoravelmente às reivindicações populares, mas também das escolhas a que procedeu para lugares nas autarquias locais. Neste aspecto, sobressaíram Machico e Ponta do Sol: em Machico cederia às pressões do Bispo da diocese, Francisco Santana, não nomeando o Padre José Martins Júnior, presidente da respectiva Comissão Administrativa, conforme era a vontade popular, e na Ponta do Sol nomeou um cacique local, José Egídio Pita que, ainda por cima, tinha sido na década de 60 vice-presidente da comissão de freguesia da União Nacional nos Canhas. Outras escolhas completamente descabidas foram as de Gregório Figueira de Faria, em Câmara de Lobos e de David Canha Jardim, no Porto Moniz, tendo quer um quer outro se envolvido em acções separatistas.
Contestação que envolveu não só os trabalhadores, em particular os operários da construção civil e dos bordados – chegou a proibir a realização de uma manifestação em 21 de Outubro de 1974 por decorrer em horário laboral, tendo sido desautorizado -, mas também os caseiros que em Novembro desse mesmo ano (dia 17) exigiram o seu afastamento e que, de resto, se estendeu à generalidade dos partidos e movimentos políticos, com a excepção do PPD local – não por acaso, nas primeiras eleições locais ocorridas em 12 de Dezembro de 1976, o PPD candidataria Egídio Pita e David Canha e aproveitaria outras duas escolhas de F. Rebelo, Luís Mendes, na Ribeira Brava e Virgílio Pereira, no Funchal.
O isolamento do governador F. Rebelo acentuar-se-ia com a autorização que concedeu para a efectivação no dia 15 de Fevereiro de 1975 de uma manifestação-comício, anunciada como sendo a favor da «autonomia da Madeira», convocada pelo auto-proclamado MLAM (Movimento de Libertação do Arquipélago da Madeira ), tendo em resposta o UPM (União do Povo da Madeira) apelado a uma contra-manifestação-comício – a autoridade militar, novamente sob o comando de Carlos Azeredo que havia regressado à Madeira em Dezembro do ano transacto, acabaria por proibir as duas iniciativas, mas o UPM manteve-a , tendo as forças militares e militarizadas recorrido ao uso da força e à utilização de gases lacrimogéneos, o que não obstou à sua realização.
Azeredo, assumido monárquico e oficial pertencente à corrente spinolista das forças armadas, responsável pelas intentonas de 28 de Setembro de 74 e 11 de Março de 75, seria, aliás, pródigo no recurso ao uso da força para reprimir movimentações populares. Voltaria a fazê-lo por diversas vezes em Machico ao longo desse ano de 1975 e faria o mesmo em 9 de Abril de 75, quando os produtores de cana sacarina reivindicavam junto ao quartel-general, no Palácio de São Lourenço, o aumento do preço do quilo do produto e acesso ao controlo da pesagem.
Tal como sucedera no passado anterior ao 25 de Abril, o poder político em Lisboa continuava a não prestar a atenção devida ao que se passava nos Arquipélagos. Uma indiferença e um protelar de decisões que obviamente favoreciam quem conspirava contra o «processo revolucionário». Isso mesmo já havia ocorrido aquando da questão da aplicação do salário mínimo nacional e manter-se-ia durante o mandato dos sucessivos governos provisórios.
Porém, curiosamente, quando, finalmente, começam a haver sinais (notícias) de que se preparam mudanças na governação da Madeira, eis que a 14 de Fevereiro de 1975, em comunicado a Comissão Política Distrital do PPD declara “não aceitar qualquer mudança nos quadros da administração local, sem se conhecerem os resultados das eleições” (as eleições para a Assembleia Constituinte, inicialmente marcadas para 12 de Abril, acabariam por ser adiadas para 25 de Abril, na sequência do golpe militar de 11 de Março) – de acordo com o que veio a público, F. Rebelo permaneceria em funções, passando a presidir a uma «Junta de Planeamento» composta por três vogais. Contudo, a 19 de Março de 75, pediria a exoneração do cargo, exactamente no dia em que uma manifestação contra “o desemprego e os despedimentos” culmina com uma concentração junto ao Palácio de S. Lourenço, em que é reclamado o saneamento do governador civil.
