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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Produtores de soja sentem-se traídos


Por
João Abel de Freitas,
Economista

O Brasil, país integrante dos BRICS, tem vindo a trocar o mercado dos EUA por fornecimentos de bens agrícolas à China, que se tornou, assim, o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição dos EUA. Um processo que está cada vez mais consolidado.



Donald Trump, ainda antes de se tornar Presidente dos EUA pela segunda vez, já eleito mas ainda sem posse (Janeiro 2025), declarou que o termo mais bonito, que encontrara no “seu” dicionário, era a palavra “tarifas”, isto na sua tão propagandeada “política económica das tarifas” como o seu grande instrumento para revitalizar a indústria e na linha de que todos os países devem pagar um “tributo” à economia dos EUA, porque têm passado o tempo a “explorá-la”, sem reconhecer os “bons serviços” que lhes são prestados, a diversos níveis.

Foi na aplicação em concreto de “palavra tão bonita”, as já tão conhecidas “tarifas aduaneiras”, que Trump tramou o negócio da soja aos agricultores dos EUA, que tinham por várias décadas ajustado as suas terras ao cultivo da soja para exportação.

Quem está a perder muito neste processo intempestivo de decisões à Trump?

Sem dúvida, os produtores de soja dos EUA que, até Setembro de 2025, não exportaram um único Kg deste produto para o mercado da China. Mas Donald Trump não se encontra em bons lençóis porque tem as suas hostes de apoio divididas. Por um lado, grande parte dos agricultores de soja, que sempre deram o voto aos republicanos, exige a renegociação das tarifas com a China. Mas um outro grupo de apoiantes defende a aplicação de tarifas por diversas razões, como a do combate ao consumo da droga Fentanil. Trump embaraçado!

Trump embaraçado porque não encontra saídas para esta situação, e aflito, com a sua imagem em recuo acentuado, a última coisa que deseja.

O produto agrícola de maior exportação

1. Acontece que a soja é tão somente a maior exportação agrícola dos EUA. E Trump com a aplicação impulsiva, impensada e prepotente de tarifas à China (e anunciou que ainda as vai agravar a partir de 1 de Novembro) contribuiu para a perda de mais de metade da exportação deste produto agrícola que, de há vários anos, sempre teve mercado assegurado e na agricultura dos Estados Unidos provocou, desde meados dos anos 90 do século XX, investimentos graúdos na reconversão de terras de cereais e tabaco para o cultivo de soja, cuja sustentabilidade de crescimento era garantida, sem esta intervenção desastrada do Presidente.

E agora os agricultores americanos sentem-se angustiados e traídos. Não vêem no horizonte o que fazer com estas terras, onde certamente não vão produzir soja porque o mercado esgotou-se. Para os produtores o que os espera são as hipotecas e as falências das propriedades rurais, pois ninguém as vai comprar sem perspectivas de rentabilidade e muitos ainda não amortizaram os investimentos realizados. E daí as pressões sobre Trump para renegociar com a China.

2. Esta sustentabilidade tinha fundamento. O consumo de carne de porco e de aves no mercado chinês continua a apresentar margem de crescimento significativa, atendendo aos rendimentos em crescendo da classe média da China, com propensão para o consumo daqueles tipos de carne, sendo que a sua produção requerer o uso de soja.

Vejamos um exemplo. No ano agrícola 2023/24, os EUA realizaram com a exportação de soja 31.2 mil milhões de dólares, sendo 52% para o mercado chinês, 20% para os mercados da UE e os restantes 28% para países diversos Japão, Coreia do Sul, México. Uma elevada concentração nas exportações americanas deste produto! Encontrar colocação de perda de quota tão grande não é possível. A saída é mesmo reduzir a produção de soja.

Trump aplicou uma tarifa de 20% à exportação de soja para o mercado chinês. Em contrapartida, a China respondeu também com a aplicação de taxas generalizadas, mas prescindindo da soja dos EUA e, substituindo-a, quase de imediato, pelo abastecimento em outros mercados, principalmente o Brasil, país integrante dos BRICS que, em grande parte, tem vindo a trocar o mercado dos EUA por fornecimentos de bens agrícolas à China, que se tornou, assim, o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição dos EUA, um processo que está cada vez mais a consolidar-se.

Esta situação com a soja só vem aprofundar a situação das relações comerciais e de investimento em progresso entre os dois países BRICS. Tanto assim é que outros investimentos chineses já estão a aportar ao Brasil, neste contexto ligados, designadamente a terminais portuários, com a finalidade de proporcionar melhores condições de embarque e desembarque na troca de produtos e do lado da China, significa a concretização de mais um investimento no contexto do grande plano estratégico no âmbito da Nova Rota da Seda (Road&Belt).

É a cooperação no grupo dos BRICS a desenvolver-se e, ainda a funcionar sem recurso ao dólar, pois os contratos são em moeda dos países e assim preenche e se coaduna com um dos grandes objectivos BRICS: a redução sempre que possível da dependência do dólar dos EUA, o que está a acontecer lentamente por diversos meios e o comércio sem recurso ao dólar (sempre que possível) é um deles.

Duas vezes o mesmo erro

3. Já na sua primeira passagem pela Presidência, Trump havia cometido este erro, taxando a soja. O problema acabou por ser resolvido sob pressão dos produtores que, entretanto, durante algum tempo, usufruíram de subsídios à produção, mas se queixam de não ter recuperado a taxa de exportações total, tendo de facto sofrido uma quebra na ordem dos 20%.

Trump, desta vez, encontra-se em pior situação. As suas hostes estão divididas: os agricultores de soja contra outras camadas de apoiantes. Trump certamente terá que enveredar por subsídios, aliás já admitiu isso, e apoiar investimentos para readaptação da produção agrícola, o que se torna bem difícil a curto prazo. Os agricultores também pressionam Trump a negociar com a China, sendo o sucesso duvidoso, uma vez que já se operou o desvio de mercado para o Brasil.

4. Por outro lado, não é só com a China que Trump está a encontrar dificuldades com a exportação da produção agrícola. Embora em menor escala, com a Índia, a exportação agrícola americana está a enfrentar resistência por causa dos produtos transgénicos, onde a lei indiana é muito rigorosa, admito que por questões religiosas.

A soja é um produto transgénico na ordem dos 90%, segundo os especialistas. Nesta situação, o mercado indiano está vedado por lei e Narendra Modi já respondeu segundo a lei.

As decisões irrefletidas do Presidente só lhe criam problemas e a sua notoriedade que muito preza entrou em quebra, o que o perturba. É preciso saber reagir a Trump como tem feito a China: em tempo, de forma pensada e sem hesitação. Exactamente aquilo que a Europa não sabe ou não quer fazer, tanta a subordinação aos EUA.

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