A queda do regime motiva igualmente mudanças na imprensa diária local. No diário então propriedade da família Blandy, o seu director Alberto de Araújo solicitara a exoneração e no início de Junho ocupa o lugar o então padre e sociólogo Paquete de Oliveira que exprime abertamente adesão à mudança política em curso; enquanto que no órgão da diocese, o novo bispo, Francisco Santana – fora ordenado a 21 de Abril de 74, na Sé Patriarcal de Lisboa, sendo que na assistência pontificava o seu amigo desde os tempos da «Stella Maris», Almirante Henrique Tenreiro, um dos ultras do regime – decide, no final de Outubro, entregar o “Jornal da Madeira” nas mãos de Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim, sobrinho do director e proprietário do semanário “Voz da Madeira”, o dr. Agostinho Cardoso, por sinal, colaborador destacado do mesmo. Registe-se que na sequência da tentativa de golpe de 28 de Setembro de 74, na documentação encontrada na sede de um dos partidos organizadores, o Partido do Progresso, na «imprensa contactável», figuravam quer o “Voz da Madeira” quer o jornal da diocese. E quando, designadamente a partir de 1975, o separatismo passa a ser usado como arma política, enquanto o “Jornal da Madeira” reproduzia (7/2/75) o documento constitutivo do MAPA e foi dando assinalável destaque à causa independentista açoriana, através nomeadamente da publicação de declarações e entrevistas com alguns dos seus dirigentes, como José de Almeida e outros; no “DN” a postura adoptada foi abertamente a oposta, transcrevendo, por exemplo, o artigo «Açores: uma armadilha para Portugal?», da autoria do jornalista António Figueiredo, originalmente publicado no britânico “ The Guardian” e inserto na edição de 21 de Janeiro de 1975 do vespertino lisboeta “Diário de Lisboa”.
No rescaldo das eleições para a Assembleia Constituinte, na Madeira, o «Diário da Madeira» (10/5/75), através de três textos, associa a vitória do PPD (elegeria 5 dos 6 deputados em disputa em ambos os arquipélagos) à defesa da independência. Num deles, pôde ler-se: «Em fase dos resultados obtidos nas eleições à A. C., na Madeira e Açores, é caso para perguntar: se não será isso uma razão fundamental, além de outras existentes, para ser concedida a independência total às ilhas do Atlântico?». E numa carta ao director (o médico António Castro Jorge) era reclamado o corte com o «Terreiro do Paço». Simultaneamente, um denominado «Movimento Emancipalista da Madeira” procederia a leitura idêntica dos referidos resultados eleitorais. E no início de Maio, coincidindo com a visita do ministro do Trabalho, major Costa Martins, em várias ruas da cidade do Funchal surgiram inscrições murais em defesa da «independência da Madeira». Ainda em Maio, é divulgada a detenção de indivíduos que estavam a fazer inscrições nas paredes «caluniando o derrubamento do fascismo e apoiando a independência da Madeira» (um dos presos, César Barros fora candidato a deputado na lista apresentada pelo CDS – a comissão executiva provisória local do referido partido apressar-se-ia a esclarecer que o aludido candidato, «a seu pedido, foi desligado do CDS, em data anterior à sua detenção»). Já agora, anote-se que, então, na denominada «Tribuna Livre», AJJ também rejeitou a opção independentista. Posteriormente, como é do domínio público, recorreria, bastas vezes, como forma de chantagem junto do poder central, à ameaça separatista e chegou inclusive a catalogar como «patriotas» aqueles que covardemente recorrendo à violência bombista, destruíram bens públicos e privados e puseram em causa vidas humanas.
Tal como sucedera com o MAPA, a FLA fará o aparecimento público em São Miguel no mês de Maio, com inscrições e distribuição de comunicados por ocasião das festas do Senhor Santo Cristo. Carlos Enes, no já citado livro, acrescenta: “A projecção regional e nacional ocorreu com a manifestação dos lavradores micaelenses, a 6 de Junho de 1975, reclamando contra a situação de abandono a que haviam sido votados pelo governo. Por detrás da manifestação estavam elementos da FLA que canalizaram esse descontentamento para acções de violência inusitadas, com apelos à independência”. Uma manifestação que fora proibida pelo governador militar, general Altino Pinto de Magalhães por a data coincidir com a estada no porto de Ponta Delgada de uma esquadra da NATO.
Obtida a demissão do governador civil, o advogado António Borges Coutinho, militante do MDP/CDE – que aliás já havia colocado o lugar à disposição face aos resultados eleitorais -, os manifestantes dirigiram-se aos estúdios do Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional, que invadiram, exigindo a demissão do locutor João Coelho, militante do MES (Movimento de Esquerda Socialista) e o aeroporto foi também ocupado por camiões na pista, a fim de impedir o movimento de aviões.
Um modus operandi a que, a 7 de Setembro de 1974, poucas horas depois da assinatura em Lusaca do acordo de cessar fogo e de independência de Moçambique, colonos brancos já haviam recorrido ao assaltar as instalações do Rádio Clube de Moçambique, ocupando-as com a conivência da força de comandos que tinha a missão de as proteger. Os técnicos em serviço nos estúdios foram obrigados, sob a ameaça de armas, a colaborar na emissão de comunicados considerando nulos tais acordos. Ao mesmo tempo, são abertas as portas da prisão da Machava e libertados duzentos pides. Uma tentativa de golpe que não atingiu os objectivos pretendidos, mas que se saldou por um elevado número de vítimas, negros e brancos.
Gustavo Moura, director do jornal «Açores», em editorial (7/6/75) exultaria: «Os gravíssimos problemas da lavoura, a exigência de demissão do chefe do distrito, tudo depressa passou a segundo plano, para a uma só voz, se gritar independência» – Moura seria detido dois dias depois, juntamente com 30 militantes da FLA. Contudo, nas semanas seguintes, várias sedes de paridos de esquerda foram atacadas e muitos militantes tiveram de abandonar S. Miguel.
Pouco mais de um mês depois, a 18 de Julho, em Angra do Heroísmo ocorreria uma outra manifestação de características idênticas, que culminaria com a invasão do Rádio Clube de Angra. Na sequência, verificam-se diversas demissões, nomeadamente do governador civil, do presidente da Câmara de Angra e de elementos da direcção do Rádio Clube, todos identificados como «progressistas». E em Agosto, verificar-se-á uma nova escalada na acção separatista: a 12, a FLA anuncia que vai recorrer à violência para conseguir os seus objectivos,; a 18 são aprovadas moções exigindo a transferência para fora dos Açores dos militantes do PCP e «seus satélites», incluindo um padre e a 19, a sede do PCP em Ponta Delgada é destruída por uma bomba, tal como as sedes do mesmo partido, do MDP-CDE e do MES, em Angra do Heroísmo. Ainda em Agosto, é criado o Exército de Libertação dos Açores, braço armado da FLA e, numa reunião do movimento efectuada nas Ilhas Canárias, é decidido que o caminho para a independência pode ser abandonado, se em Portugal se consolidar a linha do conjunto de militares designado por «Grupo dos Nove».
O próprio Mota Amaral – que a 20 de Maio de 1974 fundara o PPD nos Açores e que foi presidente do governo regional entre 1976 e 1996 – confessaria em declarações insertas na edição da revista «Notícias Magazine» de 16 de Outubro de 2016, a simpatia pela causa independentista: «Nessa altura foi-me simpática a ideia de independência, e os meus caminhos cruzaram-se com os da FLA naquele período em que o governo de Portugal andava à deriva. Com o fim do Verão Quente, foi-se perdendo o momento. O país organizava-se e importante era a ideia de uma autonomia eficaz, de uma administração livre dos Açores pelos açorianos». Ou seja, não foi por acaso que José de Almeida acusara Mota Amaral de «traição», referindo designadamente que a declaração de princípios da organização separatista açoriana fora redigida pelo antigo deputado da nação pelo distrito de Ponta Delgada, no período compreendido entre 1969 e o 25 de Abril de 74 – Almeida, também ele deputado, pelo distrito de Viana do Castelo.
Na Madeira, Agosto de 1975 é também o mês em que a violência bombista perpetrada pela FLAMA faz a sua aparição. Um dos primeiros alvos (27/8) é a sede do UPM, situada na Rua do Castanheiro, num prédio, pertencente à família Aragão de Freitas, que, estando devoluto, havia sido ocupado pouco tempo antes. Um local que haveria de ser objecto de outras tentativas de assalto e de destruição. Meses antes dois dos seus principais dirigentes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martinho Martins tinham sido intimados pelo braço armado da FLAMA, o ELAM (Exército de Libertação do Arquipélago da Madeira) a abandonar o País, sob ameaças à integridade física. Uma hostilidade que decorria do facto do UPM por via da sua implantação popular ser a única força política de esquerda com capacidade de mobilização, em resultado da ligação estreita que mantinha com várias estruturas sindicais, nomeadamente as da construção civil e dos bordados.
Anteriormente, a 22 de Agosto, haviam destruído o Centro Emissor da Emissora Nacional, localizado na freguesia do Monte, no Funchal e, ainda antes (madrugada de 9 de Agosto) rebentaria um petardo nas instalações da mesma, na Rua dos Netos. Mais tarde (2 de Setembro), o próprio Palácio de S. Lourenço, sede dos governos, civil e milita, seria também atacado. Pelo meio, Carlos Azeredo, o titular desses cargos, já tinha declarado publicamente que não obedeceria a ordens do V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves.
Todos estes actos bombistas surgiam pela calada da noite, de modo cobarde, na medida em que, ao contrário do que sucedeu nos Açores, designadamente na ilha de S. Miguel, o separatismo na Madeira nunca conseguiu tomar conta da rua, nunca foi rei e senhor nesse particular. É certo que obtiveram sucesso numa ou noutra acção, designadamente nos incidentes que envolveram o sequestro do professor Francisco Simões (posterior ao 25 de Novembro de 1975) e na deslocação de uma comissão de saneamento de trabalhadores bancários (29/9/75). Num e noutro caso, tratavam-se de pessoas afectas ao PCP, partido que não dispunha na Madeira de capacidade de intervenção capaz de as neutralizar.
Respaldadas com os resultados registados na eleição para a Constituinte e contando com o suporte do anticomunismo primário que caracterizava a tríade Carlos Azeredo – Francisco Santana – Alberto João Jardim, essas forças julgaram que poderiam replicar na Madeira os acontecimentos de 6 de Junho em Ponta Delgada. Vai daí, quatro meses depois, a 7 de Outubro de 1975 ocupam os estúdios do referido Emissor Regional da Emissora Nacional. Para disfarçar fazem-se acompanhar de um grupo de alegados retornados. Desatam a colocar no ar, repetidamente, a música do bailinho da Madeira e procedem à difusão das suas principais exigências: saneamento imediato de cinco dos trabalhadores daquele posto emissor e expulsão, também imediata, do Arquipélago de três pessoas: o padre José Martins Júnior, o advogado Milton Morais Sarmento e o presidente do Sindicato da Construção Civil, Diamantino Alturas. Os primeiros – os jornalistas Gualdino Rodrigues, Alberto Andrade e Henrique Sampaio (o signatário do presente artigo), a locutora Graça Vasconcelos Coito e o intendente da estação, dr. Oliveira Pires – eram acusados de produzir uma “informação desonesta, demagógica e habilmente manipulada”, enganando a população local e orientando-a a favor de “minorias extremistas sem qualquer expressão” no arquipélago (Gualdino e Andrade tinham sido colaboradores do suplemento desportivo do jornal da diocese e Sampaio era redactor do “Comércio do Funchal”).
Por sua vez, Martins júnior, Milton Sarmento e Diamantino Alturas eram considerados “fomentadores ou patrocinadores das desuniões já verificadas no seio da comunidade madeirense”.
A ocupação prolongou-se durante a tarde por mais de quatro horas, ao longo das quais foram feitos apelos para o encerramento do comércio e para a adesão à ocupação. Entretanto, Azeredo que se encontrava na cidade do Porto foi negociando à distância com uma delegação dos ocupantes que se deslocara até ao Comando Militar. Viria a saber-se que já tinha dado o seu aval à 1ª das exigências: o saneamento dos trabalhadores e manifestara disponibilidade para, no regresso ao Funchal, tratar da segunda. Ou seja, o mesmo militar – que sempre que se tratou de lidar com lutas populares por direitos políticos ou sociais – não tinha hesitado em recorrer à força bruta, predispunha-se a comportar-se exactamente com a mesma benevolência e conivência demonstradas pelo seu congénere governador militar dos Açores, general Altino de Magalhães.
Uma vez que a autoridade política e militar não só não repunha a ordem no emissor regional da E. N., procedendo à desocupação do edifício, como estava disposta a satisfazer os objectivos pretendidos, a quem discordava destes acontecimentos só restava uma alternativa: recorrer aos meios ao seu alcance para evitar que o separatismo tomasse conta da Madeira. Foi isso que fizeram os operários da construção civil, tanto mais que em causa estavam também as pessoas do presidente do seu Sindicato e do consultor jurídico.
Nas reacções verificadas, vale a pena recordar que no dia seguinte (8 de Outubro), no órgão da diocese, em destaque na 1ª página, em jeito de lamentação, lia-se: “Elementos ligados à construção civil contra atacaram quando o grave incidente estava resolvido”, enquanto que o seu director consideraria a ocupação um acto de “flagrante inoportunidade” (sic), isto é, não estava em causa o saneamento que defendia, mas tão somente o processo a utilizar. De resto, na «Tribuna Livre», não se cansara de atacar a informação veiculada pela emissora pública ao mesmo tempo que se confessava adepto do pluralismo que não só não praticou como abominou.
* por opção, o presente artigo foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
Post-Scriptum: Oportunamente, tenciono revisitar com detalhe a actividade separatista/bombista. Há muita história que vale a pena relacionar…
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